Discurso durante a 193ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise do debate acerca da federalização da educação de base no Brasil, registrando a realização de audiência pública, na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, sobre o tema.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Análise do debate acerca da federalização da educação de base no Brasil, registrando a realização de audiência pública, na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, sobre o tema.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2012 - Página 55364
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, LOCAL, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, SENADO, OBJETIVO, DEBATE, RELAÇÃO, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, BRASIL, IMPORTANCIA, MELHORIA, QUALIDADE, IGUALDADE, ENSINO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mozarildo, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, ontem, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte realizou uma audiência pública com a finalidade de debater a federalização ou não da educação de base no Brasil.

            O Prof. Dermeval Saviani, um filósofo, esteve conosco, bem como o Prof. Luiz Walter, o representante da Undime - União dos Dirigentes Municipais da Educação. O que nós vimos, sem chegar a uma conclusão, é que, de fato, sem o envolvimento da União no processo educacional, não vamos resolver dois problemas: o problema da qualidade e o problema da igualdade educacional para todas as crianças deste País, porque os Municípios são pobres e alguns muito mais pobres do que outros.

            Eu circulei muito, Senador, nesse período eleitoral, por outras cidades. O que observei é que não vi um candidato que não dissesse que educação é a sua prioridade. Não vi um! E a certeza que eu tenho é que, no dia seguinte à posse, vamos ter dois tipos de prefeitos: os que vão esquecer o que prometeram para educação e os que não vão ter dinheiro para fazer aquilo que prometeram. Mas eu duvido, salvo uma ou outra das cidades brasileiras, que haverá recursos para fazer a revolução educacional. Muitos dos prefeitos vão se esquecer, outros vão ser pressionados por demandas diferentes. No final, vamos ver, daqui a quatro anos, outra geração de candidatos à prefeitura prometendo educação, mas sabendo, ou não, que depois da posse não vão cumprir o que prometeram.

            Só tem uma maneira de fazer com que seja possível ter educação de qualidade e ter educação com a qualidade igual, não importando a cidade onde uma criança nasce, porque não é ela que escolhe onde nascer. E, ao nascer, ela é brasileira! Nós não podemos tratar uma criança conforme o Município onde ela nasce. Criança tem que ser tratada conforme o país onde ela nasce. E, nasceu no Brasil, tem que ser adotada pelo Brasil. Adotada pelo Brasil significa que a União, o Governo Federal assume a responsabilidade de oferecer os cuidados necessários àquelas crianças.

            A Senadora Heloísa Helena, de quem eu fui contemporâneo aqui, tinha uma frase que gosto muito. Ela dizia que, se o Brasil adotasse uma geração de brasileiros desde a primeira infância, essa geração, quando adulta, adotaria o Brasil, pelo resto da nossa história.

            Esse é o desafio: adotar uma geração de brasileiros. Mas como pedir que isso seja feito com essas crianças distribuídas, espalhadas pelo Brasil nas 5.567 cidades? Não vão conseguir e, se conseguissem, será uma ou outra; e, mesmo aquela que consegue, não consegue plenamente, como eu tenho visto escolas maravilhosas em alguns Municípios - e cito aqui Palmas, Tocantins - com uma, duas escolas de qualidade, porque o prefeito, por melhores que sejam as suas intenções, não consegue fazer todas igualmente.

            Como fazer a revolução da educação brasileira? Eu não falei da educação de Caruaru, no meu Estado, ou a educação do Distrito Federal; eu falei do Brasil. Como fazer? Fazendo-a do Brasil! Mas não existe, hoje, educação do Brasil; existe educação de cada Município, de cada Estado, não do Brasil.

            A primeira decisão seria esta: vamos tratar a educação brasileira como uma questão do Brasil. Este é o primeiro desafio, mas ninguém quer.

            Os prefeitos pensam que eles têm o controle, que eles têm mais poder tendo as suas escolas, que eles têm mais poder tendo os seus professores. Por mais problemas que eles tenham com as escolas e por menos resultados que eles tenham para as suas crianças, querem manter esse privilegio da ilusão do poder. E o Governo Federal, por sua vez, temeroso de, adotando uma saída federal, ter que colocar mais recursos na educação.

