Discurso durante a 101ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao veto aposto ao projeto que acaba com o fator previdenciário e à proposta alternativa apresentada pelo Governo Federal; e outro assunto.

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Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Críticas ao veto aposto ao projeto que acaba com o fator previdenciário e à proposta alternativa apresentada pelo Governo Federal; e outro assunto.
SAUDE:
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Aparteantes
Delcídio do Amaral.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2015 - Página 198
Assuntos
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Outros > SAUDE
Indexação
  • CRITICA, VETO (VET), PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, FATOR PREVIDENCIARIO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), OBJETIVO, REFORMULAÇÃO, CALCULO, APOSENTADORIA, DIFERENÇA, APLICAÇÃO, CATEGORIA PROFISSIONAL, DEFESA, NECESSIDADE, DEBATE, COMISSÃO MISTA, MOTIVO, PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA.
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, DOENÇA GRAVE, COMENTARIO, HISTORIA, DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, PROGRAMA DE GOVERNO, OBJETIVO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, ELOGIO, REALIZAÇÃO, EXAME, PREVENÇÃO, TRANSPLANTE.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Wellington, pretendia fazer esse pronunciamento na abertura sessão, mas, como tive que presidir, cedi a minha vez para mais de uma dúzia de Parlamentares e guardei esse espaço para depois da Ordem do Dia, em que posso, dentro do tempo regimental, dar a minha avaliação do veto ao fator previdenciário colocado ontem e publicado hoje pela Presidência da República.

            Primeiro, não posso deixar de dizer da minha decepção em relação ao veto, a forma alternativa ao fator previdenciário. Sou obrigado a dizer também que essa redação dada a essa MP me deixou mais preocupado do que eu estava antes do veto. Passo aqui a explicar o meu entendimento sobre a tal MP 676, de 2015, que acabou revogando a decisão do Congresso em relação à fórmula 85/95.

            Sr. Presidente, reafirmo o que venho dizendo. Desde o momento que soube que o fator previdenciário, da forma como estávamos colocando como alternativa, seria vetado. Repito, não aceitamos o veto à fórmula 85/95. Por meio dessa frase, faço uma análise detalhada da MP.

            Primeiro, Sr. Presidente, não existem requisitos de urgência e relevância para edição desta medida provisória. A medida provisória substitui o texto aprovado pelo Congresso Nacional na MPV 664, que fixa a regra alternativa ao fator previdenciário, fórmula 85/95. Essa fórmula que foi vetada é repetida na redação dada ao caput do art. 29, “c”, da Lei nº 823, de 1991, o que já demonstra que o vento foi injustificado.

            A regra contida no §1º do artigo proposto prevê que a soma de idade e tempo de contribuição, 85/95, será aumentada, progressivamente, um ponto a cada ano, até 2022. Essa regra reproduzirá efeitos a partir dos dois anos. Poderia, então, ser encaminhada ao Congresso por projeto de lei, implementada e debatida, com tempo suficiente para produzir seus efeitos, estando, assim, totalmente ausente a urgência para edição da medida provisória neste caso.

            Impedimento de regulamentação da regra de cálculo de benefício por medida provisória. E aí, Sr. Presidente, que eu digo que é inconstitucional. O art. 246 da Constituição impede, é claro, Sr. Presidente - o art. 246 da Constituição impede a edição de medida provisória para regulamentar dispositivos da Constituição alterados por emenda constitucional promulgada até 11 de setembro de 2001, como é o caso. O art. 246 diz que: “É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda.”

            A fórmula de cálculo de benefício de que trata a Lei nº 8.213, de 1991, com a redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999, foi introduzida para regulamentar a matéria, a partir do momento da desconstitucionalização da regra de cálculo antes prevista no art. 202 da Constituição, quando se calculava o benefício pela média das últimas 36 contribuições. O que a MPV nº 676 faz é promover nova alteração nessa regra de cálculo, assegurando o direito à não aplicação do fator previdenciário nas condições previstas. Trata-se de tema, Sr. Presidente, que não pode, por tudo que aqui expliquei, em hipótese nenhuma, ser tratado por medida provisória.

            Quando da aprovação, lembro-me, porque eu estava lá, do PLV da Medida Provisória nº 664, dos §§11, 12 e 13 do art. 29, da Lei nº 8.213, de 1991, que asseguraram esse direito pela introdução da fórmula 85/95, e isso se deu mediante emenda, e não pela própria medida provisória. Mais grave ainda, Sr. Presidente: a própria instituição do fator previdenciário se deu por meio de quê? De projeto de lei, e não por medida provisória. E isso em face do quê? Do mesmo impedimento. Se assim não fosse, o governo da época teria implantado o fator previdenciário de que forma? Pela mais fácil, por medida provisória.

