Discurso durante a 159ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a Dom Paulo Evaristo Arns pelos seus noventa anos de vida; e outros assuntos.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA CULTURAL.:
  • Homenagem a Dom Paulo Evaristo Arns pelos seus noventa anos de vida; e outros assuntos.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/2011 - Página 37431
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ARCEBISPO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • REGISTRO, EXPOSIÇÃO, FOTOGRAFIA, FOTOGRAFO, ESTADO DA BAHIA (BA), ASSUNTO, POVO, PAIS ESTRANGEIRO, ANGOLA, LOCAL, MUSEU, AMBITO NACIONAL, DISTRITO FEDERAL (DF).
  • DEFESA, CRIAÇÃO, MUSEU, AMBITO NACIONAL, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, LOCAL, ESTADO DA BAHIA (BA), OBJETIVO, PRESERVAÇÃO, HISTORIA, CULTURA, RELAÇÃO, AFRICA, BRASIL, NEGRO, SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, LIBERAÇÃO, RECURSOS, CONCLUSÃO, OBRA PUBLICA.
  • HOMENAGEM, LIDER, REVOLTA, ALFAIATE, ESTADO DA BAHIA (BA).

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, espero poder ser tão econômica quanto foi o Senador Eduardo, que me antecedeu.

            Mas quero, desta tribuna, hoje iniciar parabenizando Dom Paulo Evaristo Arns pelos 90 anos de vida, registrando aqui na Casa a minha alegria em poder saudar essa celebração de uma longa vida em defesa da democracia, em defesa daqueles que mais precisam no Brasil.

            Dom Paulo Evaristo Arns, o franciscano, continua com suas convicções, portanto, comemorando e celebrando muito pouco em festas, mas marcando na História do Brasil a sua presença. E foi em meio à ditadura militar uma das mais importantes figuras que, com autoridade moral, soube se colocar contra a violação de direitos humanos, em defesa das liberdades políticas em nosso País.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero hoje registrar e convidar esta Casa a participar da exposição que acontece no Museu Nacional de Brasília, uma exposição fotográfica organizada pelo curador Emanoel Araújo, um gigante da curadoria brasileira, curador do MASP - Museu de Arte de São Paulo. Essa exposição foi aberta ontem, aqui, em Brasília, a exposição do fotógrafo baiano Sérgio Guerra, que mora em Angola. Em sua exposição, Sérgio retrata o povo herero de Angola. A exposição contou com a participação da Embaixada de Angola e de diversas autoridades, diversos Deputados Federais da Bahia e de outros Estados do Brasil.

            Ao lado dessa belíssima exposição, que é uma tradução da identidade brasileira de raiz africana com o povo africano, com Angola, com o povo angolano, temos outra exposição de parte de um acervo inicial daquele que será o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira, com sede na Bahia. Esse museu ganhou apoio do Governo Federal, com um aporte orçamentário de R$ 9 milhões, mas, até então, foram liberados apenas um terço desses recursos, que serviram, Senador Paim, para a construção e reforma de um antigo prédio em Salvador, o antigo prédio do Tesouro da capital baiana. Lá, justamente nesse lugar do antigo prédio do Tesouro, ficará guardado esse tesouro da memória do povo brasileiro na sua tradição de raiz africana, e que deve receber deste nosso Senado o apoio total, para que possamos solicitar à Presidente Dilma, através do Ministério da Cultura, através do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), os recursos necessários, para que ele possa finalizar e dar ao Brasil essa contribuição indispensável, porque o nosso País, com toda essa força da cultura africana, não tem ainda um museu que possa contar a nossa história para os nossos filhos, para os nossos netos e bisnetos, para gerações futuras dos brasileiros, da contribuição dos negros que, vindos ao Brasil como escravos, construíram a história da civilização brasileira.

            Portanto, é extremamente importante que pude ver ontem essa exposição do Sérgio Guerra, mas também dessa parte do Museu, trazendo já, nesse acervo, muitos dos grandes artistas plásticos brasileiros negros.

