Pela Liderança durante a 110ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da “PEC do Trabalho Escravo”.

Autor
Kátia Abreu (PSD - Partido Social Democrático/TO)
Nome completo: Kátia Regina de Abreu
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. :
  • Considerações acerca da “PEC do Trabalho Escravo”.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 05/07/2013 - Página 42989
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, CONVENÇÃO, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), LOCAL, PAIS ESTRANGEIRO, SUIÇA, COMENTARIO, IMPORTANCIA, ORGANISMO INTERNACIONAL, DEFINIÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, GARANTIA, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, ESPECIFICAÇÃO, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, DEFESA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, OBJETIVO, CRITERIOS, AVALIAÇÃO, CONDIÇÕES DE TRABALHO, TRABALHADOR RURAL.

            A SRª KÁTIA ABREU (Bloco/PSD - TO. Pela Liderança. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente - e vejo que já começo ali com 19min28s. (Risos.)

            Venho a esta tribuna, Sr. Presidente, para falar de uma matéria muito importante e que foi votada há poucos dias aqui no Senado Federal, depois de ter sido votada na Câmara dos Deputados. Eu gostaria de falar um pouco sobre a PEC do Trabalho Escravo.

            Eu acho que nós devemos ao Brasil uma explicação muito sincera, muito franca, muito transparente a respeito dessa legislação. E é com esse sentimento que venho aqui hoje, para que possamos tentar, por meio desta tribuna - e, para isso, o povo do Tocantins me honrou -, falar sobre uma matéria tão delicada como essa questão do trabalho escravo aqui no Brasil.

            Eu gostaria de começar lendo, Sr. Presidente, três linhas apenas da Convenção 29 da OIT.

            A Organização Internacional do Trabalho, uma entidade ligada à ONU, em uma função preciosa: a de zelar pelas relações trabalhistas mundo afora.

            E a OIT transformou-se numa referência para que os países possam aderir às suas convenções, no sentido de melhorar a cada dia essa relação, essa performance do patrão no tratamento dos seus trabalhadores; melhorar as condições físicas; melhorar a condição emocional, psicológica e salarial dos trabalhadores do mundo inteiro.

            Eu tive o prazer, há poucas semanas, de ir à Convenção Nacional da OIT em Genebra, na Suíça, em que tive a oportunidade de fazer um pronunciamento, naquele belo recinto, em nome do patronato brasileiro, dos empresários, dos patrões, pequenos, médios e grandes deste País.

            Das convenções da OIT, todos os anos, saem as recomendações, saem as aprovações do que deverá ser imposto ao mundo todo. E os países, de forma democrática, devem aderir às convenções da OIT de acordo com as suas peculiaridades.

            Alguns países, a determinadas convenções, se recusam a aderir, como também às convenções em outras áreas que não seja apenas o trabalho. Existem vários organismos da ONU que estabelecem essas convenções em outras áreas comerciais, na área de saúde, na área de educação, na área de meio ambiente, e os países vão estudando as convenções e dizendo: a esta eu quero aderir.

            A Convenção nº 29, da OIT, da Organização Internacional do Trabalho, segundo a própria ONU, é uma das convenções que tiveram a maior adesão dos países. Foram pouquíssimos os países que não aderiram, e isso é uma raridade porque há convenções que trazem transtornos, constrangimentos a alguns locais ou a alguns governantes que se recusam a aderir a determinadas convenções. Mas a Convenção nº 29, da OIT, teve uma aceitação geral, porque demonstrou equilíbrio, foi ao ponto a que deveria ir com relação às questões trabalhistas.

            E essa convenção específica, a de nº 29 - há várias outras antes dessa, como a 28, e várias outras depois dessa - diz, com relação à questão do trabalho escravo, o que a OIT recomenda aos países que são signatários da ONU.

            A Convenção nº 29, no seu art. 2º, inciso I, diz, em duas linhas e meia:

Art. 2º.

I - Para fins desta Convenção a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” [não usa a palavra escravo, mas usa a terminologia trabalho forçado ou obrigatório, que no fim é a mesma coisa] compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa [de um ser humano] sob a ameaça de sanção e para a qual não se tenha oferecido espontaneamente.

