Discurso durante a 69ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com o agravamento dos problemas de saúde pública a que são submetidos os integrantes da tribo indígena Yanomami.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA, SAUDE, POLITICA INDIGENISTA.:
  • Preocupação com o agravamento dos problemas de saúde pública a que são submetidos os integrantes da tribo indígena Yanomami.
Aparteantes
João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2014 - Página 429
Assunto
Outros > IMPRENSA, SAUDE, POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RELAÇÃO, SITUAÇÃO, SAUDE, GRUPO INDIGENA, AUMENTO, MORTALIDADE INFANTIL, DEFESA, MEDIDA PREVENTIVA, PRESERVAÇÃO, TRIBO, INDIO.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, venho à tribuna hoje, nesse início de semana, para abordar um tema que há muito tempo está ausente dos debates aqui no Senado. Não vou falar sobre CPIs, não falarei sobre a inflação renitente, não falarei sobre as contas públicas, nada disso.

            Eu vou me referir, hoje, Sr. Presidente, ao tema de artigo publicado na Folha de S.Paulo, pelo jornalista Leão Serva. O título do artigo é “A improbidade que mata os ianomâmis”. Parece-me, Sr. Presidente, que a gravidade do tema merece atenção do Senado.

            Todos se lembram de que essa etnia indígena, que luta bravamente para preservar suas condições de existência material e cultural, esteve sob uma ameaça muito grave no início dos anos 70, no momento da abertura da Perimetral Norte - ameaça da expansão da fronteira agrícola e a concorrência dos madeireiros, dos agricultores na exploração dos recursos naturais -, e, depois, nos anos 80 - a verdadeira corrida do ouro, que se dirigiu para as terras ocupadas por esse povo.

            Naquela época, se fez ouvir aqui, no Senado, a voz forte, obstinada e corajosa do Senador paulista Severo Gomes.

            Sr. Presidente, o jornalista Leão Serva nos dá conta de que esse povo é, hoje, vítima de ameaça à sua existência, de alguns males típicos da sociedade contemporânea: a incompetência administrativa e, talvez, até a corrupção, pois esses índios do extremo norte do País voltaram a padecer de altíssimas taxas de mortalidade. E não é, Sr. Presidente, que faltem verbas para acudir os seus problemas de saúde, porque, diferentemente de outras etnias indígenas, que sofrem com permanente falta de verbas para os seus problemas de saúde, os ianomâmis foram destinatários de gastos do Ministério da Saúde que se multiplicaram por seis nos últimos dez anos, de 2004 a 2013 - verbas de saúde multiplicadas por seis.

            Exatamente nesse período, Sr. Presidente, por uma coincidência trágica, um paradoxo trágico, a incidência de malária subiu de 41,8 por 1.000 habitantes para 70,6. Quase que dobrou a incidência de malária.

            Mortalidade infantil.

            O índice de mortalidade infantil, no Brasil, é de 19,6 mortos durante o primeiro ano, por 1.000 nascidos vivo. V. Exª seguramente sabe, pois se interessa vivamente pelo problema, que enquanto o índice de mortalidade infantil, no Brasil, é de 19,6, os bebês ianomâmis são atingidos, no seu primeiro ano de vida, no índice de 113 por 1.000 nascidos. São números de 2013, o que dá sete, oito vezes mais do que a média brasileira.

            A média da mortalidade infantil que vitima as crianças ianomâmis está aí equivalente hoje àquela verificada em países que são palco de guerras civis, palco de massacres massivos, como, por exemplo, a Somália ou a Serra Leoa. O índice de mortalidade infantil dos ianomâmis é equivalente àquele verificado nesses países!

            Essa degradação das condições de saúde provocou protestos que, infelizmente, não ganharam a repercussão que a gravidade do fato merece. Mas, de qualquer maneira, os protestos forçaram a renúncia da coordenadora do Ministério da Saúde de Boa Vista, a Srª Joana Claudete Schuertz. Ela foi substituída por outra pessoa, outra técnica do Ministério da Saúde, que, quando perguntada pelo mesmo jornalista Leão Serva sobre as causas desse fenômeno trágico, perguntada especificamente se era um problema de verbas, de recursos, ela disse o seguinte - a Srª Maria de Jesus do Nascimento: “Não, dinheiro não falta; foi problema de gestão mesmo.”.

