Discurso durante a 29ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre as manifestações ocorridas em 15 do corrente e críticas à gestão do Governo Dilma Rousseff.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CIDADANIA. GOVERNO FEDERAL.:
  • Reflexões sobre as manifestações ocorridas em 15 do corrente e críticas à gestão do Governo Dilma Rousseff.
Aparteantes
José Agripino, Omar Aziz, Waldemir Moka.
Publicação
Publicação no DSF de 17/03/2015 - Página 35
Assunto
Outros > CIDADANIA. GOVERNO FEDERAL.
Indexação
  • ELOGIO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, POVO, OBJETIVO, COMBATE, CORRUPÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), GOVERNO FEDERAL, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), AUSENCIA, QUALIDADE, SERVIÇO PUBLICO, CRITICA, GESTÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PARTIDO POLITICO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DILMA ROUSSEFF, MOTIVO, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, ECONOMIA NACIONAL, RESULTADO, INFLAÇÃO, AUMENTO, TRIBUTOS, REDUÇÃO, EMPREGO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, SOLUÇÃO, PROBLEMA.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Moka, Presidente desta sessão, digno e bravo representante do Mato Grosso do Sul, com quem tenho tido o privilégio, o prazer e o compartilhamento dos bons desafios, das boas lutas e dos bons combates que temos travado no Senado da República.

            À luz, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como não poderia deixar de ser, trago também as minhas reflexões, não apenas, Senador Reguffe, sobre o 15 de março histórico. Mas, ao longo das últimas semanas, tenho procurado conversar, dialogar, estudar e, ao longo desses minutos aqui na tribuna do Senado, vou deixar a minha reflexão e também o meu posicionamento acerca desta que é uma crise que não encontra, em nossa história recente, precedentes pela combinação de variáveis e de fatores que fazem nascer a necessidade de uma mudança muito grande em tudo aquilo que temos assistido, nos hábitos e costumes, sobretudo, daqueles que receberam da população brasileira a responsabilidade de nos governar.

            Srª Presidente, a imagem que, para mim, sintetiza a deformação mais explícita, a deformação dessa cultura conjuntural política brasileira, levada ao extremo pelos governos que se sucedem nos últimos anos, é a conversa do ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, ainda em 2005 - estamos em 2015, e lá se vão dez anos desse diálogo, que, nesse período, só se deteriorou e mostrou como método as buscas de poder a todo e qualquer custo -, logo após se reunir o Presidente da Câmara de então, o Deputado Severino, com a Ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff para cobrar a indicação de um cargo na Petrobras.

            Na vida, as escolhas têm origem e as origens trazem consequências. Declarou ele à ocasião: “O que o Presidente Lula me ofereceu foi aquela diretoria que fura poço e acha petróleo. É essa diretoria que eu quero.”

            Esse diálogo estampa um modelo que não apenas se perpetuou, mas que prosperou intensamente nos últimos anos, gerando esse conjunto de delinquências que nós estamos observando na política brasileira. Na prática, estamos diante de uma tempestade perfeita e de uma tragédia anunciada.

            Os protestos populares que varreram, ontem, as ruas, as praças, as avenidas, enfim, do nosso País precisam ser recebidos pelo Governo da Presidente Dilma com muita humildade e com muito respeito.

            Após o movimento das Diretas em 1984, esse já está sendo considerado o maior da nossa história. Que lições tirar disso tudo? Quais recados foram dados? O que fazer a partir daqui?

            Os indicativos da rua são na clara direção de que a Presidente precisa governar o País com base em nossa realidade e não de olho nas próximas eleições, como tem sido a marca dos governos que se sucedem. As manifestações pediram ao Governo e à Presidente que esqueçam o projeto de poder e coloquem o pé num projeto de Nação, e reconhecer os equívocos do “Dilma 1” é o primeiro passo para essa possibilidade de entendimento.

            Ontem, quando se comemoravam 30 anos da volta à democracia, o recado do povo foi dado, mas nem mesmo a manifestação robusta de indignação popular foi capaz de fazer a Presidente, seus Ministros e o Governo cederem. A ficha ainda não caiu, essa é a verdade, por incrível que pareça.

            Assistimos ao terceiro movimento espontâneo de insatisfação das massas, cuja importância o Governo insiste em ignorar.

            Foram três ondas de dimensões crescentes, sendo a primeira as grandes manifestações de protestos de junho de 2013. Naquela época, o Planalto e o Governo prometeram um pacote de medidas, sem qualquer consequência.

            A onda seguinte veio com as eleições do ano passado, quando a Presidente, é verdade, foi eleita legitimamente, com 55% dos votos, mas - não esqueçam - sem o apoio de 80 milhões dos 135 milhões de brasileiros.

            Por fim, chegamos ao terceiro grande movimento com a ocupação pacífica dos espaços públicos das pequenas, médias e grandes cidades brasileiras, não apenas do Sudeste, mas de todo o País, em uma avalanche humana sem precedentes!

            De novo, nenhuma autocrítica! As declarações, ontem à noite, dos Ministros José Eduardo Cardozo, da Justiça, e Miguel Rossetto, Secretário-Geral da Presidência, em nome da Presidente, repetem promessas vazias, como uma reforma política e uma legislação anticorrupção. Mas o Governo é incapaz de mover a sua ampla Base aqui, no Congresso brasileiro, para tornar essa reforma política não apenas uma reforma da retórica, mas uma reforma que possa, de fato, passar a limpo o sistema político e eleitoral brasileiro.

            Sinceramente, a meu juízo, a meu modesto - é verdade - juízo, a fala dos Ministros foi desfocada da realidade, tal qual Alice no País das Maravilhas! Foram, até mesmo, arrogantes e evasivos, dizendo mais do mesmo, de novo, como sempre fizeram, em uma tentativa, na prática, de ganhar tempo.