            Aqui, sou obrigado resgatar, mesmo na época do governo anterior, ele não o fez por medida provisória, porque não era possível. Assim, a medida provisória não pode ter, Sr. Presidente, validade jurídica, por total contrariedade com o limite material para sua edição. O mesmo efeito poderia ser obtido por meio de um projeto de lei - no que eu insisti muito - cuja tramitação e aprovação poderia se dar sem prejuízo do cronograma ora previsto.

            Sr. Presidente, inconstitucionalidade por quebra de isonomia de tratamento com os servidores públicos e com os trabalhadores do regime geral. A medida provisória, Sr. Presidente, ao adotar a fórmula 85/95, promove a equiparação de tratamento com os servidores públicos civis, que, nos termos do art. 3 da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, podem se aposentar com proventos integrais, se a soma do tempo de contribuição e de idade atingir 85 anos, se mulher, e 95, se homem. E, segundo o art. 40, §12, da nossa Constituição, o regime dos servidores públicos deve observar no que couber, ou seja, naquilo que a própria Constituição não dispuser de outra forma, os requisitos e critérios fixados para o regime geral da Previdência. Assim, Sr. Presidente, da mesma forma, o regime geral deve observar os mesmos requisitos e critério fixados para os servidores, para que a regra aplicável aos servidores não seja mais benéficas.

            Se o legislador, Sr. Presidente, resolve aplicar aos segurados do INSS uma fórmula que assegure a integralidade dos benefícios, essa fórmula deve ser a mesma aplicada aos servidores, o que impede a formula 90/100, que a medida provisória propõe que seja adotada. Em resumo, Sr. Presidente, para o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, em que o teto é 33 mil, aplica-se a formula 85/95 e, para o trabalhador do regime geral, em que o teto é 4,6 mil, aplica-se a fórmula 90/100. Isso significa o quê? Que a mulher que trabalha no Executivo, no Legislativo e no Judiciário vai se aposentar com 55 anos; agora, o professor, o trabalhador da construção civil, o bancário, o metalúrgico, o comerciário, o pedreiro, este não, vai se aposentar, se mulher, com 60, enquanto o homem, no Executivo, no Legislativo, vai se aposentar com 60; e esse trabalhador ao qual me referi, como o pedreiro, o metalúrgico, com 65.

            Não dá, Sr. Presidente; não dá da forma que está! Por isso, eu dizia ao Líder Delcídio: só há uma saída, só se nós construirmos aqui um grande acordo, o que não é impossível. Da forma que está aqui, não há como aprovar a urgência.; não há como aprovar e dizer que ela é constitucional.

            Foi com base, Sr. Presidente, nesse entendimento que o Congresso rejeitou a fixação no regime geral do INSS de regras de cálculo para a pensão por morte que reduziam o valor do benefício, visto que, no regime dos servidores públicos, assegurado pela Constituição, a pensão por morte é assegurada integralmente. Por isso é que tivemos que mudar já nas MPs que a viúva não teria que ganhar só 50%, e, sim, 100%. E assim foi feito.

            Vou agora pegar outra questão que preocupa os professores e professoras de todo o País: o prejuízo aos professores da educação infantil e fundamental. A redação dada ao §2º do art. 29-C da Lei n° 8.213, de 1991, é claramente prejudicial aos professores do magistério na educação infantil e no ensino fundamental. Esses professores, nos termos do art. 201, §8º da Constituição, fazem jus à aposentadoria com 30 anos de contribuição, se homem, e 25 anos, se mulher.

            Assim, o fator previdenciário, no caso dos professores, é calculado mediante o acréscimo de cinco anos, quando se tratar de professor, ou dez anos, quando se tratar de professora que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. No entanto, a redação dada - por isso eu falava ao Líder Delcídio que nós temos que construir uma nova redação, e é possível, para resgatar a situação dos professores e de outros setores - ao inciso I do art. 29-C e ao seu §2º desconhece essa diferenciação e apenas permite que sejam acrescidos cinco pontos à soma da idade com o tempo de contribuição, mas se esqueceu de reconhecer o direito constitucional à aplicação da fórmula com 25 ou 30 anos de contribuição, como está escrito na Carta Magna.

            Senador Delcídio, o que eu estou fazendo aqui não é nem um discurso político, é mais técnico. Como trabalho há anos nessa área, eu estou preocupado. E lhe confesso que eu sentei com os consultores do Senado, que são aqueles que acabam também nos orientando.

            E, depois de ler com profundidade, o entendimento a que eu chego, Senador Delcídio, é que nós teríamos que nos debruçar sobre a medida provisória, ajustar a redação e construir um grande entendimento na Casa para viabilizar. Até porque eu reconheço - não pensem que eu não reconheço! A peãozada do meu Estado está dizendo: “Paim, vou encaminhar a minha aposentadoria amanhã, porque a fórmula 85/95 [que eu sempre disse que é boa] vai garantir, pelo menos, pelo prazo de dois anos.”

