Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem à memória de Quintino Bocaiúva pelo transcurso, neste ano, do centenário de seu falecimento.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória de Quintino Bocaiúva pelo transcurso, neste ano, do centenário de seu falecimento.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/2012 - Página 42866
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, MORTE, QUINTINO BOCAIUVA, EX SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELOGIO, VIDA PUBLICA, ATUAÇÃO, DEFESA, LIBERDADE DE IMPRENSA, REGISTRO, IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, JORNALISTA, HISTORIA, PAIS, LUTA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, IMPLANTAÇÃO, FORMA DE GOVERNO, REPUBLICA.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, JOAQUIM NABUCO (PE), LUTA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, eu acho que tenho por obrigação o dever de fazer com que no País a nossa memória não seja esquecida.

            A minha causa parlamentar, se eu assim puder dizer, ao longo de todos os anos que estou neste Parlamento, primordialmente, tem sido a causa cultural, desde quando me empenhei na luta pelos incentivos fiscais à cultura, há mais de 30 anos, durante os quais apresentei cinco projetos. Finalmente, a ideia foi vitoriosa e implantada. Chegaram a colocar o nome de Lei Sarney, que depois foi retirada. Eu não fiquei de nenhuma maneira com mágoa, porque eu acho que o problema era resolver o assunto e não o nome da lei.

            E, assim, tenho ultimamente procurado não deixar que os nomes de grandes homens que fizeram o Brasil na política, na literatura, passem, nas suas datas de memória, nas datas redondas sobretudo, no esquecimento. Como intelectual, como escritor, como membro da Academia Brasileira de Letras, acho que tenho esse dever.

            E, nessa direção, aproveitando esta segunda-feira, tão tranquila que está esta sala - naturalmente vamos ouvir os nossos mortos desaparecidos -, para falar sobre Quintino Bocaiúva, cujo centenário de morte também ocorre este ano.

            O documento, que é o mais precioso registro da história desta Casa, que é uma crônica célebre que todos conhecemos, lemos, relemos, tornamos a ler que é O Velho Senado, de Machado de Assis, o grande escritor relembrou sua entrada para a imprensa. Machado foi jornalista que cobriu o Senado durante muitos anos. E ele disse:

A propósito de algumas litografias, tive há dias uma visão do Senado de 1860. Nesse ano entrara eu para a imprensa. Uma noite, como saíssemos do teatro Ginásio, Quintino Bocaiúva e eu fomos tomar chá. Bocaiúva era então uma gentil figura de rapaz, delgado, tez macia, fino bigode e olhos serenos. Já então tinha os gestos lentos de hoje, e um pouco daquele ar distant que Taine achou em Mérimée. Disseram cousa análoga de Challemel-Lacour, que alguém ultimamente definia como très républicain de conviction et très aristocrate de tempérament. O nosso Bocaiúva era só a segunda parte, mas já então liberal bastante para dar um republicano convicto.

            Nós vimos aqui, no estilo, como Machado sabia traçar o perfil das pessoas, o desenho com que ele imortalizava, com sua pena, as figuras a quem ele retratava.

Ao chá, conversamos primeiramente de letras e, pouco depois, de política, matéria introduzida por ele, o que me espantou bastante, não era usual nas nossas práticas. Tratava-se do Diário do Rio de Janeiro, que ira reaparecer, sob a direção política de Saldanha Marinho. Vim a dar-me um lugar na redação com ele e Henrique César Muzzio.

            Assim, aparece Quintino Bocaiúva no começo dos seus dois destinos: a imprensa e a sua grande causa, a República.

            Jovem escritor, três anos mais velho do que o próprio Machado, nascera em 04 de dezembro de 1936. Poeta, orientara a carreira de teatrólogo de seu amigo. Compartilharam muitas vezes as colunas e as redações de jornais, em uma cumplicidade que marcou muito a vida dos dois.

            Unindo ainda a vocação literária com o jornalismo e determinação em suas empreitadas, Bocaiúva publicou, sob o patrocínio do Diário, uma Biblioteca Brasileira, da qual saíram doze volumes, um deles era Mina de Prata, de José de Alencar, e dois outros... Memórias de um Sargento de Milícias, de Manoel Antonio de Almeida. Os dois mais velhos, de certa forma, eram padrinhos literários da dupla de amigos.