            Eu não vejo absolutamente outra forma de fazer a revolução. Não estou falando melhorar, não! Melhorar a gente consegue: numa cidade que tem 20 escolas, consegue-se colocar uma em horário integral. Isso a gente consegue; só não consegue o prefeito que não quer. Os professores ganham pouco? O prefeito consegue dar 10% de aumento, mas não consegue multiplicar por quatro ou cinco o salário, sem o que a escola não terá a qualidade necessária.

            Como fazer isso? Não dá para fazer de um dia para o outro. A revolução educacional não é como a Abolição da Escravatura, que, em um dia 13 de maio, a Princesa decretou: não existe mais trabalho escravo neste País, e, no outro dia, todos os brasileiros da raça negra estavam livres. Não se faz isso com a educação! Educação é um processo; educação se faz acompanhando o crescimento da criança. Não dá para fazer a revolução educacional por aqueles que já são adultos. Não dá! Não dá! Podemos dar instrução, podemos dar acompanhamento, podemos dar formação, mas educação ou a gente começa a dar na primeira infância, ou não vai dar.

            Então, tem um processo; um processo lento, mas revolucionário ou não - e aqui é que está a diferença. Ou ele é lento revolucionariamente, ou ele é lento acomodadamente, como é hoje.

            Como seria uma solução revolucionária, ainda que lenta, de acordo com o aumento da idade das crianças? De acordo com a disponibilidade de professores e, até mesmo, de acordo com os recursos fiscais, financeiros que o governo tenha.

            A minha proposta é a de que a federalização consistiria em duas coisas: uma carreira nacional do magistério, que, na verdade, se formos olhar bem, já existe. É a carreira dos professores do Colégio Pedro II, dos Institutos de Aplicação, das Escolas Técnicas, dos Colégios Militares, que são da melhor qualidade quando comparadas às outras. Pegamos essa carreira e, em vez de ter alguns professores, que seriam 17 mil ou quantos sejam, e vamos aumentando até um dia chegarmos aos dois milhões de professores no Brasil; todos numa carreira federal, com um salário pago pelo Governo Federal, com o poder do Governo Federal, como este País já fez com as Universidades, com as Escolas Técnicas, com a Caixa Econômica, com o Banco do Brasil, com os Correios.

            Quando eu vejo as pessoas dizerem que a municipalização é mais eficiente, eu pergunto se elas querem municipalizar os Correios. Já pensou se, no Brasil, em vez de uma empresa de correios, nós tivéssemos 5.567? Eu nunca vi quem defenda, como mais eficiente, que cada Município tenha o seu Banco Central e a sua moeda, ou que cada um tenha a sua Justiça. Não existe essa ideia! Uma coisa é a eficiência; a outra é o que chamo de democracia.

            A democratização da educação consiste no fato de ela ser igual para todos. Essa é a primeira coisa da democracia na educação. A segunda é que seu conteúdo seja democrático, que não seja um currículo imposto, que não ensinem coisas nocivas às crianças do ponto de vista do comportamento democrático. Mas, igual. E, para ser igual, tem que ser tratada igualmente. Para ser tratada igualmente, tem que ser pelo Governo Federal, tem que ser pela União, tem que ser pela República - e eu gosto de chamar “República do Brasil” e não República Federativa do Brasil, porque, ao ser federativa, a gente já dá a impressão de que o Brasil é a soma de Estados. Não! Os Estados são partes do Brasil.

            Aqui, eu reconheço, é uma concepção filosófica que eu tenho que muitos não têm. Desde o início, quando se criaram os Estados Unidos do Brasil, imitando os Estados Unidos da América do Norte, onde, de fato, havia 13 colônias independentes que se uniram. Nós não éramos colônias independentes, até nas capitanias hereditárias podíamos ser, mas, depois, deixou de ser quando houve o primeiro governo-geral. Nós éramos um País dividido em Estados, que deve continuar pelas características intrínsecas que os Estados têm. Não estou aqui defendendo abolir os Estados. Longe de mim! Até acho que alguns poderiam ser divididos, mas a visão tem que ser unitária. Por isso gosto de dizer que o nome do Brasil devia ser “República do Brasil”. Não se precisa dessa palavra “federativa” aí dentro.