            Não falta dinheiro, mas faltam médicos, faltam equipamentos, faltam medicamentos. E não falta o remédio mais frequente, que é a viagem de avião. Coloca-se o paciente no avião, e ele é levado para Boa Vista. O remédio, a terapia é o avião. Não é a prevenção, não é a presença de agentes comunitários de saúde, não é a educação, não é o medicamento, nada; é o avião.

            Saibam V. Exªs, Srs. Senadores, que metade da verba do Ministério da Saúde reservada ao atendimento dos problemas sanitários e epidemiológicos dos ianomâmis é destinada ao pagamento de viagens aéreas de duas companhias aéreas especializadas no transporte de doentes que não são atendidos no seu local de residência e são levados para Boa Vista - metade da verba.

            Nós sabemos que a Medicina Preventiva é fundamental em qualquer estratégia de saúde pública, especialmente em relação aos povos indígenas, que são vítimas, muitas vezes, de doenças transmitidas pelo contato do chamado homem civilizado e ainda por doenças que se propagam também em razão das modificações no habitat natural, modificações ecológicas: o avanço das pastagens, da agricultura, a derrubada das florestas. Essa situação é responsável, em grande parte, pelo aumento do surto de malária. É preciso prevenir, e não colocar os doentes em avião para levá-los a Boa Vista.

            Essa prevenção foi objeto - já vou ouvir V. Exª, pois estou ansioso para receber o seu aparte, meu querido Senador Capiberibe -, foi a tônica de convênios firmados entre o Governo Federal e várias organizações não governamentais nos anos 2000, prevenção com todos esses componentes clássicos: agentes comunitários, educação, implantação de postos de saúde, vacinação.

            Esse trabalho, que vinha surtindo efeito, foi combatido duramente por funcionários públicos que perderam o privilégio e a atenção à saúde. Não se conformavam, digamos, com a desestatização dessa atividade e, também, por políticos equivocados, no meu entender, que apontavam naquelas organizações não governamentais o braço do imperialismo norte-americano, ou coisa que o valha.

            O fato é que, a partir do início do governo Lula, houve uma mudança de estratégia. Novamente, as ações foram centralizadas no Ministério da Saúde. Não diria que foi esse fator que determinou a degradação da situação de saúde dos ianomâmis. Não foi o fato de ter sido novamente centralizado nas mãos da Administração direta, mas a maneira pela qual o assunto passou a ser tratado seguramente tem muito a ver com o desastre de que esse povo é vítima no momento.

            Ouço o aparte do Senador Capiberibe.

            O Sr. João Capiberibe (Bloco Apoio Governo/PSB - AP) - Senador Aloysio Nunes, essa sensibilidade com os mais pobres, com os que moram longe, é um pouco rara aqui nesta Casa. Eu acompanho a luta dos povos indígenas desde muitos anos.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP) - Eu sei disso. Por isso que aguardava o seu aparte com ansiedade.

