Discurso durante a 80ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Ponderações sobre os motivos por que Cesare Battisti não deva ser extraditado.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Ponderações sobre os motivos por que Cesare Battisti não deva ser extraditado.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2011 - Página 17889
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, TEXTO, AUTORIA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), LEITURA, QUESTIONAMENTO, LEGALIDADE, CONDUTA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REVISÃO, DECISÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, NEGAÇÃO, PEDIDO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ITALIA, EXTRADIÇÃO, PRESO POLITICO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Anibal Diniz, Srs. Senadores, aproxima-se o dia em que o Supremo Tribunal Federal deverá tomar a decisão conclusiva sobre o italiano Cesare Battisti.

            Eu, aqui, já algumas vezes externei a minha convicção a respeito desse caso e das razões pelas quais avalio que Cesare Battisti não deva ser extraditado.

            O maior jurista brasileiro, Professor Dalmo de Abreu Dallari, Professor da Universidade de São Paulo, emérito, Professor Catedrático da UNESCO, da Cadeira de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância, escreveu um artigo publicado pelo blog “Náufrago da Utopia”, do jornalista Celso Lungaretti, onde ele menciona as razões pelas quais avalia haver a prisão ilegal de Battisti. O seu artigo é denominado “Prisão Ilegal de Battisti: uma farsa jurídica”. Dada a importância dessa contribuição, vou lê-la na íntegra.

            Diz o Professor Dalmo de Abreu Dallari:

Fingir que o Supremo Tribunal Federal ainda pode decidir sobre o pedido de extradição de Cesare Battisti, formulado pelo governo italiano, não passa de uma farsa processual, uma simulação jurídica que agride a Ética e o Direito.

E manter Battisti na prisão, sem que haja qualquer fundamento legal para isso, é ato de extrema violência, pois além da ofensa ao direito de locomoção, reconhecido e proclamado como um dos direitos fundamentais da pessoa humana e garantido pela Constituição brasileira, em decorrência da prisão ilegal todos os demais direitos fundamentais da vítima da ilegalidade são agredidos.

Basta lembrar, entre outros, o direito à intimidade, o direito à liberdade de expressão e os direitos inerentes à vida social e familiar, todos consagrados e garantidos pela Constituição brasileira e cujo respeito é absolutamente necessário para a preservação da dignidade humana.

E a simulação de um processo pendente de decisão do Supremo Tribunal para saber se Battisti será ou não extraditado, o que já teve decisão transitada em julgado, agrava essa violência e desmoraliza a Suprema Corte brasileira.

Na realidade, o Supremo Tribunal já esgotou sua competência para decidir sobre esse pedido quando, em sessão de 18 de novembro de 2009, tomou decisão concedendo autorização para que o presidente da República pronunciasse a palavra final, com o reconhecimento expresso de que é da competência privativa do chefe do Executivo a decisão de atender ou negar o pedido de extradição e com a observação de que deveria ser levado em conta o tratado de extradição assinado por Brasil e Itália.

Estava encerrada aí a participação, legalmente prevista e admitida, do Supremo Tribunal Federal no processo gerado pelo pedido de extradição.

Depois disso, em 31 de dezembro de 2010, o presidente da República, no exercício de sua competência constitucional privativa, tornou pública a sua decisão de negar atendimento ao pedido de extradição de Cesare Battisti. E aqui se torna evidente a dupla ilegalidade, configurada na manutenção da prisão de Battisti e na farsa de continuação da competência do Supremo Tribunal Federal para decidir sobre o mesmo pedido de extradição sobre o qual já o Tribunal já decidiu, tendo esgotado a sua competência.

Com efeito, a legalidade da decisão do Presidente Lula, negando a extradição de Cesare Battisti pretendida pelo governo italiano, é inatacável. O presidente decidiu, no exercício de suas competências constitucionais, como agente da soberania brasileira e a fundamentação de sua decisão, claramente enunciada, tem por base disposições expressas da Constituição brasileira e das normas legais relativas à extradição, como também do tratado de extradição assinado por Brasil e Itália.

Não existe possibilidade legal de reforma dessa decisão pelo Supremo Tribunal Federal e não passa de uma farsa o questionamento processual da legalidade da decisão do Presidente da República por meio de uma Reclamação que não tem cabimento no caso, pois não estão sendo questionadas a competência do Supremo Tribunal nem a autoridade de uma decisão sua, sendo essas as únicas hipóteses em que, segundo o art. 156 do Regimento Interno do Supremo Tribunal, cabe a Reclamação. Apesar da evidente falta de fundamento legal, a Reclamação vem tramitando com a finalidade óbvia, mesquinha e imoral de manter Cesare Battisti preso por muito mais tempo do que a lei permite.