            A ficha precisa cair, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para o bem de todos. Classificar o movimento de ontem como uma reação dos eleitores do Aécio é um absurdo! Atribuir o caos econômico ao cenário internacional é desconcertante! Muitos países, embora tenham sido afetados mais seriamente pela crise de 2008, crescem mais do que o Brasil. Eles têm conseguido melhorar os níveis de emprego e a condição de competitividade das suas indústrias, a inflação continua sob controle de modo geral, e suas contas públicas estão melhorando, ano a ano, de forma significativa.

            O caminho para o Brasil é a mudança de métodos políticos e gerenciais. Em suma: mais foco no interesse da sociedade e menos no interesse eleitoral. Fazer o mea-culpa, reconhecer os equívocos, admitir a necessidade de correção de rumos.

            A vitória apertada da Presidente Dilma sobre o Aécio foi apenas mais um sinal desse estresse. Mas a Presidente Dilma, o PT e sua base seguiram adiante com a mesmice. Os mesmos 40 ministérios, os mesmos métodos de aparelhamento e os condomínios do poder.

            Menosprezar o recado das ruas é um erro que cobrará muito caro ao Governo. Mas, tal qual a fábula do escorpião e do elefante, por mais que prometam agir diferente, não conseguem dominar os próprios instintos - a meu juízo - negativos.

            Ouço com extraordinário prazer, o Senador e ex-Governador do Amazonas Omar Aziz.

            O Sr. Omar Aziz (Bloco Maioria/PSD - AM) - Obrigado, Senador Ricardo Ferraço. V. Exª faz uma análise perfeita sobre o que está se passando hoje no País. V. Exª, em momento algum, disse: “eu quero que o Governo saia”. Não, não é verdade, como também não é a minha posição. A Presidenta Dilma foi eleita legitimamente pelo povo brasileiro com a maioria dos votos. Mas algo me chamou a atenção, como chamou a atenção do senhor: o Ministro Miguel Rossetto, com todo o respeito que eu tenho a ele, não pode dividir o País entre eleitores do Aécio e eleitores da Presidenta Dilma. O País hoje é um só, governado por uma Presidenta da República. E não é verdade que só havia eleitores do Aécio. Lá havia brasileiros. Brasileiros que querem uma resposta do Governo, como nós queremos uma resposta do Governo. Aproveito este aparte para falar que algo me chamou a atenção na sexta-feira. Nós votamos, na quarta, a desoneração, os vetos da Presidenta, e estava caminhando tudo normalmente. Na sexta-feira, o jornal O Globo fez uma matéria dizendo que o Ministro da Fazenda ia pedir demissão se nós tivéssemos derrubado o veto. Então, estamos fazendo o que aqui, como Senadores, se não podemos mais analisar absolutamente nada, senão o Ministro da Fazenda vai pedir para sair? Estou encaminhando amanhã um ofício, um requerimento, conforme a Casa, para saber se ele confirma realmente isso. Se ele confirmar, no dia em que formos analisar o ajuste fiscal, se tivermos que fazer uma emenda ou tivermos que vetar alguma coisa da Presidenta Dilma, nem o Senado nem a Câmara precisam mais estar atuando; vamos deixar nas mãos do Ministro da Fazenda. Porque fazer cortes qualquer cidadão faz! Quem sair fazendo cortes vai economizar dinheiro; vai perder politicamente, mas vai economizar dinheiro. E é isso o que está sendo feito agora: está-se perdendo politicamente por um lado e economizando por outro. Então, a sua análise sobre esse movimento, falando das Diretas Já! - participei diretamente, como V. Exª participou, em 1984, e sei o quanto era difícil mobilizar pessoas naquele momento, até porque não vivíamos num País democrático, como vivemos hoje. A luta para que se mobilizasse e se fizesse o povo brasileiro entender a importância da democracia foi conquistada nas ruas. E não tenho dúvida nenhuma de que o que aconteceu ontem não é para tirar a Presidenta Dilma; é para que façamos as mudanças que o País quer. O que venho pedindo aqui, várias vezes - e já pedi isso pessoalmente a ela em reuniões -, é que ela nos lidere para fazer isso; que ela converse com as forças progressistas deste País para que façamos isso. Todos nós sabemos que precisamos fazer alguns ajustes. Não tenha dúvida! Mas que ajustes serão esses e por quanto tempo? Outra coisa que V. Exª colocou: falar em humildade é muito fácil. Praticar humildade é outra conversa. Quando as pessoas estão por cima, a humildade se vai; quando estão por baixo, todo mundo é humilde. Então, essa humildade tem que ser praticada. Não se vai praticar a humildade dizendo que só estavam nas ruas os eleitores do Aécio. Não é verdade isso! Não se pratica a humildade falando que só eles estão certos e os outros estão todos errados. Não é verdade! Eu acho que o Governo da Presidenta Dilma teve avanços - temos que fazer novos avanços -, mas temos que sair dessa discussão, que já dura anos aqui no Congresso, sobre a reforma política. E podem ver que o que estamos analisando aqui não é reforma política, são questões pontuais: se existe ou não coligação, se há ou não uma coisa ou outra. Nós temos que fazer uma reforma política de fato no País para mostrar à população brasileira que nós queremos mudar. Assim como, na Petrobras, temos hoje grandes problemas, temos que canalizar as outras empresas, os outros órgãos do Governo Federal. Por quê? Porque as indicações políticas têm causado um prejuízo muito grande ao povo brasileiro. Obrigado, Senador. Estendi-me um pouco, mas o brilhante cenário que V. Exª traça neste momento é importante para o povo brasileiro.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Eu que agradeço a oportunidade de dialogar com V. Exª acerca dessa conjuntura.