            O Sr. João Capiberibe (Bloco Apoio Governo/PSB - AP) - Desde a abertura da perimetral norte, que V. Exª citou, que dizimou os oiampi, que vivem lá a oeste do Estado. Antes de a estrada chegar a suas terras, ali viviam em torno de 800 a 1.000 pessoas. Dois anos depois, estavam reduzidos a menos de 150. Mas há uma questão, também, que me incomoda muito em relação a esta punição aos mais pobres e aos que moram longe, que é a corrupção sistemática, a corrupção sistemática, contra as quais não há providências, ou raras providências são tomadas. Eu sou testemunha. Na região da fronteira do Brasil com a Guiana, vivem os índios oiampi, os índios palikur, karipunas, galibi, galibi-maruornos. Nesses últimos 20 anos, alguns milhões de reais já foram destinados pela Funasa para colocação de água tratada nessas aldeias. Pasmem! A única aldeia que hoje conta com água tratada é a Aldeia do Manga, na margem do Rio Gurupi, colocada por mim em 1997, quando fui governador, porque cansei de esperar pela Fundação Nacional de Saúde. Só, muito recentemente, é que a polícia começou a agir e colocou o superintendente da cadeia. Também há vários processos, envolvendo, inclusive, um Senador desta Casa, em que o dinheiro era para atender a saúde indígena, e terminou nas contas do PMDB, na campanha de 2012 ou 2010. Estou pedindo informação, para saber se esse processo avançou ou estagnou, porque, enquanto não houver punição, a impunidade constrói caminho, e é isso que vemos no Brasil. Quero me somar a seu discurso, sensível com essa população que precisa da nossa atenção, muito obrigado.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP) - Muito obrigado, Senador Capiberibe. Sabia que V. Exª iria intervir. V. Exª é um dos Senadores mais atuantes desta Casa, que dedica um grande empenho à Comissão de Direitos Humanos. Penso que esse é um tema que deveria ser trazido para o conhecimento desta Comissão, para que providências pudessem ser tomadas, com o prestígio e a força do Senado Federal.

            E volto ao tema dos recursos: no início do Governo Lula, destinava-se para a saúde dos ianomâmis cerca de R$14 milhões - isso, em números de hoje, uma cifra atualizada. Àquela época, muitos diziam que era exagerada essa cifra. Pois bem, a cifra foi multiplicada por seis, e, de lá para cá, no entanto - no entanto! -, somos obrigados a constatar a deterioração grave das condições de saúde dos membros dessa etnia.

            Logo, Srs. Senadores, existe alguma coisa de muito errada na administração, na gestão, no planejamento, para não falar na hipótese provável de corrupção, para enfatizar o tema levantado por V. Exª, Senador Capiberibe. O Ministério Público Federal já está investigando esse tema. A hipótese de corrupção já foi levantada pelo Ministério Público Federal, que está examinando, esquadrinhando as contas e também a gestão do programa.

            Eu, de minha parte, além de pedir informações ao Ministério da Saúde sobre as providências que estão sendo tomadas e a explicação do Ministério para esses números paradoxais: aumenta-se o gasto ao mesmo tempo em que explodem os problemas de saúde do povo ianomâmi. Vou também me comunicar com o Ministério Público para que possamos acompanhar o desenvolvimento dessas diligências.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Cumprimento V. Exª, Senador Aloysio Nunes. Até chegamos a conversar, porque estou numa batalha, que sei que interessará ao Senador Capiberibe, para dar proteção aos índios isolados do Acre. Estou organizando uma fala, um discurso e devo fazer...

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP) - V. Exª, Senador Jorge Viana, ainda na semana passada, me confidenciava, me mostrava as imagens e falava do seu propósito de, com a pertinácia de sempre, enfrentar o problema.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Está aí. Talvez explique um pouco a fala de V. Exª. Os ianomâmis são uma população indígena que o mundo inteiro conhece por conta da luta desse povo. Foi feito contato com eles, e agora a situação é uma tragédia humana que se vive. Essa é a precariedade que a nossa Funai tem. Inclusive, está acertada, provavelmente para semana que vem, a vinda da Presidente da Funai à nossa Comissão, em função de um requerimento meu, na Comissão de Meio Ambiente, Fiscalização e Controle.

            Queria pedir a V. Exª que reproduzisse, já que V. Exª também faz parte como titular da Comissão de Meio Ambiente, essa preocupação, e pudéssemos ter uma conversa com calma, com o tempo necessário, com a prioridade necessária, com a Presidente da Funai, porque vou colocar o problema dos índios isolados, e V. Exª poderia colocar esse tema novamente, somando-nos, porque sei que a Presidente da Funai também tem sofrido com a falta de recurso, com a falta de condição, e acho que é o Senado é um bom espaço.

            Somos a Casa da Federação e a causa indígena fica meio sem endereço em Brasília. V. Exª trazer esse debate para cá é da maior importância, porque penso que aqui ele pode ser tratado com a devida atenção e prioridade.

            Então, parabenizo V. Exª Senador Aloysio.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP) - Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2014 - Página 429