            Traduzindo, para que nós possamos reiterar esse conceito: eu não posso obrigar uma pessoa a trabalhar naquilo a que ela não se dispôs espontaneamente e eu não posso exigir daquela pessoa que, às vezes, aceitou trabalhar espontaneamente, mas está com vontade de ir embora, porque não gosta do trabalho - muitas vezes, o patrão a obriga, na marra, sob armas - que ela fique naquele local sem a sua vontade.

            Isso, de fato, é abominável, tão abominável que a grande maioria dos países aderiram a essa convenção, e qualquer pessoa de sã consciência, juízo, sentimento humano tem que aplaudir este pequeno artigo de duas linhas e meia, da Convenção 29, da OIT, mas que é definitivo: ninguém pode trabalhar obrigado sob armas, com coação, e ninguém pode ser impedido de sair do seu emprego por nenhum patrão do mundo em qualquer área.

            A OIT não é do trabalho rural, é de todo o trabalho do mundo: industrial, comercial, de serviços, autônomos, todos. Nenhum patrão de nenhuma categoria pode praticar essas duas ações, porque está praticando um trabalho forçado ou obrigatório, que no Brasil é chamado de escravo.

            Sr. Presidente, colegas Senadores e todos os brasileiros que nos honram e que podem estar nos assistindo neste momento, nessa reunião da OIT em que eu estive presente, em Genebra, na Suíça, houve uma manifestação do Brasil, do Ministério Público do Trabalho, que tentou alterar essa regra para incluir, praticamente, o art. 149 do Código Penal, o que foi repudiado com veemência por todos os membros que trabalhavam naquela Câmara naquele momento. Não! Essa definição foi aceita pela grande maioria dos países e não há necessidade de alterar, porque escravo é isto mesmo: é quem trabalha em um lugar sem querer, é o que trabalha obrigado, é o que trabalha sem salário.

            Sr. Presidente, aqui no Brasil nós fomos signatários dessa Convenção, mas o Congresso Nacional, com o direito que tem, aderiu à Convenção 29 com esses dois pontos que acabei de frisar e incluiu dois. A legislação trabalhista que diz respeito ao trabalho forçado ou obrigatório, chamado, no Brasil, de trabalho análogo ao escravo, colocou quatro pontos: dois da Convenção 29 e dois, com seu livre arbítrio, aprovados pelo Congresso Nacional alguns anos atrás. Eu gostaria de discutir exatamente isso.

            No art. 149 do Código Penal foi incluído o seguinte caput:

Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes [...], quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Pena - reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência.

            Eu faço questão absoluta de abrir esse caput e de escrever os quatro pontos aqui adiante, para que todos que estão nos ouvindo neste momento - os colegas, a imprensa - possam entender o que está escrito nesse caput.

            Desses pontos, que eu acabei de ler, vou, então, abrir os quatro que acabei de mencionar a respeito da cópia da OIT e as duas inovações feitas pelo Congresso Nacional.

            Primeiro, a submissão do trabalhador a trabalho forçado. O.k. Copiou da Convenção 29 da OIT. Está certo. Precisamos abominar essa prática.

            Segundo, a restrição da locomoção do trabalhador por meio de dívidas contraídas com o empregador ou preposto. Correto. Apoiado. Está na Convenção 29 da OIT. O mundo inteiro precisa repudiar essas duas formas constrangedoras que significam e atestam a questão do trabalho escravo no Brasil.

            Agora, eu vou citar os outros dois itens aprovados pelo Congresso brasileiro: terceiro, a submissão do trabalhador à jornada exaustiva; e quarto e último, introduzido pelo Congresso Nacional, a sujeição do trabalhador a condições degradantes de trabalho.

            Eu quero aqui deixar bastante claro que ninguém concorda com jornada exaustiva, que ninguém concorda com trabalho degradante, muito menos eu, que sou mulher, que sou mãe, que sou avó. Jamais poderia concordar com que qualquer trabalhador, quer seja um jornalista, quer seja um pedreiro, quer seja um médico, quer seja uma enfermeira, pudesse ter uma jornada exaustiva ou condições degradantes, porque todos nós sabemos que exaustivo é aquilo que pesa, que cansa o trabalhador, e degradante, todos nós sabemos que as condições não estão boas.

