Discurso durante a 203ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da redução da maioridade penal.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Defesa da redução da maioridade penal.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2013 - Página 82108
Assunto
Outros > CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • REGISTRO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA, SENADO, OBJETO, DEFESA, REDUÇÃO, MAIORIDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, HIPOTESE, CRIME HEDIONDO.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Eunício Oliveira, Presidente em exercício desta sessão.

            Srªs Senadoras, Srs. Senadores, apresentamos, nesta semana, mais precisamente na terça-feira, na Comissão de Constituição e Justiça, o nosso relatório sobre uma das questões mais polêmicas que tramitam nesta Casa: a causa da maioridade penal, suas consequências, seus impactos em nossa conjuntura social. É um debate que se arrastava por quase 12 meses. A designação que recebi do Senador Vital do Rêgo me deu a autonomia e a autoridade para que pudéssemos apensar todos os projetos que tratavam desse tema na Comissão de Constituição e Justiça, para que nós déssemos também uma racionalidade ao desenvolvimento da ação legislativa.

            Esse, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é um debate que vem dividindo o País e que vem subindo de tom a cada novo crime cometido por um menor de idade. Sabemos bem que alguns desses crimes têm primado pela frieza e até mesmo pelo requinte de crueldade. Foi o caso, por exemplo, da dentista de São Bernardo do Campo queimada viva por ter pouco dinheiro na conta ou do aniversário do Victor Hugo que levou um tiro na cabeça em abril passado, mesmo sem ter reagido ao roubo de seu telefone celular. O assassino de Victor Hugo completou 18 anos três dias depois do crime. Por conta desses três dias, ele escapou de uma punição de até 30 anos de cadeia. Enfim, os casos se multiplicam nas médias, pequenas e grandes cidades brasileiras, assustando e angustiando a todos.

            A pena máxima prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente é de três anos de internação numa instituição para menores infratores.

            Logo depois desses dois crimes bárbaros, uma pesquisa chegou a apontar apoio de 93% da população brasileira em torno da redução da maioridade penal.

            Mas o radicalismo, a meu juízo, Srªs e Srs. Senadores, nunca foi, não é e não será um bom conselheiro. É preciso que nós façamos este debate sem radicalismo; é preciso que nós façamos este debate identificando um caminho razoável que possa produzir as consequências que se deseja, sem populismo, sem demagogia ou mesmo sem interesses políticos ou eleitoreiros em cima de uma causa que traz grandes preocupações à população brasileira.

            Não podemos, acho eu, seguir a reboque do noticiário policial nem tomar, muito menos, decisões precipitadas, navegando, como se diz, ao sabor da comoção popular na medida em que crimes bárbaros são denunciados à sociedade brasileira, comovendo a opinião pública.

            Mas o certo é que não dá para virar o ano, acho eu, sem que o Senado dê uma palavra definitiva sobre esta questão, considerando que a qualquer momento nós podemos, mais uma vez, ver um tema como este e como tantos outros ser judicializado, subtraindo a prerrogativa e a delegação que nós recebemos da população em nossos Estados.

            A realidade, portanto, é inegável.

            As apreensões de menores infratores aumentaram 14%, entre 2011 e 2012, mais que o dobro do crescimento do número de prisões de adultos, que ficou no patamar de 6%. A cada novo crime aumenta o sentimento de que aliviar a responsabilidade de menores capazes de roubar, torturar, estuprar e matar é alimentar a impunidade, é manter a população refém da violência e do medo.

            Mas também não dá para menosprezar o poder do tráfico, que pode aliciar, capturar meninos cada vez mais novos com a redução da maioridade penal, de forma simples e pura, a todo e qualquer custo. E não dá para negar que cadeia no Brasil costuma ser mesmo uma escola, uma verdadeira, infelizmente, universidade para o crime.

            Tudo isso é preciso ser levado em consideração, quando a Comissão de Constituição e Justiça, quando o Senado Federal deposita energia no enfrentamento deste debate.

            Precisamos apelar para o bom-senso; nem oito nem oitenta. O Estatuto da Criança e do Adolescente é, sim, a meu juízo, um marco de cidadania fundamental na defesa dos direitos de uma das parcelas mais vulneráveis, Sr. Presidente, da população brasileira.

