Discurso durante a 48ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da ampla publicidade dos gastos públicos como meio de controle da corrupção.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
  • Defesa da ampla publicidade dos gastos públicos como meio de controle da corrupção.
Publicação
Publicação no DSF de 14/04/2015 - Página 31
Assunto
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, COMBATE, CORRUPÇÃO, REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, ASSUNTO, HOMICIDIO, EMBAIXADOR, MOTIVO, DENUNCIA, DESVIO, VERBA, USINA HIDROELETRICA, ITAIPU BINACIONAL (ITAIPU), PERIODO, DITADURA, CITAÇÃO, PROGRAMA, EMISSORA, TELEVISÃO, REFERENCIA, RELEVANCIA, ARRECADAÇÃO, DINHEIRO, PUBLICO, MUNICIPIO, SÃO FRANCISCO DO CONDE (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), CONTRADIÇÃO, CARENCIA, POPULAÇÃO, RESULTADO, INDICIAMENTO, EX PREFEITO, CRITICA, AUSENCIA, PUNIÇÃO, LIMITAÇÃO, JUDICIARIO, COBRANÇA, EFETIVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, OBJETIVO, DIVULGAÇÃO, AMBITO, DOMINIO PUBLICO, DETALHAMENTO, GASTOS PUBLICOS, TOTAL, RECEITA, DESPESA, COMENTARIO, RESISTENCIA, CUMPRIMENTO, NORMAS, SOLICITAÇÃO, AUXILIO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, ACOMPANHAMENTO, DESPESA PUBLICA.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta Ana Amélia, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, a pergunta que me faço é se a corrupção no Brasil, na sociedade brasileira, resulta de desvio pessoal ou é sistêmica. Se a corrupção é sistêmica, temos que ter uma maneira de controlá-la e de combatê-la também de forma sistêmica.

            Nós, brasileiros, nos últimos tempos, desde que definitivamente se instalou a democracia no País, temos convivido com manchetes escandalosas. Ultimamente temos três palavras que chamam a atenção de todos os brasileiros e que inclusive estão levando milhares de pessoas a protestar, a se manifestar contra a Presidente da República e também contra a corrupção.

            O grande problema é que não sendo a corrupção uma questão de desvio pessoal o combate a ela torna-se muito difícil.

            Tenho aqui uma manchete que diz o seguinte: “Itaipu custou dez vezes mais que o valor inicial.”

            A matéria começa dizendo que, em novembro de 2014, o Instituto João Goulart encaminhou denúncia ao Ministério Público Federal, no Rio de Janeiro, sobre a morte do Embaixador José Jobim, em 1979. O documento alega que agentes da ditadura assassinaram o político, que declarara, publicamente, estar escrevendo um livro de memórias no qual denunciaria o esquema de corrupção na construção da Usina Hidroelétrica de Itaipu. E aí fala do embaixador e de sua carreira.

            Ele, ao anunciar que escreveria esse livro relatando todo o processo espúrio de desvio de somas fantásticas, lá nos idos de 1979, no período da ditadura, terminou sendo “suicidado”. Ele diz que o projeto que, inicialmente, custaria US$1,3 bilhão terminou em US$13 bilhões. Essas manchetes chegam aos dias de hoje, através da Operação Lava Jato. Na semana passada, tivemos a prisão de ex-Parlamentares envolvidos nesse processo.

            Ontem, nós assistimos, no programa Fantástico, da Rede Globo, a uma matéria sobre os Municípios que são os campeões de arrecadação do País, aqueles que têm uma receita per capta mais alta do País e, entre eles, citou São Francisco do Conde.

            São Francisco do Conde tem uma população de 38 mil habitantes, e oitenta por cento de sua arrecadação vem da Refinaria Landulpho Alves. Para se ter uma ideia, em 2014, a Prefeitura de São Francisco do Conde arrecadou só de royalties do petróleo R$365 milhões, ou seja, R$1 milhão por dia.