            Quintino adotara o sobrenome de Bocaiúva, nome de duas espécies de palmeiras brasileiras. Abandonando o nome do pai, Ferreira de Souza, quando estudara Direito, em São Paulo, no começo da década 1850. Ali, colaborara em publicações acadêmicas como O Acayaba, nome, aliás, adotado pelo velho Visconde de Jequitinhonha, que se chamava Acayaba de Montezuma, que, uma vez, foi atacado, com veemência, por Bocaiúva por ser contra a Guerra do Paraguai.

            Quintino se dedica à poesia e ao teatro. Estréia em 1856 com O Trovador, a que se seguem Onfália, Os Mineiros da Desgraça, A Família, o O Bandoleiro, Um Pobre Louco, Pedro Fávila, Cláudio Manoel dela Viola, além de muitas traduções. Mas é sua prosa jornalística que o faz reconhecido como mestre.

            De seu senso crítico é famosa a troca de cartas com Machado, que este publica na abertura da publicação de suas primeiras peças.

            São belas, porque são bem escritas. São valiosas como artefatos literários. Mas, até onde a minha vaidosa presunção crítica pode ser tolerada, devo declarar-te que são frias e insensíveis como todo sujeito sem alma.

            Tinha autoridade para falar ao amigo que ainda não era o extraordinário autor de Dom Casmurro - Machado ainda não tinha escrito ainda seu grande romance. Mas o jornalista Quintino Bocaiúva era considerado um modelo pelos grandes jornalistas da época, como Ferreira de Araújo, Ferreira Vianna, que foi um grande político e também um grande orador, um orador veemente, e que, quando veio a causa da Abolição, ele, que já estava velho, teve a oportunidade de dizer: “Se eu fosse mais novo, dedicava minha vida a esta causa.” Francisco Otaviano, José do Patrocínio, Salvador de Mendonça, todos seus amigos e parceiros.

            Em 1866, Bocaiúva, que se ligara a uma empresa de navegação americana para o Brasil, viaja aos Estados Unidos, onde passa uma temporada como agente de imigração.

            Ainda ligado aos liberais e enquadrado no regime, recebera em 1863 a Comenda da Ordem da Rosa, e suas posições sobre a Guerra do Paraguai são acompanhadas com atenção pelo Imperador. É um defensor forte do Tratado da Tríplice Aliança, e Dom Pedro II faz transcrever seus artigos publicados na Argentina -- fora, em 1868, acompanhar a guerra de Montevidéu e Buenos Aires -- na imprensa do Rio de Janeiro. Em março de 1870 participa do banquete de comemoração pelo fim da guerra em Buenos Aires.

            É chegada a hora de manifestar-se pela república. Em julho, de volta ao Rio, faz uma conferência comparando os regimes republicanos de nossos aliados platinos com a monarquia. A proclamação da Terceira República Francesa o mobiliza. Em 3 de novembro de 1870, funda o primeiro Clube Republicano. Um mês depois, começa a sair A. República, jornal que defende a nova causa, com a publicação, no primeiro número, de 3 de dezembro, do Manifesto Republicano.

            Quintino Bocaiúva -- é o testemunho de Salvador de Mendonça -- "ditou o manifesto por inteiro, e eu o escrevi, exceção feita do artigo 'A verdade democrática'. Este artigo foi meu."

            O Manifesto Republicano é um forte panfleto político. Mais extenso e menos estruturado que o manifesto liberal de 1869 -- este de autoria, principalmente, do Conselheiro Nabuco de Araújo --, suas origens vêm da mesma insatisfação que fizera surgir o Clube da Reforma, com o célebre mote "Ou a Reforma ou a Revolução". 

            Mas seus signatários são em maioria desconhecidos, como assinala José Murilo de Carvalho, sendo as principais exceções entre os políticos Lafaiete Rodrigues Pereira e Saldanha Marinho.

            Inicia-se o manifesto apoiando-se na Constituição de 1824:

Desde que a reforma, alteração ou revogação da carta outorgada em 1824 está por ela mesma prevista e autorizada, é legítima a aspiração que hoje se manifesta para buscar em melhor origem o fundamento dos inauferíveis direitos da nação.

            Descreve o processo histórico da formação do regime, salientando a violência da dissolução da Constituinte de 1823. Ele, então, diz:

Um poder soberano, privativo, perpétuo e irresponsável forma a seu jeito o poder executivo, escolhendo os ministros, o poder legislativo, escolhendo os senadores e designando os deputados e o poder judiciário, nomeando magistrados, removendo-os, aposentando-os. [...] tais são os sofismas por meio dos quais o imperador reina, governa e administra.