            Veja V. Exª: a história ensina que aos vitoriosos a generosidade, que, na vida pessoal, nas relações humanas e muito mais na política, é sempre um fator de agregação. A Presidente Dilma, ao vencer as eleições, recebeu um telefonema do seu opositor, o Senador Aécio Neves, para quem trabalhei e em quem votei, estendendo-lhe os cumprimentos, num gesto de generosidade e de civilidade absoluta. Qual deveria ou qual poderia ter sido a reciprocidade? “Aécio, nós fizemos o bom combate. Tivemos uma eleição dura. As eleições já são página virada. Nós temos pela frente desafios muito complexos. Nós precisamos estar juntos na construção de um governo de coalizão a partir de premissas que quero discutir com todos, porque não sou mais a Presidente daqueles que votaram em mim. Hoje, sou a Presidente de todos os brasileiros.”

            É como aquele velho ditado: palavra dada, flecha partida e oportunidade perdida. Quando você não tem capacidade para avaliar a necessidade dessa conjuntura, da dimensão que o cargo lhe propõe, você, na prática, vai aprofundando as suas dificuldades. E toda essa conjuntura, quer política ou econômica, a meu juízo, não é obra do acaso. Tudo isso é produto e resultado da manutenção de um modelo político - e não apenas político - e também gerencial que se esgotou.

            O quadro deve-se à tentativa não apenas de manutenção de um sistema patrimonialista, mas do seu aprofundamento, a todo e qualquer custo, de forma inconsequente.

            O sociólogo alemão Max Weber definiu o patrimonialismo como uma forma de dominação política que solapa as divisões entre o público e o privado. Raymundo Faoro, cientista político gaúcho, em sua clássica obra Os Donos do Poder, ainda em 1958, recorreu a esse conceito para explicar o atraso do País como resultado da dominação do aparato público e do aparelhamento pelo grupo dominante. De volta aos dias atuais, de 1958, quando Faoro escreveu isso, percebemos que a construção da aliança que governa o País se deu com base nesses princípios e valores.

            Foram adotados métodos pragmáticos e inconsequentes de conquista, de apoio a todo e qualquer custo que atingiriam as suas últimas consequências, como estamos assistindo. Práticas condenáveis tomaram o lugar da negociação, do diálogo e do respeito ao bem coletivo. Somos vítimas, portanto, de uma crise sem precedentes, expressa inclusive na péssima qualidade dos serviços públicos. É esse o quadro desastroso com apenas, pasmem, 75 dias de governo completados hoje. E o Congresso brasileiro precisa fazer também mea-culpa - pelo menos eu faço -, porque, se o Planalto e o Poder Executivo é a locomotiva dessa crise, o Legislativo foi o vagão. Os dois milhões de brasileiros que foram às ruas para protestar contra a carestia, contra a corrupção e contra a falta de uma liderança nacional, ainda aguardam resposta dos seus representantes.

            Os manifestantes, Senadora Rose de Freitas - nossa Presidente, minha conterrânea querida, com quem tenho o prazer de compartilhar a representação do Espírito Santo nesta Casa -, também foram às ruas para criticar a péssima qualidade dos serviços públicos, a despeito de uma carga tributária entre as mais pesadas e elevadas do mundo. Os cartazes com reclamações levados às ruas são um eco das manifestações ainda de junho de 2013. Só que, de lá para cá, as coisas só fizeram piorar. A maioria da população não imaginava que tudo continuava como antes, sem o Governo caminhar na direção daquilo que precisaríamos ver.

            O que melhorou de lá para cá no dia a dia da vida dos brasileiros? Pois é, até determinado momento, muita coisa melhorou da porta para dentro...

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - ...nos lares das famílias brasileiras, com o poder de compra permitindo o acesso a novos patamares de consumo - e precisamos fazer esse reconhecimento -, da TV de plasma ao automóvel. Mas, enquanto isso, da porta para fora, se instalava um caos, um colapso na promoção dos serviços públicos que o Poder deve prover à sociedade.

            Lamentavelmente, o drama chegou também da porta para dentro. A inflação, os reajustes de tarifas públicas e a piora no mercado de trabalho levaram ao povo a incerteza da manutenção dessas históricas conquistas, ameaçadas pelas equivocadas escolhas do Governo da Presidente Dilma 1. Faltou planejamento, sobraram populismo e demagogia, priorizando...

(Interrupção de som.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES. Fora do microfone.) - ... a reeleição e nenhuma real evolução do nosso País.

            A melhoria da porta para dentro adveio de condições econômicas que o País não soube aproveitar corretamente e nem criar as bases para a sua sustentabilidade. Tal qual a fábula da cigarra e da formiga, os governantes abusaram da fanfarronice nos tempos externos a favor, entre o Lula 2 e a Dilma 1. A irresponsabilidade e o desprezo aos alertas foram abafados na festa petista, até que o inverno chegou e a casa caiu.

            Uma frase do megainvestidor Warren Buffett também traduz de forma simples e clara o Brasil de hoje: "Quando a maré baixa é que descobrimos quem estava nadando nu". Até o fim de 2010, o Brasil surfou na melhor conjuntura internacional já vista.

            Variáveis externas independentes da vontade do Governo, como o preço nas alturas das matérias-primas exportadas pelo País, renderam US$100 bilhões extras ao País entre 2003 e 2008.

            Passado esse período de ouro, percebemos agora o que deveria ter sido feito e não foi para preparar o País para os momentos mais desafiadores e avançar de forma duradoura.

            Com o preço nas alturas, as commodities e as matérias-primas renderam ao nosso País, entre 2003 e 2008, mais de US$100 bilhões. Esse vento a favor não foi considerado para que as medidas estruturantes fossem adotadas de modo a preparar e organizar o País para quando o inverno chegasse, Senador Agripino.

