Discurso durante a 187ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Registro do encaminhamento de representação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, do qual S. Exª é integrante, à Procuradoria Geral da República contra o Deputado Jair Bolsonaro.

Autor
Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATIVIDADE POLITICA, DIREITOS HUMANOS.:
  • Registro do encaminhamento de representação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, do qual S. Exª é integrante, à Procuradoria Geral da República contra o Deputado Jair Bolsonaro.
Aparteantes
Lídice da Mata.
Publicação
Publicação no DSF de 17/12/2014 - Página 281
Assunto
Outros > ATIVIDADE POLITICA, DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, ENCAMINHAMENTO, REPRESENTAÇÃO, AUTORIA, COMISSÃO NACIONAL, DIREITOS HUMANOS, DESTINATARIO, PROCURADORIA GERAL DA REPUBLICA, OBJETIVO, ABERTURA, PROCESSO, JAIR BOLSONARO, DEPUTADO FEDERAL, MOTIVO, QUEBRA, DECORO PARLAMENTAR.

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Presidente Senador Magno Malta, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, companheiros e companheiras.

            Quero, Sr. Presidente, neste momento, e aproveitando a presença da nossa Senadora Lídice da Mata, aqui em plenário, que junto comigo representa o Senado Federal no Conselho Nacional de Direitos Humanos, Senador Paim, voltar a falar nesse assunto.

            Estive aqui na semana passada tratando do assunto, mas, pela extensão, pela gravidade, hoje mesmo, durante a Sessão Deliberativa, a Bancada feminina esteve presente no momento, com o Presidente Renan, entregando um requerimento aprovado na Comissão de Direitos Humanos ao Presidente do Senado Federal.

            Tanto eu quanto a Senadora Lídice e todos os 22 membros do novo Conselho Nacional de Direitos Humanos tomamos posse em uma solenidade, semana passada, no Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em uma solenidade no Palácio do Itamaraty. A posse dos novos integrantes desse Conselho Nacional de Direitos Humanos, que hoje está vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, foi uma solenidade significativa e importante porque o Conselho Nacional, que antes da aprovação, neste ano, da nova lei que instituiu um novo Conselho Nacional de Direitos Humanos era um colegiado que veio de 1964, foi criado exatos15 dias antes da realização do Golpe Militar. Havia um pleito muito forte da sociedade para que houvesse a atualização da lei, para que esse conselho fosse mais representativo e se tornasse, assim, mais democrático e mais forte, do ponto de vista institucional.

            Dos 22 membros do colegiado, 11 representam o Poder Público, divididos entre Poder Executivo e Poder Legislativo, e 11 membros são indicados por organizações da sociedade civil.

            A principal missão, não precisa aqui dizer, é exatamente defender os direitos humanos através de ações que permitam prevenir, proteger e reparar situações de ameaça a esses direitos.

            Como já relatei aqui, como representante do Parlamento, sinto-me, Sr. Presidente, Senador Magno Malta, muito honrada de fazer parte desse importante colegiado, dessa importante instância de debates e encaminhamentos numa área que é extremamente sensível, mas fundamental, para que o direito de todos - absolutamente de todos - seja respeitado.

            Tanto que, logo no dia seguinte após a posse, na quinta-feira - a posse foi na quarta-feira -, tivemos a realização da primeira reunião ordinária do conselho. Unanimemente, depois de muito diálogo, de muito debate, aprovamos o encaminhamento à Procuradoria Geral da República contra o Deputado Jair Bolsonaro. Por que contra o Deputado Jair Bolsonaro? Por suas declarações ofensivas contra a Deputada Federal Maria do Rosário, que foram expressas não somente num discurso, durante a sessão plenária. Instantes antes, a Deputada havia ocupado a tribuna para falar, dar a sua opinião a respeito da Comissão da Verdade, sem agredir absolutamente ninguém, sem atentar contra o direito de quem quer que fosse. Mas, na sequência, de forma absurda, ocupou a tribuna o Deputado Bolsonaro, que disse textualmente - está nas notas taquigráficas - que não só estuprava a Deputada porque ela não merecia.

            Na representação que fizemos no Conselho Nacional dos Direitos Humanos à Procuradoria Geral da República, deixamos claro que as declarações do Parlamentar, reafirmadas - esse é um ponto muito importante - em entrevista ao jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul do Senador Paim, da Deputada Maria do Rosário, deu a seguinte declaração, manifestando um conteúdo de incitação ao crime e de cunho discriminatório, em nítida e clara violação aos direitos humanos. Observe, Presidente Magno Malta, o que o Parlamentar declarou ao jornal gaúcho (abre aspas): “Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia. Não faz o meu gênero. Jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas se fosse, não a iria estuprar, porque ela não merece.” (Fecha aspas).

