Discurso durante a 44ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Satisfação pelo interesse dos Senadores em debater a Proposta de Emenda Constitucional, apresentada pelo orador, sobre a reforma política, eleitoral e partidária.

Considerações acerca do manifesto de juízes do trabalho sobre as ameaças aos direitos trabalhistas e às competências da Justiça do Trabalho.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA POLITICO:
  • Satisfação pelo interesse dos Senadores em debater a Proposta de Emenda Constitucional, apresentada pelo orador, sobre a reforma política, eleitoral e partidária.
TRABALHO:
  • Considerações acerca do manifesto de juízes do trabalho sobre as ameaças aos direitos trabalhistas e às competências da Justiça do Trabalho.
Publicação
Publicação no DSF de 06/04/2016 - Página 80
Assuntos
Outros > SISTEMA POLITICO
Outros > TRABALHO
Indexação
  • ELOGIO, SENADOR, INTERESSE, PARTICIPAÇÃO, DEBATE, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), AUTORIA, ORADOR, OBJETO, REFORMA POLITICA, SISTEMA ELEITORAL.
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, AUTORIA, GRUPO, JUIZ DO TRABALHO, ASSUNTO, APREENSÃO, PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA, AMEAÇA, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, REDUÇÃO, COMPETENCIA, JUSTIÇA DO TRABALHO.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ronaldo Caiado, eu queria primeiro agradecer aos Senadores, já que, no dia de amanhã, estarei apresentando uma PEC que trata da reforma política, eleitoral e partidária. E, com alegria, Senador Caiado, Senador Telmário, Senador Dário Berger, Senador Hélio José, posso dizer que nenhum dos Senadores procurados por mim deixou de assinar. Ainda não procurei V. Exª, mas vou procurar, como também não procurei os três que estão presentes aqui no plenário. Nenhum deixou de assinar, embora alguns tenham dito: "Até não concordo com o teor, Paim, mas para debater o tema, eu assino", ou seja, para debater o tema que eu apresentei.

    Comecei a coletar as assinaturas no dia de hoje, e já há mais de 50 Senadores que assinaram. Para mim, o gostoso, eu diria, além da ideia de uma reforma política, partidária e eleitoral, é ver também essa aceitação por parte da totalidade dos Senadores em querer debater o tema. Agradeço muito aqui a todos pela boa vontade em aceitar discutir um tema que é tão importante para o País, que é a reforma partidária, política e eleitoral.

    Mas, Sr. Presidente, no dia de hoje, quero me debruçar sobre o manifesto dos juízes do trabalho em relação aos direitos trabalhistas. Sr. Presidente, Senador Hélio José.

Os juízes do trabalho [através de manifesto] percebem a necessidade de se posicionarem firmemente e publicamente sobre o risco que o momento político traz para os direitos trabalhistas e para a própria Justiça do Trabalho. Dizem eles que, como instituição responsável pela aplicação desses direitos, não havia como não se manifestarem. Os direitos trabalhistas, afinal, sempre estiveram no centro das crises políticas dos países, embora essa realidade nem sempre se tenha apresentado como tal.

A lógica de se buscar um equilíbrio para situações de crise política, por meio da supressão de direitos e contenção da organização dos trabalhadores, ocorreu em vários momentos da história brasileira, destacando-se o que se passou nas ditaduras de 1937 e de 1964 e, de forma mais sutil, na época de introdução do período neoliberal, de 1989 a 2001.

Nesse último período, verificou-se um autêntico processo de depuração liberal da Carta de 1988, com o qual se tentou extirpar o conteúdo social da Constituição, notadamente no que se refere à eficácia e ao alcance dos direitos trabalhistas.

    Dizem mais os juízes do trabalho:

Essa reação aos avanços trabalhistas, contidos na Constituição de 1988 se fez, sobretudo, com auxílio doutrinário e judicial. Essas forças atuaram fortemente no sentido da alegação, por exemplo, do direito de greve e para autorizar a utilização, em larga escala, da técnica da terceirização.

    Felizmente, ambos os projetos estão sob minha relatoria, tanto da terceirização como também do direito de greve.

