Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o programa “Mais Médicos para o Brasil”.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROGRAMA DE GOVERNO, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, SAUDE.:
  • Considerações sobre o programa “Mais Médicos para o Brasil”.
Publicação
Publicação no DSF de 23/08/2013 - Página 56557
Assunto
Outros > PROGRAMA DE GOVERNO, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, PROGRAMA DE GOVERNO, GOVERNO FEDERAL, REFERENCIA, CONTRATAÇÃO, MEDICO, ESTRANGEIRO, DEMONSTRAÇÃO, CARENCIA, TRABALHADOR, MEDICINA, LOCAL, INTERIOR, PERIFERIA URBANA, BRASIL, DEFESA, IMPORTANCIA, PROGRAMA, BENEFICIARIO, POPULAÇÃO CARENTE.

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco Apoio Governo/PT-RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Srªs e Srs. Senadores, os médicos brasileiros e estrangeiros que se inscreveram para participar do programa "Mais Médicos para o Brasil', lançado em julho, pelo governo federal, devem chegar aos municípios para onde foram designados, no dia 1º de outubro próximo. No caso dos médicos brasileiros, a data limite para o início das atividades de saúde nos municípios brasileiros é o dia dois de setembro próximo.

            Os profissionais brasileiros e estrangeiros vão atuar nas periferias das grandes cidades e nos municípios situados nas regiões mais carentes do país, atendendo assim, o objetivo do programa de ampliar o número de profissionais nas regiões carentes do país, e que visa, também, acelerar os investimentos em infraestrutura nos hospitais e unidades de saúde.

            De conhecimento de toda a opinião pública, pela polêmica que gerou, o programa 'Mais Médicos' faz parte de um amplo pacto proposto pelo governo federal, para melhorar o atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

            Para garantir a efetivação deste programa, o governo irá investir até 2014, R$ 15 bilhões na expansão e na melhoria da rede pública de saúde em todo o Brasil. Deste montante, R$ 7,4 bilhões já estão contratados para a construção de quase 16 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS); 318 hospitais, que já estão em obras; e 377 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs 24h), sendo que 601 destas já estão em obras. Outros R$ 5,5 bilhões serão usados na construção, reforma e ampliação de unidades básicas e UPAS, além de R$ 2 bilhões que irão para a reforma de 14 hospitais universitários.

            Os médicos estrangeiros com diplomas da Argentina (141), Espanha (100), Cuba (74), Portugal (45), Venezuela (42), México (26) e Uruguai (25), deverão atender aos critérios de ter habilitação no país de origem, para exercer a profissão; conhecer a língua portuguesa e ser provenientes de país com mais médicos por números de habitantes,

            Para garantir a qualidade do atendimento, estes médicos serão devidamente acompanhados, por 41 das 59 universidades federais que, inclusive, já anunciaram apoio ao programa. Por meio de nota, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) se colocou à disposição para colaborar com os Ministérios da Educação e da Saúde. Estas universidades vão dar tutoria, fazer avaliação da formação profissional e verificar os diplomas dos inscritos (estrangeiros).

            O governo deverá oferecer cursos de português, para médicos espanhóis e cubanos, e vistos de trabalho para os que irão atuar em áreas carentes, principalmente rurais, nas quais a atenção de saúde é deficitária. De acordo com o governo federal, os médicos estrangeiros vão se concentrar em oito capitais inicialmente. São elas: Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife e Fortaleza, onde participarão de aulas de avaliação sobre saúde pública brasileira e língua portuguesa.

            Pelo programa, todos os profissionais - brasileiros e estrangeiros - receberão uma bolsa federal de R$ 10 mil, que será paga pelo Ministério da Saúde, mais uma ajuda de custo para moradia e alimentação que ficará sob a responsabilidade dos municípios, e especialização em Atenção Básica, durante os três anos de validade do programa, período que poderá ser prorrogado.

