Discurso durante a 44ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à política de desoneração tributária implementada pelo Governo Federal.

Autor
Cícero Lucena (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PB)
Nome completo: Cícero de Lucena Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • Críticas à política de desoneração tributária implementada pelo Governo Federal.
Aparteantes
Armando Monteiro.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2014 - Página 45
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA FISCAL, GOVERNO FEDERAL, DESONERAÇÃO TRIBUTARIA, EXCESSO, INCENTIVO, CONSUMO, POLITICA, IMPOSTOS, ERRO, PRIORIDADE, INVESTIMENTO, PROGRAMA DE GOVERNO, PREJUIZO, PACTO FEDERATIVO, ESTADOS, MUNICIPIOS, INFLAÇÃO.

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco Minoria/PSDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para se atingir o destino qualquer caminho serve. Esse poderia ser o slogan da política econômica do Governo Federal desde 2003, uma mistura de voluntarismo, intervenção arbitrária, casuísmo, aumento da burocracia e favorecimento de empresários falastrões, de capacidade duvidosa.

            A política econômica errática produz distorções, que têm afetado, de modo particularmente ruim, os Estados e os Municípios, corroendo, de maneira preocupante, o tecido do pacto federativo brasileiro.

            O exemplo mais sintomático é a maneira atabalhoada e sem método pela qual tem se dado a desoneração de tributos, embora concordemos que há uma alta taxa de tributos cobrados do cidadão brasileiro.

            Vejamos: a política de desoneração tributária ganhou força a partir de 2008 em razão da grave crise econômica que afetou Estados Unidos e Europa. Naquele momento, certos incentivos, por meio da retirada de tributos, poderiam manter a economia aquecida, evitando-se os efeitos mais deletérios da crise internacional. Seria, pois, evidentemente, uma medida temporária, até que a situação econômica se encontrasse em termos mais favoráveis. Todavia, o Governo Federal tomou gosto por esse estilo de fazer política, talvez porque não tivesse um estoque muito grande de ideias.

            Assim, a partir de 2011, tais medidas de desoneração passaram a ter finalidades várias, nem sempre condizentes com os interesses do País; e, além disso, produzindo distorções cada vez maiores, cada vez mais afetando principalmente os Estados e Municípios mais pobres desta Federação.

            Para se ter uma ideia do tamanho dessa política, entre janeiro de 2011 e julho de 2013, o governo adotou 161 medidas de desoneração tributária. Repito, Presidente Flexa Ribeiro: 161 medidas de desoneração tributária. Nesse seu desarranjo conceitual, o Governo Federal acredita que o incentivo ao consumo seria a chave para manter a economia aquecida. Assim, 41% das perdas de receita com a desoneração entre 2012 e 2014 decorrem de medidas que visam justamente incentivar o consumo.

            No entanto, temos presenciado efeitos que estão longe de serem os desejados por qualquer autoridade econômica responsável: inflação, estagnação e degradação das contas públicas. Pior é perceber ainda que o Governo Federal tem deixado de lado o caminho correto, ou seja, não tem agido no sentido de elevar os investimentos e a competitividade da economia brasileira.

            Esse tipo de isenção tem, na sua origem, uma perversidade que nem sempre fica muito clara. A lógica do sistema tributário é que a sociedade deve financiar as necessidades financeiras do governo, seja em nível federal, estadual ou municipal. No entanto, ao serem criadas isenções, estão distorcendo o sistema nas duas pontas.

            Aquele contribuinte que não tem o poder de barganhar junto ao Executivo, no final das contas paga os impostos dos que ficaram isentos. Ademais, há uma competição dentro do próprio Estado. Se há menos dinheiro disponível, alguém vai ficar com menos recursos e, no caso, o fardo tem recaído sobre os Estados e Municípios, principalmente os mais pobres, entre eles os da Região Nordeste.