            Qual é o problema, então, Kátia Abreu, desses dois pontos que a lei brasileira incluiu? É simples, Sr. Presidente. Quando um fiscal do trabalho chega até a sua propriedade ou até uma indústria para fiscalizar, auditar como estão vivendo os trabalhadores daquele lugar, ele precisa de uma definição clara, específica, item a item, do que significa exaustivo, porque todas as leis - isto está na Constituição - precisam primar pela especificidade, para que não haja dúvidas a respeito da sua realização, para o bem e para o mal, para inocentar os inocentes e para criminalizar aquele que agiu de má-fé.

            Portanto, exaustivo, no setor agropecuário, significa quantas horas? Quanto tempo é? Não foi regulamentado. Quando os amigos jornalistas, de toda a imprensa nacional, me procuram para tratar do assunto, eu devolvo a pergunta a eles: “Quantas horas você trabalha na sua redação? Quantas horas você fica aqui no Congresso Nacional em dias de sessão?” A grande maioria responde: “Ih, Senadora, são horas e horas, há dias sem almoço.” Pode gerar exaustão? Pode gerar exaustão, mas isso tudo está definido nas convenções coletivas, e precisa estar definido na lei o que é exaustivo no campo brasileiro. Não há nenhum problema. Depois que nós definirmos o tamanho da exaustão no campo, eu não tenho nenhum reparo a fazer.

            Agora, não podemos permitir que auditores do trabalho, muitos de boa-fé e os de não tão boa-fé, queiram interpretar o que é exaustivo, já que nós, Parlamentares, não regulamentamos, e definir o termo da sua cabeça. Alguns usam o bom senso; outros usam a punição ao patrão rural, porque são contra a propriedade privada, são contra o capitalismo e o mercado, e querem punir os produtores rurais do Brasil.

            Eu peço que os colegas ajudem o setor agropecuário, que não tem culpa de nada - já cometeu erros, mas erros como todo cidadão, como todo ser humano pode cometer; ninguém é perfeito. Enfim, peço ajuda encarecidamente do Congresso Nacional para que nós possamos regulamentar e definir o que é exaustivo no campo, porque exatamente a indefinição dessa palavra está causando a pena de escravidão a pessoas inocentes.

            E o quarto ponto: condições degradantes.

            É a mesma coisa, Senador Cristovam. Eu posso me sentar com o senhor numa mesa, tomar um café, e o senhor comentar comigo: “Senadora Kátia, eu encontrei o meu amigo João, e ele está vivendo em condições degradantes.” Numa conversa coloquial, isso é suficiente para eu entender que o João não está vivendo bem, mas, para um auditor do trabalho, que tem de chegar à propriedade e auditar com presteza, com precisão, tem de ser preciso, tem de ser detalhista, para inocentar ou incriminar quem não age bem, a palavra degradante, para quem tem de ser tão preciso, precisa de definição, precisa ser escrita, precisa ser regulamentada pelo Congresso.

            Algumas pessoas não compreendem por que os produtores, os Parlamentares da Bancada da agropecuária resistiram tanto a votar a PEC do trabalho escravo. Por maldade? Será que a tendência desses Parlamentares, assim como eu, é a de escravizar os nossos trabalhadores? Não, Presidente! Nós estamos clamando há anos: defina para nós o que é exaustivo; defina para nós o que é degradante, que nós votamos na hora, porque, sem definição, a PEC do trabalho escravo impõe a expropriação de um patrimônio que tira de uma mulher, de uma esposa; que tira dos filhos, que tira dos netos. Uma coisa temerária, Senador Cristovam Buarque. Nós não podemos utilizar, através da lei, de trejeitos, artimanhas, para punir pessoas ou até inocentar aqueles que não merecem. Votamos, na CCJ, a PEC do Trabalho Escravo, mas com uma ressalva - e quero aqui parabenizar o trabalho do Senador que hoje preside esta Mesa, Senador Sérgio, e também Vital do Rêgo, que preside a CCJ -, com uma condicionante: a matéria só saíra da CCJ depois que nós montarmos uma comissão para votarmos no plenário, juntos, a definição do que é exaustivo e do que é degradante no campo brasileiro.

            Aí, sim, subirei a esta tribuna e, com toda alegria, sem temor, votarei para que aqueles que destratam verdadeiramente, que escravizam e judiam dos seus trabalhadores possam ser verdadeiramente punidos. E que aqueles que já foram apontados, humilhados com uma definição que não existe possam, também, ser inocentados.

