Discurso durante a 101ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à proposta que prevê a redução da maioridade penal, aprovada ontem pela comissão especial da Câmara dos Deputados.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Críticas à proposta que prevê a redução da maioridade penal, aprovada ontem pela comissão especial da Câmara dos Deputados.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2015 - Página 154
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • CRITICA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, LOCAL, COMISSÃO ESPECIAL, CAMARA DOS DEPUTADOS, ASSUNTO, REDUÇÃO, MAIORIDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, DEFESA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA, ENFASE, AGRAVAÇÃO PENAL, INFLUENCIA, ADOLESCENTE, CUMPRIMENTO, REGIME ESPECIAL, MEDIDA SOCIOEDUCATIVA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, AUTORIA, JANIO DE FREITAS.

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente.

            Srªs Senadoras, Srs. Senadores, quem nos ouve pela Rádio Senado, quem nos acompanha pela TV Senado, eu venho a esta tribuna na tarde de hoje para lamentar a forma como se deu a aprovação, Sr. Presidente, da proposta da emenda à Constituição que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, ontem, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Não porque eu sou contra a punição rigorosa de jovens e menores que eventualmente pratiquem crimes contra a sociedade, até porque eu compreendo o anseio da sociedade, da maioria do povo brasileiro, para que esta Casa dê uma resposta concreta à impunidade em nossa sociedade. Mas sou contra porque a forma com que este assunto vem sendo tratado na Câmara dos Deputados vende uma ilusão: de que a simples redução na Constituição Federal da maioridade de 18 para 16 anos, sem a devida reflexão sobre as consequências desse ato, solucionará todos os problemas de violência praticada por menores, principalmente as violências quando se trata de crimes hediondos, com violência mediante grave ameaça, que isso será resolvido e que nós vamos acabar com a impunidade na sociedade, portanto, acabar com o nível de violência que nós temos hoje.

            Isso não é verdade. A redução da maioridade penal não é uma panaceia para todos os males da segurança pública brasileira, até porque os mais radicais em favor dessa redução da maioridade desprezam informações importantes.

            Hoje, o jornalista Jânio de Freitas faz uma coluna muito interessante. Eu sugiro a leitura por parte de V. Exªs da coluna do jornalista Jânio de Freitas. E já peço que seja dada daqui como parte de meu pronunciamento a inscrição dessa coluna nos anais da Casa.

            Ele fala dos ditos efeitos secundários - que, em minha opinião, nada têm de secundário - na redução da maioridade penal para 16 anos e que seguramente passarão ao centro do debate nacional imediatamente após a aprovação dessa medida, se for assim que a Câmera entender e o Senado da República também.

            A que eu estou me referindo - e ele se refere também em sua coluna? Às autorizações legais hoje restritas aos maiores de 18 anos, como dirigir veículos e consumir bebidas alcoólicas. Aliás, a combinação dessas duas situações é uma das piores ameaças que nós temos para a sociedade. Se nós pegarmos hoje os índices de mortalidade na sociedade brasileira, nós vamos ver que, em primeiro lugar, está acidente de trânsito e, em primeiro lugar, acidente de trânsito causado por uso de bebida alcoólica. É essa a realidade que nós temos no Brasil. E o que vai acontecer é isso, senhores. A redução da maioridade penal, pura e simples, como a Câmara dos Deputados está votando, vai ser isto: vai dar aos nossos jovens de 16 anos condições de dirigir e beber. Eu penso que nós vamos estar é ampliando o problema, ao invés de resolver uma situação que a sociedade quer que se resolva.

            Além disso, também vai ser legal fumar. E também a exploração de adolescentes. Outra preocupação que surge a partir da redução é com relação ao impacto da redução da maioridade penal nos crimes de exploração sexual de adolescentes. Uma pessoa que abusa de uma jovem de 16 anos poderá alegar que, se ela já tem discernimento para responder por um crime, já sabia o que estava fazendo. Então, nós vamos estar dando também uma autorização ou facilitando a exploração sexual de adolescentes.