            Temos lá a participação, em coleção cedida pelo próprio grande escultor e curador Emanoel Araújo; temos Ieda, uma grande artista plástica baiana, reconhecida internacionalmente; temos Juarez Paraíso, também um dos grandes artistas plásticos baianos, negro, um dos principais artistas plásticos da geração dos anos 50 na Bahia.

            Temos, portanto, o dever de defender este Museu como uma obra iniciada no Governo do Presidente Lula, continuada no Governo da Presidente Dilma Rousseff, como uma contribuição indispensável que os nossos governos devem dar ao Brasil, um legado que os governos progressistas deste País, um governo de esquerda, popular, com o apoio que a Presidente Dilma teve neste País inteiro, especialmente no nosso Estado da Bahia, não pode deixar para as nossas futuras gerações este legado da contribuição do povo negro à arte brasileira.

            Lá, além de artistas plásticos, há fotografias de diversos intelectuais, de médicos, de psicanalistas, negros, do período do Brasil colonial. Peço, inclusive, a V. Exª que não deixe de visitar essa exposição maravilhosa, aberta ontem, sob a responsabilidade do nosso querido José Carlos Capinam, grande poeta negro da Bahia e do Brasil, que cantou, de forma tão grande nos seus poemas, o nosso povo, a nossa vida, a nossa luta.

            Ouço o Senador Eduardo Suplicy, que me pede um aparte.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezada Senadora Lídice da Mata, em meu gabinete, há pouco, ouvi V. Exª falar de Dom Paulo Evaristo Arns, homenageando-o pelos seus 90 anos e senti necessidade de vir ao plenário para dizer o quão justas são as palavras de V. Exª para com esse extraordinário brasileiro, formidável exemplo de caráter e de dedicação. D. Paulo Evaristo é uma pessoa que, nos anos mais difíceis do regime militar, demonstrou extraordinária coragem em defesa dos direitos humanos. Quando sabia que pessoas, de alguma maneira, detidas, sofreram torturas ou sofreram perseguições, ele, com sua autoridade de Cardeal Arcebispo de São Paulo, conversava com as principais autoridades, inclusive com os principais generais, com os comandantes do II Exército e com quem mais ele pudesse falar, como o General Golbery do Couto e Silva e as autoridades do Planalto. De maneira destemida, com muita coragem e firmeza, ele criou a Comissão de Justiça e Paz, que teve o Professor Dalmo de Abreu Dallari como seu primeiro Presidente, seguido por tantos outros que até hoje honram a defesa do direito à cidadania. Dom Paulo Evaristo Arns, hoje com 90 anos, tem uma saúde um pouco mais frágil, que não lhe permite estar em toda parte, como fazia antes, mas recebe o carinho e a homenagem de todos os brasileiros, sobretudo dos de São Paulo. É muito bom que uma Senadora da Bahia, a Senadora Lídice da Mata, também se una às palavras e gestos de homenagem a esse extraordinário brasileiro, um dos representantes mais dignos de nossa Igreja Católica aqui no Brasil. Ele que, quando da visita dos papas ao Brasil, durante o tempo em que esteve à frente da arquidiocese de São Paulo, sempre teve palavras de extraordinária relevância para o povo de São Paulo, para o povo baiano, para o povo brasileiro. Meus cumprimentos por sua bonita homenagem ao querido D. Paulo Evaristo Arns.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA) - Muito obrigada, Senador Suplicy.

            Certamente, faço este registro por obrigação, por reconhecimento à história política, à importância que Dom Evaristo Arns teve para a luta por liberdade de todos os presos políticos, para a proteção da vida desses presos políticos brasileiros e também para a Igreja Católica brasileira. Sua importância é acompanhada, sem dúvida, pela importância de diversas outras personalidades da Igreja, que, no nosso Estado, na Bahia, podem ser registradas na figura de D. Timóteo Amoroso Lima e, em Pernambuco, na figura de Dom Hélder Câmara, duas pessoas que, na Igreja Católica, contribuíram para a luta de liberdade de nosso povo.