Emblemáticos, nesse sentido, o advento, em 1993, do Enunciado 331 do TST e a repressão institucional à greve dos petroleiros de 1995. Destaca-se também a atuação do Poder Executivo na criação, em 1995, do Mare, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, que desenvolve a ideia de subsidiariedade do Estado e impulsiona o recurso à terceirização no serviço público. É, dentro desse contexto de destruição das bases jurídicas e políticas da ordem social, que foi apresentada, em 1999, proposta de emenda, a PEC nº 96/92, Reforma do Judiciário.

    Dizem mais os juízes do trabalho:

Visando à extinção da Justiça do Trabalho, em 2001, o Poder Executivo apresenta projeto de lei em regime de urgência, para institucionalizar o negociado sobre o legislado, que, de fato, significava o fim do Direito do Trabalho. Nessa época, Senador Hélio José, eu era Deputado. Quando o projeto foi apresentado, peleamos, peleamos, peleamos, quase como gladiadores; perdemos por dois votos. Foi naquele dia em que decidi ser candidato ao Senado. Viemos para o Senado e felizmente aqui a matéria foi arquivada.

A partir de 2002, no entanto, um forte movimento de resistência dos profissionais do Direito do Trabalho impediu que esses objetivos se concretizassem, e, como efeito dessa reação, inclusive, a reforma do Judiciário foi concluída em 2004, com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho.

Desde então, o Direito do Trabalho aumentou a sua importância no cenário jurídico nacional, e a Justiça do Trabalho tornou-se o segmento do Judiciário mais respeitado do País. [Como disse, derrubamos o negociado sobre o legislado também nessa época.]

Os direitos trabalhistas, apesar dos ataques legislativos que continuaram ocorrendo por obra de uma renovada leva de juízes, advogados, procuradores do trabalho, auditores fiscais do trabalho e doutrinadores, foram revigorados e até ampliados, ainda que de forma tímida.

Destaquem-se, nesse sentido, os entendimentos acerca das diversas coletivas de trabalhadores, dos efeitos jurídicos às atitudes de agressão aos direitos da personalidade dos trabalhadores com as indenizações por dano moral, de certa ampliação, em algumas decisões paradigmáticas, da compreensão do direito de greve, notadamente no serviço público, e das punições às agressões reincidentes aos direitos trabalhistas e às práticas fraudulentas por meio das indenizações por dano social e dano moral coletivo.

O Tribunal Superior do Trabalho, na última década, resistiu às sucessivas reivindicações de derrocada dos direitos trabalhistas, tendo, inclusive, proposto avanços na proteção jurídica dos trabalhadores, como, por exemplo, os entendimentos refletidos nas Súmulas nºs 244 (III), 277, 378 (III), 428 (II), 440 e 443, o que levou, inclusive, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) a elaborar, em 2012, um documento com o título "101 Propostas para Modernização Trabalhista", tendo por objetivo explícito defender a redução dos "altos custos" do emprego formal, vistos como um dos mais graves entraves ao aumento da competitividade das empresas brasileiras, segundo eles, pondo-se no ataque às posições assumidas pelo Tribunal Superior do Trabalho nos últimos anos, acusando-os, inclusive, de "irracionais".

Esse avanço do Direito do Trabalho e da relevância social da Justiça do Trabalho, que foi tímido, haja vista a legitimação, ainda que contida, da terceirização, nos termos da Súmula nº 331 do TST, repercutiu de certo modo no poder de organização da classe trabalhadora, que também cresceu fortemente no período, apesar da intensificação da terceirização no setor público e também no privado.

É claro [dizem para mim os juízes, Sr. Presidente, com quem eu me comprometi em vir à tribuna, o que aqui contra-ataques vieram de todos os lados e, nos moldes já integrados à tradição histórica, quase sempre não se fizeram revelar como tais.

Verifique-se, nesse sentido, inicialmente a criação, em 2005, do CNJ, órgão que, embora tivesse a nobre função de permitir a fiscalização externa do Judiciário, acabou sendo utilizado para, repercutindo cartilha elaborada pelo Banco Mundial, constante do Documento nº 319, inserir a lógica de mercado, da eficiência, da atuação judicial, visando difundir uma racionalidade apta a garantir a segurança dos negócios, mas não dos trabalhadores.

E, mais recentemente, o advento do novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/15, com o qual se pretende impor à Justiça Trabalho um modo de atuação dos juízes que rompa a sua identidade funcional e racional com o Direito do Trabalho, que é de índole social, com certeza, e o drástico corte orçamentário imposto à própria Justiça do Trabalho no final de 2015, comprometendo sobremaneira sua gestão em 2016.