            Agora, eu quero dizer uma coisa importante, Presidente Sérgio. Será que é só a Kátia Abreu, a CNA, os produtores do Brasil que acham essa lei inconsistente e sem definição? Não! Nós recebemos, em 2009, a visita, no Brasil, do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos sobre as formas contemporâneas de escravidão, suas causas e consequências.

            A Srª Gulnara Shahinian, uma armênia, uma mulher austera, preconceituosa com o setor agropecuário, escreveu um relatório imenso de críticas duras aos produtores rurais. Mas eu tive paciência, sangue e estômago para ler todo aquele relatório, e eu fui iluminada pelo Espírito Santo, porque, no tamanho de um relatório agressivo, humilhante, eu achei uma coisinha importantíssima, Senador Cristovam Buarque, pequenas frases, mas que eu preciso ler nesta tribuna.

            Relatório especial, Desafios Restantes, diz o seguinte...

            O Ministério do Trabalho tem a obrigação de informar à CNA e enviar o relatório à CNA a fim de que possamos nos manifestar. Por isso nós temos posse do relatório, assim como o CNI, como o CNC e como todas as confederações.

            Essa senhora escreveu o seguinte:

A Relatora Especial foi informada pela Polícia Federal de que, durante inspeções móveis, é mais fácil para inspetores do trabalho imporem sanções administrativas, como multas, do que a Polícia Federal coletar evidências criminais. A Polícia Federal destacou que a atual Lei do Trabalho Escravo é inadequada em fornecer critérios claros que ajudem a caracterizar criminalmente o trabalho escravo. Melhores critérios ajudariam a Polícia Federal a coletar rapidamente evidências e a ingressar com ações.

            E eu complemento: também para inocentar aqueles que não praticaram.

            Ao final do relatório, vêm as recomendações no combate ao trabalho escravo em áreas rurais - nº 102, Marco Legal:

O Governo deve decretar uma definição mais clara do crime de trabalho escravo, o que ajudaria mais a Polícia Federal a investigar e abrir processos criminais contra os perpetradores do trabalho escravo.

            É o relatório da ONU, Senador Cristovam Buarque; não é mais a CNA, não é mais a Senadora Kátia Abreu, não são os produtores do Brasil. Essa senhora me fez esse favor, dentre tantas e tantas páginas agressivas contra o setor agropecuário.

            É por isso que eu clamo à ONU, da qual somos signatários, que possamos obedecer ao que essa senhora recomendou ao Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos sobre as formas contemporâneas de escravidão, suas causas e consequências. Vamos obedecer ao relatório da ONU, vamos definir o que é trabalho escravo, nesta Casa, o que é trabalho degradante e o que é jornada exaustiva.

            Nós temos propostas; queremos que possa ser definido e diferenciado o marco penal. Para aqueles que praticaram os dois pontos que a Convenção 29 determinou, que cumpram: cadeia, pena, expropriação das terras. Vamos fazer o que for necessário para punir os maus exemplos que possam ainda haver em nosso País. Agora, o descumprimento da jornada de trabalho, pelo patrão, é administrativo, a não ser que tenha lesado a saúde, configurado pelos médicos, pelas juntas médicas, e que se trate de algo irrecuperável. Aí sim, punição total!

            Mas nós temos uma linha tênue; uma linha muito tênue. Olha os jornalistas que ficam aqui dez, doze horas, trabalhando e fazendo matéria. E a nossa assessoria técnica, que, se nós ficarmos aqui até amanhecer o dia, fica também. Todos os assessores do Senado. Está certo fazer isso? Não quero discutir o mérito. Nós, Senadores, nem falo, porque ficamos aqui também, quando é preciso.

            Então, esses descumprimentos também devem ser evitados e punidos. Mas com multas, com sanções administrativas, como se faz em qualquer lugar do mundo. Agora, a degradação que se dá por estar dormindo em uma rede não pode ter o mesmo tratamento da que se dá por estar comendo uma comida sem higiene, uma comida que não se dá nem para os porcos hoje em dia. Aí, criminalização total. Mas, porque dormiu na rede e o punho da rede estava em uma distância de 80cm e não de 1,2m, isso não pode ser considerado crime e levar uma pessoa dessa para a cadeia.