            Passado, enfim, pelo período de ouro, percebemos agora o que deveria ter sido feito e não foi para prepararmos o País para os momentos mais desafiadores e avançarmos de forma duradoura.

            O que nos falta hoje se deve à postura, ao meu juízo, de cigarra dos governos do PT. Bastou o cenário mudar para a economia revelar toda a sua face real contra os erros absolutos do Dilma I, continuados no Dilma II.

            A população expressou de forma inequívoca toda a sua indignação nas praças públicas, nas ruas e avenidas do nosso País, das grandes, das médias e das pequenas cidades do nosso País, como é o caso da cidade de Domingos Martins, lá no interior do meu Estado, onde o povo foi para a rua manifestar a sua indignação. Foram, inspirados pelo espírito público, às grandes manifestações registradas em diversos pontos do nosso País. 

            Ouço com prazer o Líder José Agripino.

            O Sr. José Agripino (Bloco Oposição/DEM - RN) - Senador Ricardo Ferraço, eu vinha ouvindo o pronunciamento de V. Exª e me apressei em chegar ao plenário, para dirigir uma palavra ao lúcido pronunciamento de V. Exª.

(Soa a campainha.)

            O Sr. José Agripino (Bloco Oposição/DEM - RN) - Mas, antes de entrar, eu atendi à imprensa, que me fez uma série de perguntas sobre o movimento de ontem. Senador Ricardo Ferraço, eu acho - V. Exª tem toda razão - que a manifestação de ontem foi uma manifestação universal. Não foi de São Paulo, não foi do Rio de Janeiro. Ela foi por igual, do Acre a Rondônia, ao Rio Grande do Sul, a Tocantins, ao seu Espírito Santo, ao meu Rio Grande do Norte. Eu fui à manifestação aqui em Brasília. Eu estive aqui, no gramado em frente, ontem.

            O Sr. Waldemir Moka (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Ao meu Mato Grosso do Sul. 

            O Sr. José Agripino (Bloco Oposição/DEM - RN) - Ao seu Mato Grosso do Sul. Eu precisava vir para ver e ouvir o que eu ouvi, para ter a consciência de que ali estavam brasileiros. Não havia em suas testas o carimbo de eleitor, de partido A, B, C, D - de nenhum. Ali estavam indignados com...

(Interrupção do som.)

            O Sr. José Agripino (Bloco Oposição/DEM - RN. Fora do microfone.) - ... a inflação que foi retomada, que voltou.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Nós concedemos um aparte ao Senador José Agripino.

            O Sr. José Agripino (Bloco Oposição/DEM - RN) - Obrigado, Presidente. Eram brasileiros indignados com a inflação que voltou - sete e meio por cento é um patamar alto. As pessoas já não fazem mais a feira com o mesmo dinheiro, semana a semana -, com os direitos trabalhistas anunciados como subtraídos, ao dólar, que está retirando a condição de brasileiros de classe média de viajar, à corrupção endêmica absolutamente revoltante. É um estado de coisas que significa prática de governo de má qualidade. E o que é que se esperava? Que, feita a manifestação, com o tamanho com o que ela se apresentou, a própria Presidente da República viesse a público, como já veio tantas vezes, em cadeia de rádio e televisão, e fizesse um mea-culpa. Ela tinha a obrigação de fazer, diante da gravidade da expressão dos movimentos, das reivindicações apresentadas, pela legitimidade, pelo pacifismo do movimento, em respeito àquilo que o Brasil exibiu em matéria de qualidade de democracia, ela tinha que ter vindo a público e ter feito o mea-culpa, dizer que tinha prometido na campanha o que não estava fazendo no Governo, entendia que tinha praticado ou tinha cometido o erro e que se comprometia, ela como Presidente e como comandante, a fazer isso, isso, isso e isso, com humildade. Aí, sim, com humildade e colocando de forma democrática aquilo que o Brasil esperava e queria ouvir. Não fez isso. Dois ministros de Estado vieram para digladiar. Falando aparentemente a mesma linguagem, eles se colocaram diametralmente em campos opostos. Um disse que queria o respeito às diversas facções, que Governo e oposição seriam ouvidos, e, imediatamente, o outro Ministro coloca claramente o fato de que, na percepção do Governo, a manifestação que tinha ocorrido era a manifestação dos que não tinham votado na Presidente Dilma. Isso subtraiu a credibilidade do posicionamento que o Governo ousou ou pretendeu exibir. Por essa razão, Senador Ferraço, é que eu quero aqui me associar às manifestações de V. Exª, no discurso equilibrado, lúcido, e dizer que a nossa tarefa é longa. A exigência maior se coloca sobre os ombros do Poder Executivo, mas o Legislativo e o Judiciário têm a sua parte, e a nossa parte, com certeza, nós faremos. Cumprimentos a V. Exª.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Agradeço a V. Exª e peço condescendência a minha estimada e querida Presidente Rose de Freitas. Hoje, estamos aqui em uma sessão de segunda-feira, não temos muitas demandas por acesso a microfone. Que pudéssemos, então, estender um pouco mais, até porque o Brasil viveu um 15 de março diferente.

            Seria importante que nós pudéssemos ouvir os nossos colegas, os nossos Senadores, de modo que eles pudessem expressar as suas opiniões. Apelo para a generosidade de V. Exª, solicitando-lhe um pouco mais de tempo para que eu possa concluir o meu pronunciamento. Antes, porém, eu gostaria de ouvir o estimado amigo e Senador pelo Estado do Mato Grosso do Sul, Senador Waldemir Moka.

            O Sr. Waldemir Moka (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Senador Ricardo Ferraço...