            O Município tem quase R$13 mil por habitante, que corresponde a cinco vezes mais do que a média nacional. Só que mais da metade da população não tem rede de esgoto, um quarto da população vive na miséria, cerca de 8,5% da população vive em pobreza extrema e, nos últimos dez anos, todos os ex-prefeitos foram indiciados por desvio de dinheiro público, mas certamente nenhum está na cadeia.

            Isso é uma comprovação de que a corrupção é algo sistêmico, que envolve as instituições brasileiras, que vai do Município à União.

            Nós temos raros casos de políticos presos, ainda dá para se contar nos dedos da mão. A Justiça é lenta quando se trata de julgar ladrões de dinheiro público.

            Ora, se pudéssemos atribuir à corrupção desvio pessoal, bastava mudar as pessoas, mas pelo que se vê isso não atinge os objetivos. Até porque estou falando de corrupção de 40 anos atrás até a última da semana passada, retratada por manchete do programa Fantástico que relata esse absurdo. Como é possível que uma sociedade possa admitir que um Município com uma renda tão alta não atenda às necessidades mínimas, necessidades básicas dos seus moradores, porque se desvia recursos, se rouba recursos que deveriam atender o conjunto da população.

            E é assim no País todo. Aí eu pergunto: como é que nós vamos controlar a corrupção? É através de CPIs, de investigações? Mas pelo que estamos observando, não bastam as CPIs, não bastam as investigações do Ministério Público, da Polícia Federal, porque cada dia aparece um novo escândalo, cada dia aparece uma nova denúncia.

            Olha, eu acho que nós não temos outra alternativa a não ser que a sociedade se mobilize para exercer o controle efetivo, o controle dos gastos públicos. E foi para isso que o Congresso aprovou a Lei da Transparência. O problema é que ainda não são de domínio público a lei e os efeitos da lei, que seriam a exposição, em tempo real, de todas as receitas e despesas públicas com detalhes.

            Essa lei ainda está sendo cumprida pela metade. Ainda temos um bom caminho até obrigar a todos que cumpram aquilo que a lei determina, que prestem contas, exponham com detalhes os gastos dos recursos do contribuinte, do cidadão brasileiro, seja nas Câmaras Municipais, nas Prefeituras, nas Assembleias Legislativas, nos Governos estaduais, enfim. Mas a verdade é que é possível exercer esse controle hoje, porque a lei está aí. A gente só precisa se mobilizar, seja através das redes sociais, seja através de grupos locais, organizar-se para acessar essas informações, monitorar esses gastos. E onde houver um ente público que ainda não cumpra a lei, mover ação, denunciar junto ao Ministério Público ou até entrar com mandado de segurança, entrar com uma ação judicial direta para fazer cumprir a Lei.

            A lei obriga todos do Judiciário, do Supremo Tribunal Federal até os tribunais estaduais, a exporem com detalhes, mas há uma resistência ao cumprimento da Lei. Mas acho que mais grave que o descumprimento da Lei é que nós somos um País que tem a cultura do não cumprimento da Lei, essa é que é a grande verdade.

            Eu queria fazer um apelo aos meios de comunicação: nós precisamos popularizar a existência, primeiro, a existência dessa lei que obriga a exposição dos gastos públicos. Que os meios de comunicação, rádio, televisão, mostrem ao cidadão que existe essa lei, que ele pode lançar mão dela. E depois, aqueles entes públicos que já estiverem cumprindo fielmente aquilo que a lei determina, que os meios de comunicação revelem para a sociedade a possibilidade de pesquisar, de encontrar essas despesas discriminadas, detalhadas nos portais de transparência dos órgãos públicos.

            Eu não vejo outra maneira de controlar a inflação se ela é sistêmica, e ela é congênita. Ela vem desde a criação do Vice-Reinado de Portugal e Algarve, com a chegada de D. João ao País. Já tentamos aqui alguns... Já houve presidente que terminou renunciando em função da descoberta de corrupção. Houve outros que tiveram que responder publicamente a esse tipo de acusação. Mas não resolve.

            Aqui está: todos os prefeitos dos últimos dez anos em São Francisco do Conde foram indiciados por desvio de dinheiro público. Mas é claro, com essa fábula de recurso disponível! Esse dinheiro não está sendo aplicado para atender à necessidade da população de São Francisco do Conde.