Assiste-se hoje à tentativa de atribuir ao Supremo Tribunal Federal, suplantando o TST, o papel de conferir uma nova roupagem ao Direito do Trabalho, que representa, no fundo, a extinção do Direito do Trabalho e, por consequência, da própria Justiça do Trabalho, ainda que essas instituições não desapareçam formalmente.

A atuação do Supremo nesse sentido, aliás, é bastante favorecida pela posição constitucional das normas trabalhistas e pela instrumentalização do Supremo Tribunal Federal com a súmula vinculante e com a repercussão geral dos julgamentos proferidos, conforme instituído pela Lei nº 11.418/06, de questionável constitucionalidade, reforçando-se agora, ainda mais, com os institutos do novo CPC que priorizam os julgamentos de cúpula (incidente de assunção de competência, arguição de inconstitucionalidade, incidente de resolução de demandas repetitivas e Reclamação).

É dentro do objetivo de esvaziar a influência jurídica da Justiça do Trabalho que se podem compreender os julgamentos do Supremo Tribunal Federal nos Recursos Extraordinários nºs 586.453 e 583.050, de fevereiro de 2013; no ARE 709.212, de novembro de 2004; na ADIn 5.209, de dezembro de 2014; e na ADI 1.923, de abril de 2015.

É verdade que o Supremo também decidiu em favor dos trabalhadores, notadamente no que se refere ao direito de greve, no Mandado de Injunção nº 712, na Reclamação nº 16.337 e nas Reclamações nºs 11.847 e 11.536. Mas isso lhes valeu, Sr. Presidente, a difusão de uma propaganda midiática de que estava sendo bolivarianista, instaurando-se um quadro realmente bastante preocupante para os direitos trabalhistas, se considerada a pressão midiática que ganha força diante da nítida inaptidão dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, independentemente de sua qualificação e retidão, em lidar com a questão trabalhista propriamente dita.

Veja-se que o julgamento da ADI 1.625, que trata da inconstitucionalidade da denúncia da Convenção 158, da OIT, que inibe a dispensa arbitrária de empregados, notadamente as dispensas coletivas, proposta em 19/06/97, até hoje não foi concluído.

Vale notar, também, que muitos dos avanços na proteção jurídica aos trabalhadores, fixados recentemente pela Justiça do Trabalho, estão sob julgamento no Supremo Tribunal Federal e são, portanto, passíveis de revisão.

Além disso, a própria ampliação da terceirização está sendo discutida juridicamente no Supremo [projeto de que sou Relator, e, se depender de mim, não haverá ampliação da terceirização. Os 13 milhões serão elevados, no meu relatório, para o patamar também de trabalhadores de primeira categoria, e não de terceira, quarta ou quinta, como querem alguns].

Verifica-se, portanto, claramente, o avanço de uma escalada para levar adiante o projeto interrompido em 2004, tendente a extinguir a Justiça do Trabalho, sendo que a quebra institucional favorecida pela crise política apresenta-se como estratégia perfeita para se alcançar o objetivo, há muito perseguido, de reescrever a Constituição, a qual, afinal, tem servido como forte fator jurídico de resistência [a Constituição cidadã, da qual participei, liderada por Ulysses Guimarães, já falecido].

Em certo sentido, durante muitos anos, a Constituição de 1988 foi desdita, e, quando se passou a de fato aplicá-la, surge, aproveitando-se da instabilidade política do País, esse movimento não revelado, que busca extirpar os direitos trabalhistas da Constituição e destruir a Justiça do Trabalho. Se depender de nós, não passará.

A pauta da ampliação da terceirização, que foi barrada nas ruas e pelas reações jurídicas, situa-se hoje no centro dessas preocupações, e cumpre compreender que, na seara jurídica trabalhista, a definição, seja ela qual for, acerca do impeachment, nos moldes em que a questão tem sido posta, não representa, em si, uma alteração benéfica aos trabalhadores do quadro existente.

No próprio tema da terceirização, por exemplo, manter a realidade como está significa assumir como legítima a situação extremamente precária em que hoje vivem e trabalham cerca de 13 milhões de terceirizados.