            A SRª PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Maioria/PMDB - ES) - Permita-me, Senador Moka, esclarecer que, quando eu assumi a Mesa, faltavam três minutos para os 25 minutos. Eu já concedi, sem que V. Exª percebesse, mais seis minutos e agora mais cinco, portanto, são 11 minutos. Sem prejuízo dos demais, o discurso de V. Exª engrandece este momento no País e, sobretudo, esta sessão. Se V. Exª se sentir contemplado, conceder-lhe-ei mais cinco minutos para concluir, extraindo evidentemente o tempo do aparte.

            O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Mas aí eu vou, então...

(Interrupção do som.)

            A SRª PRESIDENTE (Rose de Freitas. Bloco Maioria/PMDB - ES) - Não, eu vou conceder os dez minutos que V. Exª reivindica.

            O Sr. Waldemir Moka (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Senador Ricardo Ferraço, para não ser repetitivo do que V. Exª vem dizendo, o Governo tem que assumir culpas, dizer onde errou, com clareza, sobre os aumentos de taxa de luz, de energia, de cortes de recursos, como na área de educação, no Fies. É isso que está faltando. É preciso que a própria Presidenta assuma isso. Essa coisa de terceiro turno, não é terceiro turno. É o recado que já vem da eleição. Foi uma eleição muito disputada, polarizada. O que se fala de terceiro turno é o recado. É preciso que se entenda isso. Eu vi, ontem, gente questionando, se havia 10 mil ou 20 mil ou 30 mil. Nossa, o que a gente viu nas ruas foi um volume muito grande! No meu Estado, em Campo Grande, eu jamais vi uma mobilização do tamanho, do porte da que aconteceu ontem lá. Isso demonstra o quê? Demonstra exatamente uma insatisfação, que precisa ser corrigida. Agora, para corrigi-la, é preciso fazer o minha culpa, que não fazem. É isso que está errado. Dizer: olha, eu tentei uma política anticíclica, procurei preservar os empregos, procurei estimular a economia, mas, lamentavelmente, não deu certo. A política, num determinado momento, deu certo e, depois, exauriu-se e, hoje, está se pagando o preço disso. E, aí, não há jeito, tem que fazer o minha culpa. Eu vou, logo depois de V. Exª, assumir a tribuna e vou ler um desabafo de um Senador petista, a quem eu tenho uma estima muito grande, que diz isto com todas as letras: que é preciso que o Governo dele, que ele representa, que ele defende... Aí alguém diz que não consegue se comunicar com o povo, e aí ele se revolta, porque é um Governo que veio, exatamente, das lutas das massas populares. Então, eu encerro por aqui o meu aparte.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - V. Exª, Senador Moka, vai direto ao ponto. Porque o que foi prometido pelo Dilma 2 foi um novo governo, com novas ideias, e o que se viu foi mais do mesmo. Quando víamos no mensalão o fim do mundo, o petrolão mostrou que era apenas o começo de algo muito mais escandaloso. A sanha do privado em se apropriar do público se verificou e se verifica como nunca antes na história deste País, até porque a mentira e a demagogia são inimigas mortais da boa política e da democracia.

            O petrolão, filho direto do infame mensalão, engendrou uma batalha que não para de produzir episódios desonrosos ao nosso País no contexto das nações. O que foi revelado, na prática, é um método esgotado de governar. Vejamos aqui a conexão entre uma coisa e outra, como demonstrações de uma corrupção generalizada e endêmica. Ao continuar tratando o patrimônio público como propriedade de um grupo político, os desdobramentos não poderiam ser diferentes desses que a população brasileira está acompanhando.

            O maior escândalo, enfim, de corrupção da história brasileira trouxe à tona fatos chocantes, alguns dos quais levarão anos para serem decifrados, e a prova material mais contundente dessa tragédia é já a repatriação de, ao menos, R$180 milhões desviados da Petrobras, graças, sim, à atuação republicana do Ministério Público.

            O professor historiador Marco Aurélio Nogueira ensina que os graves impasses nacionais só podem ser superados pela política com pê maiúsculo. Precisamos restaurar a confiança na grande política como uma ferramenta capaz de levar ao encaminhamento de conflitos, tal qual preconiza a política em suas raízes, as raízes gregas. Não há outro caminho a seguir senão o da sensatez dos homens públicos contra a polarização de todos contra todos.

            O quadro institucional brasileiro é muito mais que grave, é gravíssimo. O momento é de exaltar o papel da política com pê maiúsculo. É ela que pode nos conduzir à solução desse extraordinário impasse em que o nosso País está mergulhado.

            Desta tribuna, o saudoso Senador Afonso Arinos de Melo Franco afirmou - aspas: “O nosso dever é fazer política, e fazer política é praticar e defender a liberdade. É honrar o nosso mandato, sustentar nosso trabalho, enobrecer a memória do nosso tempo”.

            O País está paralisado, com sua economia debilitada e sua governança conflagrada, além de desacreditada. Essa falta de um poder moderador, além de um predomínio de esferas carregadas, resulta unicamente do esgotamento desse modelo político ancorado em objetivos imediatos, que não os objetivos da sociedade brasileira.

            É estarrecedor e até contraditório ver a falta de respaldo de um Governo que se inicia com enormes desafios, como o desafio de fazer um ajuste fiscal por conta das escolhas equivocadas do governo anterior. E esse mesmo Governo joga o seu Ministro da Fazenda a coordenar e liderar um ajuste fiscal e é incapaz de lhe oferecer condições políticas para que isso possa ser levado adiante.

            O Governo insiste no argumento espúrio, a meu juízo, de que os opositores e os manifestantes nas ruas estejam operando a favor de um terceiro turno. Isso é absolutamente infundado.

            Eu acho que isso não constrói a necessidade de agregação.

