Discurso durante a 156ª Sessão Especial, no Senado Federal

Celebração dos setenta anos de criação do Território Federal do Amapá.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Celebração dos setenta anos de criação do Território Federal do Amapá.
Publicação
Publicação no DSF de 17/09/2013 - Página 63523
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, SENADOR, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, TERRITORIO, ESTADO DO AMAPA (AP), COMENTARIO, HISTORIA, INDEPENDENCIA, REGIÃO.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Apoio Governo/PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, cumprimento o Exmo Sr. Davi Evangelista, neste ato representando S. Exª o Governador Camilo Capiberibe, que me justificou sua impossibilidade de estar presente em virtude de viagem internacional já previamente agendada.

            Quero, também, cumprimentar S. Exª o Sr. Luiz Carlos Starling, Procurador do Estado; a minha querida companheira, amiga, competente Procuradora-Geral de Justiça do Estado do Amapá, Drª Ivana Franco Cei, ao passo em que também cumprimento os ilustres membros do Ministério Público aqui presentes, Dr. Afonso Guimarães e Dr. Roberto.

            Estendo, também, os cumprimentos a alguns dos aqui presentes, que estão no Plenário desta Casa, S. Exª o Sr. Jonas Pinheiro, ex-Senador da República, que muito honrou o Estado do Amapá nesta Casa, aqui, no Senado Federal, um dos primeiros Senadores da República pelo Estado do Amapá.

            Faço questão de aqui cumprimentar S. Exª o Dr. Jorge Nova da Costa, último Governador do Amapá de sua fase Território e primeiro Governador do Amapá da sua fase de Estado. Muito nos honra sua presença nesta sessão solene.

            Faço questão, também, de cumprimentar aqui a presença do Sr. Janary Nunes Filho, filho do primeiro Governador do Território Federal do Amapá, Dr. Janary Nunes.

            Cumprimento o Sr. Embaixador da República do Reino da Bélgica, em nome de quem cumprimento todos os chefes de missões diplomáticas.

            Quero cumprimentar S. Exª o Senador José Sarney, que nos surpreende a todos com o esforço de sua presença. Sei que S. Exª ainda se recupera, mas fez questão de, ainda assim, estar presente aqui e de trazer essa boa-nova do lançamento da edição em português de Saraminda, esse belo romance que conta parte do que é contado nas terras do Amapá. A presença de S. Exª aqui, ao mesmo tempo em que enche de alegria toda a Casa do Senado da República, surpreende todos nós. É uma demonstração também do carinho pelo Amapá o seu esforço para estar presente na sessão de hoje. Honra-me ter subscrito esta sessão solene com S. Exª.

            Quero cumprimentar S. Exª o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, e o cumprimento triplamente, hoje: primeiro, por V. Exª ter se disposto a presidir esta sessão, como Presidente do Congresso Nacional, dando a importância que deve ao Amapá como unidade federada; segundo, por hoje ser seu aniversário; e, terceiro, pelo dia 16 de setembro, conforme V. Exª me contava, coincidentemente, ser a data da emancipação política de Alagoas, o seu Estado. Na verdade, o dia do Amapá é o 13 de setembro. Nós, em virtude das comemorações do 13 de setembro, no Amapá, transferimos a sessão solene para o dia 16 de setembro. Foi, assim, uma feliz coincidência.

            Quero também estender os cumprimentos ao Senador João Capiberibe, que me justificou sua ausência por estar em missão parlamentar no exterior, em missão na República Bolivariana da Venezuela. Em virtude disso, ele também, que esteve conosco na proposição desta sessão, justificou a sua ausência, lamentando a impossibilidade de estar aqui.

            Recebo aqui os cumprimentos da Senadora Ana Amélia, que também gostaria de estar presente nesta sessão, como representante do Estado irmão ao nosso, do Estado do Rio Grande do Sul, distante só pela geografia, mas irmão na afinidade, na identidade política e nos laços históricos que aproximam o Rio Grande e o Amapá.