            Mas os outros que estão para se aposentar ali no terceiro ou no quarto ano levantam as preocupações. E os professores também levantaram as preocupações. Então, nós temos que ajustar a chamada regra de transição e esse artigo específico dos professores.

            Eu dizia ontem e digo hoje: é possível, sim, garantir a fórmula 85/95 - e eu digo com muita clareza -, entrando na questão técnica, na questão jurídica, para que ninguém diga depois que nós aprovamos aqui uma MP totalmente inconstitucional. Por isso, eu vou avançar um pouco mais aqui no tempo a que eu tenho direito, Sr. Presidente, mediante esse fato. Então, repito...

            O Sr. Delcídio do Amaral (Bloco Apoio Governo/PT - MS) - Senador Paim, se V. Exª me permite.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Delcídio, é que a idade avança, e eu já estou com 65 anos. Confesso que eu não vi que V. Exª estava com o microfone levantado. É que se confundiu com seu terno escuro. (Risos.)

            O Sr. Delcídio do Amaral (Bloco Apoio Governo/PT - MS) - Gostaria somente de registrar, Senador Paim, Sr. Presidente, Senador Wellington; Senador Raupp e Senador Raimundo Lira, que é importante o discurso de V. Exª, até porque todos nós, Senador Paim, temos um respeito especialíssimo por V. Exª, que tem, mais do que nunca, uma história junto aos movimentos sociais e, especialmente, junto aos aposentados. É alguém que tem pleno conhecimento das questões da Previdência e de outras questões que atingem o dia a dia, principalmente da base, da nossa base social. E, Senador Paim, eu não poderia deixar de registrar aqui, primeiro, que o Governo deu uma sinalização importante para o Parlamento, porque, na medida provisória que encaminhou, manteve o texto que foi aqui votado, o 85/95. Aliás, diga-se de passagem - V. Exª sabe muito bem -, esse 85/95 foi discutido lá em 2008. E dentro de um censo, que foi o último censo antes do censo de 2010, que foi feito em 2000. Portanto, em função da própria expectativa de vida, talvez até o Governo pudesse propor, apresentar outra proposta, mas manteve aquilo que foi votado na Câmara dos Deputados e nesta Casa. Ao mesmo tempo, também estabeleceu a progressividade. V. Exª é um expert no assunto. E acredito que os próprios sindicatos reconheçam que qualquer plano de previdência tem que ter uma progressividade, é natural, porque, se a expectativa de vida cresce, sem dúvida nenhuma, temos que ajustar a Previdência para fazer jus e, principalmente justiça, àquelas pessoas que trabalharam a vida inteira e merecem ter uma aposentadoria digna. Outro ponto importante é que, com essa proposta de 85/95, que V. Exª discutiu lá atrás, no Governo do Presidente Lula...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E só não a sancionou, porque houve uma central que discordou.

            O Sr. Delcídio do Amaral (Bloco Apoio Governo/PT - MS) - Houve uma central que discordou. Aliás, é muito importante.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E lá não havia essa história de progressividade.

            O Sr. Delcídio do Amaral (Bloco Apoio Governo/PT - MS) - Progressividade, mas que é bastante bem entendida, porque a sustentação de um plano de previdência tem que considerar a expectativa de vida. Agora, naquela época, eu lembro bem, somente uma central sindical não topou, as outras todas concordaram. Acho que a proposta apresentada traz uma coisa muito importante, previsibilidade, porque com o fator previdenciário se dependia do IBGE. Cada um, cada cidadão e cada cidadã, se quisesse programar a sua aposentadoria, cada ano, era uma realidade. Ou seja, essa proposta dá previsibilidade, portanto, condições de as pessoas até programarem a sua aposentadoria. Agora, concordo com V. Exª, acho que é nessa progressividade, é no texto da medida provisória que o Congresso vai fazer valer as suas posições. E V. Exª vai ter um papel, Senador Paulo Paim, preponderante não só na Comissão Mista, que vai analisar essa medida provisória, mas também na tramitação na Câmara e no Senado, até pela respeitabilidade que temos por V. Exª e pelo conhecimento absoluto e livre trânsito junto aos movimentos sociais. Portanto, nós temos muito trabalho pela frente e V. Exª, sem dúvida, vai ser o principal protagonista nesse debate no Congresso Nacional. Muito obrigado, Senador Paim.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Eu agradeço o seu aparte, mas claro que, quando vi a proposta de progressividade, fiquei preocupado: não há nenhuma base atuarial; não há nenhuma base técnica; não há nenhuma base que seja científica que consiga dizer que, a cada ano que a minha idade aumenta, a expectativa de vida aumenta em um ano. Não há sentido; não há lógica! Eu desafio qualquer estudioso desse sistema que me diga se isso tem lógica - não há; não há lógica! -, tanto é que os que conhecem um pouco da matéria chegam a dizer que essa expectativa poderia ser 1 por 4, 1 por 5, mas não 1 por 1.