            E mais do que isso - aí eu queria entrar na questão da punibilidade -: hoje para jovens nós não falamos em pena, falamos em medida socioeducativa, mas a forma como está sendo votada na Câmara a redução da maioridade de 18 para 16 vai restringir, então, a penalização de maiores de 16 pelo Código Penal. Aí eu pergunto: um adolescente de 15 anos que pratica um crime hediondo com grave ameaça, com violência, ficaria, continuaria sendo penalizado - não posso dizer penalizado -, continuaria respondendo uma medida socioeducativa pelo ECA? Um jovem de 15 anos e 11 meses - tem pouca diferença para 16 anos - responderia pelo ECA? Porque não pode responder pelo Código Penal; a Constituição é clara: a partir dos 16 anos.

            Nós tivemos um crime bárbaro que aconteceu no Piauí, há alguns dias, em que uma pessoa maior, acompanhada de jovens menores, inclusive um de 15, participaram de um estupro coletivo, jogaram as jovens numa ribanceira, e uma das meninas morreu. Vou repetir: havia um jovem de 15 anos, em um crime que é um crime hediondo, precedido de ameaça, violência e que resultou em um homicídio. Como fica esse jovem de 15 anos? Como ficaria diante da redução de 18 para 16?

            O que eu quero colocar aqui, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, é que não é simples assim, como se está vendendo para a sociedade, o que nós queremos como solução à violência e também o que nós queremos para enfrentar a situação da violência na juventude e na adolescência. Não é simples! Nós podemos estar cometendo um erro imenso ao votar simplesmente esse projeto, essa PEC que está na Câmara reduzindo a maioridade, pelo que eu já falei - que nós estaremos dando maioridade, a partir dos 16, não só para as responsabilidades, mas também para os direitos - e porque nós vamos ter situações como essas, de um jovem de 15 anos e 9 meses, 15 anos e 6 meses, 15 anos e 11 meses, que não vai ser atingido pela medida.

            Portanto, nós não devemos encarar essa votação da maioridade, a redução da maioridade penal na Constituição, como a solução para o problema. Por isso que nós temos discutido muito aqui no Senado da República. Porque também penso que nós não podemos deixar de dar uma resposta à sociedade brasileira. A sociedade brasileira está cobrando do Parlamento, está cobrando do setor público, está cobrando do Governo que dê uma resposta a essa situação. Como nós vamos responsabilizar, punir, colocar regime socioeducativo para aqueles jovens que cometem crimes hediondos? Crimes hediondos, repito, com grave ameaça e com violência. Nós não podemos apenas dizer para a sociedade que é impossível nós termos uma responsabilização maior.

            Por isso, por esse debate, essa discussão, e pela necessidade de darmos uma resposta responsável à sociedade e que, efetivamente, vá ao encontro daquilo que a sociedade quer, é que nós estamos discutindo um projeto de lei do Senado que altera três institutos: o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Organizações Criminosas e o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). Por que isso? Porque, a partir daqui, nós podemos chegar ao objetivo que nós queremos, de ter a punição - e eu não diria punição, mas uma tentativa de reabilitação com uma restrição maior de liberdade nesses casos graves - e também conseguir apostar na recuperação.

            Não quero entrar aqui no debate social sobre a questão da redução da maioridade - muito já se tem feito -, no debate de que com certeza isso recairá mais sobre os filhos dos setores mais pobres da sociedade, sobre os negros, sobre aqueles que sofrem maior preconceito. Não quero entrar aqui nesse tema. Estou só falando das questões objetivas que temos que pensar para não tentar tratar um problema tão complexo com uma solução tão simplista.

            Então, o projeto de que estou falando é de autoria do Senador José Serra, Projeto nº 333, que está na Comissão de Constituição e Justiça. Este Plenário do Senado aprovou um regime de urgência para que ele seja discutido também em plenário - seria terminativo na Comissão. Ele recebeu um parecer do Senador José Pimentel; tem, assim, convergência quase que total com o autor; e, no meu entender, é o que traz uma solução mais efetiva para aquilo que buscamos, para aquilo que a sociedade brasileira busca.