            Senador Cristovam Buarque, o brasileiro prima pelo bom senso. Nós precisamos tentar ajudar, pelo menos tentar ajudar, aqueles que produzem 9,7 do PIB no primeiro trimestre, que garantem a balança comercial brasileira nas costas há 15 anos.

(Soa a campainha.)

            A SRª KÁTIA ABREU (Bloco/PSD - TO) - Isso não faz esses benefícios. Tudo isso que nós produzimos não serve para disfarçar aqueles malfeitores de má fé, que praticam trabalho escravo. Não. Eu estou pedindo por aqueles que trabalham, que produzem neste País, que ajudam a economia e que são de boa fé. É desses que eu estou falando. São esses que eu quero defender.

            Senador Cristovam Buarque, com a palavra, para um aparte.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senadora Kátia Abreu, eu creio que não seria uma indiscrição - ou seria - dizer que, no começo deste ano, no meu aniversário, V. Exª me deu de presente um livro sobre a China. Espero que não se preocupe que eu diga isso. E uma das coisas que me impressionou nesse livro, Senador Sérgio, é como a China está se preocupando com a renovação da sua mão de obra, como está se preocupando com a reciclagem da mão de obra. Eu não vou entrar no discurso sobre a…

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - … exaustão física, que é aquela com que o Ministério do Trabalho tem-se preocupado, que é uma exaustão contra a qual a gente deve lutar. E V. Exª também luta e defende. Mas é uma exaustão do século XIX, até do século XX. Eu quero falar de uma outra exaustão e pedir a sua compreensão como Senadora e como Presidente, Líder da CNA. É a exaustão do conhecimento. A gente está esquecendo que as pessoas ficam exaustas, ainda que descansadas, porque o conhecimento está indo embora, porque o que a gente precisa de conhecimento é um outro. Por exemplo, um trabalhador analfabeto, hoje, mesmo que ele não esteja exausto fisicamente, mesmo que a gente deixe ele trabalhar poucas horas, dê sábado e domingo, ele está exausto, porque não há mais como ter trabalho para analfabetos. Eu vou contar uma história que tem a ver com o setor rural, mas diferente daquele com que a senhora, em geral, lida. Eu estava, uma vez, numa cidade de Alagoas, e, num pequeno restaurante, me levaram dois senhores e me disseram: “Esses dois senhores pediram para conhecê-lo, porque eles vieram investir em Alagoas, e querem conhecer o senhor”. Sentaram, e eu perguntei: “Vocês vão investir?” Ele disse: “Não, não vamos mais”. Eu perguntei o porquê, e eles disseram: “Nós viemos de Portugal” - eram empresários portugueses - “investir, mas não encontramos mão de obra qualificada em Alagoas”. Eu perguntei o ramo deles, e eles disseram: “Nós temos criação de cavalos”. Eu, então - o que nem deveria ter feito, como pessoa que defende a educação -, brinquei, dizendo: “Qual é a especialidade que vocês precisam para os vaqueiros de vocês?”