            Pior ainda é perceber que o montante total de desoneração já é tão grande e tem aumentado significativamente. Além disso, o modo como esse processo tem sido levado adiante torna o sistema tributário cada vez mais injusto e perverso. De um lado, com o ônus de sustentar o Estado recaindo, cada vez mais, sobre os pobres, os empresários e os trabalhadores, de outro, Estados e Municípios perdem recursos e ficando cada vez mais dependentes do Governo Federal.

            Como se não bastasse, a política de desoneração tributária afeta as contas públicas do País de um modo preocupante. O Governo Federal, desde 2007, tem aumentado acentuadamente os seus gastos, mas, graças à desoneração, tem tido um aumento bem menor nas suas receitas. O Ministério da Fazenda, em apresentação realizada em 12 de abril do ano passado, estimou que o impacto sobre a receita foi de R$44 bilhões, em 2012, que seria de R$70 bilhões, em 2013, e de R$88 bilhões, em 2014. Ou seja, nesses três anos, seriam cerca de R$200 bilhões em desoneração tributária.

            Dos tributos partilhados com Estados e Municípios, os mais atingidos pela estratégia de desoneração foram o IPI e a Cide-combustível.

            Com relação ao IPI, vale lembrar que a Constituição Federal determina, em seu art. 159, inciso I, que 23,5% da sua arrecadação se destina aos Municípios e 21,5%, aos Estados. O inciso II e o §3º deste mesmo artigo determinam que 10% do IPI são destinados aos Estados, conforme a participação na exportação de produtos industrializados, sendo que deste montante 25% são destinados aos Municípios, de tal forma que, nesta parte de exportação, 7,5% do IPI são dos Estados e 2,5%, dos Municípios.

            No total, portanto, 29% do IPI são para os Estados e 26% são para os mais de cinco mil Municípios brasileiros, sendo que a União fica com 45% do total.

            No caso do IPI, a perda da receita total é de R$8,5 bilhões, em 2012; de R$11,8 bilhões, em 2013; e a previsão para 2014 é de R$7,1 bilhões.

            Para os Estados, o ônus é o seguinte: R$2,5 bilhões, em 2012; R$3,4 bilhões, em 2013; e a previsão de R$2,1 bilhões, em 2014. Para os Municípios, o ônus foi de R$2,2 bilhões, em 2012; R$3,1 bilhões, em 2013; e será de R1,8 bilhão, em 2014.

            Em relação à Cide, eis o fardo a ser carregado: para os Estados, R$2,5 bilhões, em 2012; R$3,4 bilhões, em 2013; e R$2,1 bilhões é a previsão para 2014. Para os Municípios, em relação à Cide, R$2,2 bilhões, em 2012; R$3,1 bilhões, em 2013; e a previsão é de R$1,8 bilhão para 2014.

            É bom lembrar que os recursos da Cide têm como destino o investimento na mobilidade urbana dos Municípios. E todo mundo sabe da necessidade e da importância não só desses recursos, mas de muitos mais para enfrentarmos esse problema.

            Além do IPI e da Cide, há outras situações que afetam Estados e Municípios. É o caso do Simples Nacional, que agrega vários tributos federais e estaduais (ICMS) e municipais (ISS) em uma única alíquota incidente sobre o faturamento da empresa enquadrada. Estima-se que isso gere perda de R$1 bilhão por ano para os Estados, e de R$500 milhões por ano para os Municípios.

            Citei aqui os dados estimados pelo Ministério da Fazenda. Vale a pena dar também uma olhada nas informações da Confederação Nacional dos Municípios, que tem dados desde 2009. Segundo a entidade, desde aquele ano, somente a desoneração do IPI provocou uma perda de R$23,5 bilhões para os Estados e Municípios. Como bem disse o Presidente da entidade, Paulo Ziulkoski...

(Soa a campainha.)

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco Minoria/PSDB-PB) - ... foi dinheiro que deixou de ser investido na melhoria da infraestrutura, em serviço básico. Somente na saúde, cerca de R$4 bilhões.