            Pois bem, se temos a visão de república unida, tem que ter o mesmo padrão educacional. Uma carreira nacional do magistério começaria a fazer isso. Essa carreira tem que pagar bem. Senador Mozarildo, eu não imagino conseguir bons profissionais, salvo um ou outro, por vocação louca, eu não consigo ver como ter bons profissionais no Brasil se não pagarmos pelo menos R$9 mil de salário ao professor. Não vejo!

            Nós estamos perdendo os melhores quadros, que estão indo em busca de outras atividades. A Polícia Civil do Distrito Federal conseguiu sugar uma quantidade de professores da Universidade de Brasília - da Universidade! -, cujo salário é bem melhor do que da rede pública da educação de base.

            Um salário de R$9 mil aos professores não é possível ser pago pelos Municípios. Nenhum deles tem condições de fazê-lo. E mesmo a União não teria como pagar isso para dois milhões de professores hoje.

            Essa carreira tem que ser adotada aos poucos, até porque não há jovens em condições de serem professores neste País, mesmo a gente pagando bem. Aliás, às vezes, eu até temo. Quando a gente passa a pagar um salário muito algo para uma categoria, tem gente que vai trabalhar nela sem nenhuma vocação. Há segmentos do setor público no Brasil - não vou citar quais - que pagam bem, e o profissional, quando ingressa na carreira, a primeira coisa que ele faz na mesa, quando começa a trabalhar, é estudar para outro concurso. Pegou aquele só pelo salário, só pela possibilidade da aposentadoria integral ao final.

            Professor sem vocação não existe! Por isso nós não conseguiríamos, por mais que paguemos, hoje, mais de cem mil professores jovens. Não há mais de cem mil brasileiros jovens em condições de serem bons professores como a gente precisa. A uma base de cem mil professores por ano, a gente levaria 20 anos para conseguir os dois milhões de que o Brasil precisa.

            Agora, o professor não é uma entidade que se esgota. Professor é como o cavaleiro: só é cavaleiro aquele que tem cavalo; cavaleiro sem cavalo não é cavaleiro. Professor só é professor quando há um prédio bonito onde ele pode dar aula, quando há um prédio confortável para as crianças, quando esse prédio tem os equipamentos mais modernos de laboratórios, de estúdios, de quadras esportivas, de computadores, de televisão, de bandas de música, e isso em horário integral.

            Cem mil professores, Senador Mozarildo, equivale, em média, a 10 mil escolas, a 250 cidades e a três milhões de crianças. A gente pode fazer uma revolução imediata em 250 cidades e uma revolução paulatina no Brasil inteiro. Essa é, como dizem por aí, a “sacada” do processo. Você faz isso de uma vez, em dois anos, em uma cidade de porte médio. Nas grandes cidades, isso toma mais tempo. No Brasil, isso só pode ser feito em 20 anos.

            Já imaginou quando houver duzentas cidades dessas, quinhentas, mil, e a gente puder comparar e dizer que o Ideb das cidades com educação federal é equivalente ao Ideb dos melhores países do mundo? E as outras vão melhorar aos poucos. Aí há gente que diz: “Mas é injusto fazer isso em uma cidade e não fazer em outra”. Não se fizeram aeroportos em todas as cidades do Brasil. Isso começou em duas cidades, pois, em uma só, não adiantava. Aeroporto só numa cidade seria maluquice. E é capaz de ter havido um único aeroporto e o avião ter sido só esportivo, para passear por aí. Você vai fazendo isso num processo. Não se fizeram rodovias em todo o Brasil de repente. Foi aos poucos que a gente foi incorporando. A industrialização começou em São Paulo, não começou no Brasil inteiro.

            A educação tem de melhorar em todo o Brasil e revolucionar em algumas cidades. É isso que eu chamo de federalização. É isso que nós discutimos ontem. E isso não rompe a importância do Município na eficiência, porque a gente precisa federalizar para dar um padrão único à educação, mas descentralizando a gestão e dando liberdade pedagógica, porque não há ninguém que saiba como é realmente uma pedagogia ideal no mundo de hoje, com as transformações que os computadores trouxeram.

            Nós temos de dar liberdade pedagógica e descentralizar a gestão, e aí eu sou mais radical do que os municipalistas. Eu acho que a administração de uma escola pode ser feita pela própria comunidade da escola. A própria comunidade da escola pode fazer isso. Não precisa nem ser o Prefeito. Então, sou radical na descentralização. Agora, a carreira do professor é a mesma, como é a carreira dos funcionários do Banco do Brasil, como é a carreira dos funcionários da Caixa Econômica e dos Correios.