            Mas as medidas socioeducativas previstas no ECA definitivamente não estão produzindo a tempo as consequências necessárias e desejadas. As instituições para menores infratores primam pela precariedade; a reincidência nas infrações tornou-se um ato de rotina.

            Não é justo, portanto, não é racional carimbar como criminoso um garoto que comete pequenos delitos. Mas também é ingenuidade apostar no resgate social de adolescentes que cometem crimes brutais, a sangre frio, com requintes de crueldade. Ou alguém acredita que medidas socioeducativas vão poder recuperar um adolescente capaz de colocar fogo numa moça, a sangue frio?

            Quem não se lembra do Champinha, que já tinha passado por várias instituições de menores infratores antes de comandar a gangue que sequestrou e matou um casal de namorados em São Paulo?

            Insisto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: é preciso abandonar posições radicais em relação à maioridade penal. De um lado, aqueles que querem manter tudo como está, como se as coisas pudessem continuar como estão. Do outro lado, aqueles, Senador Paim, que querem reduzir a maioridade penal a todo e qualquer custo, sem um exame racional das consequências de uma medida como essa. É preciso ponderar bem as consequências e analisar caso a caso, com equilíbrio, com bom senso e com razoabilidade.

            Acredito que esse caminho, o caminho da razoabilidade, o caminho do equilíbrio foi alcançado através da Proposta de Emenda à Constituição de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira. A PEC 33 não reduz de maneira horizontal e automática a maioridade penal, o que poderia fragilizar ainda mais adolescentes, jovens que vivem em situação vulnerável. Mas a proposta também não ignora a necessidade de um limite mais rigoroso para menores infratores, menores em conflito com a lei.

            Manter a maioridade penal em 18 anos, mesmo diante de crimes hediondos, é atropelar o mais elementar sentido de justiça e de respeito à vida. A solução encontrada pelo Senador Aloysio Nunes Ferreira é reduzir a maioridade para 16 anos nos casos mais graves, quando a conduta violenta é comprovada e tida tecnicamente como irreparável.

            Aos 16 ou 17 anos, o menor poderá, sim, ser punido de acordo com os rigores do Código Penal, mas só com o parecer de um promotor público da área da infância e da juventude. Ou seja, dependendo do caso, o promotor da vara especializada poderá solicitar à Justiça, poderá solicitar ao juiz, e em função das análises técnicas, socioeconômicas, sociais e assim por diante, poderá, sim, um juiz determinar, naquele caso específico, a redução da maioridade penal, e se for o caso, em função do julgamento, fazer o cerceamento da liberdade desse indivíduo, desse sujeito, para que ele não cometa novos crimes com capacidade de desorganizar, ainda, muito mais, muitas e muitas famílias que são vítimas desses sujeitos.

            A redução, portanto, da maioridade penal só seria admitida em crimes hediondos, em tráfico de drogas, tortura, múltipla reincidência na prática de lesão corporal grave ou roubo qualificado. Estamos falando, portanto, de jovens, crianças e adolescentes que merecem, acho eu, esse tipo de julgamento específico, fora de qualquer generalidade, que pode produzir muita injustiça. Meninos que podem, em muitos casos, voltar a trilhar um caminho honesto, ressocializado, de convívio social e coletivo. Em muitos casos, repito, não em todos, em muitos casos, não em todos.

            O que nós estamos defendendo é que a maioridade penal possa ser reduzida em casos específicos, a partir da solicitação da denúncia do Ministério Público, em muitos casos, porque o perfil violento, o desajuste social e a inclinação para o mundo do crime são, por vezes, irreversíveis. Esse é um fato da vida real que nós precisamos considerar.

            Srªs e Srs. Senadores, conter a criminalidade juvenil não é um desafio simples. É preciso que tenhamos aqui a humildade de reconhecer a sua complexidade. É necessário ampliar o acesso à educação e ao mercado de trabalho, reforçar o combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas, principal aliciador de crianças e adolescentes, que se transformam em crianças, em jovens e adolescentes em conflito com a lei.