            Desta forma, o governo quer oferecer saúde pública, buscando cumprir o que estabelece nossa Constituição Federal, no artigo 196, que diz: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação,"

            Neste aspecto, o programa 'Mais Médicos7, além de ser uma iniciativa muito louvável é, também, uma ação inadiável, se quisermos ver a população usuária do SUS recebendo saúde pública de qualidade e humanizada. Nosso país tem menos postos de saúde, número insuficiente de hospitais, poucos laboratórios e clínicas e muito menos médicos do que a população brasileira precisa, principalmente, aquela que vive no chamado Brasil profundo, sem acesso aos serviços mais básicos, Esta parcela da população brasileira, infelizmente, é a maioria, E, não precisamos destacar que a saúde privada é inacessível a esta grande parcela de brasileiros e brasileiras.

            Mas não são só estes que sofrem. Todos os dias, assistimos pela televisão e até mesmo nas mídias sociais, o drama de famílias que perdem seus antes queridos por falta de uma ambulância, um medicamento, uma vaga para agendar uma cirurgia, e, claro, um médico disponível pela atender um paciente. Episódios assim são do conhecimento de milhares de pessoas que precisam recorrer aos serviços públicos de saúde e que ficam desoladas com a falta de acesso a esse direito básico e constitucional.

            São casos absurdos que se repetem uns aos outros, de um ponto a outro do país, deixando indignados, os que sofrem com a falta de acesso à saúde pública. Foi para mudar esta realidade cruel que o governo federal adotou o pacto pela saúde com o programa Mais Médicos. Tanto é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou apoio integral à decisão do governo federal de contratar mais médicos, inclusive do exterior, para prestar serviços de saúde para a parcela mais necessitada.

            A iniciativa conta, também, com apoio de setores da sociedade brasileira. Pesquisa Datafolha divulgada no início deste mês revela que 54% dos 2,615 entrevistados em 160 cidades brasileiras, são favoráveis à medida do governo federal, de contratar médicos estrangeiros, por meio do programa "Mais Médicos" para trabalhar em regiões onde faltam profissionais de saúde.

            Este percentual é sete por cento mais do que o índice anterior. Pesquisa realizada no final de junho mostrou que àquele momento 47% dos entrevistados pelo mesmo instituto aprovavam a medida, anunciada pelo governo federal. Medida adotada para atender às críticas feitas por milhares de manifestantes que foram às ruas cobrar melhores serviços públicos de saúde, educação, segurança e ética na política.

            Na primeira fase de inscrições no programa Mais Médicos, 1.618 profissionais confirmaram participação vão atuar em 579 municípios contemplados e mais 18 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DEIs) do País. Junto com os municípios socialmente mais vulneráveis, os DEIs terão prioridade de atendimento entre os que aderiram ao programa. Estes profissionais deverão atender cerca de 6,5 milhões de usuários do SUS.

            De acordo com o Ministério da Saúde, existem 3.511 municípios, com carência de 15.460 profissionais, para complementar os quadros na atenção básica do SUS. Deste modo, os 1.618 profissionais que, nesta primeira fase, confirmaram participação no programa, representam apenas algo próximo a 10% da demanda total de médicos. Assim, é fácil concluir ainda ficamos com 13.842 postos ociosos em 2.885 cidades do país.

            Como podemos verificar, a conta entre a legião de brasileiros que necessitam de atendimento à saúde básica e os profissionais que se dispõem a prestar este atendimento, não fecha. São milhões de cidadãos e cidadãs que depois de outubro, ainda ficarão sem acesso ao atendimento de saúde, apesar dos esforços do governo federal. Sem contar o triste fato de que 310 dos 579 municípios contemplados para receber os profissionais inscritos no Programa, se encontram em situação de vulnerabilidade social, como anunciou o Ministério da Saúde,

            Dos 1.618 profissionais inscritos na primeira fase, 63% (1.096) têm registro profissional no Brasil e irão atuar em áreas de extrema pobreza. Os 32% (522) restantes, são médicos estrangeiros que registraram homologação no programa e profissionais brasileiros que se formaram em outros países. Estes atuarão em periferias de capitais e regiões metropolitanas do país. Tanto entre brasileiros como entre estrangeiros, cerca de 70% dos inscritos formaram-se nos últimos dez anos.

            O governo pretende ampliar o número de profissionais para preencher os postos que ainda ficarão de fora. Nesta perspectiva, já retomou o processo de inscrições para a segunda seleção mensal de médicos brasileiros e estrangeiros, para tentar suprir o déficit sem precedentes de médicos que o Brasil tem.