            Ninguém evidentemente pode questionar a legitimidade do cargo exercido pela Presidente Dilma, que foi eleita pelo voto direto, manifestação legítima da população brasileira. Mas é preciso deixar bem claro - bem claro - que nenhum de nós que exerce mandato popular está acima do bem e do mal e que nós temos direitos, limites e responsabilidades. E quando nós exercemos qualquer desses limites, nós podemos e devemos ser questionados, sobretudo numa conjuntura como essa, com absoluto controle social, on-line, em tempo real, por parte da população brasileira.

            O presidencialismo de coalizão que sustentou o governo até aqui nos parece muito mais um presidencialismo de colisão, com dias de alta tensão e de alto risco, em razão, a meu juízo, da incapacidade de o Poder Executivo articular um projeto que possa ser confiável e que possa sinalizar que, após o ajuste fiscal, nós teremos um projeto, porque ajuste fiscal não pode ser um fim em si mesmo, precisa ser um meio para que, após esse período, enfim, de sacrifício, nós possamos ter a expectativa de horizontes melhores para a população brasileira.

            Definitivamente, o Poder Executivo e o Governo precisam deixar de orientar suas ações com os olhos voltados na eleição presidencial de 2018 e passar a tratar do impasse presente com a seriedade que ele merece; e, se for o caso, até abrir mão do projeto de poder em 2018, em razão da reconstrução que é inadiável em nosso País.

            No campo econômico, é preciso ir além do ajuste fiscal e da organização das finanças públicas em nosso País. De imediato, nós precisamos superar esse déficit nominal das contas públicas de quase 7% do Produto Interno Bruto, um dos maiores do mundo.

            É preciso que o Governo tenha a capacidade de agregar e sinalizar qual é o projeto de desenvolvimento a ser perseguido a seguir. Como afirmei aqui, anteriormente, ajuste fiscal não pode ser fim, tem de ser meio para a superação de um conjunto de problemas e do resgate da capacidade de investimento do nosso País.

            Srª Presidente, agradecendo, naturalmente, a generosidade e condescendência de V. Exª, encerro as minhas palavras trazendo aqui uma reflexão do cientista político, do professor, do Senador Norberto Bobbio, que, no fim dos anos 70, falou sobre a grave crise pela qual passava a Itália, nossa pátria-mãe. Diz Bobbio ter encontrado dois tipos de previsões sobre o futuro do seu país naquela quadra e naquela conjuntura: um baseado na razão, e outro baseado na fé, no desejo, na expectativa. Para ele, o temor induz ao uso da razão, e diz que temos o dever de sermos pessimistas, pois só a razão pode nos conduzir às medidas necessárias para a superação da crise.

            O primeiro passo lógico da razão é o reconhecimento da crise e de suas causas. Sem o reconhecimento da crise, de suas causas, dificilmente nós estaremos conseguindo construir uma grande coalizão em torno de um projeto comum que possa mover o País dessa quadra lamentável, dessa tempestade perfeita, que se forma no ambiente econômico e no ambiente político.

            É essa a manifestação que trago, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores...

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - ... sem naturalmente ter a presunção de ser o dono da verdade, mas trazendo, de forma clara, aberta e de peito aberto aquilo que estou refletindo a respeito dessa conjuntura que o nosso País enfrenta e atravessa e da necessidade de haver uma mudança profunda e radical na orientação política nas relações institucionais e na orientação econômica do nosso País.

            Muito obrigado, Srª Presidente.

            Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.

            (...)

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR RICARDO FERRAÇO

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco MaioriaPMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, a imagem que para mim sintetiza a deformação da cultura política brasileira, levada ao extremo pelos governos petistas, é a do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, em 2005, logo após se reunir com a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, para cobrar a indicação de um cargo na Petrobras.

            Declarou ele à ocasião: "O que o presidente Lula me ofereceu foi aquela diretoria que fura poço e acha petróleo. É essa que eu quero". Ficou estampado ali um modelo que não só se perpetuou, mas também prosperou intensamente nos últimos anos.

            Na prática, estamos diante de uma tempestade perfeita e de uma tragédia anunciada. Os protestos populares que varreram ontem as ruas, as praças e as avenidas do Brasil precisam ser recebidos pelo governo da presidente Dilma com muita humildade e respeito.

            Após o movimento das Diretas em 1984, este já é considerado o maior de nossa história. Que lições tirar disso tudo? Quais recados foram dados? O que fazer a partir daqui?

            Os indicativos das ruas são na clara direção de que a presidente precisa governar o país com base em nossa realidade e não de olho nas próximas eleições presidenciais.

            As manifestações pediram a ela que esqueça o projeto de poder e coloque de pé um projeto de Nação. E reconhecer os equívocos do Dilma 1 é o primeiro passo para isso.

            Ontem, quando se comemorava 30 anos da volta à democracia, o recado do povo foi dado. Mas nem mesmo a manifestação robusta de indignação popular foi capaz de fazer a presidente ceder. A ficha ainda não caiu.

            Assistimos ao terceiro movimento espontâneo de insatisfação das massas cuja importância o governo insiste em ignorar. Foram três ondas de dimensões crescentes, sendo a primeira com os grandes protestos de junho de 2013. Naquela época, o Planalto prometeu um pacote de medidas, sem qualquer conseqüência.

            A onda seguinte veio com as eleições do ano passado, quando a presidente foi eleita com 55% dos votos, mas sem o apoio de 80 milhões dos 135 milhões de eleitores.

            Por fim, chegamos ao terceiro grande movimento, com a ocupação pacífica dos espaços públicos das maiores cidades, uma avalanche humana sem precedentes. De novo, nenhuma autocrítica. As declarações dos ministros José Eduardo Cardozo, da Justiça, e Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência, repetem promessas vazias, como uma reforma política e uma legislação anticorrupção.