            Também é essencial reforçar o atendimento psicopedagógico nas instituições para menores infratores, de forma a fazer valer medidas socioeducativas, medidas efetivas.

            Mas é ilusão acreditar que esse trabalho pode ser feito no curto prazo. E é a curto prazo que precisamos dar respostas efetivas e concretas para a criminalidade juvenil em nosso País, que se transformou numa epidemia.

            Vale lembrar que a omissão é o pior dos pecados. Por omissão, o Congresso já deixou inúmeras questões de cunho legislativo serem judicializadas. Não podemos, não vamos deixar mais esse peso sobre nossas costas.

            Esse é o apelo que faço ao conjunto das Srªs e Srs. Senadores, sem menosprezar a dimensão de um tema como esse que traz no seu núcleo, no seu centro, uma questão muito complexa, mas uma questão que precisa ser enfrentada. É o apelo que faço na tarde de hoje. Será absurdo, ao meu juízo, se o debate sobre a redução da maioridade acabar na Justiça.

            Vamos ao voto, senhoras e senhores senadores. Vamos fazer o enfrentamento desse debate, desse tema que me parece uma causa inadiável, não apenas aqui no Senado, mas também no Congresso brasileiro.

            Ouço com prazer, se o Presidente me conceder ainda mais um minuto, o eminente Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - Prezado Senador Ricardo Ferraço, quero aqui dizer que estou ouvindo com atenção os seus argumentos, assim como tenho ouvido argumentos do seu conterrâneo, Senador Magno Malta, que também tem abraçado essa causa na diminuição da maioridade penal. Quero dizer que eu estou profundamente convencido de que não deveremos baixar a maioridade penal. Vamos ter um debate de profundidade, não no tempo que tenho agora para aparteá-lo. Mas eu quero lhe dizer que, inclusive de acordo com entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e tantas outras que têm argumentado, não devemos baixar a maioridade penal, até por ser cláusula pétrea, mas também pelos argumentos em que acredito. A modificação, a transformação dos nossos jovens para prevenir que ingressem no rumo da criminalidade, da criminalidade violenta, passa principalmente por assegurar aos jovens a boa oportunidade de educação, o direito de sobrevivência com dignidade, a renda básica de cidadania, dentre outros instrumentos. Mas respeito a sua opinião e dos que defendem a proposta do Senador Aloysio Nunes. Quero aqui dizer, com sinceridade, que...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco Apoio Governo/PT - SP) - ...vou caminhar na direção de preservar o que está na Constituição brasileira.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Prezado Senador Eduardo Suplicy - já estou caminhando para a conclusão, Sr. Presidente -, eu também não defendo a redução da maioridade penal a todo e qualquer custo. Por que estou participando ativamente desse debate? Porque fui designado Relator na Comissão de Constituição e Justiça. E nós tínhamos na Comissão, como temos ainda, dois tipos de propostas.

            O primeiro bloco de propostas propõe a redução pura e simples da maioridade penal, como é o caso, inclusive, do Senador Magno Malta, que propõe a redução para até 13 ou 14 anos. Não, nós não estamos defendendo a redução da maioridade penal a todo e qualquer custo, porque achamos que isso não é a solução para uma chaga social dessa dimensão. Mas também não achamos que devamos continuar como estamos...

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - ...porque, na prática, o que nós estamos observando é que são jovens, em alguns casos de 16 e 17 anos, que cometem crimes de que até adultos duvidam, crimes com requintes de crueldade. E a impunidade tem grassado nessa faixa exatamente por ausência de uma ação mais firme.

            O que estamos, portanto, defendendo é uma proposta que reduz a maioridade penal em casos específicos, relacionados com crimes hediondos, a partir de critérios e procedimentos, em que o promotor especializado na vara de infância e adolescência, entendendo que deve, peça, denuncie, e o juiz faça a análise e dê o deferimento ou o indeferimento.

            Na prática, nós não podemos concordar com a perpetuação de crimes absurdos, perversos, que nós estamos vendo no dia a dia...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - na população brasileira, colocando em (Fora do microfone.) risco a vida, sobretudo, de semelhantes inocentes.

            Muito obrigado, Sr. Presidente. Muito obrigado, Sras e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2013 - Página 82108