            Primeiro, qual é a alteração que estamos fazendo no Código Penal? Que qualquer pessoa maior, ou seja, com mais de 18 anos, que instiga, envolve ou determina a cometer o crime menor de 18 anos de idade ou alguém sujeito à sua autoridade ou não punível, em virtude de condição ou qualidade pessoal, terá a sua pena agravada com o dobro do que é previsto para o crime cometido no Código Penal.

            Ou seja, primeiro, nós temos que penalizar os adultos que usam as nossas crianças e os nossos adolescentes para a prática de crime de transgressão, porque, aí, vamos estar desencorajando uma prática que, infelizmente, é muito recorrente na nossa sociedade. Nesse caso que falei, do Piauí, por exemplo, havia uma pessoa maior junto com os menores para a prática do crime. E, assim, isso tem acontecido em vários outros casos. Portanto, é importante que a primeira ação deste Congresso, a primeira medida a ser tomada, a primeira lei a ser alterada seja o Código Penal, dizendo que aquele maior que levar o menor junto para a prática de um crime tenha a sua pena dobrada.

            E, aqui, não é corrupção de menores, o que já é previsto no Código Penal. Mas, na corrupção de menores, tem que se provar que o adulto corrompeu o menor a ponto de levá-lo ao crime. Aí, há uma série de providências que têm que ser feitas em juízo, e quase nunca se consegue fazer essa prova. E, portanto, fica o adulto sem ter a pena correspondente. Aqui, não! O simples fato de se fazer acompanhar de um menor, sendo a prática de um crime...

(Soa a campainha.)

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - ... e houver um adulto, este adulto já vai ter sua pena majorada. Isso eu acho importante. É o primeiro sinal que este Parlamento tem que dar. Nós não vamos admitir e temos que punir com rigor aqueles que usam, que instigam, que abusam dos nossos jovens e adolescentes para cometerem crimes.

            O segundo é que o jovem que cometer um ato infracional grave - e estamos colocando aqui “crime hediondo, com grave ameaça ou violência”, para ficar bastante caracterizado - cumprirá uma pena ou cumprirá o seu regime especial de atendimento socioeducativo em até oito anos.

            Hoje o ECA prevê três anos. Portanto, se ele tem 17, ele vai ficar até os 21; se tem 18, até no máximo 22. E não importa se o crime é grave ou não. E, se ele for um réu primário, ainda abate pena, e muitas vezes...

(Interrupção do som.)

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - ... isso o leva (Fora do microfone.) a não cumprir a pena como foi determinada.

            O que nós estamos colocando, Sr. Presidente, no ECA? Que aquele jovem que praticar um crime hediondo, com grave ameaça e violência, poderá responder com uma privação de liberdade de até oito anos - até oito anos! -, independentemente da data ou da idade em que ele praticou o crime. Assim, nós acabamos com essa situação.

            Então, se a maioridade penal é acima de 16, o que acontece com o de 15 que praticou um crime semelhante, com a mesma gravidade? Acabamos! Ou seja, nós vamos ter apenas a instituição de uma pena máxima para todas as situações abrangidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente: até oito anos.

            Mas ele vai também cumprir essa internação num regime especial de atendimento. O que é um regime especial de atendimento? Separado dos demais jovens e adolescentes, porque não dá para deixar um menino de 12, 13 anos, 14, 15, ou mesmo 16, que cometeu uma pequena infração, ou uma infração média com um jovem perigoso, que cometeu uma infração muito grave.

            Lembremos o caso do Champinha, em que inclusive, no Estado de São Paulo, foi feito um instituto especial para que ele pudesse ficar, até porque havia também a questão de envolvimento de saúde mental. Mas não dá para deixar um menino como esse junto com meninos menores, com meninos que têm baixa periculosidade.