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Eles disseram: “Nós não trabalhamos com vaqueiros. Nós só trabalhamos com veterinários, porque os nossos cavalos custam R$4 milhões. A gente não deixa na mão de uma pessoa que não tenha o conhecimento necessário e que não seja capaz de ler a bula do remédio em inglês, porque os remédios são importados. Vamos ter um ou outro trabalhador manual, mas nós não encontramos 12 veterinários capazes de trabalhar no nosso empreendimento”. Veja: setor rural, criação de cavalos. Isso está valendo, hoje, para tudo. No ramo com que a senhora tanto lida, da soja, hoje, para dirigir um daqueles tratores, precisa de uma especialização. Um analfabeto tem dificuldade profunda e dificilmente consegue usar os equipamentos de informática, até o que há diante do - chamemos - motorista, porque a palavra tem que ser outra. Motorista é uma coisa do motor, e não é mais motor...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - ... que ele está fazendo ali. Ele está fazendo ali um trabalho digital. Ele nem é mais operário, nem é mais mão de obra; ele é um operador. Não usa mão; ele usa o dedo. Então, eu creio que nós precisamos continuar com a preocupação em relação à exaustão física, mas nós estamos atrasados. Estamos atrasados porque não estamos pensando na exaustão do conhecimento; não é a exaustão mental, não, de quem trabalha aqui e fica cansado mentalmente. Não! É o conhecimento que está indo embora, porque está surgindo o novo que a gente não pega. E, para concluir, digo que eu gostaria de ver seu apoio... Discutir, antes, com a senhora, não pedirei o apoio. Eu coloquei um projeto que dá a cada trabalhador alguns dias por ano ou pode ser até algumas semanas a cada tantos anos para que ele possa se reciclar. O tempo para a reciclagem hoje é tão importante quanto o tempo de férias.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - As férias eliminam a exaustão física e mental, mas não trazem conhecimento novo. O conhecimento novo só vem por um processo de formação. Eu nem uso mais a palavra treinamento, que é uma coisa antiga. Por que a gente não cria uma legislação que permita ao trabalhador ter um tempo livre a cada tantos anos que seja para ele se reciclar? Um professor universitário a cada tantos anos tem um tempo de sabatina para que ele se recicle. Hoje, a reciclagem não é algo só para professor universitário... Primeiro, é de todo o professor; segundo, de todo o trabalhador. Eu queria, um dia, discutir esse projeto de lei, porque muitos empresários não entenderam. Meu querido amigo, o colega Armando Monteiro, por exemplo, por quem eu tenho uma relação muito especial, sobretudo por ser pernambucano e por relações até, indireta, de familiares - não por sermos parentes, mas...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - ... por eu ter sido professor dos familiares dele quando muito jovens. Ele mesmo fica em dúvida e resiste, considerando que isso vai dar prejuízo ao setor industrial. Eu creio que dá prejuízo ter trabalhador despreparado. Isso, sim, é o prejuízo grande. Aumentar o custo de produção para dar formação reduz o custo de correção dos desastres provocados pela falta de formação. Eu queria ver se a CNA não topa um dia conversar sobre essa possibilidade de lutarmos contra a exaustão do conhecimento do nosso trabalhador por falta de formação e reciclagem a cada tempo determinado. É isso o que queria dizer e a parabenizo pelo discurso. Eu sou radicalmente envolvido na luta contra o trabalho escravo, mas acho que o seu discurso é perfeitamente coerente na medida em que não quer trabalho escravo...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - ... que existe sim, a senhora sabe que existe em alguns setores, em alguns lugares, especificamente... Não por setor, mas pessoas, e nós temos de lutar contra isso. Mas precisamos definir bem certas características que definem o trabalho escravo. Quanto a isso, eu estou totalmente de acordo. Eu considero uma das coisas que pode ser chamada escravidão o fato de usar o trabalhador, e, quando ele não tem conhecimento para novas técnicas, a gente o joga fora, quando poderia perfeitamente tê-lo reciclado, preparado para um novo conhecimento. Era isso, Senadora.

            A SRª KÁTIA ABREU (Bloco/PSD - TO) - Obrigada, Senador Cristovam Buarque, a sua participação sempre enriquece o debate.

            Eu vou dar uma opinião um pouquinho diferente do senhor e um pouquinho diferente do Armando Monteiro. Eu lhe garanto que os empresários não precisam ter a obrigatoriedade do horário. Os empresários - produtores rurais ou de cidade - estão ávidos por treinamento...

            (Soa a campainha.)

            A SRª KÁTIA ABREU (Bloco/PSD - TO) - ... dos seus trabalhadores. As empresas maiores, mais ricas, elas mesmas, contratam as pessoas, os técnicos, e fazem treinamento sistemático. O grande problema são os pequenos e os médios. Os urbanos, nós temos um trabalho extraordinário do Sebrae, que ajuda muito no treinamento de trabalhadores na micro e pequena empresa, mas nós temos um produtor rural e um empresário médio que, às vezes, ficam um pouco fora do alcance.