É preciso perceber, ainda, que o processo de derrocada de direitos trabalhistas já está em curso [precisamos resistir], conforme se denota de diversas iniciativas legislativas tomadas recentemente, neste sentido [e a própria "Ponte para o futuro"]: Decreto n. 8.243/14, que, de forma sutil, retoma a ideia da antiga Emenda 3 de disponibilidade da legislação trabalhista; a Lei n. 13.103/15, que retrocede com relação aos avanços, mesmo tímidos, trazidos pela Lei n. 12.619/12 dos motoristas; a Lei Complementar n. 150/15, que, regulando o trabalho doméstico, negou a igualdade de direitos [...] [tão lembrada por todos nós na Constituinte].

[Enfim, Sr. Presidente, estamos muito preocupados, porque pode vir aí um massacre aos direitos dos trabalhadores] [...] pertinente a uma tal Proteção ao Emprego, que se daria, concretamente, por intermédio da redução temporária, em até trinta por cento, da jornada de trabalho dos empregados, com a redução proporcional do salário [...]. [Tudo são medidas que violentam profundamente o direito dos trabalhadores.]

Lembre-se ainda da retomada do PL 4.330/04, hoje, no Senado, sob o número PLC 30/15, que procura transferir para todos os trabalhadores as precariedades da terceirização, e da tentativa da retomada do negociado sobre o legislado [...] [que conseguimos também derrotar, e o tal de terceirizado, o PL 30, que trabalha com a terceirização - ele está sob a nossa Relatoria e não há de passar].

Em meio a toda a mobilização em torno da defesa da ordem democrática, que, inclusive, favorece a resistência política ao impeachment, o Governo apresentou, no dia 22 de março, um Projeto de Lei Complementar (n. 257/16), que estimula a privatização de estatais e cria fórmulas jurídicas para que os servidores federais paguem a conta dos desmandos [...]

    Por isso, esse PL está sendo amplamente discutido, e teremos, Sr. Presidente, na próxima segunda-feira, às 3 horas da tarde, na Comissão de Direitos Humanos, uma grande audiência pública para debater esse PL.

    Sr. Presidente, eu estou falando aqui de forma ampla, total, geral e irrestrita.

Demonstrando que o ataque aos direitos trabalhistas transcende o debate partidário [...]

    E, por isso, Sr. Presidente...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - ... é que nós temos que estar em alerta.

    Tudo isso gera uma enorme fissura no Direito do Trabalho, pois prevê a possibilidade de formação de um vínculo associativo entre, por exemplo, aqueles que, disfarçadamente, procuram confundir o direito do trabalhador, terceirizando para todos os lados.

    Enfim, Sr. Presidente, continuam os juízes em seu manifesto - eu tenho que encerrar, porque o meu tempo terminou -:

Vide, ainda, o levantamento feito pelo Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), que mostra as 55 ameaças aos direitos trabalhistas que tramitam no Congresso Nacional.

Consideramos que a insistência na difusão de um quadro social e político com uma feição assustadora, que estimula combates alucinados, tem o objetivo de desviar o foco do processo já em curso da imposição do retrocesso aos direitos dos trabalhadores, devendo ser percebida neste sentido, inclusive, a recente fala do novo Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, empossado no último dia 25 de fevereiro [...].

    Apesar disso tudo, Sr. Presidente, eu quero admitir que recebi um telefonema da Assessoria do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e vou conversar com ele amanhã, pela manhã, sobre esses temas que preocupam a todos nós.

Cumprindo a função institucional de defesa da ordem constitucional no que tange aos direitos sociais e trabalhistas e tendo participado ativamente do movimento de reconstrução e efetivação desses preceitos - insertos, inclusive, na órbita dos Direitos Humanos -, somos constrangidos a reafirmar, publicamente, nossa disposição em impor resistência jurídica aos eventuais retrocessos trabalhistas que possam a vir resultar da presente crise política.

    Essa, Sr. Presidente, é a posição dos juízes. Estou lendo aqui um documento que deles recebi.

    Dizem eles, para encerrar:

Afinal, o pacto constitucional firmado em 1988 foi em torno do desenvolvimento econômico atrelado aos ditames da justiça social e aos princípios da dignidade humana e do valor social do trabalho.

