Discurso durante a 188ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas às declarações do Presidente Mundial da Renault, Carlos Ghosn.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO PARANA (PR), GOVERNO ESTADUAL.:
  • Críticas às declarações do Presidente Mundial da Renault, Carlos Ghosn.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/2011 - Página 42439
Assunto
Outros > ESTADO DO PARANA (PR), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, CONVITE, PRESIDENTE, EMPRESA MULTINACIONAL, AUTOMOVEL, COMPARECIMENTO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, OBJETIVO, ESCLARECIMENTOS, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, ORADOR, ASSINATURA, ACORDO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARANA (PR), INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - No dia 05 de outubro, estando eu fora do País, fui alvo de declarações grosseiras, indelicadas e, sobretudo, mentirosas por parte do Presidente Mundial da Renault, Carlos Ghosn, que naquele dia visitava o Paraná.

            O Sr. Ghosn reclamou que, nos oito anos em que governei o Paraná, entre 2003 e 2010, a Renault não foi bem tratada no Estado. Disse ele, segundo jornais: “Não fomos bem tratados nos últimos oito anos. Nesse período, visitei a fábrica todos os anos e nunca encontrei o Governador”.

            Veja só, Senador Paim, ele queria que em suas alegadas visitas anuais à fábrica da Renault no Paraná, o Governador do Estado estivesse lá, na porta da fábrica, todo pressuroso, genuflexo, de mãos postas dizendo bwana, bwana, como fez o Governador que me antecedeu e agora repete o Governador que me sucedeu.

            Minha espinha não curva assim, Sr. Ghosn.

            Aqui no Senado, entre 1995 e 2002, critiquei e denunciei com frequência a política de incentivos fiscais do governo do Paraná às montadoras multinacionais, especialmente à Renault. As concessões foram tantas que o governo do Estado tornou secretos inacessíveis à opinião pública, ao Judiciário, à Assembleia, ao Tribunal de Contas os acordos, os protocolos assinados com a fábrica francesa.

            Por essa época, esteve no Brasil o economista norte-americano Lester Thurow, professor do lendário MIT, editorialista da Newsweek, membro do conselho editorial do New York Times.

            Lester Thurow é aquele economista que em seu livro "O Futuro do Capitalismo", escrito em 1996, disse coisas como: "O sistema financeiro global vai experimentar um colapso equivalente ao craque da bolsa americana dos anos 30". E mais: "Em algum ponto do futuro, os Estados Unidos perderão a sua capacidade de financiar seu déficit comercial. Então, o fim virá". Mais ainda: "As economias avançadas estão produzindo o que Marx chamava de lumpenproletarit. A desigualdade cresce em toda a parte. Por fim: "Os fundamentalistas religiosos são um vulcão social em erupção".

            Em uma entrevista à TV Cultura de São Paulo, em 1997, Thurow reafirmou a sua advertência: "E chegará a hora em que haverá uma quebra do mercado global. Isso hoje é fato."

            Isso tudo, senhoras e senhoras, ele disse em 1966 e 1997. Pois bem, esse homem, que antecipou em tantos anos o que depois o mundo viveu, disse também que os governantes dos países subdesenvolvidos que se atiravam à disputa de montadoras multinacionais, oferecendo a elas mundos e fundos, desbaratando seus já minguados recursos financeiros, eram - palavras de Thurow - uns perfeitos idiotas.

            Segundo ele, qualquer primeiranista de economia que lançasse um olhar para o mapa do mundo veria que o caminho natural das montadoras era em direção ao Sul, à conquista dos mercados consumidores da América Latina, África, Ásia, Oceania; que elas inevitavelmente se instalariam por lá, independentemente de incentivos, benesses e salamaleques de governantes colonizados.

            Ele deplorava que os nossos países tirassem o pão da boca de seu povo para dar dinheiro a algumas das empresas mais poderosas do planeta. Foi o que fez o meu Estado; foi o que fez o governador Jaime Lerner. Para que a Renault, a Volkswagen e a Chrysler se instalassem no Paraná, ele ofereceu os anéis e também os dedos. Além de doar terreno, fazer terraplanagem e as obras de infraestrutura, de isentar ou postergar o recolhimento do ICMS a perder de vista, de liberar financiamentos abrindo mão de juros e correção monetária, S. Exª - acreditem, é a mais pura verdade - subscreveu um capital, à época, de US$136 milhões de ações da Renault! Deu tudo e mais um pouco e ainda premia a multinacional com US$136 milhões. Ações essas, não é preciso dizer, que viraram pó.