            O especialista em contas públicas, Raul Velloso, também é veemente em condenar o modo com que o Governo Federal tem agido: “Não é possível que o Governo Federal não tenha percebido que a desoneração sem corte de gasto é insustentável e coloca em risco a solvência do País, pois afeta não apenas a União, mas também os Estados e Municípios”.

            Ouço o aparte do Senador Monteiro.

            O Sr. Armando Monteiro (Bloco União e Força/PTB-PE) - Senador Cícero, eu queria me congratular com V. Exª, sobretudo com a linha do pronunciamento que faz nesta tarde, apontando um questionamento. E V. Exª usou uma expressão: “desarranjo conceitual” dessa política de desoneração. Evidentemente que a melhor política é sempre a que é mais horizontal. O Brasil optou por fazer desonerações pontuais que produzem muitas assimetrias no ambiente de operação das empresas, no ambiente econômico, além dos reflexos - que V. Exª bem lembra - na economia dos Municípios, sobretudo nas finanças municipais; onde se observa um impacto muito relevante. Mas eu queria chamar a atenção de V. Exª para um dado que também a Confederação Nacional dos Municípios aponta: o volume, Senador Cícero, e a dimensão que assumem hoje as desonerações na área de ICMS. O estudo da Confederação aponta que, em 2014, a projeção é de que as renúncias fiscais na área de ICMS alcancem…

(Soa a campainha.)

            O Sr. Armando Monteiro (Bloco União e Força/PTB-PE) - … R$66 bilhões. Vou repetir o número: R$66 bilhões! Veja V. Exª como isso também traz um reflexo muito importante na economia dos Municípios. Lembro que essas desonerações nem sempre correspondem a um processo de ampliação da capacidade instalada e da capacidade de produção das regiões menos desenvolvidas. Até bem pouco tempo, Senador Cícero, concediam renúncias fiscais a centrais importadoras, a comerciais importadoras, a centros de distribuição. Então, trata-se de algo que nós precisamos, aqui, discutir: a necessidade realmente de por um fim a essa guerra fiscal que foi desencadeada, que pode ter, em algum momento, servido a esse processo de desenvolvimento regional...

(Interrupção no som.)

            O Sr. Armando Monteiro (Bloco União e Força/PTB-PE) - ... mas que, agora, já dá (Fora do microfone.) nitidamente sinais de esgotamento. E tudo isso vai refletir na capacidade de investimento dos Estados. As renúncias superam em mais de duas vezes os investimentos que os Estados realizam, no Brasil, com capacidade própria. Veja a que ponto chegamos! Então, eu queria só poder agregar ao pronunciamento de V. Exª, que é tão pertinente, tão oportuno, essa reflexão sobre a questão do ICMS e do volume de renúncias que já se registra nessas áreas.

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco Minoria/PSDB-PB) - Eu agradeço o aparte do (Fora do microfone.) Senador Armando Monteiro...

(Soa a campainha.)

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco Minoria/PSDB-PB) - ... que conhece profundamente a questão tributária do País, por todas as atribuições e funções que teve a oportunidade de exercer.

            Quero apenas destacar - e S. Exª tem plena razão também com a preocupação que manifesta sobre essa guerra fiscal em torno do ICMS, - que muitos Estados tinham como opção comprar emprego renunciando ao ICMS, por falta de uma política nacional de desenvolvimento, de correção das distorções regionais. Muitos Estados, principalmente os mais pobres, é que entram com o sacrifício da renúncia ao ICMS, digamos assim, para comprar emprego, na perspectiva de gerar emprego e renda nos seus Estados ou nos seus Municípios.

            E V. Exª lembrou muito bem: embora o ICMS seja um tributo estadual, 25% desse tributo é compartilhado com os Municípios...

(Soa a campainha.)