            Outra vertente do programa, que faço questão de destacar, refere-se é ao investimento do governo federal em formação especializada. Neste sentido, por meio do pacto pela saúde, serão abertas 11,5 mil vagas nos cursos de medicina e 12,4 mil vagas para residência até 2017, com a finalidade de formar especialistas. A meta é tirar o Brasil da cifra de 374 mil médicos atuais, para 600 mil profissionais de medicina até 2026.

            Em nosso país, a média é de 1,83 médicos para cada mil habitantes. Uma realidade totalmente adversa a de países do próprio continente nosso. No vizinho Uruguai, por exemplo, há 3,7 médicos para cada 1.000 habitantes. A Argentina tem 3,2 para o mesmo tanto de habitantes, e o México possui 2,0, para atender cada mil habitantes. Enquanto isso, o Brasil tem tão somente 1,83 profissionais que devem atender cada porção de 1.000 moradores,

            Se a comparação for com os países ricos de economias desenvolvidas, a disparidade é ainda maior. Na Europa, por exemplo, existem duas vezes mais médicos que no Brasil -33,3 a cada 10 mil habitantes. São 48 médicos na Áustria a cada 10 mil cidadãos, contra 40 na Suíça, 37 na Bélgica, 34 na Dinamarca, 33 na França, 36 na Alemanha e 38 na Itália.

            Levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), também mostra que no Brasil a taxa de médicos é inferior à dos países emergentes. Enquanto no Brasil, a taxa é de 17,6 médicos para cada 10 mil pessoas, naqueles países é 17,8. O índice também é inferior à média das Américas (mais de 20).

            Mas é a comparação com os países ricos da Europa, que revela a disparidade gritante entre a situação do Brasil e a das economias desenvolvidas. São duas vezes mais médicos na Europa que no Brasil -33,3 a cada 10 mil habitantes. O estudo mostra que há 48 médicos na Áustria para cada 10 mil cidadãos. Na Suíça, são 40. Na Bélgica, 37, Na Dinamarca, 34. Na França, 33.

            Um levantamento feito pelos Ministérios da Saúde e da Educação mostra que 22 Estados da federação estão abaixo da média nacional - de 1,8 médicos por mil habitantes -, sendo que cinco deles têm menos de um médico por mil habitantes. Três destes Estados, senhor presidente, estão são da nossa região, o Norte do Brasil, e são eles - Acre (0,94), Amapá (0,76) e Pará (0,77). Neste ranking, meu Estado de Roraima ocupa a 13a posição, com 1,21 médicos por mil habitantes.

            No Norte, a demanda por médicos é de 1.764, em 328 municípios. Mas, contrariando a necessidade, apenas 144 profissionais de saúde, confirmaram ida aos municípios da região. Do Nordeste, o Estado com situação mais dramática é o Maranhão, com 0,58 médicos por habitante. Ou seja, no Maranhão, há um médico para cada 1.917 habitantes. No Pará, temos um médico para cada 1.500 habitantes; Amapá, um médico para cada 1.484 habitantes; Rondônia, um médico para cada 1.450 habitantes; Acre, um médico para cada 1,374 habitantes; e Tocantins, um médico para cada 1.329 habitantes.

            Fato é que temos 700 municípios em nosso País que não dispõem de um médico sequer residindo na cidade. As situações menos gritantes estão nas regiões Sul e Sudeste do país, onde encontram-se taxas de 1,97 médicos por mil habitantes e de 3,44 profissionais pelo mesmo tanto de moradores. No resto do país, as taxas são de incríveis 0,58 médico por mil habitantes, como é o caso de cidades do Maranhão, até a taxa de 1,69 médico por cada mil moradores.

            De acordo com o Ministério da Saúde, só na última década, surgiu no país, uma demanda por 54 mil médicos. Muitos hospitais públicos e particulares do país não dispõem de profissionais especialistas nas áreas de Pediatria, Cardiologia, Psiquiatria, Ginecologia, Neurologia, Cirurgia Geral e Clínica Médica.