            Em 2004, no segundo ano de meu governo, fui dar uma olhada para ver quanto a Renault havia contribuído em ICMS, depois de seis anos instalada no Paraná. Foram US$136 milhões de ações compradas pelo governo e a multinacional, Senador Paim, havia pago em impostos a ridícula quantia de R$ 1,5 milhão! Os benefícios concedidos à Renault por um governante irresponsável somam hoje, corrigidos, alguns bilhões de reais.

            Ainda em 2004, fiz um cálculo para saber o que significaria para os cofres públicos os R$166 milhões que o Estado emprestara à outra montadora, a Volkswagen. O empréstimo fora concedido também sem juros e sem correção e pelo prazo de 26 anos. Considerando esse prazo e aplicando sobre o valor os juros médios de mercado, cheguei à soma de R$ 5 bilhões.

            Cinco bilhões de reais fora quanto o governo do Paraná dera de presente a Volkswagen: terrenos , terraplanagem, infraestrutura.

            Enquanto era assim tão pródigo com as multinacionais, o governador Lerner revogava um decreto de meu primeiro governo, entre 1991 e 1994, que dera isenção absoluta de imposto para microempresas e reduzira a valores simbólicos o ICMS das pequenas empresas. Que contrassenso, Senador Paim, que aberração!

            Há mais ainda. Há mais desses privilégios coloniais, desses salamaleques que tanto encantaram monsieur Carlos Ghosn, Presidente Internacional da Renault.

            Para se instalar no Paraná, a Renault exigiu que o governo do Estado enquadrasse os sindicatos de trabalhadores, forçando-os a aceitarem um salário com piso inferior ao que as montadoras pagavam aos metalúrgicos do ABC paulista.

            E assim foi feito. Além do que a atuação dos sindicatos na fábrica era fortemente restringida. Pior: em todas as greves na fábrica, a Renault contava com a pronta ação da polícia, que atuava como guarda pretoriana dos interesses da multinacional e que, em diversas ocasiões, agiu de forma truculenta contra os trabalhadores.

            Bom, chegou a hora de falar sobre os "maus-tratos" que, conforme o bwana Carlos Ghosn, eu infligi à Renault entre 2003 e 2010, quando governei o Paraná pela segunda e pela terceira vez. Quais teriam sido os "maus-tratos"?

            A Renault, provavelmente, considerou-se maltratada por que tirei a polícia da frente da fábrica. Por que proibi qualquer ação policial contra os movimentos grevistas? Por que pressionei a fábrica para que assinasse acordos salariais justos com os trabalhadores? Por que coloquei a televisão pública do Estado cobrindo tanto o movimento dos trabalhadores como a assinatura dos acordos salariais? Ou foi, talvez, porque divulguei, para que os paranaenses e os brasileiros disso tomassem conhecimento, os protocolos que privilegiaram a Renault e outras montadoras multinacionais, ou, talvez ainda, porque cumpri o compromisso de campanha de não conceder qualquer incentivo às multinacionais se não pudesse igualmente concedê-lo ás empresas brasileiras, às empresas nacionais; E, supremo mau trato, por que não recebi em palácio, com tapete vermelho, guarda de honra, fanfarras e foguetes o senhorzinho Ghosn em suas augustas visitas anuais à fábrica paranaense da Renault nem fui à fábrica para recebê-lo no portão e homenageá-lo? Foi por isso?

            Talvez tenha sido por isso que ele publicamente reclama dos maus-tratos durante os oito anos de meu segundo e terceiro governo.

            Ao mentir sobre os tais maus-tratos, o senhorzinho Ghosn deixou de mencionar que nunca pediu uma audiência ao governador. Ele queria a subserviência, ele queria a recepção na porta da fábrica, a genuflexão, a oferta de favores impossíveis, como havia acontecido no governo do meu antecessor. Certamente gostaria, com suas manias senhoriais, de que eu suplicasse uma audiência com ele.

