Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.

Autor
Ricardo Ferraço (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2016 - Página 19
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, PROCESSO, IMPEACHMENT, CRIME DE RESPONSABILIDADE, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Excelentíssima Senhora Dilma Rousseff, Presidente afastada do cargo, dirijo-me a Vossa Excelência respeitosamente, como mulher, mãe e avó que é, respeito devido a todo ser humano e à sua posição de diferença em relação a todos os outros. No entanto, Vossa Excelência está aqui para responder pelos atos cometidos no exercício da função pública máxima, que é a Presidência da República. Muito se tem dito a propósito de sua eleição com mais de 54 milhões de votos. Entretanto, voto não é salvo-conduto, voto não é cheque em branco, muito menos cidadela que autoriza um governante a agir para além dos limites da lei. O voto é sagrado, é a afirmação de um desejo intransferível, onde todo e qualquer cidadão, munido de suas convicções, ideais e etc., delega a outro o sumo compromisso de representá-lo e zelar por suas aspirações públicas, como integrante de um país sempre em construção e revisão de condutas e posições. O voto apenas nos habilita, mas a legitimidade de um mandato é construção diária e podendo - e devendo -, em função de uma conduta desviante, ser questionado. É o caso. A lei não é uma opção, mas um marco civilizatório que nos faz iguais e que protege o mais fraco do jugo do mais forte.

    Na condição de Presidente da República, Vossa Excelência é acusada de violar o art. 85 da Constituição Federal, burlando as leis fiscais e orçamentárias do País. E como consequência desses atentados, mergulhou o País numa crise econômica que gerou graves reflexos sociais, sobretudo, para os mais pobres. É também acusada de atentar contra a probidade administrativa, permitindo que o patrimônio público do Governo e de nossas estatais, sobretudo a Petrobras, fosse dilapidado, o que também é crime de responsabilidade passível de impeachment.

    Por decisão sua, Vossa Excelência publicou decretos de suplementação orçamentária sem autorização legislativa, usurpando do Congresso Nacional o que é sua competência exclusiva.

    Vossa Excelência se valeu ainda de seu poder de mando para que bancos oficiais financiassem ações de responsabilidade exclusiva do Poder Executivo, o que é vedado por lei. Ao escamotear dados, números, fatos, Vossa Excelência encobriu uma realidade terrível até o dia em que a verdade aflorou. Em meio ao caos, ficaram expostas as mentiras que prejudicaram profundamente o País. Vossa Excelência foi ainda mais impiedosa com aqueles que prometia proteger, pois uma economia conduzida de modo a servir interesses outros que não o bem-estar do povo vai na contramão de toda e qualquer possibilidade de progresso, já que semeia a desconfiança entre os verdadeiros parceiros, que são os cidadãos.

    Em sua obra intitulada Sobre a Mentira, Santo Agostinho sublinha que os que mentem são inimigos de si mesmos, isso porque a mentira é algo que sempre se volta contra o próprio mentiroso. A mentira sacrifica a verdade para proteger-se da punição, para agredir o outro e vingar-se. Governar com mentiras para ganhar tempo...

    (Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - ... para sustentar incautas expectativas positivas e depois para cobrir outras mentiras é conduzir toda a Nação ao solo infértil de dias de discórdia e de desesperança. A política brasileira vive tempos sombrios, estamos discutindo e decidindo se uma Presidente deve ser punida, e esse debate, por si só, traz algo extremamente positivo, assim como a punição e eventualmente a prisão de poderosos. 

    Excelentíssima Senhora Presidente afastada, a senhora faltou com a verdade e traiu a confiança do povo brasileiro. Excelentíssima Senhora Presidente afastada, a senhora não goza do direito de se autonomear vítima senão dos seus próprios atos impensados e danosos à Nação brasileira. Por isso mesmo, pergunto a Vossa Excelência: onde estava o seu compromisso quando praticou atos que atentaram contra a Constituição Federal, como jurou cumprir?

    Vossa Excelência fala em golpe. O Presidente do Supremo...

    (Interrupção do som.)

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Alguns segundos para terminar a questão.

    (Intervenções fora do microfone.)

    (Soa a campainha.)

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Sim, por favor.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - O Presidente do Supremo...

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Por favor.

    Eu tenho a discricionariedade. É que S. Exª foi interrompido quando terminava a frase.

    Termine a frase, por favor.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) - Vossa Excelência, Presidente afastada, fala em golpe. O Presidente do Supremo Tribunal Federal que preside este julgamento é parte desse golpe, à medida que a mais alta Corte chancela esse processo? Vossa Excelência tem algum arrependimento dos atos praticados?

    São essas, Sr. Presidente, as perguntas que manifesto.

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - Senador Ferraço, agradeço sua consideração por mim como mãe e avó. No entanto, temo que a fragilidade dos autos desse processo na acusação seja responsável pela forma sem provas com as quais o senhor me acusa de características que são meras impressões políticas.

    Lamento, Senador, porque quando a gente não tem razão, a gente diz que o que o outro está fazendo é mentira. Isso é um julgamento. O que esse julgamento precisa é de provar que houve crime de responsabilidade. Para provar que houve crime de responsabilidade, não há e não basta dizer que houve um cheque em branco além da lei.

    Este processo, nas suas provas, no depoimento das testemunhas, evidenciou que houve um integral respeito à lei, à Constituição, que fala que é necessário, por exemplo, para se abrirem créditos suplementares, autorização legal.