            Relaciona os testemunhos contra o status quo, inclusive de defensores do regime, como Eusébio de Queiroz, Nabuco de Araújo, Francisco Otaviano. Vai longe chamar Antônio Carlos de Andrada. Defende a Federação.

            Finalmente, pleiteia a convocação de uma Assembléia Constituinte, "com amplas faculdades para instaurar um novo regime".

            Em 1871, A. República passa a ser assinada pelo Partido Republicano - o jornal A. República. Quintino, no ano seguinte, substitui a assinatura do Partido por seu nome pessoal. Em fevereiro de 1873, chegando ao Rio a notícia da proclamação da república na Espanha, o jornal lança um boletim especial. Os republicanos pedem autorização para fazer uma manifestação pacífica. A resposta é o empastelamento do jornal. Durante dois meses o jornal é suspenso. Volta por um tempo, mas em 1874 cessa sua publicação.

            Quintino trabalha sucessivamente em O Globo, O Cruzeiro, O País.

            Ao lado da campanha republicana, Quintino Bocaiúva destaca-se entre os defensores do abolicionismo, que não se satisfazem com o 28 de setembro de 1871 -- a Lei do Ventre Livre -- nem muito menos com a Lei dos Sexagenários, de 1885.

            Em 1881 Quintino é candidato à Câmara. Volta a candidatar-se em 1885 e 1888. Sempre derrotado.

            Em 1987, o Partido fez um Congresso Nacional Republicano que lança mais um manifesto. Em 1984 fora deflagrada a questão militar com a punição a Sena Madureira, que veio a ter uma importância muito grande na própria proclamação da República.

            Deodoro da Fonseca, Presidente e Comandante das Armas do Rio Grande do Sul, também fora punido. A Escola Militar os apoiara. O Imperador suspendera as punições, mas não parara a crise, ela continua. E essa foi amplamente utilizada pelos republicanos. O cadete Euclides da Cunha faz um gesto forte: durante uma revista, atira aos pés do Ministro da Guerra sua espada. Os professores, sobretudo Benjamin Constant e Solón Ribeiro, fazem campanha aberta pela república.

            O SR. PRESIDENTE (Tomás Correia. Bloco/PMDB - RO) - Sr. Presidente, permita-me apenas registrar a presença dos alunos do ensino fundamental da Escola Classe do Varjão, aqui de Brasília, que estão sendo brindados, neste momento, com o pronunciamento do Senador José Sarney.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Agradeço a presença dos jovens que aqui estão. Espero que tenham todos um grande futuro em um País cada vez melhor.

            Quintino também se destacara no combate pela liberdade de imprensa defendendo, com Sizenando Nabuco - irmão mais velho de Joaquim Nabuco -, o jornalista Ferreira de Araújo, que foi absolvido da acusação de calúnia.

            A causa republicana, entretanto, tomava conta dos quartéis. Francisco Glicério, em 1888, escreve a Bocaiúva dizendo que dê o "golpe decisivo", aproveitando-se dos movimentos militares. Quintino lhe responde que é preciso saber esperar.

            Em maio de 1889, em São Paulo, Quintino Bocaiúva é eleito chefe do Partido. Discursando, afirma que:

O Partido Republicano Brasileiro tem por missão destruir esta ordem de coisas; ele não é somente, como alguns o pretendem, um partido reformador; não, senhores, a nossa missão é transformar e não reformar. O que nós temos a cargo da nossa responsabilidade é remodelar a sociedade inteira, assentando-a sobre as bases da liberdade, do direito e da justiça.

            Calculem o que era defender a república naquele tempo do império em que, quase por unanimidade, os políticos apoiavam a monarquia que, também, tinha um apoio da opinião pública muito grande, além da popularidade de que gozava Dom Pedro II.

