Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso do 54º aniversário de Brasília e preocupação com a atual gestão do GDF.

Autor
Rodrigo Rollemberg (PSB - Partido Socialista Brasileiro/DF)
Nome completo: Rodrigo Sobral Rollemberg
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Registro do transcurso do 54º aniversário de Brasília e preocupação com a atual gestão do GDF.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2014 - Página 1153
Assunto
Outros > HOMENAGEM, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, CIDADE, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), REFERENCIA, PRECARIEDADE, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, FALTA, ATENÇÃO, RELAÇÃO, DEMANDA, POPULAÇÃO.

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco Apoio Governo/PSB - DF. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Srªs e Srs. Senadores, serei muito breve, mas não poderia deixar de registrar que, nessa segunda-feira, Brasília completou 54 anos. Passei um dia de muita emoção, Sr. Presidente, ao ver os brasilienses nos parques, na orla do lago, nas ruas de Brasília, com amor e com muito zelo pela cidade. Também tive a oportunidade de ir à Ceilândia, à comunidade do Sol Nascente, e, na Sexta-Feira da Paixão, participei da belíssima encenação da Via Sacra, na cidade de Planaltina.

            Seja no fim de tarde, no piquenique no calçadão da Asa Norte ou na belíssima apresentação da Orquestra Sinfônica de Brasília no Parque Olhos D'água; seja na força transcendental dos tambores do Seu Estrelo, na explosão do fole do Flomulengo Pé de Serra ou na sutileza do saxofone de João Filho, no Parque da Cidade; seja na beleza da Via Sacra no morro da Capelinha em Planaltina, nós tivemos manifestações da diversidade cultural de Brasília e do amor que as pessoas sentem por esta cidade.

            Vi a cidade se encher de vida, de música, de arte, numa ocupação amorosa, estética e generosa de Brasília. E pensei feliz, por um lado, o quanto ainda permanece forte o espírito de Brasília, o espírito criativo, agitador e comprometido por suas forças vivas e respostas de cidadania. Mas, por outro lado, senti um profundo incômodo ao ver que, em Ceilândia e em outras regiões administrativas, que são tanto Brasília quanto o Plano Piloto, a celebração do aniversário da Capital tenha sido uma lembrança de um tempo histórico, não uma realidade a ser celebrada. Esquecidas das programações oficiais, essas regiões clamam por seu lugar na vida da Capital e deveriam estar não só na agenda de celebrações, como também na agenda do desenvolvimento do Distrito Federal.

            A aniversariante Brasília poderia celebrar a sua força plural, assumir-se por inteiro e evocar sua extraordinária diversidade e sua capacidade de se reinventar em suas novas forças e em suas novas expressões e identidades como a Capital que não é apenas de todos os brasileiros, mas, principalmente, de todos os brasilienses.

            O abismo social não é exclusivo de Brasília, mas, ante a injustiça por causa das desigualdades que a cidade reproduz e amplifica, há aqui uma configuração mais explícita dessas extremas contradições na própria ambição da cidade em se realizar como vanguarda de um novo tempo.

            Todos os setores da Capital da República clamam por mudanças estruturais, por um choque, para reacender a esperança e mudar essa face sofrida do cotidiano brasiliense.

            A cidade é uma só. Ninguém é mais brasiliense nem menos brasiliense sendo vítima de uma separação determinada por região. Todo o Distrito Federal - Plano Piloto e regiões administrativas - precisa de tudo o que vem sendo historicamente dado para poucos.

            Quando vejo, por exemplo, a 2ª Bienal do Livro, que apresentou uma belíssima e diversificada programação, privilegiando autores e criadores de Brasília e do Brasil, fiquei muito impressionado. Mas, quando sei que essa Bienal custou aos cofres públicos cerca de R$15 milhões - R$11 milhões foram da Secretaria de Cultura; R$4 milhões, da Secretaria de Educação - e que, durante todo o ano passado, o investimento para a manutenção da rede de bibliotecas públicas do Distrito Federal foi de apenas R$94 mil, dos R$2 milhões previstos na lei, vejo que alguma coisa está errada ou que muita coisa está muito errada. Esses dados são da Secretaria de Planejamento do Governo do Distrito Federal.