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco Minoria/PSDB-PB) - ... daquele Estado. Daí a importância do aparte de V. Exª para o enriquecimento do meu pronunciamento.

            Nessa política - se é que podemos chamar isso de política - há o grave efeito de minar o Pacto Federativo entre Estados e Municípios, tornando-os cada vez mais dependentes do Governo Federal. Cada vez mais, precisam ficar com o pires na mão implorando por recursos e por verbas. Não é isso que nós queremos para o Brasil, e esta Casa, que representa a Federação, tem a responsabilidade de chamar a si esse debate para que nós possamos diagnosticar o problema e enfrentá-lo.

            Muito brevemente estaremos discutindo a prorrogação dos incentivos da Zona Franca de Manaus, a qual o Presidente muito bem representa. Isso tem que ser por demais debatido.

(Interrupção do som.)

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco Minoria/PSDB-PB) - Eu, particularmente, acho que a Zona Franca merece todo o nosso respeito, e também a prorrogação para respeitar investimentos que lá já foram feitos, mas não pode haver a exclusividade se uma região, como o Nordeste, continua precisando.

            Além disso, Sr. Presidente, o Governo Federal aumenta o ciclo de dependência na medida em que o dinheiro deixa de ser enviado para os Estados e Municípios e é aplicado em programas como o Bolsa Família. Sou inteiramente a favor do programa; basta lembrar que ele nasceu como Bolsa Escola, como vale gás, como vale leite, ainda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O que me incomoda é que o atual governo faz o programa de desoneração com o chapéu alheio, ou seja, com o montante de recursos igual ao que deixa de ser enviado para os Estados e Municípios.

            Estou encerrando, Sr. Presidente, mas gostaria de fazer essa observação e pedir a atenção dos meus Pares.

(Soa a campainha.)

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco Minoria/PSDB - PB) - De 2008 a 2012, a renúncia fiscal passou de R$200 bilhões. Não quero questionar, até porque abri meu discurso dizendo que acho a carga tributária brasileira elevadíssima para o contribuinte. Quem paga não é a empresa, que bota a carga nos custos do produto que entrega e vende, mas esse é um ônus muito elevado para o contribuinte.

            Pois bem, se calcularmos, como a reportagem da Folha o fez, cerca de R$68 bilhões a R$69 bilhões deixou de ir para o Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios. Sabe quanto o Bolsa Família investiu nesses quatro anos no Brasil, principalmente na Região Nordeste, onde há maior demanda, bem como na Região Norte? Investiu R$80 bilhões! Repito: em quatro anos, o Bolsa Família gastou R$80 bilhões, e a renúncia foi de R$70 bilhões. Se deixar os R$10 bilhões que não foram utilizados no Bolsa Família, empata. Ou seja, para o Nordeste, posso dizer que o Governo preferiu dar R$70 bilhões ao Bolsa Família, para fazer política, e tirou R$70 bilhões de repasse do Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios, principalmente no Nordeste. Isso não é justo com uma região que precisa de recursos para o desenvolvimento.

            Se querem desenvolvimento, queremos que os prefeitos e governadores tenham dignidade, possam administrar seus recursos de maneira a atender as necessidades - eles sabem onde elas existem - e não tenham de depender da boa vontade burocrática de Brasília.

            O fracasso da política econômica atual do Governo é evidente: inflação, estagnação econômica...

(Interrupção do som.)

            O SR. CÍCERO LUCENA (Bloco Minoria/PSDB - PB) - V. Exª é generoso quanto ao tempo, com certeza. Eu lhe agradeço.

            As contas públicas estão derretendo e destruindo as finanças dos Estados e dos Municípios. Enfim, o balanço é tenebroso. A única lição a tirar deste Governo é que foram anos perdidos, que em nada contribuíram para o desenvolvimento do nosso País e do nosso povo e muito menos para a geração de esperança em um futuro melhor para a nossa terra.

            Meu muito obrigado.

            Que Deus proteja todos!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2014 - Página 45