Valendo lembrar que todo o esforço mundial para a reconstrução da humanidade no pós-guerra foi direcionado; [aí começa] o dos direitos sociais, oportunidade em que, também, se reconheceu essencial firmar o postulado básico do não retrocesso [e melhorar a qualidade de vida de toda a nossa gente].

E é exatamente [Sr. Presidente] em momentos como este, em que se colocam à prova as convicções dos cidadãos e das instituições frente aos compromissos assumidos, que esse postulado adquire valor concreto.

Assim, ciosos do nosso papel histórico [de juízes] e do nosso dever funcional consagrado, inclusive, nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, reafirmamos, publicamente, o compromisso de não retroceder e de continuar avançando na defesa dos direitos trabalhistas [seja da área pública, seja da área privada, do campo e da cidade].

    Esse foi o manifesto, Sr. Presidente, que recebi dos juízes do Trabalho contra a imposição de retrocesso dos direitos trabalhistas.

    Como o manifesto foi longo, Sr. Presidente, solicito a V. Exª que o considere na íntegra. Algumas partes, eu comentei. Eu não li toda ela.

    Obrigado, Presidente.

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR PAULO PAIM

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os juízes do trabalho, através de manifesto, percebem a necessidade de se posicionarem publicamente sobre o risco que o momento político traz para os direitos trabalhistas e para a própria Justiça do Trabalho, enquanto instituição responsável pela aplicação desses direitos.

    Os direitos trabalhistas, afinal, sempre estiveram no centro das crises políticas do país, embora essa realidade nem sempre se tenha apresentado enquanto tal.

    A lógica de se buscar um equilíbrio para situações de crise política por meio da supressão de direitos e contenção da organização dos trabalhadores ocorreu em vários momentos da história brasileira, destacando-se o que se passou nas ditaduras de 1937 e de 1964 e de forma mais sutil na época de introdução do período neoliberal, de 1989 a 2001.

    Neste último período, verificou-se um autêntico processo de “depuração” liberal da Carta de 1988, com o qual se tentou extirpar o conteúdo social da Constituição, notadamente no que se refere à eficácia e o alcance dos direitos trabalhistas.

    Essa reação aos avanços trabalhistas contidos na Constituição de 1988 se fez, sobretudo, com auxílio doutrinário e judicial.

    Essas forças atuaram fortemente no sentido da negação do direito de greve e para autorizar a utilização em larga escala da técnica de terceirização.

    Emblemáticos neste sentido o advento, em 1993, do Enunciado 331 do TST, e a repressão institucional à greve dos petroleiros de 1995.

    Destaque-se, também, a atuação do Poder Executivo, na criação, em 1995, do MARE - Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, que desenvolve a ideia de subsidiariedade do Estado e impulsiona o recurso à terceirização no serviço público.

    É dentro desse contexto de destruição das bases jurídicas e políticas da ordem social, que foi apresentada, em 1999, proposta de Emenda à PEC n. 96/92 (Reforma do Judiciário), visando a extinção da Justiça do Trabalho e, em 2001, o Poder Executivo apresenta projeto de lei, em regime de urgência, para institucionalizar o negociado sobre o legislado, que, de fato, significava o fim do Direito do Trabalho.

    A partir de 2002, no entanto, um forte movimento de resistência dos profissionais do Direito do Trabalho impediu que esses objetivos se concretizassem e como efeito dessa reação, inclusive, a Reforma do Judiciário foi concluída, em 2004, com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho.

    Desde então, o Direito do Trabalho aumentou sua importância no cenário jurídico nacional e a Justiça do Trabalho tornou-se o segmento do Judiciário mais respeitado do país.

    Os direitos trabalhistas, apesar dos ataques legislativos, que continuaram ocorrendo, por obra de uma renovada leva de juízes, advogados, procuradores do trabalho, auditores fiscais do trabalho e doutrinadores, foram revigorados e até ampliados, ainda que de forma tímida.

    Destaquem-se, neste sentido, os entendimentos acerca das dispensas coletivas de trabalhadores; dos efeitos jurídicos às atitudes de agressão aos direitos de personalidade dos trabalhadores, com as indenizações por dano moral; de certa ampliação, em algumas decisões paradigmáticas, da compreensão do direito de greve, notadamente no serviço público; e das punições às agressões reincidentes aos direitos trabalhistas e às práticas fraudulentas por meio das indenizações por dano social e dano moral coletivo.