            Onde estão e como estão as bibliotecas do Distrito Federal? Como está a sua manutenção, como estão os seus equipamentos, a sua estrutura de segurança e de acesso? Como a gestão dessa rede não conta com uma política pública permanente e integrada, que envolva a Secretaria de Educação e a Secretaria de Cultura?

            Nossa aniversariante precisa ser celebrada, não só num dia, mas em todos os dias, por sua gente, em todos os seus recantos, em todas as suas expressões, pela atenção e, na medida do possível, pelo atendimento efetivo de suas necessidades, de suas carências, dos seus anseios.

            Todos querem ser, todos querem ter, todos querem celebrar Brasília. Todos querem ser considerados como pontos de partida, como pontos de chegada, como autores da mudança e da realidade da cidade que se quer.

            Brasília é hoje uma das claras personificações do apartheid que é o modelo de urbanização brasileiro: a ideia de um espaço de qualidade para poucos, enquanto as maiorias ficam de fora.

            A periferia não se sente convidada ao Plano, nem o Plano consegue enxergar a periferia da nossa Capital. Existe uma barreira simbólica, que, por mais que esteja consolidada histórica e culturalmente, ainda pode ganhar contornos mais sutis e começar a abrir suas frestas de transformação, que não sejam restritas a ações pontuais e isoladas no Plano ou nas cidades, mas por uma política que esteja, de fato, voltada para a metrópole, com vistas a um desenvolvimento integrado e diversificado das várias regiões do DF, em que os programas, as ações e as estruturas não sejam apenas dispostos, mas convidativos a um novo tempo de desenvolvimento e convivência para a nossa Capital.

            A justiça social e o bem-estar de qualidade de vida têm de estar em toda a cidade de Brasília. O Distrito Federal precisa ser pensado como um lugar para todos, e isso só acontecerá quando houver condições para as cidades se desenvolverem em seu potencial, em sua autonomia, em sua vocação e em suas identidades.

            Há um conjunto de emergências exigindo sensibilidade extraordinária. A cidade quer aquele algo mais revestido de razão e de paixão, mas também de compromisso, de competência e de responsabilidade. A Capital precisa de decisões que não sejam tomadas de cima para baixo, mas de baixo para cima, que sejam, de fato, enraizadas, legitimadas e apropriadas pelo humano de sua gente.

            Brasília está ávida de um destino cidadão, para além do monumento oficial. E penso que o maior presente que se pode dar a Brasília, hoje, é a abertura, a garantia e o compromisso com o seu destino cidadão. Uma cidade deve ser feita por sua gente, vivida por sua gente e pensada por sua gente. Esse estado de pertencimento e de apropriação da ideia libertária que Brasília sugere nos incita a intervir amorosamente para dar sentido ao meio e para nos sentirmos íntegros e integrados a esse meio. Não somos partes, não estamos fragmentados em conflito com o traçado, nem em confronto com os trajetos. Somos a linha e o desenho de novas realidades. As linhas e o traçado convocados por Lúcio Costa e por Oscar Niemeyer são muito mais do que maquetes, são plataformas humanas que precisam ser, de fato, assumidas pelo cidadão, pela cidadania, para a cidade.

            Lembro-me das palavras de Lúcio Costa proferidas em 1974, quando afirmava que Brasília foi "feita para permanecer e traduzir, com dignidade, uma nova fase do Brasil, não de um País diferente, mas que continua voltado para o futuro". É esse espírito que Brasília precisa retomar. Uma cidade que nasceu para ser vanguarda não pode mais se colocar na retaguarda.

            Este momento deve ser de resgate, não o resgate de um passado perdido num tempo histórico, mas o resgate...

(Soa a campainha.)

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco Apoio Governo/PSB - DF) - ...de uma promessa de futuro, para que Brasília cumpra a sua vocação, o seu sentido original, o seu destino sonhado, reinventada por quem vive, por quem ama e por quem cuida da Capital.