            Falando na luta por liberdade, eu queria, hoje, tentar finalizar, meu querido Presidente, em função de toda essa discussão da instalação do Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira na Bahia, fazendo um registro, que tardei em fazer e que não posso deixar de fazê-lo hoje, reverenciando os mártires da Revolta dos Búzios ou Revolta dos Alfaiates ou ainda Conjuração Baiana, que eclodiu em Salvador em 12 de agosto de 1798.

            Era domingo e, desde as primeiras horas da manhã, podia-se perceber que alguma coisa muito grave havia acontecido, quebrando a rotina domingueira da cidade.

            Entre sussurros, comentários em voz baixa, em tom de preocupação ou de regozijo dissimulado, ecoava a mensagem revolucionária contida nos boletins sediciosos afixados em locais estratégicos, de grande movimento de pessoas, como a Esquina da Praça do Palácio, a Rua de Baixo de São Bento, as Portas do Carmo, o Açougue da Praia, a Igreja da Sé, a Igreja do Passo e a Igreja da Lapa.

            Apesar de majoritariamente analfabeta, logo a população, com a ajuda dos poucos letrados, tomou conhecimento do que veiculavam aqueles papéis. Era uma conclamação ao povo baiano a se unir em torno dos ideais de liberdade e igualdade: "Animai-vos, ó povo bahiense, que está por chegar o tempo mais feliz de nossa liberdade; o tempo em que todos seremos iguais, o tempo para vossa ressurreição. Sim, para que ressuscitem do abismo da escravidão para levantares a sagrada bandeira da liberdade”.

            Mas, além de ecoar pelas praças e ladeiras da cidade, então com 60 mil habitantes, a notícia da existência desses papéis sediciosos ressoou como um tiro de canhão no palácio do governo. De imediato, o Governador da Capitania da Bahia de Todos os Santos, D. Fernando José de Portugal, ordenou a abertura de devassa, realizada pelos Desembargadores do Tribunal de Relação na Bahia - Manoel de Magalhães Pinto, Avelar de Barbedo e Francisco Sabino Álvares da Costa Pinto.

            O primeiro preso suspeito da autoria dos panfletos foi o escrevente Domingos da Silva Lisboa, mulato nascido em Portugal, visto que foram encontrados em sua residência textos manuscritos considerados danosos à ordem estabelecida. Após a comparação da grafia dos manuscritos com os boletins, chegou-se à conclusão da sua culpabilidade. Não obstante essa prisão, no dia 22 de agosto, novos panfletos foram jogados por debaixo das portas da Igreja do Carmo, o que provocou a intensificação da devassa e levou à prisão o soldado de milícia Luiz Gonzaga das Virgens. Mesma Igreja do Carmo que virou Convento do Carmo, que hoje é um belo hotel de bandeira lusa.

            No dia seguinte, 23 de agosto, é convocada uma reunião na oficina do ourives Luís Pires com o objetivo de planejar a libertação do soldado Luiz das Virgens, organizar o levante e marcar uma reunião geral para a noite do dia 25 no Campo do Dique do Desterro.

            À essa reunião compareceram, entre outros, os conjurados: Manuel Faustino dos Santos Lira, José Raimundo Barata de Almeida, irmão de Cipriano Barata; Luís de França Pires, Inácio Pires, os alfaiates João de Deus do Nascimento, Inácio da Silva Pimentel e José do Sacramento; o cabeleireiro e capitão de milícia dos pardos Joaquim José de Santana; Lucas Dantas; e o soldado do 1º Regimento José Joaquim da Siqueira, branco, nascido em Portugal.

            Lamentavelmente, entre os convidados dessa última reunião preparatória do levante, havia três delatores infiltrados: o cabeleireiro Joaquim José de Santana, o ferreiro Joaquim José de Veiga e o soldado José Joaquim de Siqueira, que denunciaram às autoridades os preparativos em curso. De posse de importantes informações, o governador aciona rapidamente o aparato policial e, já na manhã seguinte, dia 26 de agosto, deu-se início às prisões e à abertura de nova Devassa.