            Em setembro de 89, os acontecimentos se precipitam com a volta de Deodoro da Fonseca de Mato Grosso, onde cumprira sua punição. Fora punido por

            Ele fora punido por causa da sua posição no Rio Grande do Sul para a guarnição de Mato Grosso. Os gaúchos com nomes como Pinheiro Machado, Júlio de Castilhos e Assis Brasil, que haviam proposto a revolução no Manifesto datado de março, mandam o Capitão Mena Barreto como emissário ao General, que está doente. No dia 31, Deodoro autoriza Benjamim Constant e Solon Ribeiro a comunicar a Quintino que aceita encabeçar o movimento. A 7 de novembro, já discutem o Governo provisório. Ruy Barbosa escreve um artigo considerado o sinal decisivo. No dia 11, na casa de Deodoro da Fonseca, este Quintino Bocaiúva, Francisco Glicério, Aristides Lobo, Ruy Barbosa e Solon Ribeiro ouvem a exposição de Benjamin Constant sobre a situação, decidem a deposição da Monarquia. A 12, Quintino comunica a Rui que ele será o Ministro da Fazenda. No dia 14, em sua coluna de O País publica o último ataque ao gabinete Ouro Preto. Circula o boato de que Deodoro e Benjamim Constant estão presos ou com prisão decretada. Foram vários boatos espalhados naqueles dias, justamente para mobilizar a opinião pública e, sobretudo, os militares que estavam justamente nesse processo que veio a desaguar da questão militar na República.

            Nesta noite, já começado o dia 15, Deodoro, ainda doente -- temia-se por sua vida --, comanda as tropas republicanas que se dirigem para o confronto com as governistas. A ele junta-se, a cavalo, um único civil. Sabe quem era este civil? Quintino Bocaiúva.

            É ele, como chefe do Partido Republicano, quem, com Ruy, Benjamin Constant e Francisco Glicério, redige os primeiros atos do chefe do Governo Provisório, inclusive o Decreto n° 1, que estabelece como forma de governo a República Federativa.

            No dia seguinte Quintino toma posse como Ministro das Relações Exteriores. Ruy é confirmado na Fazenda, Benjamin Constant, na Guerra, Aristides Lobo, no Interior e Wandenkolk, na Marinha. A eles se juntariam Campos Sales, na Justiça e Demétrio Ribeiro, na Agricultura -- Ministério que Quintino acumula até 7 de dezembro.

            Um dos motivos da decisão de Deodoro de aceitar chefiar o golpe é o boato de que seu inimigo Gaspar de Silveira Martins -

            e essa foi outra notícia que foi dada para atiçar o movimento e sobretudo o ânimo do Marechal Deodoro, que tinha um ânimo meio colérico - fora convocado para constituir o gabinete.

            Ele é preso na cidade de Desterro - atual Florianópolis - e transportado para o Rio. Quintino recebe e explica que negociara sua prisão domiciliar. Dias depois o líder liberal gaúcho é acusado de fomentar revoltas. Deodoro pretende fuzilá-lo, e Quintino uma vez mais se interpõe.

            Em pouco mais de um ano como Ministro das Relações Exteriores, Bocaiúva consegue o reconhecimento de todos os países. Também, em Montevidéu, com seu homólogo argentino, Estanislau Zeballos, negocia um primeiro tratado sobre as Missões.

            Durante o mês de maio de 1890 pede afastamento do governo: o capoeira Jucá Reis, irmão do proprietário de O País Conde de Matozinhos, é preso pelo chefe de polícia. Deodoro recusa a demissão, e a crise termina com a permissão de saída do País.

            Ao mesmo tempo, o presidente do governo provisório confere aos ministros, inclusive a Quintino Bocaiúva, as honras de General de Brigada.

            Em setembro Quintino é eleito Senador pelo Estado do Rio de Janeiro, por nove anos. A Assembléia Constituinte é instalada a 15 de novembro, mas só com a demissão do Ministério, a 22 de janeiro de 91, assume sua cadeira. A Constituição, promulgada a 14 de fevereiro, é basicamente o projeto preparado por Ruy Barbosa. Aliás, é a mais rápida Constituição feita no Brasil, porque em fevereiro ela já estava pronta, com menos de 4 meses de ter sido redigida.

            O Congresso, que elegera Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto respectivamente Presidente e Vice-Presidente da República, viria a rejeitar, em agosto, o Tratado das Missões. Em novembro, Deodoro fecha o Congresso, prende alguns membros, entre eles Quintino. Diante da revolta do Almirante Custódio de Mello, Deodoro renuncia. Floriano reabre o Congresso. Recordo-me aqui de Luiz Viana, quando o Congresso foi fechado, e ele me telefonou - eu era governador - e me disse: Sarney, não vamos entrar no livro do Almirante Custódio José de Mello, porque no livro do Almirante Custódio José de Mello conta que quando Deodoro fechou o Congresso recebeu a adesão de quase todos os governadores. Depois, quando o Congresso é reaberto por Floriano, recebe também a adesão de quase todos os governadores. Então, Luís Viana, com muita graça, me advertia: “Sarney, não vamos entrar no livro de Custódio José de Melo”.