            A redação dada ao §1º do art. 29 eleva progressivamente, sem qualquer base atuarial ou razão de ordem demográfica sequer, a soma de idade e tempo de contribuição e, com isso, acaba entrando em choque e voltando praticamente ao fator previdenciário. Assim, no período de 7 anos, até 2022, a fórmula seria elevada para 90, no caso da mulher...

            O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco União e Força/PR - MT.) - Senador Paulo Paim, só para permitir que eu pudesse anunciar a presença do Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR/BGP), aqui de Brasília. Estão aqui nas galerias, e acho importante registrarmos, porque inclusive é um estímulo para que eles continuem cada dia mais na defesa da nossa Pátria.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Seja bem-vinda nossa gloriosa força armada do País. (Palmas.) É um orgulho para nós recebê-los aqui.

            Assim, Sr. Presidente, no período de sete anos, a fórmula seria elevada para 90, no caso da mulher, e 100 anos, no caso do homem. Isso implica dizer que, para anular o fator, será preciso ter 60 anos de idade e 40 de contribuição, ou 65 anos de idade e 35 de contribuição como exemplo, se homem. Com tais requisitos, hoje já é possível neutralizar o fator. Então, nós estamos colocando uma proposta que, na verdade, já está assegurada no próprio fator previdenciário, se ficar nos moldes que está aqui, e esses limites são bastante elevados e não representam ganho substancial em relação à situação atual para os trabalhadores.

            Apenas quem começou a trabalhar muito, muito cedo, e contribuiu por todo o período de trabalho, ou seja, não tenha ficado desempregado, situação que é extremamente rara, é que será beneficiado pela fórmula que aqui ficou. Além disso, a elevação é feita de forma desproporcional. Entre 2017 a 2019, o intervalo é de dois anos, entre as elevações. A partir daí, fica sendo somente um ano, aumentando, então, desproporcionalmente, o requisito para afastar a aplicação do fator previdenciário. Em prejuízo de quem? Dos segurados.

            Sr. Presidente, na discussão que tive com o corpo técnico, aqui, da Casa, discutimos até sobre a possibilidade da devolução da medida provisória. Segundo o art. 48, inciso XI, do Regimento desta Casa, compete ao Presidente da Casa impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou a este Regimento, ressalvado ao autor recurso para o Plenário, que decidirá após audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o que pensa e o que decide. E, com fundamento, Sr. Presidente, nessa regra, o Presidente do Senado editou o Ato Declaratório nº 5, de 2015, devolvendo ao Poder Executivo a Medida Provisória nº 669, de 2015, por meio da Mensagem nº 7, de 3 março de 2015, por considerar ausente a urgência e relevância da matéria.

            No caso presente, esses vícios são fatais, além de farta evidência de total impedimento ao tratamento do tema por medida provisória. Ninguém tem dúvida de que não se poderia tratar desse tema por medida provisória. Nenhum governo fez isso ao longo da História, visto se tratar de regulamentação de cálculo de benefício no âmbito do Regime Geral da Previdência Social, matéria que foi desconstitucionalizada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998.

            Para prevalecer a coerência no Congresso Nacional, visto o tema ter sido objeto de debate recente nesta Casa, objeto de veto presidencial, a MPV 676 deve, sim, ser analisada com muito, muito cuidado, e tem que se apreciar o veto, ou, então, encaminhá-lo como uma proposta de amplo acordo, que pode ser elaborada na Comissão Mista, mudando essa proposta chamada proposta de progressão, que, na verdade, acaba, da forma que é colocada, diminuindo o direito que o trabalhador teria de se aposentar sem o fator previdenciário.

            Sr. Presidente, isso aqui é mais uma análise técnica, feita com todo o carinho, não somente por este Senador, mas por técnicos e juristas aqui da Casa. Eu dizia para o Senador Delcídio e repito: esta MP foi, inclusive, muito mal redigida, com artigos que não poderiam, inclusive, estar ali. Por isso, só há uma saída: ou se faz uma ampla negociação, alterando essa tal de progressividade, porque ela é contra os trabalhadores; ou nós temos que ir para a derrubada do veto.

            Eu sou daqueles, Sr. Presidente, que, de depois que dou a palavra, eu não volto atrás, doa a quem doer. Eu vi aqui, naquela sessão histórica, que mais de 70 Senadores disseram que, se fosse votado, eles derrubariam o veto. Eu espero que, se não houver o acordo, nós caminhemos para a derrubada do veto, para o bem, Sr. Presidente, do Congresso Nacional e do povo brasileiro.