            O biênio 1798-1799 será marcado pela abertura da Devassa, por processos, condenações e execuções. Ao todo, 48 pessoas são acusadas de participar da Conjuração - chamada hoje Conjuração Baiana -, dentre as quais, quatro mulheres: Ana Romana Lopes, Domingas Maria do Nascimento, Lucrecia Maria e Luiza Francisca de Araújo.

            Encerrado o processo de julgamento, são condenados à morte por enforcamento os conjurados Luiz Gonzaga das Virgens, pardo, livre, soldado, solteiro, 36 anos; Lucas Dantas de Amorim Torres, pardo, liberto, solteiro, 24 anos; João de Deus Nascimento, considerado, à época, pardo, livre, casado, alfaiate, 27 anos; Manuel Faustino dos Santos Lira, pardo, forro, alfaiate, 22 anos. No dia 8 de novembro de 1799, eles foram executados na praça da Piedade e seus despojos, expostos nos principais logradouros da cidade. A cabeça de Lucas Dantas ficou pregada no campo do Dique do Desterro; a de Manuel Faustino, no Cruzeiro de São Francisco; a de João de Deus, na rua Direita do Palácio; e a cabeça e as mãos de Luiz Gonzaga ficaram pregadas na forca levantada na praça da Piedade.

            Além disso, sete conjurados foram condenados a ser jogados na costa ocidental da África, fora dos domínios de Portugal.

            Para sintetizar, Sr. Presidente, já que meu tempo está exíguo, peço que V. Exª solicite que seja integralmente colocado nos Anais da Casa o nosso pronunciamento, não sem antes destacar que a chamada Revolta dos Búzios teve um enorme significado para a história do Brasil e para a Bahia. Constituiu-se em um movimento com ideias bem definidas e avançadas para a época, inspiradas nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, símbolos da Revolução Francesa, sendo, sobretudo, um movimento que objetivava a independência do Brasil, a proclamação da República, a abolição da escravatura e a igualdade de direitos e oportunidades, além da separação entre igreja e Estado.

            Portanto, essa chamada Revolta dos Búzios, Revolta dos Alfaiates - pela grande participação de alfaiates - ou Conjuração Baiana tinha a proposta de uma verdadeira nação se constituindo a partir dessa revolução.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - V. Exª me concede um aparte, Senadora Lídice da Mata? Um aparte bem rápido?

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA) - Pois não.

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - Gostaria de me associar ao que diz V. Exª sobre essas lutas de Búzios, Alfaiates, no Brasil e principalmente na Bahia, no Estado de V. Exª, e em Salvador, de onde inclusive foi Prefeita. V. Exª também abordou, embora rapidamente, o aniversário de Dom Paulo Evaristo Arns, que tem sido outro grande lutador. Quero me associar a isso pelas lutas de Dom Paulo Evaristo Arns, até porque estou inscrito para discursar logo mais e irei falar sobre esse grande catarinense, e somar-me a essas manifestações.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA) - Muito obrigada.

            Eu preciso ressaltar, para finalizar, que, apesar de, na Revolta dos Búzios, ter havido uma participação muito grande de brancos, intelectuais, homens das letras que pensavam na luta por liberdade e na luta contra a escravidão no Brasil, foram condenados apenas os negros, foram mortos apenas os negros, foram degredados apenas os negros, para que servissem como exemplo de que novos negros não se colocassem contra os senhores de escravos, não se colocassem num processo de rebelião que pudesse ser vitorioso, consolidando ou configurando essa nova Nação brasileira libertária, com ideais republicanos firmados.