            Ao Presidente Sarney também um agradecimento pela obra Amapá: a terra onde o Brasil começa, citada pelo Senador Renan em seu pronunciamento, obra do Senador José Sarney e de Pedro Costa, uma das melhores obras da historiografia amapaense. A S. Exª vai também esse agradecimento porque é uma obra de rica pesquisa historiográfica que remonta à formação do Amapá e que nos brinda com uma conclusão: os 70 anos são 70 anos de separação do Pará. O Decreto 5.812, de 1943, do Presidente Getúlio Vargas, que nos forjou como Território federal, foi só parte, melhor dizendo, de uma história. Nós, pelas características de nossa história - e é isso que a obra do Presidente José Sarney e de Pedro Costa nos leva à conclusão -, desde os idos da Capitania do Cabo Norte, nós, o Amapá, fomos forjados para não ser terra anexa de ninguém.

            Essa terra de poesias próprias, de histórias próprias, de contos próprios, por sua geografia já aqui descrita pelo Presidente Senador José Sarney e por sua própria história, foi forjada e formada nunca para ser anexa.

            A poesia, já no século XX, de Álvaro da Cunha, nos deleitava dizendo o que era o Amapá.

            Dizia Álvaro da Cunha:

Tu sabes que onde eu for, Amapá,

irá o amor,

amor que tua paisagem de sonho acenderá

no mais profundo e lírico sial

de que sou feito e contrafeito.

Meu olho oral vê e fala do teu ar

do teu céu

do teu mar

das tuas florestas.

Tu és Amapá, o pólo térmico da América

Saldo do Sol que recriou o mundo.

Teus risos e a tua calha de Amazonas

Talham fontes e cântaros abertos

Muito mais densos que o suor dos homens

E a sede dos desertos.

            A poesia de Álvaro da Cunha retrata as características geográficas de uma terra que é singular na geografia, que é singular na formação histórica do seu povo. Singular na geografia, como já foi descrita. Nenhuma terra do mundo tem um encontro tão belo - a linha divisória do Planeta: o Equador, com o desaguar do rio mais belo do Globo: o Amazonas.

            O Amazonas é só exponencial das águas que cingem os nossos rios. O Presidente Sarney já disse aqui o complemento de quantos aquíferos. Nós somos uma terra de muitas águas, de muitas vegetações, e isso é razão de muito orgulho para todos nós.

            Poucas terras do mundo têm tantos ecossistemas reunidos. São cinco ao todos. Nós vamos dos nossos campos de planícies, das nossas áreas de várzeas alagadas até as montanhas do Tumucumaque. Poucos cantos do mundo reúnem em poucos 143 mil quilômetros quadrados tantas diversidades. Também poucos campos do mundo são tão quentes quanto o nosso. Mas também nenhum canto do mundo é tão úmido quanto o nosso. Foi Deus que nos presenteou assim, a umidade com o nosso calor. Calor que transparece também no calor humano das pessoas.

            Somos, em 2013, 730 mil amapaenses; chegaremos, segundo o IBGE, até 2030, a quase um milhão. A nossa Capital, Macapá, é a 4ª das metrópoles da Amazônia.

            Passamos já, ao longo dessa nossa história, que aqui vou contar, dificuldades enormes, imensas. Nós, como já dito e é dito na obra que já citei de José Sarney e Pedro Costa - alguns cantos do Brasil se forjaram de sua independência, do acordo entre as elites coloniais portuguesa e brasileira -, nos forjamos enquanto Brasil pela determinação de um povo em ser brasileiro. Poucos cantos de Brasil podem assim dizer que são Brasil por ser Brasil. Nós somos Brasil, assim como a terra onde as águas iniciam, o nosso Estado irmão do Acre. O Acre se fez Brasil pelas foices e machados de Plácido de Castro.

            Nós nos forjamos Brasil pelo sangue derramado da Vila de Espírito Santo de Amapá em 15 de maio de 1895. Foi nessa epopeica batalha, em que corsários franceses mataram 95 crianças, mulheres e idosos, foi nessa epopeica batalha que se forjou a determinação de ser brasileiro.

            Diz outra poesia, esta célebre, não de amapaense, de Tomás Antônio Gonzaga, como é que se forjam heróis. Diz a poesia de Tomás Antônio Gonzaga a sua amada Marília, que os heróis se forjam da seguinte forma:

O ser herói, Marília, não consiste

Em queimar os Impérios: move a guerra,

Espalha o sangue humano,

E despovoa a terra

Também o mau tirano.