    A autorização legal está na Lei Orçamentária, que, no seu art. 4º, autoriza o Executivo a abrir créditos suplementares e diz em que condições se pode abri-los ou não. Ou seja, diz, inclusive, em que limites isso pode ser feito.

    Então, Senador, além disso, nós temos uma grande contribuição a toda a execução fiscal do nosso País, que é a Lei Complementar de Responsabilidade Fiscal, que, além disso, cria as condições de como a programação orçamentária e financeira deve ser feita.

    O que nós estamos discutindo, Senador, é se, de fato... A defesa sustenta que nós cumprimos todos os requisitos para isso. E mais: defende que, até este momento, o Brasil, em relação aos outros Presidentes, tinha cumprido com todas as características, iguaizinhas às que nós fizemos.

    Decretos de crédito suplementar foram feitos nos governos anteriores ao meu, inclusive no meu próprio governo, e não foram questionados. Nós, com esses decretos, não aumentamos um centavo do que estava previsto; pelo contrário, houve até uma execução a menor.

    Então, nós estamos diante de uma discussão, que há que provar que eu tenho culpa e, portanto, mais do que isso, que eu cometi algum ato.

    O que fica claro neste processo é que, inclusive, não eu que digo, mas o próprio Ministério Público Federal diz que eu não participava, porque a lei, que é de 1992, no caso das operações de crédito, que vocês chamam de operação de crédito, que é o nome que vocês dão a pedaladas, não eram operações de crédito até então.

    E isso não sou eu que digo. Quem diz que eu não participava é a própria peça acusatória, que comete uma situação absolutamente absurda de dizer que a minha responsabilidade era porque eu era íntima do Sr. Arno Augustin, que não se sabia onde começava um e onde acabava o outro. Ora, o Sr. Arno Augustin não era, em 2015, Secretário do Tesouro Nacional; era o Sr. Saintive.

    Então, para tentar provar, para tentar provar créditos suplementares e o Plano Safra, as transferências do Plano Safra, se utiliza de recursos indevidos. E é isso, sim, Senador, que é mentira. A mentira está no fato de que não só os créditos suplementares, que se iniciaram com seis... Eram seis créditos suplementares; de repente mudaram para quatro. Agora são três. Eu acredito que, quando o tempo passar, eles chegarão a zero.

    Os créditos suplementares sempre foram feitos e têm base legal, sim. A LOA, de 2015, dá as condições para que isso ocorra. Aliás, o tema mais discutido pelo Ministro do Planejamento com a Comissão de Orçamento é justamente quanto, como e quais serão os créditos suplementares e em que situação eles serão abertos.

    Eu acredito, Senador, que não se pode utilizar aspectos genéricos sem deixar de avaliar as características específicas desse processo. E aí eu diria ao senhor o seguinte: também a afirmação de que a crise econômica no Brasil se deve a essas questões, como os seis decretos e o Plano Safra da Agricultura Comercial e da Aquicultura Familiar, é um pouco excessivo. Por que, Senador? Porque o mundo estava em crise. O Brasil passou por processos que levaram a uma queda brutal de receita. Um dos processos pelos quais nós passamos foi, por exemplo, internamente, a maior crise de energia dos últimos tempos, que ainda está em curso. E uma crise que não levou ao racionamento, Senador, porque nós acionamos as térmicas, e o Governo teve de aumentar o preço da energia e, consequentemente, a inflação.

    Enfim, Senador, um dos fatos principais para acentuar por demais essa crise foi aquilo que nós podemos constatar: uma ação do quanto pior melhor, que impediu sistematicamente a aprovação de projetos, de processos que levariam à maior robustez fiscal do País, porque houve uma queda de arrecadação. E a queda de arrecadação nem o meu Governo nem nenhum Governo controla, porque ela expressa situações macroeconômicas; expressa a queda do preço das commodities; a saída, por exemplo, dos Estados Unidos da política de expansão monetária; expressa o fato de que, no nosso caso, nós ainda tivemos, junto com uma crise econômica de grande profundidade, que poderia... No início, quando nós finalizamos o ano de 2014, a projeção era de 0,8 de crescimento do PIB. Em julho, ela chegou a menos de 1,5.

    Como, Senador, diante desses fatos, que não podem ser atribuídos... A causalidade está errada: não é a questão fiscal que produz a crise; é a crise que produz a grande dificuldade do País de enfrentar uma queda que, no ano de 2015, foi de R$180 bilhões.

    Assim sendo, eu quero dizer que também não aceito essa questão em relação aos bancos oficiais. A minha presença não existe neste processo não porque eu não queira, mas porque, Senador, eu obedeço à lei. E a lei de 1992 é clara. Não sou eu. É o Ministério da Fazenda junto com o Conselho Monetário Nacional. E o fato de eu não estar presente, de não ter um ato que levou a Acusação a utilizar do esquema de que era a minha relação umbilical com o Secretário do Tesouro Arno Augustin, esquecendo que ele não era mais Secretário do Tesouro quando essa crise ocorreu. Era o Sr. Saintive.

    Então, Senador, lamento, mas eu não considero que essa sua acusação sobre mentira é procedente. Acho que ela é aquela mentira que não tem base na realidade, ou seja, ela não expressa a verdade dos fatos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2016 - Página 19