            É inadmissível que uma matéria votada pela terceira vez, com o mesmo objetivo, instituir a fórmula 85/95, que foi um amplo entendimento construído com a sociedade brasileira, de novo vai ser vetada, e o Congresso vai se omitir, não vai deliberar, vai encolher-se, vai ficar numa situação, para mim, como dizia hoje um Senador, de desmoralização. Para mim, tem que ser uma questão de honra. Construa-se um grande acordo com a participação das centrais, das confederações ou da sociedade, ou nós caminhamos para a derrubada do veto. Eu estou convencido de que esse acordo pode ser construído, porque, com a fórmula 85/95 dois anos assegurada, é só mexer nessa tal de progressividade, para mim, absurda, de um por um, como está colocada no texto da medida provisória.

            Por fim, Sr. Presidente, eu quero só registrar ainda um pronunciamento sobre o Dia Mundial de Luta pelos Direitos das Pessoas com Doença Falciforme.

            Sr. Presidente, na parte mais austral do Mar do Caribe, existe um pequeno arquipélago, que atende pelo nome de Granada - eu só fazer a introdução, Sr. Presidente. São sete pequenas ilhas, colonizadas pelos franceses, ingleses, que, por incrível que pareça, têm uma enorme semelhança com o Brasil. A primeira semelhança é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Segundo o último Relatório de Desenvolvimento Humano Aplicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o IDH de Granada é absolutamente idêntico ao do Brasil: 0,744 - e eles se saem melhor na educação do que nós, pelo menos na época em que o índice foi calculado, na economia. A segunda semelhança, Sr. Presidente, entre Granada e o Brasil, é a noz-moscada, juntamente com outros produtos que lá são produzidos, que aqui não vou detalhar.

            Mas a outra questão que trago à tribuna é que, Sr. Presidente, lá em Granada, como no Brasil, a anemia falciforme avançou muito. E nós, nesse pronunciamento que fala muito dessa questão, nós nos lembramos da importância de trabalharmos de forma exaustiva no combate à anemia falciforme.

            Sr. Presidente, conforme Dr. Walter, doutor especialista nessa área, as células vermelhas, que deveriam ser redondas, têm um formato diferente. Outro médico chamado James Herrick escreveu um artigo científico em que descreveu as células vermelhas de Walter da seguinte forma: "O formato das células vermelhas é bastante irregular, mas o que atrai especialmente a atenção é o grande número de células estreitas, alongadas e em forma de foice."

            Sr. Presidente, claro que não vou detalhar todos os aspectos dos especialistas em anemia falciforme. Só o apelo que faço a V. Exª é que considere na íntegra esse belo trabalho que foi produzido por médicos sobre o Dia Mundial de Luta contra a Doença Falciforme, ou seja, que avancemos na coerência e na construção permanente de instrumentos para que essa doença, se possível for, seja eliminada.

            Eram esses, Sr. Presidente, os meus dois pronunciamentos que peço que V. Exª considere na íntegra.

 

SEGUEM, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTOS DO SR. SENADOR PAULO PAIM

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Fator Previdenciário. Reafirmo o que venho dizendo desde ontem à noite: é inaceitável o veto à alternativa 85/95. E, a partir disso, desta minha frase, passo a fazer uma análise da medida Provisória 676 de 2015.

            Srªs e Srs.

            1- Ausência dos requisitos de urgência e relevância para edição da Medida Provisória

            A Medida Provisória substitui texto aprovado pelo Congresso Nacional na MPV 664 que fixava regra alternativa ao fator previdenciário (fórmula 85/95).

            Essa fórmula (que foi vetada) é repetida na redação dada ao “caput” do art. 29-C da Lei 8.213/91, o que já demonstra que o veto foi injustificado.

            Já a regra contida no § 1º do novo artigo proposto prevê que a soma de idade e tempo de contribuição 85/95 será aumentada progressivamente, um ponto em cada data, a partir de 2017 até 2022.

            Essa regra, que produzirá efeitos apenas em DOIS ANOS, poderia ser encaminhada ao Congresso por projeto de lei e amplamente debatida, com tempo suficiente para produzir efeitos, estando, assim totalmente, ausente a URGÊNCIA para a edição da medida provisória, nesse caso.

            2- Impedimento de regulamentação de regra de cálculo de beneficio por medida provisória

            O art. 246 da Constituição impede a edição de medida provisória para regulamentar dispositivos da Constituição alterados por Emenda Constitucional promulgada até 11 de setembro de 2001:

            Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive.

            A fórmula de cálculo de benefício de que trata a Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999, foi introduzida para regulamentar a matéria a partir da desconstitucionalização da regra de cálculo antes prevista no art. 202 da Constituição, quando se calculava o benefício pela média das últimas 36 contribuições.

            O que a MPV 676 faz é promover nova alteração nessa regra de cálculo, assegurando o direito a não aplicação do fator previdenciário nas condições nele previstas.

            Trata-se de tema que não pode ser tratado por medida provisória.

            Quando da aprovação, no PLV da Medida Provisória nº 664, dos §§ 11, 12 e 13 do art. 29 da Lei nº 8.213/91, que asseguraram esse direito pela introdução da fórmula 85/95, isso se deu mediante emenda, e não pela própria Medida Provisória.