            Então, o que nós estamos colocando no Estatuto da Criança e do Adolescente? Que esse jovem vai ter uma internação em regime especial de atendimento socioeducativo. E ela será cumprida ou num estabelecimento específico, ou numa ala especial a ser construída também onde já cumprem regime socioeducativo os demais menores. Isso é importante...

(Soa a campainha.)

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - ... porque nos dá condições efetivas de lidar com o problema sem trazermos mais problemas e sem fazermos uma guerra aberta aos nossos adolescentes e às nossas crianças.

            A sociedade brasileira não pode fazer isso, o Congresso Nacional não pode fazer isso! Nós temos a responsabilidade de dar à sociedade soluções, e não gerar mais problemas. A simples redução na maioridade penal vai trazer a esta Casa e ao Congresso discussões muito maiores, muito mais difíceis para resolver.

            Não vamos esquecer que a redução da maioridade penal implica, com certeza, as responsabilidades, mas implica a ampliação de direitos. E eu penso que esta Casa tem a responsabilidade com a sociedade brasileira de dar uma solução que possa, ao longo do tempo, melhorar a situação de violência que vivemos no País.

            Por isso, quero fazer um apelo, Sr. Presidente, a V. Exª, aos Senadores, a esta Casa...

(Interrupção do som.)

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - ... ao Congresso Nacional, ao Senado da República: que não tentemos dar soluções fáceis a problemas complexos, porque não vai resolver, nós vamos frustrar a sociedade e vamos trazer para o debate questões muito maiores do que as que estão colocadas hoje.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Eu cumprimento V. Exª e queria dizer, Senadora Gleisi, que, há dois anos, apresentei duas propostas: uma, ao Relator do novo Código Penal, Pedro Taques; a outra eu apresentei e está na Comissão de Direitos Humanos esperando um parecer da Senadora Marta. O que previam minhas duas propostas? Uma delas era mexer no ECA, propondo que crimes hediondos praticados por jovens, adolescentes de 16 aos 18 anos, deveriam ter aumentada a sua internação até oito anos e que essa internação teria de ser fora dos presídios convencionais e fora também das Casas de Acolhimento que nós temos para jovens e adolescentes.

            Lamentavelmente, não se anda. Agora está se debatendo. Corremos o risco de achar que, simplesmente, alterar a idade penal vai ser a solução. Penal não é solução para jovem nem para ninguém. Para ninguém, aliás! Então, temos de aproveitar e fazer algo que possa melhorar o ECA e melhorar também as regras do sistema prisional. E lá está claro.

            A outra proposta, que apresentei ao Senador Pedro Taques, que foi incorporada, visa agravar as penas de quem, direta ou indiretamente, usar menor na prática de crimes. Isso é fundamental!

            E V. Exª muito bem trás esses dois temas. Tomara que esse seja o acordo que saia no nosso País! Fico satisfeito em ver que as duas iniciativas que tomei há três anos estão hoje sendo apresentadas de novo. Inclusive, o Senador Serra apresentou uma proposta que é exatamente igual à que apresentei há três, mas, para mim, o que importa é que se encontre uma boa mediação para um tema tão delicado e importante como este.

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Aliás, quero falar, Senador Jorge, se V. Exª me permite, que o seu projeto está citado no relatório do Senador Pimentel. Infelizmente, ele não está na CCJ para poder apensá-lo, pois seguiu um outro trâmite, não sei por que razão.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Está dormindo lá na Comissão.

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Na CDH.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Porque não houve o parecer, e já podia estar na CCJ.

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Isso.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Ele tem três anos.

            A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Exatamente. Mas seu projeto foi citado, inclusive como um dos projetos que dá a base ao relatório do Senador Pimentel, que propõe algumas alterações.

 

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELA SRª SENADORA GLEISI HOFFMANN EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I, § 2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

            - Coluna do jornalista Jânio de Freitas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2015 - Página 154