Pela Liderança durante a 91ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a reportagem exibida ontem pelo Programa Fantástico, da Rede Globo, referente ao suposto desvio de recursos públicos praticado pelas Assembleias Legislativas do País.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
PODER LEGISLATIVO:
  • Considerações sobre a reportagem exibida ontem pelo Programa Fantástico, da Rede Globo, referente ao suposto desvio de recursos públicos praticado pelas Assembleias Legislativas do País.
Publicação
Publicação no DSF de 09/06/2015 - Página 86
Assunto
Outros > PODER LEGISLATIVO
Indexação
  • COMENTARIO, PROGRAMA, EMISSORA, TELEVISÃO, ASSUNTO, DENUNCIA, DESVIO, RECURSOS PUBLICOS, AUTORIA, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADOS, DEFESA, NECESSIDADE, INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, PUNIÇÃO, DEPUTADOS.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, se eu perguntasse a todos se os senhores e as senhoras acreditam nas instituições brasileiras, no Judiciário, no Legislativo e no Executivo, a resposta seria majoritariamente não.

            Eu me sinto, muito das vezes, constrangido, porque faço parte do Poder Legislativo. Eu sou Congressista, tenho a função de legislar, tenho a função de fiscalizar e de trazer para esta Casa as dores e os anseios da sociedade do meu Estado e da sociedade brasileira. É constrangedor, sim, a desqualificação da democracia.

            Ontem, mais uma vez, um programa da Rede Globo, a resenha semanal Fantástico, trouxe uma matéria sobre o comportamento desonesto das Assembleias Legislativas do Brasil. Há três ou quatro semanas, o Fantástico trouxe também matérias sobre o comportamento das câmaras municipais, sobre os desvios de altas somas desses Legislativos.

            Ora, esse comportamento atinge a democracia. Não é a denúncia que atinge, pois a denúncia qualifica a democracia e a liberdade de imprensa, mas, agora, o comportamento desonesto, sim, desqualifica a democracia, colocando-a em xeque. Nós sabemos que a democracia só fez bem a este País, foi o que melhorou o País e o que fez o País avançar. E aqui cada um puxa para si o mérito pelos avanços do nosso País, que são remarcáveis, que são claros, que são evidentes. O Brasil melhorou, o Brasil se projetou em todos os cenários. Agora, ele poderia ser mais, poderia ser melhor, poderia ser um país com uma presença muito mais forte no cenário internacional e também no cenário interno, em todas as camadas sociais.

            Ontem, o programa acusou membros da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e do Amapá, passando pela de Goiás e pela de outros Estados. Eles se defendem com tanta veemência que, às vezes, até duvidamos que eles sejam capazes de agir com tamanha desonestidade. É claro que não vou acreditar na defesa desses Parlamentares corruptos e desonestos que insistem e reafirmam que não cometeram aqueles crimes, até por que eu tenho os números, os dados tirados dos portais de transparência dessas Assembleias Legislativas. Eu não vou me estender, mostrando todos os dados que levantei sobre cada Assembleia, sobre cada governo envolvido, sobre cada câmara de vereadores envolvida, mas eu queria trazer dados que permitem que nós não acreditemos na negação veemente desses criminosos.

            Vejam o dado que levantei de 2013 da Assembleia Legislativa do Amapá, Sr. Presidente. A Assembleia Legislativa do Amapá gastou em diárias de viagem naquele ano R$17.476.847,77 milhões, ou seja, R$17,5 milhões foi o gasto em diárias de viagem.

            Olha, para quem ganha um salário mínimo de setecentos e poucos reais, é difícil entender o que representam R$17,5 milhões. Quem ganha até cinco ou seis salários mínimos ou dez salários mínimos tem dificuldade, sim, de entender o impacto que R$17,5 milhões podem provocar na vida de milhares de pessoas.

            Eu, então, fui buscar gastos em outros entes públicos e levantei os gastos do Senado. O Senado da República é uma instituição transparente. Todos os nossos gastos, inclusive as notas dos táxis em que eu circulo aqui em Brasília, estão lá detalhados, está tudo na transparência, está tudo na internet.

            Em 2013, o Senado da República gastou R$1,249 milhão, R$1,2 milhão, em diárias de viagens. Nós somos 81 Senadores - na Assembleia Legislativa do Amapá são 24 deputados -;81 Senadores que têm obrigação de viajar ao exterior, de cumprir agendas em vários Estados e em vários países. Nós temos aqui mais de 10 mil servidores do Senado que também cumprem tarefa fora do seu local de trabalho e que, portanto, recebem diárias. Portanto, R$1,25 milhão o Senado gastou, contra R$17,5 milhões da Assembleia Legislativa do Amapá.

            Também levantei os gastos da Câmara dos Deputados. A gente imaginaria que 513 Deputados e Deputadas, com 18 mil servidores públicos, teriam que gastar muito mais de diárias do que a Assembleia Legislativa do Amapá. Mas vejam: enquanto a Assembleia Legislativa do Amapá gastou R$17,5 milhões, lá em 2013, a Câmara Federal gastou R$2,931 milhões, vamos pôr R$3 milhões. Ainda está longe dos R$17,5 milhões.