            Confesso que não tive a curiosidade de entrar no portal da transparência da prefeitura de São Francisco do Conde, mas eu vou pesquisar, Srª Presidente, porque, se não estiver cumprindo a lei, aquela comunidade de São Francisco do Conde...

            E São Francisco do Conde, parece que deve ter uma câmara de vereadores. E essa câmara de vereadores tem a obrigação de fiscalizar e de acompanhar os gastos. Ou quem sabe a câmara de vereadores está em associação com os prefeitos, esses que foram indiciados? Será que esses vereadores também não estarão indiciados juntamente com o prefeito? Porque não é possível, com tanto dinheiro, você ter uma parcela importante... A população não ter água tratada, não ter rede de esgoto. Não ter água tratada, Srª Presidente! Eu vi, a televisão mostrou de onde as pessoas recolhem água, é uma coisa... Com um volume de recursos que... Não sei. É uma coisa que me deixou muito chocado.

            Olhe que eu venho combatendo corrupção há muitos anos, e já paguei caro por isso, porque há um princípio de que político não pode falar em combater a corrupção. Não, nós temos a obrigação de abordar sistematicamente esse tema e mostrar os caminhos para as possibilidades que nós temos na mão. Eu acho que não há outra que não seja o controle social, o acompanhamento dos gastos públicos.

            Nos portais da transparência, existem algumas organizações da sociedade civil que fazem isso, que precisa de divulgação. Tem uma organização, Contas Abertas, que faz levantamentos sistemáticos nos portais da transparência e oferece essas informações à comunidade.

            Eu volto a insistir. Peço, sim. Eu faço o apelo aos meios de comunicação que nos ajudem, primeiro, a revelar a existência da lei; segundo, os caminhos de navegação para se chegar aos detalhamentos das despesas desses entes públicos. Portanto, é uma situação que merece uma atenção especial de todos nós.

             É verdade que a população, o povo na rua... Ontem, nós observamos que uma parcela importante clamava contra a corrupção, e outra estava ali por várias outras razões. Mas eu observei que a corrupção incomoda, e os pacotes contra a corrupção não parecem entusiasmar a sociedade. Então, a sociedade, além do protesto nas ruas, precisa dar uma atenção aos portais da transparência, precisa acompanhar os gastos das suas prefeituras.

            Eu entrei no Portal da Transparência da Prefeitura de São Paulo algum tempo atrás e descobri, Srª Presidente, que o auditor fiscal da Prefeitura de São Paulo, na época - hoje deve ser mais -, ganhava entre R$40 mil e R$50 mil, e comparei com os assessores do Presidente Obama. Quem ganhava mais entre os assessores do Presidente Obama eram o seu chefe de gabinete e o encarregado pelo projeto, na época, de saúde. Ganhavam R$31 mil.

            Tem alguma errada! Como é que o auditor fiscal do Município de São Paulo ganha mais do que os assessores diretos do homem mais poderoso do mundo? Daí essa desigualdade brutal que existe no nosso País.

            O País melhorou, avançou? Claro, a democracia deu um passo adiante, mas está longe de corrigir as injustiças que prevalecem no nosso País. Portanto, não vejo alternativa que não seja o controle social dos gastos públicos. E nós vamos, para facilitar o trabalho da sociedade, das organizações da sociedade civil, endurecer a Lei da Transparência, prever penas mais duras para aqueles que não cumprirem rigorosamente aquilo que diz a lei.

            Tem alguns que contratam empresas, colocam uma página e apelidam de transparência, mas de transparente não existe absolutamente nada.

            Nós queremos que a lei seja cumprida como foi votada aqui no Senado e na Câmara e como foi promulgada pelo Presidente da República. A lei é clara, diz quais são os requisitos necessários para o seu cumprimento.

            Por isso, volto a apelar aos meios de comunicação, à imprensa do meu País para que nos ajude nessa cruzada de mobilização pelo controle social dos gastos públicos.

            Era isso, Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/04/2015 - Página 31