            A própria instituição do fator previdenciário se deu por meio de projeto de lei e não por medida provisória, em face do mesmo impedimento. Se ele não existisse, o Governo FHC teria baixado a medida provisória para essa finalidade.

            Assim, a Medida Provisória não pode ter validade jurídica, por total contrariedade ao limite material para sua edição.

            O mesmo efeito poderia ser obtido por meio de um projeto de lei, cuja tramitação e aprovação poderiam se dar sem prejuízo do cronograma previsto.

            3- Inconstitucionalidade por quebra de isonomia de tratamento com os servidores públicos civis.

            A Medida Provisória, ao adotar a fórmula 85/95, promove a equiparação de tratamento com os servidores públicos civis, que, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41/2003, podem se aposentar com proventos integrais se a soma de tempo de contribuição com a idade atingir 85 anos, se mulher, e 95 anos, se homem.

            Segundo o art. 40, § 12 da CF, o regime dos servidores públicos deve observar, no que couber, ou seja, naquilo que a própria Constituição não dispuser de outra forma, “os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social”.

            Assim, da mesma forma, o regime geral deve observar os mesmos requisitos e critérios fixados para os servidores públicos, para que a regra aplicável aos servidores não seja mais benéfica.

            Se o Legislador resolve aplicar aos segurados do INSS uma fórmula que assegure a integralidade do benefício, essa fórmula deve ser a mesma aplicável aos servidores, o que impede que a fórmula 90/100 que a Medida Provisória propõe seja adotada.

            Foi com base no mesmo entendimento (inconstitucionalidade por quebra da isonomia de tratamento) que o Congresso REJEITOU a fixação, no Regime Geral do INSS, de regras de cálculo para a pensão por morte que reduziam o valor do benefício, visto que no regime dos servidores públicos - assegurado pela Constituição - a pensão por morte é assegurada integralmente até o teto do RGPS.

            4- Prejuízo aos professores da educação infantiva e fundamental

            A redação dada ao § 2º do art. 29-C da Lei nº 8.213, de 1991, é claramente prejudicial aos professores do magistério na educação infantil e no ensino fundamental.

            Esse professores, nos termos do art. 201, § 8º da CF, fazem jus à aposentadoria com 30 anos de contribuição, se homem, e 25 anos, se mulher.

            Assim, o fator previdenciário, no caso dos professores, é calculado mediante o acréscimo de 5 anos, quando se tratar de professor, ou 10 anos, quando se tratar de professora que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

            No entanto, a redação dada ao inciso I do art. 29-C e ao seu § 2º desconhece essa diferenciação, e apenas permite que sejam acrescidos CINCO PONTOS à soma da idade com o tempo de contribuição, mas não reconhece o direito à aplicação da fórmula COM 25 OU 30 ANOS DE CONTRIBUIÇÃO, como assegura a Constituição.

            Assim, além de desconhecer que o professor e a professora tem direito à aposentadoria antecipada, apenas reconhece, de forma equivocada, a diferença em relação ao professor, mediante acréscimo de cinco anos à soma da idade e tempo de contribuição, sem reconhecer, como fez a própria Lei que instituiu o fator, a diferenciação que é assegurada às professoras.

            5- Neutralização da fórmula 85/95 até 2022

            A redação do § 1º do art. 29-C eleva, progressivamente, e sem qualquer base atuarial ou razão de ordem demográfica, a soma de idade e tempo de contribuição exigidas para afastar os efeitos do fator previdenciário.

            Assim, no período de 7 anos (até 2022), a fórmula seria elevada para 90 anos, no caso da mulher, e 100 anos, no caso do homem.

            Isso implica dizer que para anular o fator será preciso ter 60 anos de idade e 40 de contribuição, ou 65 anos de idade e 35 de contribuição, por exemplo, se homem.

            Com tais requisitos, hoje, já é possível neutralizar o fator previdenciário.

            Esse limites são bastante elevados e não representariam nenhum ganho, em relação à situação atual, aos trabalhadores, o que neutralizaria a fórmula 85/95 em curto espaço de tempo.

            Apenas quem começou a trabalhar muito cedo, e teve contribuição por todo o seu período de trabalho (ou seja, não tenha passado por períodos de desemprego), situações que são extremamente raras, é que seria beneficiado.

            Além disso, a elevação é feita de forma desproporcional: em de 2017 a 2019, o intervalo é de dois anos entre as elevações. A partir daí, ocorrerá a cada ano, aumentando desproporcionalmente o requisito para afastar a aplicação do fator previdenciário, em prejuízo dos segurados.

            6- Da possibilidade de devolução da Medida Provisória

            Segundo o art. 48, XI do Regimento do Senado, compete ao Presidente da Casa “impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou a este Regimento, ressalvado ao autor recurso para o Plenário, que decidirá após audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.”