            Eu vou dar um exemplo no setor rural: o nosso “S” Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) treina um milhão de pessoas por ano. A Presidente Dilma um dia me perguntou: “Quanto seria necessário treinar por ano?”. Seis milhões. Eu tenho a demanda, tenho know-how, o Senar, tenho competência e eficiência para fazer, mas os recursos do Senar, sozinhos, não dão conta de atender à demanda dos patrões e dos trabalhadores, sendo que, desse um milhão de pessoas que nós treinamos, muitos são repetidos, que já fizeram no ano passado, fazem de novo, fazem duas vezes por ano. Então, nem podemos dizer que é um milhão de pessoas diferentes, pode ser que sejam 700 milhões de pessoas diferentes, mas que outros copiam e fazem dois, três cursos. Então, o que complementou e está nos ajudando muito? O Pronatec, do MEC. Foi feito um modelo para os “S”, a indústria, o comércio, os serviços, o transporte e para o rural.

            Nós estamos fazendo qualificação no ensino médio brasileiro, nas escolas públicas do ensino médio. No setor rural brasileiro inteiro, nós fizemos no ano passado com 26 milhões de jovens do ensino médio, com 160 horas de treinamento para o campo na atividade que eles escolheram. Este ano, nós vamos fazer quase o dobro disso, e recursos de parceiros como o Sebrae, unindo as nossas forças com algumas cooperativas, com algumas empresas do agro que também nos ajudam, inclusive com máquinas para servir de treinamento e de instrumento para realizar os cursos. Então, isso não pesa para ninguém. O que nós precisamos ter, cada vez mais, são mais recursos para a educação, para que as pessoas possam se qualificar.

            Um fazendeiro amigo meu, de Lucas do Rio Verde, Mato Grosso, que pratica a agricultura de precisão, o chefe da oficina dele, das máquinas de agricultura de precisão, está ganhando R$23 mil por mês. Simplesmente é o mercado. Ele é único na região, praticamente. São pouquíssimos treinados para isso. Então, esse é um exemplo que demonstra o quanto a mão de obra ainda precisa ser qualificada no Brasil, e essa exaustão do conhecimento precisa ser finalizada.

            Eu fiz um programa de extensão rural no Tocantins, no Bico do Papagaio, para quatro mil famílias da classe D e E, e cinco mil para produtores de leite, para nós virarmos o jogo...

            (Soa a campainha.)

            A SRª KÁTIA ABREU (Bloco/PSD - TO) - ... Rapidamente. Todos escrevendo, pelo Estado inteiro, para participar do programa. Então, as pessoas estão querendo isso, Senador. Elas precisam disso. Isso é muito importante. Estou à sua disposição para o debate todas as vezes que o senhor assim entender que é útil que a CNA participe, nós temos todo o prazer para isso. Queria que o senhor conhecesse profundamente o Senar e as atividades que a gente tem feito por lá, o quanto nós temos implementado e crescido nos últimos anos.

            Mas eu, para finalizar o meu pronunciamento, gostaria de ainda tocar num ponto importante. Uma iniquidade, uma injustiça, num país onde a segurança jurídica, onde o Estado de direito foi uma opção do Brasil. Eu vou explicar como acontece: o Ministério do Trabalho chega à minha propriedade rural e vai fiscalizar. Em determinado momento, com esses conceitos que são vagos, ele vai decretar: na sua fazenda está sendo praticado trabalho escravo. Eu tenho direito de recorrer administrativamente, o meu processo vai para a mão daquele mesmo que já me condenou. Ele me condena novamente, 99,9% dos casos. Naquele momento - aí que vem a iniquidade, aí que vem a injustiça -, naquele momento, esse produtor rural vai para a lista suja do Ministério do Trabalho. Isso se chama transitado em julgado administrativo. É uma inovação brasileira, atacando frontalmente o Estado de direito e a ordem. Porque eu tenho o direito de me defender. É assim a Justiça brasileira, é assim a Constituição. É uma cláusula pétrea. Todos têm direito à Justiça, e à Justiça célere. Por que é que a palavra daquele auditor tem mais fé do que a minha, que sou produtora rural? Ele não pode se equivocar? Ele não pode estar sendo manipulado pela corrupção? Ele pode estar sendo manipulado por uma questão ideológica? 

            Eu tenho o direito de me defender. O Estado brasileiro precisa me dar isso. O produtor é desmoralizado na Internet, com o seu nome já grifado como uma pessoa que pratica trabalho escravo. Se ele produzir álcool, ele não pode vender para a Petrobras. Se ele produzir grãos, as traders estão proibidas in off de comprar, pelo Ministério Público. Os frigoríficos não compram carne desse produtor. Ele está um homem aniquilado - aniquilado! -, porque, infelizmente, nós temos Justiça no Brasil, só não temos Justiça célere. É ainda um aprimoramento que nós precisamos ter.