            Sinceramente, a fala dos ministros foi desfocada da realidade, tal qual Alice no País das Maravilhas. Foram arrogantes e evasivos, dizendo mais do mesmo - de novo, como sempre fizeram, numa tentativa de ganhar tempo.

            A ficha precisa cair, para o bem de todos. Classificar o movimento de ontem como reação dos eleitores do Aécio é um absurdo. Atribuir o caos econômico ao cenário internacional é desconcertante.

            Muitos países, embora tenham sido afetados mais seriamente pela crise de 2008, crescem mais que o Brasil. Eles têm conseguido melhorar os níveis de emprego, suas indústrias permanecem mais competitivas que as nossas, a inflação está sob controle e, de modo geral, suas contas públicas têm melhorado de forma significativa.

            O caminho para o BrasiL é a mudança imediata de métodos políticos e gerenciais. Em suma: mais foco no interesse da sociedade e menos no interesse eleitoral. Fazer o mea culpa, reconhecer os equívocos, admitir a necessidade de correção de rumos.

            A vitória apertada de Dilma sobre Aécio foi apenas mais um sinal desse estresse. Mas Dilma, o PT e sua base seguiram adiante com a mesmice. Os mesmos 40 ministérios, os mesmos métodos de aparelhamento e os condomínios do poder.

            Menosprezar o recado das ruas é um erro que cobrará muito caro ao governo. Mas, tal qual a fábula do escorpião e do elefante, por mais que prometam agir diferente, não conseguem dominar os próprios instintos negativos.

            Meus amigos, toda essa conjuntura adversa não é obra do acaso. Tudo isso é produto e resultado da manutenção de um modelo político e gerencial que se esgotou. O quadro deve-se à tentativa não apenas de manutenção de um sistema patrimonialista, mas do seu aprofundamento.

            O sociólogo alemão Max Weber definiu o patrimonialismo como uma forma de dominação política que solapa as divisões entre o público e o privado. O cientista político gaúcho Raymundo Faoro, em sua obra clássica "Os Donos do Poder", de 1958, recorreu a esse conceito para explicar o atraso do país como resultado da dominação do aparato burocrático e do aparelhamento do grupo dominante.

            De volta aos dias atuais, percebemos que a construção da aliança que governa o país se deu com base nesses princípios patrimonialistas. Foram adotados métodos pragmáticos e inconseqüentes de conquista e de busca de apoio, que atingiriam as suas últimas conseqüências. Foram práticas condenáveis que tomaram o lugar da negociação, do diálogo e do respeito ao bem coletivo.

            Somos vítimas de uma crise sem precedentes, expressa na péssima qualidade dos serviços públicos. Esse é o quadro desastroso, com apenas 75 dias de governo completados hoje. E o Congresso brasileiro precisa fazer o mea culpa. Se o Planalto é a locomotiva, o Legislativo foi o vagão.

            Os dois milhões de cidadãos que foram ontem às ruas, para protestar contra a carestia, contra a corrupção e contra a falta de liderança nacional ainda aguardam respostas dos seus representantes.

            Os manifestantes também foram às ruas para criticar a péssima qualidade dos serviços públicos, a despeito de uma carga tributária entre as mais pesadas do mundo. Os cartazes com reclamações levados às ruas são um eco das manifestações de 2013. Só que, de lá para cá, as coisas só pioraram.

            A maioria da população não imaginava que tudo continuaria como antes, sem o governo caminhar na direção daquilo que precisaríamos ver. O que melhorou na vida dos brasileiros desde então?

            Pois é, até determinado momento, muita coisa melhorou da porta para dentro dos lares, com o poder de compra permitindo o acesso a novos patamares de consumo, da TV de plasma ao automóvel. Mas, enquanto isso, da porta para fora se instalava um caos.

            Lamentavelmente, o drama chegou também da porta para dentro. A inflação, os reajustes de tarifas públicas e a piora no mercado de trabalho levaram ao povo a incerteza de manutenção de suas conquistas, ameaçadas pelas escolhas equivocadas do Dilma l.Faltou planejamento, sobrou populismo e demagogia, priorizando a reeleição e nenhuma real evolução do nosso país.

            A melhoria da porta para dentro adveio de condições econômicas que o país não soube aproveitar corretamente e nem criar as bases para a sua sustentabilidade. Tal qual a fábula da cigarra e da formiga, os governantes abusaram da fanfarronice nos tempos externos a favor, entre o Lula 2 e a Dilma 1. A irresponsabilidade e o desprezo aos alertas foram abafados na festa petista, até que o inverno chegou e a casa caiu.

            Uma frase do megainvestidor Warren Buffett também traduz de forma simples e clara o Brasil de hoje: "Quando a maré baixa é que descobrimos quem estava nadando nu". Até o fim de 2010 o Brasil surfou na melhor conjuntura internacional já vista.

            Variáveis externas independentes da vontade do governo, como o preço nas alturas das matérias-primas exportadas pelo país, renderam US$ 100 bilhões extras ao país entre 2003 e 2008.

            Passado esse período de ouro, percebemos agora o que deveria ter sido feito e não foi, para preparar o país para os momentos mais desafiadores e avançar de forma duradoura. O que nos falta hoje deve-se à postura de cigarra dos governos do PT. Bastou o cenário mudar para a economia revelar sua face real.

            Contra os erros absolutos de Dilma 1 continuados por Dilma 2, a população expressou, de forma inequívoca, toda sua indignação.

            Inspiradas pelo espírito cívico, as grandes manifestações registradas em diversos pontos de nosso país eliminaram as últimas dúvidas em torno da gravidade do humor do brasileiro neste momento.