            O teor da entrevista revela a manifesta discriminação desse senhor, Deputado Federal, que, aliás, é reincidente nas agressões, no desrespeito às pessoas. V. Exª, por exemplo, Senador Magno Malta, tem uma bandeira muita clara, mas eu nunca o vi ocupar a tribuna incitando qualquer tipo de violência; pelo contrário, V. Exª sempre se insurgiu contra a violência e nunca deixou de defender suas ideias, nunca deixou de defender suas opiniões.

            Então, o que ele fez não foi um ato contra uma Deputada, ex-Ministra dos Direitos Humanos, não! Foi um ato contra todas as mulheres. Foi um ato - repito - que incita não só a violência, mas também o ódio, o preconceito contra as mulheres, conduta vedada pela Carta Maior, a Constituição Federal, e definida como crime no art. 20 da Lei 7.716, de 1989.

            Na representação, aprovada pelo Conselho, alegamos que, “não obstante o fato de a Constituição Federal assegurar a imunidade (art. 53 da Constituição Federal de 1988), “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

            O alcance dessa prerrogativa, entretanto, Sr. Presidente, tem sido mitigado pelo Pretório Excelso, revelando-se claro que a imunidade não se afigura absoluta de forma a alcançar todo e qualquer ato, inclusive os desvinculados da função parlamentar, sob pena de possibilitar o desvio da finalidade a que foi instituída.

            Decorre, portanto, do texto constitucional, que o Parlamentar é imune - é imune, sim! - quanto a quaisquer de suas opiniões, palavras e votos que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que fora do recinto da Casa Legislativa. Afigura-se, assim, inadmissível que tais declarações sejam albergadas pela imunidade parlamentar. E foi nesse contexto que requeremos à Procuradoria Geral da República que tomasse medidas cabíveis, por entendermos que as declarações do Parlamentar atentaram contra...

            A Srª Lídice da Mata (Bloco Apoio Governo/PSB - BA) - Senadora...

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM) - Já concedo o aparte a V. Exª, Senadora Lídice.

            Atentaram contra os art. 1º, incisos I e III; art. 3º, incisos I e IV; art. IV, incisos I e VI, da própria Carta Magna. Eu ainda acrescentaria: art. 5º, §3º, da Constituição.

            Então, veja, a imunidade não nos dá o direito de sermos desrespeitosos, de atentarmos contra a igualdade e contra os direitos humanos. Aliás, eu cito aqui e estou acrescentando o art. 5ª, §3º, que diz o seguinte: as convenções relativas aos direitos humanos de que o Brasil for signatário, se forem aprovadas nas duas Casas, na Câmara e no Senado, valem como texto constitucional, como se emendas constitucionais fossem. Então, com base nisso, a polêmica foi grande, inclusive porque, no Conselho Nacional de Justiça, está representado o Ministério Público Federal, a Procuradoria Geral da República.

            Outras ações foram rejeitadas pelo próprio Ministério Público, que, nesse caso, não viu razão para rejeitar, tanto que, no dia de ontem, a Subprocuradora-Geral da República, Ela Wiecko, concordando com o encaminhamento do Conselho Nacional, encaminhou ao Supremo uma solicitação de abertura de inquérito contra o Deputado que desrespeitou não só a Deputada Maria do Carmo, mas também todas as mulheres brasileiras.

            Eu concedo, com muita alegria, um aparte a V. Exª, Senadora Lídice.