            Ao mentir sobre os tais maus-tratos, ele deixou de mencionar que todas as audiências solicitadas pelo diretor da Renault no Brasil, Sr. Pierre Pontel, foram concedidas e que, para meu deleite, por algumas vezes, jantei com diretores e presidentes da Renault no Brasil, jantares regados com preciosos e caríssimos vinhos fornecidos pela empresa.

            Portanto, foram tratados com amenidades, com lhaneza. Ao mentir sobre os tais maus-tratos, o monsieur Ghosn deixou de mencionar que as Secretarias de Estado da Fazenda e da Indústria e Comércio, em meu segundo e terceiro mandatos, não deixaram de atender às solicitações da Renault. Que, por expressa determinação minha, os incentivos de ICMS relativos à importação de bens e insumos foram reconhecidos por despachos diretos de meu Secretário da Fazenda, Heron Arzua. 

            Senador Lindbergh, para que V. Exª possa imaginar, no acordo do Lerner com a Renault, não havia critério de nacionalização e todos os insumos importados - e quase todos os insumos eram importados - não eram gravados por ICMS. A Renault, por exemplo, não utilizava as chapas de ferro da Siderúrgica Nacional. Elas vinham da França premoldadas para serem montadas na fábrica em São José dos Pinhais.

            E eu mantive essa isenção para não criar uma confusão internacional. Aquela história de perseguir multinacionais, que acompanhou o meu governo inteiro, não tem nenhuma razão. Não persegui multinacionais. Apenas favoreci, com clareza, empresas nacionais que investiam na geração de empregos, em ciência e tecnologia.

            Logo, o que foi apresentado como novidade nesse encontro do senhorzinho Ghosn com o governadozinho Beto Richa foi um protocolo assinado pelo atual governador e pelo Sr. Ghosn, no dia 5 de outubro. Protocolo que não é nada mais que um acordo elaborado em meu governo. A primeira minuta do referido protocolo foi construída por técnicos da Secretaria da Fazenda e executivos da Renault, no meu governo e por minha determinação, como declara o meu ex-Secretário da Fazenda, advogado tributarista Heron Arzua, que acompanhou e conduziu todas as negociações com a Renault: “Não há qualquer motivo de queixa por parte da Renault durante o período em que Requião governou o Paraná. O que parece haver é o interesse político em afagar o atual governador.” E tenta, sistematicamente, destruir a consolidada imagem do excelente governo que fizemos.

            De fato, o destempero mentiroso do senhorzinho Ghosn veio depois que o governador Beto Richa, retomando as zumbaias, os rapapés e as mesuras do governo que me antecedeu, pediu desculpas pelos “maus-tratos” que a Renault e seu bwana sofreram durante o meu mandato.

            Meu Deus, até onde vão a arrogância, a prepotência e as falácias desses pretensos senhores coloniais e até onde chega a submissão de governantes que se curvam, que se submetem?! Que se curvam aos capitais, às grandes empresas, que se curvam ao capital vadio, que não produz nada, mas que vive da orgia das bolsas, sem produzir, Senador Paim, um botão, um paletó, a peça de uma máquina e uma ferramenta.

            O senhorzinho Ghosn, da Renault é um atrevido, mas vou requerer que ele venha à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado da República, para, não na minha ausência, mas na minha frente, explicar ao Senado que maus-tratos afinal o meu governo no Paraná infligiu à montadora francesa. Quero ouvi-lo, olhos nos olhos. É muito importante que os Srs. Senadores tomem conhecimento, afinal, dessa inusitada perseguição que uma multinacional francesa sofreu no Paraná.

            Lembro, ainda, que, durante uma visita minha à França, o Presidente da Renault, que abriu uma reunião entre empresários brasileiros e empresários franceses, organizada pela nossa Embaixada, se referindo a mim, me considerou o melhor governador com o qual a Renault já tinha negociado e convivido no Brasil e no mundo. Agora, puxando o saco do governador atual, para estabelecer protocolos que eu não conheço, mas quero conhecer, e por isso quero que venha ao Senado explicar de que assuntos trataram, que protocolos assinaram, que compromissos o Paraná assumiu com uma montadora francesa.

            Pois muito bem, espero que a Comissão de Assuntos Econômicos acolha o meu requerimento e que este senhorzinho colonialista da empresa Renault, monsieur Ghosn, no Senado da República, explique os desaforos que me pespegou na minha ausência, na presença do governadorzinho do Estado do Paraná.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/2011 - Página 42439