            Quintino, de volta ao País, defende sua atuação no ministério, especialmente no Tratado das Missões; renuncia ao mandato de Senador em 91 e é reeleito, em 92, para a vaga que abrira. O Partido Republicano Federal escolhe a chapa presidencial vitoriosa em março de 94. Quintino é novamente eleito para o Senado.

            Em 97, o Partido Republicano Federal se divide. Contra a maioria que escolhe a chapa Campo Sales e Rossi e Silva, opõe-se o grupo liderado por Pinheiro Machado, de que faz parte Quintino, que lança os nomes de Lauro Sodré e Fernando Lobo. Esse grupo é acusado de tomar parte no atentado contra Prudente de Morais em que morre o Ministro da Guerra, Machado Bittencourt. É a voz de Quintino que finalmente vai encerrar a crise aberta.

            Em 1899, depois de ter anunciado seu afastamento da vida pública, Quintino é reeleito para o Senado. No ano seguinte, é eleito Presidente do Estado do Rio de Janeiro e renuncia ao Senado. Ao mesmo tempo, como Maçom, atinge o posto de Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil.

            Forma-se um movimento para que seja candidato a Presidente da República, mas a chapa escolhida na Convenção, de setembro de 1901, é composta por Rodrigues Alves e Silviano Brandão. Embora se formem muitos grupos defendendo sua candidatura, Quintino a recusa em uma circular.

            Em 1903, Rio Branco sugere seu nome para uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Machado escreve a Nabuco: “Não se tendo apresentado Quintino, seu voto recaiu - como me disse - no Euclides.” Em 1904, volta a escrever que Quintino “não falou a ninguém” sobre a nova vaga. Nomeado em 1904, eleito mais uma vez para o Senado, recusa-se a tomar posse.

            Em 1909, disputa e ganha nova eleição. Desta vez assume e é eleito Vice-Presidente da Casa. Lembremos que na época o Senado era presidido pelo Vice-Presidente da República, recaindo ao Vice-Presidente do Senado sua administração. Para a função é reeleito em 1910 e novamente em 1911.

            Em 1910, faz sua última campanha política: a Constituição do Partido Republicano Conservador, de apoio ao novo Presidente, Marechal Hermes da Fonseca.

            Quintino chega ao fim da vida pobre. Pinheiro Machado é quem promove uma subscrição pública para dar uma casa a sua família de 12 filhos. Morre em 11 de julho de 1912, faz cem anos. A herança de Quintino é de um homem que luta e se entrega profundamente a suas convicções. Ninguém mais do que ele foi responsável pela República.

            Foi ele o doutrinador; foi ele, sem dúvida alguma, o que tomou parte em todos os momentos mais difíceis nas campanhas que foram feitas em favor da República, sem repercussão nenhuma naquele tempo. Mas, ele coerente, quando viu fracassar, sem dúvida alguma, a área do caminho civil, ele buscou a divisão militar, soube entrar na hora certa, como ele mesmo dizia: Esperemos a hora para, através da questão militar e da divisão que houve nas Forças Armadas, realmente ele se aproveitou e, a partir dali, comandou a República.

            Num editorial de A República - o seu jornal -, ainda nos primórdios da campanha que derrubaria a monarquia, Quintino escreveu: “Tolerância para com todas as crenças. Respeito para com todas as opiniões. Cortesia para com todos os indivíduos”. Esses foram os princípios que o fizeram estimado por seus contemporâneos, além mesmo de suas ideias e dos ideais pelos quais lutou.

            Nesta Casa, que presidiu e de que foi membro por tanto tempo, quero homenageá-lo lembrando a sua presença, a do instituidor da República, simbolizado naquela figura um civil montado a cavalo no meio dos militares, transformando aquela revolução, simbolicamente, numa causa de todos os brasileiros.