            A Srª Lídice da Mata (Bloco Apoio Governo/PSB - BA) - Senadora Vanessa Grazziotin, parabenizo V. Exª pelo pronunciamento que faz. Nós somos representantes do Conselho de Direitos Humanos, mas, infelizmente, por motivo de viagem anteriormente marcada, não pude participar dessa reunião, lamentavelmente. Pretendo, na próxima, estar presente, porque sei da riqueza de debates e dos conteúdos importantes que são tratados no Conselho Nacional de Direito Humanos - aliás, conselho que foi recentemente formado. Mas eu gostaria de, para concordar com o que V. Exª fala, insistir neste argumento: os Senadores e Deputados são invioláveis no uso da sua palavra, na tribuna da Câmara ou do Senado, mas eles não estão impedidos de qualquer tipo de recriminação quando se trata de falta de decoro parlamentar. E esse pronunciamento é claramente falta de decoro parlamentar, além de infringir normas de que o Brasil é signatário e, digamos assim, estimular o crime em nosso País. Portanto, há uma série de descumprimentos de comportamento legal, constitucional e mesmo de comportamento digno do Sr. Deputado Federal. E digo mais: quando a ofensa é feita a uma Deputada, é gravíssimo. Mas o conteúdo que o Deputado diz é, na verdade, a afirmação de um conceito que expressa um machismo profundo, mas que expressa, principalmente, a ideia de que a mulher que é desejada por um homem pode ser premiada com o estupro. E esse conceito sustenta a ideia da propriedade contra a mulher, da propriedade do corpo, do ser humano, da mulher como um ser invisível, da mulher como um ser sem direitos, da mulher como um ser desconsiderado e desqualificado, que apenas, em sendo objeto do desejo de alguém, “merece” - entre aspas - ser premiada com o estupro, que é um ato de violência inaceitável e condenado por todos os países do mundo ocidental e mesmo alguns outros países, por ser reconhecido como um crime bestial. Por isso mesmo, Senadora, creio que não é o momento de passarmos a mão na cabeça de um crime cometido com essa gravidade, no momento, inclusive, em que o nosso País registra o crescimento do número de estupros, seja porque antes não eram notificados, seja porque efetivamente aconteceram. Não importa. O que importa é que não podemos conciliar com um discurso dessa natureza, que convoca a ação criminosa contra as mulheres em nosso País com uma violência absolutamente inaceitável.

           A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM) - Eu agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu pronunciamento, Senadora Lídice.

           V. Exª levanta uma questão fundamental, tanto que existem dois movimentos que solicitam a punição do fato, daquela manifestação de incitação à violência, de desrespeito às mulheres, de tratamento não só machista, mas de sentimento de propriedade em relação às mulheres, que não seriam seres pensantes, mas apenas seres objetos e, como diz V. Exª, merecedoras ou não de serem estupradas.

           O primeiro movimento é uma representação no Parlamento, porque, de fato, há quebra de decoro, o que é muito importante, e esta foi feita.

           E, não tenho dúvida nenhuma, será repetida no ano que vem, porque nós estamos no final de uma Legislatura. Em fevereiro, começaremos nova Legislatura, e isso será repetido.

            Mas o outro movimento que, de igual forma, é muito importante é o movimento da criminalização, da imputação por crime contra esta pessoa. Então, não dá para continuar impune, porque nós não estamos tratando de uma primeira manifestação de violência...

(Interrupção do som)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM) - Eu estou me encaminhando para a conclusão, Senador Magno Malta.

            Nós estamos tratando de alguém que, de forma recorrente, faz isso, porque nunca é punido, porque não sofre absolutamente nada. Então, a cada vez, a manifestação vem mais dura, a manifestação vem mais violenta, a manifestação vem mais desrespeitosa.

            Quando nós entregamos a representação ao Ministério Público, à Procuradoria-Geral da República, junto à representação foi a cópia do jornal Zero Hora, porque lá mostra, eu li aqui - infelizmente, eu tenho que ler.

            A Vice-Procuradora, que recebeu todos os membros do Conselho Nacional de Direitos Humanos, deixou claro que concordava e, no dia de ontem, encaminhou a denúncia junto ao Supremo Tribunal Federal. E ela foi taxativa na denúncia encaminhada ao STF.

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Apoio Governo/PCdoB - AM) - Ela foi taxativa nas suas palavras, de que o “denunciado instigou, com suas palavras - e aí vem o que a Senadora Lídice levanta aqui -, que um homem pode estuprar uma mulher que escolha e que ele entenda ser ‘merecedora’ - entre aspas - do estupro”.

            Na sua interpretação, a Vice-Procuradora disse que, ao afirmar o estupro como prática possível, o denunciado abalou a sensação coletiva de segurança e tranquilidade, garantida pela ordem jurídica a todas as mulheres, de que não serão vítimas de estupro porque tal prática é coibida pela legislação penal.

            Então, Sr. Presidente, eu quero dizer que nós vamos a fundo com esse sentimento de que a sociedade e as mulheres, sobretudo, têm que se sentir seguras. E o exemplo que o Parlamento tem que dar é esse, e não o exemplo inverso, de incitação à violência.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigada a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/12/2014 - Página 281