    O Tribunal Superior do Trabalho, na última década, resistiu às sucessivas reivindicações de derrocada dos direitos trabalhistas, tendo, inclusive, proposto avanços na proteção jurídica dos trabalhadores, como, por exemplo, os entendimentos refletidos nas Súmulas 244 (III), 277, 378 (III), 428 (II), 440 e 443, o que levou, inclusive, à Confederação Nacional da Indústria (CNI) elaborar um, em 2012, um documento com o título, “101 Propostas para Modernização Trabalhista”, tendo por objetivo explícito defender a redução dos “altos custos” do emprego formal, vistos como um dos mais graves entraves ao aumento da competitividade das empresas brasileiras, pondo-se no ataque às posições assumidas pelo Tribunal Superior do Trabalho nos últimos anos, acusando-as de “irracionais”.

    Esse avanço do Direito do Trabalho e da relevância social da Justiça do Trabalho, que foi tímido, haja vista a legitimação, ainda que contida, da terceirização, nos termos da Súmula 331 do TST, repercutiu, de certo modo, no poder de organização da classe trabalhadora, que também cresceu fortemente no período, apesar da intensificação da terceirização nos setores público e privado.

    É claro que essa direção imprimida ao Direto do Trabalho, seguindo a lógica conservadora historicamente já conhecida, não se daria impunemente.

    Os contra-ataques vieram de todos os lados e, nos moldes já integrados à tradição histórica, quase sempre não se fizeram revelar enquanto tais.

    Verifique-se, neste sentido, inicialmente, a criação em 2005, do CNJ, órgão que, embora tivesse a nobre função de permitir a fiscalização externa do Judiciário, acabou sendo utilizado para repercutindo cartilha elaborada pelo Banco Mundial (constante do Documento 319), inserir a lógica de mercado (da eficiência) na atuação judicial, visando difundir uma racionalidade apta a garantir a segurança dos negócios.

    E, mais recentemente, o advento do novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/15), com o qual se pretende impor à Justiça do Trabalho um modo de atuação dos juízes que rompa a sua identidade funcional e racional com o Direito do Trabalho, que é de índole social, e o drástico corte orçamentário imposto à Justiça do Trabalho no final de 2015, comprometendo sobremaneira sua gestão em 2016.

    Assiste-se hoje a tentativa de atribuir ao Supremo Tribunal Federal, suplantando o TST, o papel de conferir uma “nova roupagem” ao Direito do Trabalho, que representa, no fundo, a extinção do Direito do Trabalho e, por consequência, da própria Justiça do Trabalho, ainda que essas instituições não desapareçam formalmente.

    A atuação do Supremo neste sentido, aliás, é bastante favorecida pela posição constitucional das normas trabalhistas e pela instrumentalização do STF com a Súmula vinculante e com a repercussão geral dos julgamentos proferidos em RE, esta instituída pela Lei n. 11.418/06, de questionável constitucionalidade, reforçando-se, agora, ainda mais com os institutos do novo CPC que priorizam os julgamentos de cúpula (“incidente de assunção de competência”; “arguição de inconstitucionalidade”; “incidente de resolução de demandas repetitivas” e “Reclamação”).

    É dentro do objetivo de esvaziar a influência jurídica da Justiça do Trabalho que se podem compreender os julgamentos do STF, nos Recursos Extraordinários 586453 e 583050 (fevereiro de 2013); no ARE 709212 (novembro de 2014); na ADIn nº 5.209 (dezembro de 2014); e na ADI 1923 (abril de 2015).

    Verdade que o Supremo também decidiu em favor dos trabalhadores, notadamente no que se refere ao direito de greve, no Mandado de Injunção 712, na Reclamação n. 16.337 e nas Reclamações ns. 11847 e 11536, mas isso lhe valeu a difusão de uma propaganda midiática de que estava sendo bolivarianista, instaurando-se um quadro realmente bastante preocupante para os direitos trabalhistas no que se refere à atuação do Supremo Tribunal Federal frente aos direitos trabalhista, se considerada a pressão midiática, que ganha força diante da nítida inaptidão dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, independente de sua qualificação e retidão, em lidar com a questão trabalhista, propriamente dita.