            Com fundamento nessa regra, o Presidente do Senado editou o Ato Declaratório nº 5, de 2015, devolvendo ao Poder Executivo a Medida Provisória nº 669, de 2015, por meio da Mensagem nº 7 (SF) de 3 de março de 2015, por considerar ausente a urgência e relevância da matéria.

            No caso presente, esses vícios são ainda mais graves, como demonstrado, além da farta evidência de TOTAL IMPEDIMENTO ao tratamento do tema por medida provisória, visto se tratar de regulamentação de cálculo de benefício no âmbito do RGPS, matéria que foi desconstitucionalizada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998.

            Para prevalecer a coerência do Congresso Nacional, e visto o tema ter sido objeto de debate recente pelo Congresso Nacional, objeto de veto presidencial, a MPV 676 deve ser restituída ao Executivo e apreciado o veto presidencial, ou então encaminhado Projeto de Lei pelo Executivo para dispor sobre o tema.

            Sr. Presidente, por tudo o que falei aqui, só há um caminho: acabar com a fórmula progressiva e derrubar o veto.

            Era o que tinha a dizer,

 

            O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Na parte mais austral do Mar do Caribe existe um pequeno arquipélago que atende pelo nome de Granada.

            São sete pequenas ilhas colonizadas por franceses e ingleses e que, por incrível que pareça, têm alguma semelhança com o Brasil.

            A primeira semelhança é o IDH -- o Índice de Desenvolvimento Humano. Segundo o último Relatório de Desenvolvimento Humano publicado pelo PNUD -- Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento --, o IDH de Granada é absolutamente idêntico ao do Brasil: 0,744.

            Eles se saem melhor na educação; e nós -- pelo menos na época em que o índice foi calculado -- na economia.

            A segunda semelhança entre Granada e o Brasil é a noz-moscada. A noz-moscada -- junto com a pimenta do reino, o cravo e a canela -- é uma daquelas especiarias que fizeram os portugueses navegar pelo globo e aportar no Brasil.

            Granada é o segundo maior produtor mundial de noz-moscada e é chamada “a ilha das especiarias”. Até sua bandeira -- verde, amarela e vermelha -- ostenta um pequeno desenho desse tempero.

            A terceira característica que nos une a Granada é o povo. Assim como nós, Granada também recebeu enormes contingentes de homens, mulheres e crianças brutalmente arrancados de suas vilas e aldeias no coração da África equatorial.

            Milhões de seres humanos que foram amontoados nos porões dos veleiros que forneceram mão de obra escrava para as colônias europeias das Américas.

            Fiz esse pequeno relato sobre Granada para poder falar sobre um de seus filhos, um cidadão granadino, um jovem negro chamado Walter Clement Noel.

            O ano era 1904, e Walter tinha o sonho de ser dentista. Como não havia curso de Odontologia em Granada, Walter pegou um navio e foi para Chicago, nos Estados Unidos, para estudar.

            Estava muito animado com o futuro, mas não sabia que, entre ele e seu sonho, havia uma barreira.

            Durante a infância e a adolescência, Walter tinha enfrentado sérios problemas de saúde.

            Ele teve episódios de icterícia (olhos amarelados), fraqueza, indisposição, falta de ar e feridas nas pernas.

            Apesar de tudo, sobreviveu e, aos 20 anos, pegou aquele navio. Durante a viagem, surgiram novas feridas e, assim que chegou ao destino, ele procurou um médico.

            O médico o submeteu a um novo exame, um exame muito moderno naquela época, chamado hemograma. Quando viu o sangue de Walter ao microscópio, o doutor ficou espantado.

            As células vermelhas, que deviam ser redondas, tinham um formato diferente.

            Esse médico, chamado James Herrick, escreveu um artigo científico em que descreveu as células vermelhas de Walter da seguinte forma, abro aspas:

            “O formato das células vermelhas é bastante irregular, mas o que atrai especialmente a atenção é o grande número de células estreitas, alongadas e em forma de foice.” Fecho aspas.

            Foi um artigo pioneiro: o primeiro diagnóstico de doença falciforme do mundo. A doença colocou Walter na História, mas o impediu de escrever a sua própria história.

            Durante o curso de odontologia, ele teve que ser internado várias vezes: teve pneumonias, icterícia e graves crises de dor.

            Apesar disso, conseguiu se formar e retornou para Granada em 1907, aos 23 anos. Não existem muitas informações a respeito desse período de sua vida, mas sabemos que, em 1915, aos 31 anos de idade, ele escreveu um testamento; e que, em 1916, aos 32 anos, pegou uma infecção respiratória e faleceu.

            Fiz questão de contar essa história porque ela não é, pura e simplesmente, a história de Walter, um jovem negro de Granada.

            É a história de milhares de homens, mulheres e crianças brasileiras que também sofrem e têm suas vidas e sonhos interrompidos pela doença falciforme.