            O meu Estado de Roraima, mesmo sendo o único na região Norte que exibe uma relação de um médico para cada 762 habitantes, também não foge à regra de problemas crônicos na área de saúde pública, especialmente com a falta de profissionais.

            No primeiro mês de inscrições, 20 vagas foram selecionadas para três municípios do meu Estado de Roraima, que deverão receber médicos. São Boa Vista, nossa capital, Canta e Caroebe. Ocorre que, nos 12 municípios que aderiram ao programa 'Mais Médicos', havia uma demanda de 114 vagas. Por dedução lógica, percebe-se logo, que continuamos com um déficit de mais de 80% de vagas a serem preenchidas, na maioria dos municípios roraimenses que aderiram ao programa.

            De acordo com o Ministério da Saúde, 14 dos 20 profissionais que deverão prestar serviços de saúde à nossa população, estão em municípios de maior vulnerabilidade

            social do interior. Os seis restantes trabalharão na periferia da capital. Mas, senhores senadores, ainda assim, temos de agradecer aos profissionais que se inscreveram para prestar saúde à população de Boa Vista, Canta e Caroebe. Eu explico porque.

            Em maio, o Ministério Público de Roraima acionou judicialmente o Governo do Estado diante da situação do hospital Santo Antônio, que é referência no Estado, em atendimento a crianças e adolescentes. O Ministério Público pediu a definição sobre a cogestão ou o cofinanciamento do hospital, uma situação indefinida entre Estado e município que tem levado a população a pagar o preço, com o não atendimento, o que se configura em violação aos direitos das crianças e adolescentes de terem acesso ao atendimento.

            Em junho, a polícia foi acionada para resolver um conflito no setor de atendimento do Hospital Geral de Roraima (HGR), em Boa Vista. Depois de esperar 12 horas por uma consulta, um paciente, que estava em estado grave, ficou indignado com o péssimo atendimento recebido, e protagonizou uma situação de conflito.

            Acompanhado do pai, ele tentou filmar com seu celular, dezenas de outros pacientes, que estavam na sala de espera do hospital, havia horas. Conforme relatou à polícia, ele foi agredido por uma enfermeira, que lhe tomou o celular e só o devolveu, quando o policiamento chegou.

            Pegando o caso do meu Estado, fico a pensar como estão tantos outros municípios brasileiros que sofrem as agruras da falta de médicos para atender a sofrida população usuária dos serviços públicos de saúde. Cenários dessa ordem, já viraram rotina no noticiário brasileiro. São episódios emblemáticos de falta de medicamentos, atendimento adequado e de médicos, que a sociedade não aceita mais assistir de braços cruzados. As manifestações populares que eclodiram nas ruas do país, mostraram que a sociedade quer que medidas urgentes sejam adotadas.

            O 'Mais Médicos' que visa, também, estabelecer novos parâmetros para a formação em Medicina no Brasil, será objeto de debates nesta Casa de leis, que, na semana passada, instalou uma comissão mista, para analisar a Medida Provisória 621/2013, que institui este programa. Será um bom momento para debatermos em torno de números e de ideais. O Brasil, como é sabido por todos os cidadãos e cidadãs brasileiros, há muito tempo tem na saúde um grande problema social e político.

            Desse modo, acredito que na comissão mista teremos a imprescindível oportunidade de fazermos um profícuo debate, sobre o programa e obtermos muitas contribuições para aprimorá-lo, se assim for preciso.

            Nobres pares, o Brasil está mudando e a sociedade está a exigir medidas eficazes para amenizar o sofrimento da população, especialmente na área de saúde. Então, o que estamos esperando? Nós, homens e mulheres que fazemos política e formulamos leis, temos a obrigação moral, ética e política de fazermos valer a vontade de nossos representados de verem a saúde sendo direito de todos.

            Mas, nobres colegas, não tenhamos dúvidas: a garantia constitucional dos cidadãos brasileiros de ter acesso aos serviços de saúde, é, antes de tudo, uma questão de direito humano. E, urge que façamos valer esta prerrogativa. Sob pena de perdermos o trem da nova história, que começou a ser reescrita da forma mais inusitada e rica para a democracia brasileira. Diga-se, a partir das vozes das ruas.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/08/2013 - Página 56557