            Muito obrigado.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Sarney, eu não quis interromper em nenhum momento, mas, se for possível, no finalzinho eu gostaria de fazer um pequeno aparte.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Com muito prazer.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Primeiro, para dizer a quem está assistindo que é a segunda aula sua a que assisto hoje. De manhã, eu assisti a uma brilhante exposição sua sobre os 200 anos da Constituição de Cádis. Ali, o senhor fez outra coisa diferente desta, mas muito interessante que foi um recorrido sobre os aspectos constitucionais nossos desde aquela velha Constituição feita na Espanha, mas que repercutiu tanto no Brasil naquele tempo. Mas hoje o senhor traz um tema fundamental que a gente conhece pouco. Embora se saiba da história do “Viva a República!”, conhece-se pouco dos bastidores intelectuais, dos grandes nomes que havia naquela época. Quando a gente fala, lembra-se sempre de Rui Barbosa, mas o senhor trouxe aqui o nome de Quintino Bocaiúva, que foi fundamental em toda reflexão que levou à substituição do Império pela República. O senhor lembrou bem a coragem de que precisava alguém ter para defender, naquele momento, a República. O Império era um sistema absolutamente estabelecido no inconsciente coletivo da nova Nação brasileira. Eu diria que a imensa maioria da população não conseguia nem vislumbrar um mundo sem o Imperador. Era algo que não passava pela cabeça da imensa maioria da população, e esse grupo de pessoas - o senhor até, em certo momento, disse corretamente “golpe de Estado” -, esse pequeno grupo de pessoas deu um salto do Império à República - porque foi um salto, obviamente - graças à obstinação que eles tinham, à clarividência que eles tinham. Lamento que nesse grupo a gente não possa colocar - para mim, o maior de todos os brasileiros - o nome de Joaquim Nabuco, porque ele não foi republicano. Joaquim Nabuco foi um homem que, a meu ver, estava à esquerda de todos esses, no sentido progressista, no que se refere ao social, no que se refere à escravidão - embora todos aí fossem abolicionistas também -, à educação, à reforma agrária. Mas ele ficou até o fim fiel à ideia de que o Brasil precisava de Imperador. Eu não considero isso um pecado. Embora seja completamente diferente do que eu penso de qualquer outro da nossa geração, no tempo dele, acho que ele até tinha razões conjunturais para pensar na necessidade de manter o Império, como forma de dar continuidade até mesmo à abolição, que ele dizia que poderia até ser revertida, se o Imperador não estivesse ali para garanti-la. Mas o que queria falar no meu aparte, além de dizer da satisfação que tenho por ter assistido às suas duas falas hoje e do que eu aprendi, é que algo ficou faltando naquela geração tão revolucionária e tão corajosa: a ênfase maior na necessidade de educar a população brasileira. Está escrito no texto. Inclusive no manifesto que o senhor citou fala-se, mas sem ênfase, sem vontade. Eu gosto de citar que esse mesmo grupo, tão brilhante e avançado, se reuniu praticamente durante quatro dias, entre 15 e 19 de novembro, para discutir como seria a Bandeira e nela escrever um texto: “Ordem e Progresso”, que, na verdade, era para ser “Ordem, Amor e Progresso”, por influência do positivismo. Mas eles não perceberam que estavam fazendo uma bandeira republicana que apenas 25% da população reconheceriam, porque 75% da população eram analfabetos. É algo que choca. Só havia duas alternativas: ou colocar apenas cores ou começar, no primeiro dia, com um programa de erradicação do analfabetismo, para que todos conhecessem a nossa Bandeira. Isso não aconteceu, talvez pelas mudanças que ocorreram com a saída de Deodoro, com a entrada de Floriano e, a partir daí, com estabilidade até 1930. Ou, pelo menos, se eles tivessem pensando em escrever “Educação é Progresso”, em vez de “Ordem e Progresso”. De qualquer maneira, essa é uma geração que precisa ser lembrada sempre. E fico feliz de tê-lo, aqui, lembrando os cem anos da morte de Bocaiúva, porque nos cem anos, dois anos atrás, de Joaquim Nabuco, nós fizemos grandes eventos aqui, inclusive exposições de iniciativa do senhor, que autorizou, na entrada principal do Senado, sobre a vida de Joaquim. Eu acho que valia a pena, mesmo que já esteja passando o dia do aniversário do seu centenário de morte, a gente fazer algo mais, ainda, além do seu discurso, para que as pessoas e os jovens descubram o que houve e respeitem uma figura como a desse grande brasileiro. Muito obrigado - eu falo como brasileiro - pelo fato de o senhor ter trazido esse assunto e nos dado essa aula.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP) - Agradeço o aparte de V. Exª, que, sem dúvida, enriquece o meu discurso, pelas suas palavras e pela autoridade que tem, um homem que também tem a sua causa e a sua obstinação, que é a causa da educação, que todos nós admiramos e apoiamos, porque, realmente, essa é a solução.