            Ar, água, céu, ciência, arte, ideias, atitudes, sonhos, trabalho e massas continuam na argamassa da utopia. O "Espírito de Brasília", como foi imortalizado tanto no suor e sacrifício dos trabalhadores candangos, como em pensadores, artistas e políticos, é a marca do empenho sem trégua para estabelecer o bem público como base da democracia.

            Temos hoje, obviamente, outra configuração social, política e econômica. A escala dos problemas e o fluxo das demandas são mais densos e peculiares ao nosso tempo.

            Temos provas, todos os dias, de que o brasiliense comum continua a construção da cidade...

(Interrupção do som.)

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco Apoio Governo/PSB - DF) - Repito: temos provas, todos os dias, de que o brasiliense comum continua a construção da cidade, para que seus benefícios não sejam só para alguns, mas se realizem para todos.

            É preciso retomar essas forças não mais para uma construção física da maquete que precisava ser erguida, mas para um radical resgate da cidade em todos os seus fundamentos fundadores.

            Não há desânimo quando lembramos o desempenho heróico dos candangos na árdua construção anônima de tanta beleza; não há tempo, não há espaço para se omitir quando sabemos dos princípios de ética e de dignidade presentes na vida dos homens públicos que honraram os primeiros dias da nova Capital. Creio, fortemente, que esse espírito candango, inventivo e transformador, não abandonou o brasiliense.

            Foi isso que Brasília trouxe para o Brasil. "Sair do complexo de vira-latas", como escreveu o dramaturgo Nelson Rodrigues, era assumir uma nova atitude perante o mundo sem perder a singular pluralidade da mestiçagem brasileira. Por isso, JK tinha Brasília como metassíntese. Por isso, o crítico Mario Pedrosa e o antropólogo Gilberto Freyre projetavam Brasília além da geografia, da arquitetura e do urbanismo: era a provocação maior de uma Nação que se fazia enquanto a construía.

            É esse espírito que precisa ser resgatado, na escala e na leitura coerente com os tempos atuais, não por saudosismo ou por folclore, mas pelo risco de perdermos a capacidade de resistir e de nos recompor.

            Esse aprendizado, Sr. Presidente, a cidade extraiu da própria flora singular do cerrado: guardar água para o tempo seco, brotar quando todos a julgavam extinta, renovar onde a maioria desistiu. É a sabedoria de quem precisa enfrentar dificuldades e encontrar saídas originais no melhor signo da proposta de Lúcio Costa: ousadia, invenção e coragem para prosseguir.

            Sentimos, hoje, a manifestação viva dos que não se entregaram e ainda lutam por nossa cidade. Tenho acompanhado, com muita atenção e com empenho pessoal, a extraordinária mobilização dos brasilienses contra a absurda proposta do PPCub, que deveria ser um bem-vindo plano de preservação de Brasília, mas que é, na prática, um irresponsável plano de especulação imobiliária, sem respeito algum ao tombamento de Brasília e à qualidade de vida da população.

            Assim também há a gravíssima proposta da Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos), que, na verdade, é um plano de superocupação urbana com profundas e graves intervenções nas várias regiões administrativas do DF.

(Soa a campainha.)

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco Apoio Governo/PSB - DF) - É o caso da criação de um novo núcleo urbano em uma área de 17 mil hectares à margem da DF-140, entre São Sebastião e Santa Maria, na Bacia do Rio São Bartolomeu, com prédios de até 15 andares, para abrigar cerca de 900 mil pessoas, população maior do que a de 13 capitais brasileiras.

            Quero registrar que assim virá este novo tempo. Momentos especiais exigem respostas originais e pessoas extraordinárias, pois habitamos não só um conjunto geográfico, artístico, socioeconômico, político e administrativo. Somos muito mais do que política e a divisão que ela representa. Somos as asas da nossa cidade, em nosso zelo, nosso carinho e nossa paixão por Brasília. Em cada modo de senti-la, por cada meio de vivê-la, por cada jeito de amá-la.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2014 - Página 1153