            Esse é o tema que nós debatemos ontem, Senador Mozarildo, e haverá mais duas sessões de debate. Esta já foi a quarta. Haverá mais duas sessões de debate. Esperamos que, ao final dessas seis sessões, seja possível chegar não a um acordo, mas pelo menos a um acúmulo de ideias que possa ser levado para as altas autoridades do Brasil de forma coletiva, porque eu já as levei pessoalmente, e não me deram a menor bola. Eu já levei tudo isso estudado, quantificado, e faltou dizer que, no final dos 20 anos, o custo disso será 6,4% do Produto Interno Bruto, pouco mais da metade dos 10% que a gente vai aprovar aqui.

            Eu até temo, Senador Mozarildo, que, se amanhã forem dados 10% do PIB para a educação, a gente vá jogar dinheiro fora. O sistema não é capaz de absorver isso. É como você dar muita comida a um faquir no dia seguinte ao jejum de 50 dias. No nosso caso, o jejum é de cinco séculos. É preciso dar o dinheiro, sabendo como ele vai chegar ao cérebro das crianças. Se chover dinheiro no quintal de uma escola, vira lama na primeira chuva.

            O dinheiro não chega, Senador Tomás, à cabeça dos meninos só porque entrou na escola. Há de existir um processo. A própria carreira do professor tem de ser reconstruída. Temos de garantir a estabilidade do professor, para ele não ser demitido pelo prefeito, pelo governador, pelos pais dos alunos. Mas nós não podemos, se queremos uma revolução institucional, tolerar a estabilidade de professores que não passam em avaliações periódicas, que não demonstram ter dedicação exclusiva àquela escola, que não demonstram que estão aprendendo, a cada dia, a serem melhores professores.

            Tudo isso a gente vem tratando como federalização. Reconheço que o nome não é bom. É preciso um nome melhor. Mas que nome melhor? Nacionalização? Brasileirização da educação? Não há universidades federais? Por que não pode haver educação federal? Há um sistema universitário federal. Ampliemos as 400 escolas federais que existem hoje, para fazer 200 mil escolas! Os prefeitos vão sendo liberados de uma carga que eles têm sobre os ombros deles, que é uma carga muito pesada: o custo das escolas.

            Eu, como autor da Lei do Piso, fico muito irritado, chateado, quando vejo um governador e um prefeito dizerem que não podem pagar o piso. Sinceramente, se a gente analisar bem, é capaz de alguns desses não poderem pagar o piso, ou, para pagarem o piso, teriam de tomar medidas tão drásticas nas contas dos seus governos, que eles iam incomodar tanta gente, que eles não iam poder continuar, por tirar dinheiro de outras áreas para a educação. Não iam deixar que isso ocorresse. Mesmo os que falam a favor da educação, quando souberem que o prefeito vai deixar de asfaltar a rua para botar uma escola em outro bairro, se estiverem precisando do asfalto, vão preferir o asfalto. Se é feito o orçamento participativo, educação não é a primeira escolha dos participantes da elaboração do orçamento.

            Não sabemos o nome, mas, neste debate na Comissão, eu gostaria de, um dia, chegar aqui ao plenário e discutir: criança é, primeiro, brasileira ou recifense, como eu, de nascimento? Ou é brasiliense, como eu, de opção? Criança não opta. Eu optei por ser brasiliense. Criança não opta. Primeiro ponto: criança é brasileira ou é municipal? Criança é federal ou é estadual? Segundo, como fazer a federalização das crianças? Como cuidar delas? Que medidas tomar? Quanto gastar? E qual o processo de implantação disso? Na minha ideia, seria por cidades.

            Creio que este foi o erro do Brizola: o de implantar os CIEPs por unidades escolares isoladas, em vez de chegar a uma cidade e dizer que ali todas as escolas seriam CIEPs. Ele teria feito 20 ou 30 cidades. Ninguém ia parar mais. Mas ele as fez isoladas. E o governador seguinte relaxou, e poucos CIEPs sobreviveram.

            Senador Mozarildo, eu queria falar sobre a nossa sessão de ontem, que foi extremamente criativa, graças a esses dois professores.

            Era isso o que eu tinha para falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2012 - Página 55364