Consiste o ser herói em viver justo:

E tanto pode ser herói o pobre,

Como o maior Augusto.

Eu é que sou herói, Marília bela,

Seguindo da virtude a honrosa estrada:

Ganhei, ganhei um trono,

Ah! Não manchei a espada,

Não roubei ao dono.

            A nossa história foi forjada daqueles que se tornaram heróis sem manchar espadas, mas também foi forjada por aqueles que se tornaram heróis manchando de sangue o solo amapaense. A nossa história foi forjada pelo sangue derramado no século XIX e pelo sangue derramado no século XVIII.

            No século XVIII, esse canto da margem esquerda do Amazonas foi disputado por inúmeras nações. O Amapá poderia ser inglês. O Amapá poderia ser, meu caro embaixador belga - por lá vossos patrícios dos países baixos, holandeses e belgas, também passaram; por isso V. Exª é muito bem convidado para lá estar, porque o Amapá também poderia ser de algum dos países hoje ditos países baixos -, holandês. O Amapá poderia ser francês. No século XVIII, a margem esquerda do Rio Amazonas foi por todos eles disputada.

            Foi a consciência portuguesa, no final do século XVIII, e foi em especial a determinação de um, do Marquês de Pombal, naquele período, que definiu que era necessário ocupar aquela região e guarnecer a entrada do Amazonas. A nossa entrada é a entrada principal, é o portão de entrada do Rio Amazonas. É o portão de entrada para toda a Amazônia.

            Não é à toa que, no século XVIII, os portugueses lá colocaram para guarnecer a maior fortificação portuguesa de todo o império colonial português no mundo. É por isso que, na entrada do Amazonas, se encontra a belíssima fortaleza de São José de Macapá. Em nenhum local do mundo, os portugueses construíram um forte tão imponente e tão grande. Fizeram-no com um objetivo estratégico - já pensavam assim os portugueses: ocupar toda a Amazônia, estender os limites do império colonial português até os limites da Cordilheira dos Andes. Os jesuítas assim pensavam no final do século XVIII: esta terra nasceu assim, já por vocação, para ser grande - as primeiras expedições. E um padre jesuítico, ainda no século XVI, definiu assim as terras do Amapá:

As terras da Capitania do Cabo do Norte, além de serem elas, sós, maiores que toda a Espanha junta, e haver nelas muitas notícias de minas, têm pela maior parte o solo mais fértil e para dar maiores proveitos e melhores frutos do que quantas há neste imenso rio Amazonas.

            De fato, o pensador e padre jesuítico do século XVI não estava errado. Essa definição do Amapá era mais do que correta, e assim é confirmada no século XX, depois de um período, no século XIX, de abandono, onde o território foi novamente objeto de uma disputa com os franceses. E, como eu já disse, naquele período, em especial, não somente pela diplomacia brasileira e pela sapiência do Barão do Rio Branco no Laudo Suíço, mas, em especial, pela batalha de 15 de maio de 1895, pelos heróis que se forjaram também derramando sangue e pelo desejo de amapaenses de serem brasileiros, porque queriam ser brasileiros, em especial por isso. Depois das batalhas do século XIX, veio o século XX. E depois de duas décadas de continuado abandono por parte do governo brasileiro, em 1943, é criado o Território Federal do Amapá, a partir do Decreto nº 5.812.

            O Território Federal do Amapá poderia ter fracassado na sua missão; poderia, assim como outros territórios que foram criados naquele decreto. Junto com a criação do território, vem a exploração de manganês; vinha a descoberta de uma das maiores jazidas de manganês do Planeta.

            Estava certa a profecia jesuítica do séc. XVI: “(...) pela maior parte o solo mais fértil e para dar maiores proveitos. E nelas muitas notícias de Minas, muito mais do que há por todo esse imenso Rio das Amazonas.”

            A exploração de manganês vem junto com a consolidação do Território Federal. Nessa fase, é indispensável falar da consolidação do território, do estabelecimento do Amapá; é indispensável falar da inestimável presença de uma pessoa, de um homem. Sem ele, o Amapá não teria sido consolidado. Este é indispensável para a consolidação amapaense no séc. XX e indispensável para esses anos de formação do território federal, entre 1943 até 1960.