            V. Exª se refere à Bandeira e, quanto ao hino, há um fato: levaram um novo hino para o Marechal Deodoro. Aí, ele disse: “Não, prefiro o do Império, que é mais bonito e que estou acostumado a ouvir.”

            Quanto a Joaquim Nabuco, ele teve também suas vacilações.

            Na minha formação, ele tem um capítulo em que escreve sobre a travessia do seu pai, quando ele passou na fundação do Clube Liberal. Ele escreve sobre as vantagens da monarquia e as vantagens da República.

            Depois da sua viagem à Europa, ele viu e concluiu que, realmente, a monarquia era melhor regime que o regime republicano. Depois, ele não discutia regimes. Ele discutia, quase sempre, a sua causa, a causa da abolição, que ele tinha do princípio até o fim.

            A causa maior de Nabuco, que era a causa da abolição, era tão grande que ela estava acima de todas as outras coisas que aconteciam no País, porque nada mais, nenhuma mancha maior na história brasileira do que a abolição.

E mesmo com a sua dedicação, o Nabuco, depois da República, ficou afastado; afastou-se da vida pública. Ele mesmo diz o seguinte: “Cumpri - quando ele sai para aceitar o convite do Rio Branco, para aceitar as missões de negociação de fronteiras - meus 10 anos de viuvez da monarquia.” É uma frase que ele fala, porque ele tinha uma grande admiração, não só tinha uma convicção de uma lealdade ao regime monárquico, como também, o Nabuco, além de ele ter, como eu disse, uma grande admiração pelo regime monárquico, ele tinha um dever de gratidão moral interno, porque ele achava que se não fosse a Princesa Isabel, se não fosse o Imperador, realmente, a escravatura não tinha terminado. E era esse dever de gratidão, esse princípio moral que governava a sua vida que o fez manter-se como monarquista. E, mesmo depois da monarquia morta, manter-se fiel a ela e, até o fim, ele nunca negou os seus princípios.

            E Nabuco, nem por isso, deixa de ser o grande homem que ele foi. Até mesmo porque a República quando foi proclamada, eram tão poucos os republicanos que eles tiveram que unir republicanos e monarquistas para que o País pudesse continuar. Então, quando chega o Rodrigues Alves, que era um dos barões do café, quer dizer, era monarquista, ele chega para ser candidato a presidente da República.

            O Pinheiro Machado reclamava muito sobre como os republicanos históricos não tinham... Mas, a verdade é que eles não tinham maiores destaques nem maior proeminência, porque, na realidade, eles não tinham condições, não eram muitos, eram muito poucos. E até sobre esse ponto há um fato muito interessante. Campos Sales, que era Ministro da Justiça, ele chegou e fez uma grande reunião, eles estavam discutindo como fazer o Código Eleitoral; a República tinha que ser por eleição. E aí, disse: “Como vamos fazer eleição se nós não temos eleitores! Os eleitores são todos monarquistas!” É uma coisa muito interessante porque, claramente, ele diz que eles tinham que fraudar as eleições para poder continuar com a República viva.

            Daí nasce a ideia de acabar com o voto secreto; passou a ser aquele voto duplo. O eleitor chegava e votava. Ele entregava: “Voto em fulano de tal”. Entregava um ao presidente da Mesa e levava o outro, visado pelo presidente da Mesa, para entregar ao seu cabo eleitoral ou ao seu chefe eleitoral.

            Assim, eles consolidaram a República, embora tivessem depois movimentos, como no Rio Grande do Sul, em que o Pinheiro Machado foi para lá para lutar, para que consolidasse a República. E isso se desdobrou sempre com medo de voltar a Monarquia. E até em Canudos a grande bandeira era que era uma tentativa de uma volta à Monarquia.

            Portanto, muito obrigado pelo seu aparte, que nos leva a fazer pequenas divagações.

            Mas, no fundo, Sr. Presidente, eu fico confortado é de lembrar a esta Casa a figura de Quintino Bocaiúva, um dos grandes homens deste País, um grande idealista, um homem que lutou pelos seus princípios. Viu que eles venceram e ao mesmo tempo se manteve numa austeridade, numa fidelidade aos seus princípios até a morte. Morre pobre, mas rico das ideias e da biografia que ele deixou para este País como exemplo para todos nós.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/2012 - Página 42866