            Trata-se de uma doença genética, causada por uma mutação singular, um gene recessivo que surgiu há milhares de anos, na África, e que se espalhou pelo mundo com as migrações forçadas de milhões de africanos. A maioria desses africanos -- quase 40% -- foi trazida para a América Portuguesa.

            Estima-se que, hoje, de cada mil crianças nascidas no Brasil, uma seja afetada pela doença falciforme.

            A distribuição é bastante irregular: há estados, como a Bahia, em que a incidência atinge uma criança em cada 650 nascidas; e outros, como o Rio Grande do Sul, em que a incidência é bem menor, de cerca de uma criança em cada 10.000.

            Na doença falciforme, as hemácias -- as células vermelhas do sangue --, normalmente redondas e flexíveis, assumem uma forma de foice, alongada e rígida.

            Essas células deformadas obstruem os vasos sanguíneos e podem lesionar quase todos os órgãos do corpo: ossos, rins, baço, coração, pulmão, cérebro…

            Os bebês com doença falciforme sofrem crises severas de dor, têm infecções repetidas, anemia, icterícia e inchaço nas mãos e nos pés.

            As crianças, além das dores terríveis e de todas as outras complicações, também podem ter derrames cerebrais.

            Uma dessas crianças disse, em um relato, que quando tem as crises de dor, ela pede a Deus para morrer, porque no céu não tem dor.

            O pior é que, muitas vezes os médicos não acreditam que a dor seja tão intensa.

            Quando escapam da morte, essas crianças se tornam adultos que carregam uma sentença de vida dolorosa e de morte precoce.

            Como se não bastasse todo esse sofrimento, essas pessoas estão condenadas a uma situação de enorme vulnerabilidade social.

            São crianças que, devido às crises de dor e outras complicações da doença, faltam à escola com frequência e sofrem terrivelmente para completar os estudos.

            São mães e pais que têm muita dificuldade para permanecer empregados, pois estão sempre às voltas com os problemas de saúde e as internações de seus filhos.

            São jovens e adultos que sofrem com as deficiências da formação profissional, com a saúde debilitada, e com o duplo preconceito: o preconceito contra a doença e o preconceito contra a cor de sua pele, frequentemente negra ou morena.

            O Brasil demorou muito para prestar atenção a essas pessoas, e ainda não atingimos um nível de acolhimento e proteção social que atenda plenamente às suas necessidades.

            Tivemos, apesar disso, uma série de avanços nos últimos anos. Temos hoje, por exemplo, o Programa Nacional de Triagem Neonatal,

            que inclui o famoso “teste do pezinho”, um exame que detecta várias doenças, incluindo a doença falciforme.

            Todos os recém-nascidos do País devem fazer esse teste entre o 3º e o 7º dias de vida.

            Todas as mães e pais devem estar atentos e cobrar a realização do teste em seus bebês.

            Tivemos também a inclusão, nas farmácias públicas, da hidroxi ureia -- um medicamento importantíssimo para essas pessoas.

            Estamos tentando iniciar a produção nacional dessa droga, pois dependemos de uma empresa farmacêutica estrangeira, e o remédio tem faltado nas farmácias.

            Estamos viabilizando a penicilina oral, um antibiótico que as crianças usam para evitar as infecções. Sem a penicilina oral, elas são obrigadas a levar dolorosas injeções, repetidamente, durante anos a fio. Tivemos, recentemente, em 2012, a implantação de um exame de ultrassom -- o Doppler transcraniano -- nos ambulatórios do SUS.

            É um exame que ajuda a identificar os pacientes que vão sofrer derrames cerebrais e permite que tomemos medidas para evitá-los.

            E tivemos também, em dezembro do ano passado, a aprovação unânime por parte da Conitec -- a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS -- de uma recomendação para que se incorpore a indicação do transplante de células-tronco hemato poiéticas em doença falciforme no regulamento técnico do Sistema Nacional de Transplantes.

            Ou seja, os pacientes que preencherem determinados critérios vão poder fazer o transplante de medula óssea, considerado o único tratamento curativo para a doença falciforme.

            Trago esse tema à tribuna do Senado Federal porque no dia 19 de junho, por recomendação da ONU, celebramos o Dia Mundial de Conscientização da Doença Falciforme.

            Para fortalecer essa conscientização, para jogar uma luz sobre a doença, solicitamos que, nesse dia, o Congresso Nacional seja iluminado de vermelho.

            Nosso objetivo, hoje, é singelo. É chamar atenção, conscientizar e sensibilizar todos que nos ouvem para as necessidades das pessoas com doença falciforme.

            Porque só assim, com cuidado, atenção e solidariedade, essas pessoas poderão ter a vida plena e produtiva que merecem e que o jovem Walter Clement Noel e tantos outros não tiveram.

            Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2015 - Página 198