            Levantei os gastos do Superior Tribunal de Justiça, R$485 mil, Sr. Presidente; do Supremo Tribunal Federal, R$461 mil; e também, claro, da Presidência da República: a Presidenta viaja com todos os seus auxiliares, assessores, batedores, os que vão à frente, enfim, é um gasto enorme com diária. Ainda assim, a Presidência consumiu R$7,485 milhões.

            Vejam, Sr. Presidente, Srs. Senadores, quem me ouve pela Rádio e pela TV Senado, os 24 deputados da Assembleia Legislativa do Amapá gastaram R$4,8 milhões a mais do que a soma da Presidência da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

            Isso é escárnio; isso é deboche. Isto aqui, o que estou colocando aqui, é apenas um exemplo; eu poderia citar vários exemplos.

            Só para concluir a apresentação desses dados. Sr. Presidente, em 2013, os Deputados do Amapá receberam R$17,5 em diárias de viagem, mas quando se vai à rubrica “passagens aéreas”, nos gastos com passagens aéreas, está no balanço da Assembleia Legislativa: eles gastaram zero de passagem. Ou seja, a única explicação é a de que eles viajaram pelo mundo a pé porque eles receberam as diárias, e as diárias são para viajar. Se eles não gastaram um centavo com passagem aérea ou passagem marítima ou terrestre, então, eles andaram a pé.

            Enfim, eu fiz, eu chamei a atenção das autoridades da República. Encaminhei no dia 30 de maio de 2014 um documento consistente, com todas essas denúncias de mau uso de recursos, de desvios, isso tudo devidamente comprovado - 30 de maio de 2014. No dia 30 de maio de 2015, fez um ano, e eu não recebi nenhum cartãozinho dizendo: “Olhe, recebemos o seu documento, estamos analisando.” Absolutamente nada! Salvo engano, nós recebemos uma resposta do Ministério Público Federal.

            O Dr. Janot nos encaminhou um documento acusando o recebimento.

            Olha, esse é um problema gravíssimo. Vejam alguns dados que me inquietam. A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo - não sei se são setenta ou setenta e poucos Deputados estaduais -, ano passado, gastou menos de R$1 bilhão, novecentos e poucos milhões de reais. A Assembleia Legislativa do Distrito Federal, que tem 24 Deputados, gastou R$420 milhões. Agora vejam, essa Assembleia do Amapá, que tem 24 Deputados, consumiu R$17,5 milhões em diárias de viagem! A de Brasília também tem 24 deputados, e lá, no ano de 2013, eles gastaram, ao longo de todo o ano, com todas as despesas, R$139 milhões; e aqui R$420 milhões. Como? Como é possível explicar que 24 deputados no Distrito Federal consigam gastar R$420 milhões? Não há explicação. Só há uma explicação. Esse dinheiro público é desviado.

            E olha, basta analisar a contabilidade da Assembleia Legislativa.

            O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Senador Capiberibe.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Pois não, V. Exª é o Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Só para contribuir com o seu pronunciamento. De 2001 a 2002, no Estado de Mato Grosso, houve um escândalo, e foi descoberto que a Assembleia gastou R$2,1 milhões, que foram repassados para uma empresa, cuja atividade principal era a fabricação de calcinhas. Esse fato ficou conhecido, no Mato Grosso, como “o escândalo das calcinhas” porque, de repente, estava lá a Assembleia com aquele monte de notas, R$2,1 milhões, em calcinhas, de uma empresa que fabricava calcinhas. 

            Obviamente que isso foi escândalo nacional e tal, mas isso exemplifica bem o que V. Exª fala, o que acontece pelo País afora.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Alguém foi punido, Senador?

            O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Esse processo continua correndo. Hoje, o atual presidente está preso, mas não por esse processo. Mas é até uma aberração, é o que V. Exª traz aqui, que não é uma realidade só lá do Mato Grosso, é do País inteiro.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - O Fantástico mostrou que é em todo o País. Eu estou incluindo a Câmara Legislativa do DF, que o Fantástico não mostrou. Se mostrou, foi muito de leve. Eu tenho curiosidade de saber com o que gastam R$420 milhões em uma Câmara Legislativa. Sinceramente, eu gostaria que o Presidente da Câmara Legislativa do DF ouvisse meu pronunciamento e satisfizesse minha curiosidade, para explicar como é possível gastar uma fábula em uma Câmara de 24 Deputados. Eu estou denunciando o meu Estado, que tem 24 Deputados, também, e que em um ano gastou R$17,5 milhões em diárias de viagem, e ainda assim consumiram R$139 milhões.

            Vejam, essa é uma tragédia para a sociedade brasileira. Por quê? Porque esse dinheiro sai exatamente das necessidades imediatas da sociedade, da população. E há mais uma questão: é que isso fica impune, porque o Judiciário é moroso, o Judiciário é lento, o Judiciário não julga e o Judiciário promove a impunidade. O que acontece? O Judiciário não julga. Os que são acusados se defendem publicamente através dos meios de comunicação locais, que eles dominam, dizendo que isso é perseguição.