    Veja-se que o julgamento da ADI 1625, que trata da inconstitucionalidade da denúncia da Convenção 158, da OIT, que inibe a dispensa arbitrária de empregados, notadamente as dispensas coletivas, proposta em proposta em 19/06/97, até hoje não foi concluído.

    Vale notar, também, que muitos dos avanços na proteção jurídica aos trabalhadores, fixados, recentemente, pela Justiça do Trabalho, estão sob julgamento no STF e são, portanto, passíveis de revisão, tais como as questões das dispensas coletivas (ARE 647561) e do direito de greve (AI 853275/RJ).

    Além disso, a própria ampliação da terceirização está sendo discutida judicialmente no Supremo (ARE 713211).

    Verifica-se, portanto, claramente, o avanço de uma escalada para levar adiante o projeto interrompido em 2004, tendente a extinguir a Justiça do Trabalho, sendo que a quebra institucional, favorecida pela crise política, apresenta-se como estratégia perfeita para se alcançar o objetivo há muito perseguido de reescrever a Constituição Federal, a qual, afinal, tem servido como forte fator jurídico de resistência.

    Em certo sentido, durante muitos anos a Constituição de 1988 foi desdita e quando se passou a de fato aplicá-la surge, aproveitando-se da instabilidade política do país, esse movimento, não revelado, que busca extirpar os direitos trabalhistas da Constituição e destruir a Justiça do Trabalho.

    A pauta da ampliação da terceirização, que foi barrada nas ruas e pelas reações jurídicas, se situa, hoje, no centro dessas preocupações e cumpre compreender que na seara jurídica trabalhista a definição, seja ela qual for, acerca do impeachment, nos moldes em que a questão tem sido posta, não representa, em si, uma alteração, benéfica aos trabalhadores, do quadro existente.

    No próprio tema da terceirização, por exemplo, manter a realidade como está significa assumir como legítima a situação extremamente precária em que hoje vivem e trabalham cerca de 12 milhões de terceirizados.

    É preciso perceber, ainda, que o processo de derrocada de direitos trabalhistas já está em curso, conforme se denota de diversas iniciativas legislativas tomadas, recentemente, neste sentido: Decreto n. 8.243/14, que, de forma sutil, retoma a ideia da antiga Emenda 3 de disponibilidade da legislação trabalhista; a Lei n. 13.103/15, que retrocede com relação aos avanços, mesmo tímidos, trazidos pela Lei n. 12.619/12 dos motoristas; a Lei Complementar n. 150/15, que, regulando o trabalho doméstico, negou a igualdade de direitos preconizada na Emenda Constitucional n. 72; as Leis ns. 13.134/15 e 13.135/15, que legitimaram os massacres aos trabalhadores concretizados pelas MPs 664/14 e 665/14; a Lei n. 13.189/15, que reproduziu a MP 680/15, pertinente a uma tal Proteção ao Emprego, que se daria, concretamente, por intermédio da redução temporária, em até trinta por cento, da jornada de trabalho dos empregados, com a redução proporcional do salário (art. 3º.); a Medida Provisória 681/15, que, seguindo a linha de proteção do mercado já traçada pela Lei n. 10.820/03, ampliou as possibilidades de autorização do empregado (e também segurados do INSS e servidores públicos federais) para desconto direto em seu salário (em até 30%), fazendo menção expressa, desta feita, às dívidas de cartão de crédito (no limite de 5%), além de passar a permitir que o desconto também se dê nas verbas rescisórias, o que, antes, estava vedado.

    Lembre-se, ainda, da retomada do PL 4.330/04, hoje, no Senado sob o número PLC 30/15, que procura transferir para todos os trabalhadores as precariedades da terceirização e da tentativa de retomada do negociado sobre o legislado, com o projeto do ACE, em 2012.

    E em meio a toda mobilização em torno da defesa da ordem democrática, que, inclusive, favorece a resistência política ao impeachment, o governo apresentou, no dia 22 de março, um Projeto de Lei Complementar (n. 257/16), que estimula a privatização de estatais e cria fórmulas jurídicas para que os servidores federais paguem a conta dos desmandos administrativos, com contenção de reajustes, suspensão de novas contratações e estímulo à demissão voluntária, reforçando a lógica de deterioração do serviço público por meio do recurso à terceirização e estímulo às práticas de privatização por meio de convênios com OSs, tudo no mais alto estilo neoliberal.