Quanto à prisão de Battisti, que já dura quatro anos, é de fundamental importância lembrar de que se trata de uma espécie de prisão preventiva que já não tem cabimento. Quando o Governo da Itália pediu a extradição de Battisti, teve início um processo no Supremo Tribunal Federal para que a Suprema Corte verificasse o cabimento formal do pedido e, considerando satisfeitas as formalidades legais, enviasse o caso ao presidente da República. Para impedir que o possível extraditando fugisse do País ou se ocultasse, obstando o cumprimento de decisão do chefe do Executivo se esta fosse concessiva da extradição, o presidente do Supremo Tribunal Federal determinou a prisão preventiva de Battisti com o único objetivo de garantir a execução de eventual decisão de extraditar. Não houve qualquer outro fundamento para a prisão de Battisti, que se caracterizou, claramente, como prisão preventiva.

Em 18 de novembro de 2009, o Supremo Tribunal decidiu conceder a autorização, o que foi comunicado ao chefe do Executivo com o reconhecimento expresso de que tal decisão não impunha ao presidente a obrigação de extraditar e a observação de que deveria ser considerado o tratado de extradição celebrado por Brasil e Itália. É importante ressaltar que cabe o presidente da República “decidir” e não aplicar burocraticamente uma decisão autorizativa do Supremo Tribunal, o que implica poder de construir sua própria convicção quanto ao ato que lhe compete praticar, sem estar vinculado aos diferentes motivos que levaram cada Ministro da Suprema Corte a votar num determinado sentido.

Em 31 de dezembro de 2010, o presidente da República tomou a decisão final e definitiva, negando atendimento ao pedido de extradição, tendo considerado as normas constitucionais e legais do Brasil e o tratado de extradição firmado com a Itália. Numa decisão muito bem fundamentada, o chefe do Executivo deixou claro que teve em consideração os pressupostos jurídicos que recomendam ou são impeditivos da extradição.

Na avaliação do pedido, o presidente da República levou em conta todo o conjunto de circunstâncias políticas e sociais que compõem o caso Battisti, inclusive os antecedentes do caso e a situação política atual da Itália, concluindo que estavam presentes alguns pressupostos que recomendavam a negação do pedido de extradição. Decisão juridicamente perfeita. Desde então, a prisão preventiva de Cesare Battisti perdeu o objeto, não havendo qualquer fundamento jurídico para que ele continuasse preso. Cesare Battisti deveria ter sido libertado imediatamente, em respeito ao Direito e à Justiça.

Por todos esses motivos e fundamentos, fica evidente que a continuação da discussão do pedido de extradição de Battisti no Supremo Tribunal Federal e sua manutenção na prisão não tem qualquer fundamento jurídico, só encontrando justificativa na prevalência de interesses contrários à ética e ao Direito. Em respeito ao Direito e à Justiça e para a preservação da autoridade, da dignidade do Supremo Tribunal Federal, impõe-se o arquivamento da descabida Reclamação e a imediata soltura de Cesare Battisti, fazendo prevalecer os princípios e as normas da ordem jurídica democrática.

            Sr. Presidente, assim conclui o professor Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e professor catedrático da Unesco na cadeira Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância, um dos juristas brasileiros mais citados em praticamente todas as decisões que têm sido tomadas ao longo das últimas décadas pelos diversos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

            Ainda recentemente, os Ministros do Supremo Tribunal Federal resolveram inclusive realizar uma publicação, que está sendo objeto ainda de coletânea, para justamente colocar a maneira como os trabalhos do professor Dalmo Dallari contribuíram ao longo desses anos, dessas décadas para que fossem tomadas as decisões ali mais sábias com vistas à realização de justiça.

            Então, com muita honra, peço a transcrição completa desse texto que acredito seja definitivo de avaliação sobre o caso Cesare Battisti pelo professor Dalmo de Abreu Dallari.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. art. 210, inciso I, §2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

- Dallari lança seu artigo mais contundente sobre o caso Battisti;

- Prisão ilegal de Battisti: uma farsa jurídica.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2011 - Página 17889