            Foi prometido pela presidente um novo governo, com novas idéias, mas veio mais do mesmo. Quando víamos no Mensalão o fim do mundo, o Petrolão mostrou que ele era apenas o começo de algo ainda mais escandoloso. A sanha do privado em se apropriar do público não conheceu limites.

            A mentira e a demagogia não deram trégua. O improviso e a empulhação continuam gerando situações revoltantes. Como é possível um governo que proclama o slogan "Brasil, Pátria Educadora" enfraquecer instrumentos essenciais para o setor como o Fies e o Pronatec?

            O Petrolão, filho direto do infame Mensalão, engendrou uma batalha que não para de produzir episódios desonrosos ao país no contexto das nações.

            O que foi revelado, na prática, é um método esgotado de governar. Vejamos aqui a conexão entre uma coisa e outra, como demonstrações de uma corrupção generalizada e endêmica. Ao continuar tratando o patrimônio público como propriedade de um grupo político, os desdobramentos só poderiam ser os piores possíveis.

            O maior escândalo de corrupção da história brasileira trouxe à tona fatos chocantes, alguns dos quais levarão anos para serem decifrados.E a prova material mais contundente dessa tragédia é a repatriação de ao menos R$ 182 milhões desviados da Petrobras, graças à atuação republicana do Ministério Público.

            O professor Marco Aurélio Nogueira ensina que os graves impasses nacionais só podem ser superados pela política com P maiúsculo. Precisamos restaurar a confiança na grande política, como uma ferramenta capaz de levar ao encaminhamento dos conflitos, tal qual preconiza em suas raízes gregas. Não há outro caminho a seguir senão o da sensatez dos homens públicos contra a polarização de todos contra todos.

            O quadro institucional brasileiro é gravíssimo. O momento, meus senhores e minhas senhoras, é, pois, o de exaltar o papel da política. É ela que pode nos conduzir à solução dos impasses.

            Como bem frisou o saudoso senador Afonso Arinos nesta mesma tribuna, o "nosso dever é fazer política, e fazer política é praticar e defender a liberdade. É honrar nosso mandato, sustentar nosso trabalho, enobrecer a memória do nosso tempo".

            O país está paralisado, com sua economia debilitada e a sua governança conflagrada e desacreditada. Essa falta de um poder moderador, além desse predomínio de atmosferas carregadas, resulta unicamente do esgotamento de um modelo político ancorado em objetivos escusos e imediatos.

            É estarrecedor e contraditório ver a falta de respaldo da presidente ao ministro da Fazenda para que ele consiga cumprir sua dura missão de restaurar a credibilidade na economia.

            O governo insiste no argumento espúrio de que os opositores e os manifestantes nas ruas estejam operando em favor de um terceiro turno das eleições presidenciais de 2014. Ora, mas é o próprio Planalto que parece não querer sair da retórica eleitoreira do segundo turno, dividindo o país entre duas classes sociais antagônicas.

            E a prática se perpetua. Imersa em seu isolamento, a presidente aparece na televisão para fazer um pronunciamento divorciado da realidade. As reações da população foram inevitáveis, provocadas em sua indignação. Quando a palavra impeachment emerge disso tudo, cabe-nos fazer uma pausa em favor da razão.

            Meus senhores e minhas senhoras. Ninguém questiona a legitimidade do cargo da presidente Dilma, eleita pelo voto popular. Mas é preciso deixar bem claro que nós, eleitos pelo povo, não podemos tudo. Temos direitos, limites e responsabilidades inerentes aos cargos que ocupamos. Se não correspondermos às expectativas e se não seguirmos certos princípios previstos na Constituição,estamos sujeitos a questionamentos.

            A conjuntura é de radicalismo e temos de manter o controle civil e civilizado para não adentrar a esse capítulo. Temos de tomar decisões oportunas e combater todo tipo de oportunismo.

            O "presidencialismo de coalizão", que sustenta o governo da presidente DiLma até aqui, mais parece agora um "presidencialismo de colisão". Dias de alta tensão e de alto risco decorrem de uma incapacidade da chefe do Executivo em abordar os problemas de forma realista e criar as condições para que as soluções negociadas se aflorem.

            É com esse propósito que gostaria de propor à presidente Dilma a apresentação ao Congresso e à sociedade de um plano para superar a crise. Este gesto precisa expressar a sincera intenção de encontrar soluções, com análises realistas e propostas concretas. Na seara política, o esforço deverá estar centrado na busca do diálogo, sem qualquer embargo às investigações dos escândalos políticos.

            Definitivamente, o Planalto precisa deixar de orientar suas ações com olhos na eleição presidencial de 2018 e passe a tratar do impasse presente com a seriedade que ele merece.

            No campo econômico, é preciso ir além do ajuste fiscal e da reorganização das finanças públicas do Brasil para superar um déficit nominal das contas públicas de 6,7% do PIB, um dos maiores do mundo.

            É preciso que o governo sinalize qual é o projeto de desenvolvimento a ser perseguido a seguir. Sim, porque o ajuste fiscal é só um meio e não um fim em si mesmo. O sacrifício proposto precisa estar ancorado no convencimento de que o governo está comprometido com algo mais auspicioso e concreto.

            Em obra do fim da década de 70 sobre a gravíssima crise pela qual passava a Itália, o pensador Norberto Bobbio diz ter encontrado dois tipos de previsões sobre o futuro do seu país, um baseado na razão e outro na fé, no desejo.

            Para ele, o temor induz ao uso da razão e diz que temos o dever de sermos pessimistas, pois só a razão pode nos conduzir às medidas necessárias para superação da crise. O primeiro passo lógico da razão é o reconhecimento da crise e de suas causas.

            Meus senhores e minhas senhoras, chegou a hora de o governo reconhecer seus erros. Esse é o pressuposto para encontrar as soluções e superar a crise. Não há mais tempo para agir diferente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/03/2015 - Página 35