    Demonstrando que o ataque aos direitos trabalhistas transcende ao debate partidário, o Senado Federal, no dia 22/03/16, aprovou o PLC 133/2015, que gera uma enorme fissura no Direito do Trabalho, pois prevê a possibilidade da formação de um vínculo associativo entre os proprietários dos salões de beleza e os profissionais do setor (“cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilador e maquiador e os prestadores desses serviços”), ... que seriam, nos termos de tal projeto de lei, os “proprietários” dos meios de produção (tesoura, pentes etc.), que seriam constituídos como PJs (pessoas jurídicas), gerando o efeito da eliminação da relação de emprego em tais formas de prestação de serviço e, consequentemente, a impossibilidade de incidência dos direitos trabalhistas.

    Vide, ainda, o levantamento feito pelo DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), que mostra as 55 ameaças aos direitos trabalhistas que tramitam no Congresso Nacional.

    Consideramos, assim, que a insistência na difusão de um quadro social e político com uma feição assustadora, que estimula combates alucinados, tem o objetivo de desviar o foco do processo já em curso da imposição de retrocessos aos direitos trabalhistas, devendo ser percebida neste sentido, inclusive, a recente fala do novo Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, empossado no último dia 25 de fevereiro de 2016, que tenta recolocar Justiça do Trabalho em posição de proeminência na temática trabalhista, mas atraindo para a instituição a atribuição de realizar a obra da retração de direitos trabalhistas, o que teve, claro, repercussão na grande mídia.

    Fato é que passando ao largo das paixões que impulsionam o debate partidário, preocupa-nos o advento de uma solução conciliada para a crise política que, sem comprometer os interesses partidários em jogo, imponha sacrifício aos direitos trabalhistas, conferindo-se essa atribuição ao Supremo Tribunal Federal.

    Este órgão, tendo em mãos o processo da Lava Jato, que lhe chega por intermédio do instrumento anti-democrático do Foro Privilegiado, com a legitimação alcançada junto a uma opinião pública forjada pelos veículos de comunicação em massa, ainda mais integrando às investigações políticos de todos os partidos, ver-se-ia autorizado a cumprir a tarefa de realizar as reformas estruturais requeridas pelo mercado, exatamente na linha proposta pelo Banco Mundial, no aludido Documento 319, que reconhece que as alterações legislativas necessárias aos interesses econômicos geram altos custos para o capital político.

    A estabilidade política, assim, pode vir a ter como preço a retração de direitos trabalhistas, que se faria, inclusive, fora do calor dos embates das ruas, ou mesmo dos manifestos em defesa das “liberdades democráticas”.

    Retrocessos imediatos se dariam nos temas a respeito das dispensas coletivas (ARE 647561), no direito de greve (AI 853275/RJ) e na terceirização (ARE 713211), correndo-se o risco de atingir, em breve, o instituto da estabilidade no emprego dos servidores públicos, como já começa a ser repercutido na grande mídia.

    Cumprindo a função institucional de defesa da ordem constitucional no que tange aos direitos sociais e trabalhistas e tendo participado ativamente do movimento de reconstrução e efetivação desses preceitos, insertos, inclusive, na órbita dos Direitos Humanos, somos constrangidos a reafirmar, publicamente, nossa disposição em impor resistência jurídica aos eventuais retrocessos trabalhistas que possam a vir resultar da presente crise política.

    Afinal, o pacto constitucional firmado em 1988 foi em torno do desenvolvimento econômico atrelado aos ditames da justiça social e aos princípios da dignidade humana e do valor social do trabalho, valendo lembrar que todo o esforço mundial para a reconstrução da humanidade no pós-guerra foi direcionado; o dos direitos sociais, oportunidade em que, também, se reconheceu essencial firmar o postulado básico do não-retrocesso.

    E é exatamente em momentos como este em que se colocam à prova as convicções dos cidadãos e das instituições frente aos compromissos assumidos é que esse postulado adquire valor concreto.

    Assim, ciosos do nosso papel histórico e do nosso dever funcional consagrado, inclusive, nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, reafirmamos, publicamente, o compromisso de não retroceder e de continuar avançando na defesa dos direitos trabalhistas.

    Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/04/2016 - Página 80