            Portanto, os nomes desses mártires da Conjuração Baiana hoje estão inscritos no livro Heróis da Pátria, porque foram, através de projeto de lei do Deputado Federal Luiz Alberto, do PT da Bahia, aprovados na Câmara e, por unanimidade, na Comissão de Educação e Cultura e sancionados pela Presidente Dilma Rousseff.

            E eu quero deixar aqui, em nome, portanto, da Bahia, da nossa luta pela igualdade racial, também inserido nos Anais desta Casa o nome desses heróis, heróis da luta pela Independência do Brasil e pela afirmação da igualdade racial.

            Muito obrigada.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DA SRª SENADORA LÍDICE DA MATA.

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            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs.Senadores, Venho, hoje, a esta tribuna para reverenciar os mártires da Revolta dos Búzios ou Revolta dos Alfaiates, ou, ainda, Conjuração Baiana, que eclodiu em Salvador em 12 de agosto de 1798. Era domingo e desde as primeiras horas da manhã podia-se perceber que alguma coisa muito grave havia acontecido quebrando a rotina domingueira da cidade.

            Entre sussurros, comentários em voz baixa, em tom de preocupação ou de regozijo dissimulado, ecoava a mensagem revolucionária contida nos boletins sediciosos afixados em locais estratégicos, de grande movimento de pessoas, como a Esquina da Praça do Palácio, Rua de Baixo de São Bento, Portas do Carmo, Açougue da Praia, Igreja da Sé, Igreja do Passo e Igreja da Lapa.

            Apesar de majoritariamente analfabeta, logo a população, com a ajuda dos poucos letrados, tomou conhecimento do que veiculavam aqueles papéis. Era uma conclamação ao povo baiano a se unir em torno dos ideais de liberdade e igualdade: “Animai-vos ó povo bahiense, que está por chegar o tempo mais feliz de nossa liberdade; o tempo em que todos seremos iguais, o tempo para vossa ressurreição. Sim, para que ressuscitem do abismo da escravidão para levantares a sagrada bandeira da liberdade.”

            Mas, além de ecoar pelas praças e ladeiras da cidade, então com 60 mil habitantes, a notícia da existência desses papéis sediciosos ressoou como um tiro de canhão no palácio do governo. De imediato, o governador da Capitania da Bahia de Todos os Santos, D. Fernando José de Portugal, ordenou a abertura de devassa, realizada pelos Desembargadores do Tribunal de Relação na Bahia - Manoel de Magalhães Pinto, Avelar de Barbedo e Francisco Sabino Álvares da Costa Pinto.

            O primeiro preso suspeito da autoria dos panfletos foi o escrevente Domingos da Silva Lisboa, mulato nascido em Portugal, visto que foram encontrados em sua residência textos manuscritos, considerados danosos à ordem estabelecida. Após comparação da grafia dos manuscritos com os boletins, chegou-se à conclusão da sua culpabilidade.

            Não obstante essa prisão, no dia 22 de agosto novos panfletos foram jogados por debaixo das portas da Igreja do Carmo, o que provocou a intensificação da devassa e levou à prisão o soldado de milícia Luiz Gonzaga das Virgens.

            No dia seguinte, 23 de agosto, é convocada uma reunião na oficina do ourives Luís Pires com o objetivo de planejar a libertação do soldado Luiz das Virgens, organizar o levante e marcar uma reunião geral para a noite do dia 25 no Campo do Dique do Desterro.

            À esta reunião compareceram, entre outros, os conjurados: Manuel Faustino dos Santos Lira, José Raimundo Barata de Almeida, irmão de Cipriano Barata; Luís de França Pires, Inácio Pires, os alfaiates João de Deus do Nascimento, Inácio da Silva Pimentel e José do Sacramento; o cabeleireiro e capitão da milícia dos pardos, Joaquim José de Santana, Lucas Dantas e o soldado do primeiro regimento, José Joaquim de Siqueira, branco nascido em Portugal.