            A partir da denúncia, o Ministério Público do Trabalho faz com que aquele patrão demita todos os seus funcionários e que pague todas as multas e tudo que eles encontrarem. Questão administrativa, está certo. Se houver coisa errada, tem que estar certa, tem que corrigir.

            Eu vi o Ministério Público do Trabalho demitir 2.300 trabalhadores numa usina de açúcar e álcool no Pará. Todos - eu fui com mais oito Senadores - tinham cartão eletrônico do banco. Todos. Uma fazenda que não era luxuosa, mas onde moravam os três rapazes donos, com as esposas e os filhos, estudando na mesma escola dos filhos dos trabalhadores.

            Há exageros? Vamos procurar. Vamos criminalizar. Vamos atrás, igual se faz com bandido. Agora, nós não podemos acusar uma pessoa antes que transite em julgado.

            Agora, o que acontece posteriormente? Esse processo vai para o Ministério Público Federal, para poder investigar o crime.

            (Interrupção do som.)

            A SRª KÁTIA ABREU (Bloco/PSD - TO) - Peço só mais dois minutos, Presidente. Desculpe.

            Meus funcionários já foram demitidos. Eu estou proibido de vender. Aí, vai para o Ministério Público Federal, para começar a investigação. O Ministério Público Federal chama a Polícia Federal: “Vá lá investigar o Sr. João”. Aí a Polícia Federal responde o que respondeu no relatório da Armênia: “Eu não consigo encontrar provas, porque a lei é vaga.” Eu não sei o que é degradante. Eu não sei o que é exaustivo, porque não está na lei. Como é que eu vou chegar lá e dizer: descumpriu, porque eram duas horas, nove horas, dez horas, e descumpriu?

            Então, no relatório dessa senhora, a Armênia, é isto que ela está falando. E as provas? E o meu nome na lista suja, no computador, como patrão escravo, e a minha fazenda aniquilada. E os trabalhadores fora.

            Então, é nesse ponto que eu rogo ao Congresso, que nunca faltou ao povo brasileiro, que nós possamos dar aos produtores - aliás, o único setor, vamos falar a verdade, da atividade econômica que, de fato, está dando certo no Brasil -, nós merecemos essa consideração aos produtores rurais, dar a eles o direito de defesa, dar a eles o direito à inocência, dar a eles o direito, primeiro da inocência, para depois condenar, e não o contrário. Condeno, criminalizo, e você é que vai provar que é inocente. Eu acho que nós não merecemos isso.

            E quero dizer que todas as vezes que aqui eu precisar vir conversar com os meus colegas, eu virei, sem nenhum constrangimento, apesar de que alguns blogues, alguns sites anônimos, de pessoas de má-fé, tentam praticar aquele método antigo nazista, covarde: repetir, repetir, repetir, para fazer virar verdade. Como, por exemplo, Senador Cristovam, todos os dias eles repetem isto, e quem está nas redes sociais não tem obrigação de saber se é verdade ou mentira e se esse blogue é um blogue anônimo, covarde e mentiroso: “Kátia Abreu foi denunciada recentemente por trabalho escravo, crime ambiental e grilagem de terras.”

            Vocês já ouviram falar isso em algum jornal decente deste País? Na Folha, no Estadão, em O Globo, no Correio Braziliense? Vocês já ouviram, algum dia, falar isto, que eu fui condenada por trabalho escravo? É isso que eles repetem de mim todos os dias. Pois podem repetir todos os minutos, que eu volto à tribuna com a minha consciência tranquila, para defender aqueles que merecem, que são trabalhadores de boa-fé, que são pessoas que trabalham por este Brasil. E não vão me calar por causa dessas insinuações. E isso pode se espalhar nas redes. Tenho uma coisa muito maior do que rede, tenho uma coisa muito maior do que calúnia, que é Deus, e é Nele que eu confio e no Espírito Santo, que está ao meu lado todos os dias. É nisso que eu confio, no Congresso Nacional e na bondade do povo brasileiro.

            Muito obrigada a todos pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/07/2013 - Página 42989