            Lá no Amapá, os Deputados fazem campanha contra o Ministério Público. “O Ministério Público persegue os Deputados”. Essa explicação, essa defesa, termina virando verdade. Sabe por quê? Porque, como o Judiciário não julga, a sociedade termina aceitando que eles de fato são perseguidos; e o mais grave: termina votando neles. Foi isso o que aconteceu em 2010, no Amapá. Em 2010, no mês da eleição, a Polícia Federal, por ordem do Superior Tribunal de Justiça, do Ministro João Otávio Noronha, prendeu o Governador em exercício, Pedro Paulo, o ex-governador, que tinha se desincompatibilizado para se candidatar, Waldez Góes; a esposa dele, a Primeira-Dama, que era Secretária de Governo, Secretária de Mobilização Social, foi presa; o primo dele, que era Prefeito da cidade de Macapá, a capital, Roberto Góes, preso. Enfim, desses quatro cidadãos, aliás, três - dos quatro, três -, ano passado, viraram vítimas; viraram perseguidos políticos. É inacreditável, mas essa é a realidade.

            O que aconteceu? A população votou e os elegeu. Todos passaram pela Papuda, pelo presídio aqui de Brasília. O Governador está eleito, a Primeira-Dama está eleita Deputada Estadual - a mais votada -, e o ex-Prefeito Roberto Góes também eleito o mais votado. Por quê? Porque o Judiciário não julga; está parado esse processo. O Tribunal de Justiça diz que tem muito recurso. Eu não posso acreditar que sejam tantos que não permitam pelo menos julgar um.

            O noticiário do Fantástico disse que o Presidente da Assembleia, o Deputado Moisés Souza, responde a 40 ações criminais, ou alguma coisa assim; é uma montanha de ações criminais, mas o Tribunal não julga.

            Olha, nós sonhávamos com um Ministério Público atuante, e conseguimos. O Ministério Público passou a atuar de acordo com o que a lei lhe outorga a agir, a investigar. E as investigações foram acolhidas pelo Tribunal de Justiça, só que o Tribunal de Justiça não julga.

            A mesma coisa é essa operação Mãos Limpas, de 2010, que prendeu todas as autoridades do Estado naquela época. Até hoje não há nenhum julgado. Não foi ninguém julgado, então a sociedade imagina: “Olha, isso é perseguição, mesmo; então vamos votar neles.”

            Essa situação de impunidade entristece e mergulha o País na baixa autoestima. Essa é que é a grande verdade, Sr. Presidente.

            Agora, eu, particularmente, respondendo à primeira questão de quando eu comecei este discurso aqui, da tribuna do Senado, sobre a credibilidade das instituições brasileiras, realmente, é baixa.

            Não vejo alternativa para controlarmos a corrupção que não seja pela transparência dos gastos públicos e, mais que isso, pelo controle social desses gastos. Os corruptos e os ladrões de dinheiro público sabem que podem dele se apropriar, porque nada lhes vai acontecer, mas podemos criar grandes constrangimentos através da transparência e os estamos criando.

            A Lei da Transparência fez seis anos, sendo cinco anos de efetiva aplicação. Agora, precisamos aprofundar essa lei, precisamos endurecer as penas da lei, para que consigamos dar passos mais significativos. Mas a lei está sendo aplicada. A Lei da Transparência, pelo menos em 50% dos entes públicos, está sendo aplicada.

            Levantei os salários dos Procuradores de Justiça do Amapá e dos Desembargadores. Sr. Presidente, eles ganham muito bem, e estou de acordo com que eles ganhem bem. Eu assino embaixo. Agora, quero que eles cumpram aquilo que a lei lhes determina. E isto posso falar do Ministério Público estadual: eles estão cumprindo, eles estão investigando. Eles ganham tanto quanto ganha um Desembargador. O que espero é que os Desembargadores façam jus ao que ganham e julguem esses processos, para que a impunidade não continue envergonhando todos nós.

            Há solução? Sim. A solução é o controle social. Nós precisamos transformar a transparência na Coca-Cola da cidadania brasileira. O cidadão brasileiro e a cidadã brasileira precisam tirar dois minutos ou quinze minutos de seu tempo para, nas redes sociais, irem às páginas de transparência da União, dos Estados, da sua prefeitura.

(Soa a campainha.)

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Têm de verificar os gastos, acompanhar os gastos, saber quanto custa o litro do leite para a merenda escolar, quanto o prefeito pagou. Se as informações não estiverem disponíveis, eles têm de acionar, juntar três ou quatro munícipes e procurar o promotor da cidade, ir lá com o promotor para ele fazer valer a lei. O Ministério Público é o xerife da sociedade. Ele tem de agir em nome da sociedade.

            Então, é isso que nós precisamos fazer. Vai demorar? Vai demorar, mas precisamos transformar a transparência na Coca-Cola da cidadania.

            Era isso, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/06/2015 - Página 86