            Lamentavelmente, entre os convidados dessa última reunião preparatória do levante, havia três delatores infiltrados: o cabeleireiro Joaquim José de Santana, o ferreiro Joaquim José de Veiga e o soldado José Joaquim de Siqueira, que denunciaram às autoridades os preparativos em curso. De posse de importantes informações, o governador aciona rapidamente o aparato policial e, já na manhã seguinte, dia 26 de agosto, deu-se início às prisões e a abertura de nova Devassa.

            O biênio 1798 - 1799 será marcado pela abertura de Devassa, processos, condenações e execuções. Ao todo 48 pessoas são acusadas de participar da Conjuração, dentre as quais quatro mulheres: Ana Romana Lopes, Domingas Maria do Nascimento, Lucrecia Maria e Luiza Francisca de Araújo.

            Encerrado o processo de julgamento, são condenados à morte por enforcamento os conjurados Luiz Gonzaga das Virgens, pardo, livre, soldado, solteiro, 36 anos; Lucas Dantas de Amorim Torres, pardo, liberto, solteiro, 24 anos; João de Deus Nascimento, pardo, livre, casado, alfaiate, 27 anos; Manuel Faustino dos Santos Lira, pardo, forro, alfaiate, 22 anos.

            No dia 8 de novembro de 1799, foram executados na Praça da Piedade e seus despojos expostos nos principais logradouros da cidade. A cabeça de Lucas Dantas ficou pregada no Campo do Dique do Desterro, a de Manuel Faustino no Cruzeiro de São Francisco, a de João de Deus na Rua Direita do Palácio e a cabeça e mãos de Luiz Gonzaga ficaram pregadas na forca levantada na Praça da Piedade.

            Além disso, sete conjurados foram condenados a ser jogados na costa ocidental da África, fora dos domínios de Portugal. Cada um deles recebeu quinhentas chibatadas no pelourinho, situado, naquela época, no Terreiro de Jesus. Pedro Leão de Aquilar Pantoja foi degredado pó dez anos no presídio de Benguela. O escravo Cosme Damião Pereira Bastos, a cinco anos em Angola. Os escravos Inácio Pires e Manuel José de Vera Cruz foram condenados a quinhentos açoites, e os seus senhores obrigados a vendê-los para fora da Capitania da Bahia. Outros quatro tiveram penas que variavam do degredo à prisão temporária.

            Embora tenha sido desbaratada no nascedouro, a Revolta dos Búzios teve um enorme significado para a História do Brasil e para a Bahia. Constituiu-se em um movimento com idéias bem definidas, avançadas para a época, inspiradas nos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, símbolos da Revolução Francesa e, sobretudo, um movimento que objetivava a independência do Brasil, a proclamação da república, a abolição da escravatura, a igualdade de direitos e oportunidades, além da separação entre Igreja e Estado.

            Ao concluir esse breve histórico da Revolta dos Búzios, não poderia deixar de ressaltar que os quatro mártires condenados a morte por enforcamento e posterior esquartejamento, eram homens negros e simples. Certamente, não se trata de uma mera coincidência ou que só houvesse negros no movimento. Homens brancos, ricos, intelectuais, enfim, representantes da elite local tiveram participação ativa na preparação do levante abortado pelas autoridades coloniais. Mas, estes últimos não se constituíam em ameaça para a ordem estabelecida. Os negros, sim. Era preciso intimidá-los, dissuadi-los de quaisquer veleidades de liberdade, muito menos de igualdade e, pior ainda, da idéia de uma sociedade democrática e republicana. Era necessário que fossem mortos de forma vil e humilhante para dar “exemplo” a outros negros.

            Hoje, o exemplo desses homens libertários, mártires de uma causa grandiosa, nos fortalece na luta por uma sociedade mais justa e igual. Seus nomes, por iniciativa do deputado federal, Luiz Alberto (PT-Bahia), autor do projeto de lei, aprovado por unanimidade pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara Federal e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, foram inscritos no Livro dos Heróis da Pátria.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA LÍDICE DA MATA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

            (Inserido nos termos do art. 210, inciso I, §2º, do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/2011 - Página 37431