            Não se pode falar do Amapá sem falar de Janary Nunes. E é Janary Nunes, em um de seus mais eminentes escritos - A Mística do Amapá -, que retrata o que pensava e qual era a vocação do Amapá.

            Diz Janary:

A mística do Amapá quer o bem do povo. Não de uma parte do povo, de uma aristocracia, de uma classe, dos que comunguem com o governo ou dos que dele discordem, mas almeja o bem-estar de todos os indivíduos, de todos os lares. Não colima elevar uns para derrubar outros, de ter poderosos e oprimidos, senhores e escravos. O seu objetivo é promover o levantamento do nível de vida comum, dando melhor oportunidade a brancos e pretos, remediados ou pobres, jovens ou velhos, profissionais e aprendizes. A distinção entre os homens não se deve basear na fortuna nem na posição, mas na soma de serviços que prestem à sociedade.

A mística do Amapá é eterna. Foi acalentada no passado, quando as esperanças pareciam fadadas a morrer à míngua de recursos. Assim mesmo, nunca sucumbiu, animando nossos antepassados na marcha para a vitória. Vibra no presente, através da vontade criadora de explorar as matérias-primas e de eliminar de uma vez os conceitos de insalubridade e impotência que lhe assacaram injustamente.

            Lançando também os alicerces indescritíveis do seu progresso. Há de fulgurar ainda mais no por vir como brilho no sol, pela atividade viril das gerações novas que se preparam adequadamente para transformar o meio, garantir a permanência dos esforços atuais e promover felicidade geral.

            Janary tem papel indiscutível e nesse seu dizer da mística do Amapá ele afirma o sentido da amapalidade. O Amapá tem uma mística presente desde as primeiras ocupações portuguesas no século XV. Uma mística que vem desde antes dos portugueses, uma mística presente nas populações tucujus, na cultura Maracá- Cunani que antecede as próprias populações tucujus. O Amapá tem uma cultura própria, retratada na sua mistura indígena, negra, branca. Retratada na sua manifestação cultural negra, através do mar abaixo, único em todo o Brasil.

            O Amapá não tem traço paraense, pernambucano, goiano, paulista, carioca, gaúcho, amazonense. O Amapá, ao mesmo tempo, tem traço paraense, pernambucano, gaúcho, goiano, paulista, catarinense. O Amapá não é posse do Pará e ao mesmo tempo o Amapá é parte do Pará, da Amazônia e de todo o Brasil. Como dizia Darcy Ribeiro, o Amapá é a síntese mais síntese do Brasil. Darcy Ribeiro já dizia o seguinte: Esse povo miscigenado, esse povo misturado que é o povo brasileiro é a maior riqueza que nós temos.

            Nós atualmente dizemos, se tem um local em que a mistura se fez completa foi nesse canto, nessa terra à margem esquerda do Amazonas. Lá o povo se misturou de vez e em completo, lá a mistura se fez única, singular e genuína. Nós não somos traço cooptado de nenhum outro povo e ao mesmo tempo somos síntese de todos os povos. Nós não somos identidade de nenhum outro povo e ao mesmo tempo somos síntese da identidade de todos os povos.

            É por isso que estamos à margem esquerda do Amazonas, é por isso, somos o único dos Estados brasileiros pela geografia que não temos ligação terrestre. Isso pode, por alguns dizerem, pode nos dificultar. E isso por nós dizermos nos orgulha porque isso nos distingue, mas ao mesmo tempo nos aproxima.

            Em qualquer canto do Brasil, deve haver povo com calor e humildade. É característica do povo brasileiro ser acolhedor, com carinho e humildade. Talvez em nenhum canto do Brasil ou do mundo exista um povo mais acolhedor, mais caloroso e com tanta humildade quanto o povo amapaense.

            Nós tivemos vocação, vinda do povo Maracá-Cunani, das populações tucujus, vocação vinda das ocupações do século XVII e do século XVIII, vocação vinda da fundação do Território, do legado de Janary, de Álvaro da Cunha, de Celso Salé, dos pioneiros do século XX, vocação para ser grande, para construir uma bela civilização à margem esquerda do Amazonas. Que esses 70 anos simbolizem que essa vocação será cumprida. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/09/2013 - Página 63523