Discurso durante a 52ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentário acerca da aprovação da proposta sobre o fim do foro privilegiado, de autoria de S. Exª.

Justificativa do voto contrário de S. Exª ao projeto de lei de abuso de autoridade.

Autor
Alvaro Dias (PV - Partido Verde/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Comentário acerca da aprovação da proposta sobre o fim do foro privilegiado, de autoria de S. Exª.
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Justificativa do voto contrário de S. Exª ao projeto de lei de abuso de autoridade.
Aparteantes
Lasier Martins, Reguffe.
Publicação
Publicação no DSF de 28/04/2017 - Página 64
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, PROPOSTA, ASSUNTO, EXTINÇÃO, FORO ESPECIAL, PRERROGATIVA DE FUNÇÃO, OBJETIVO, COMBATE, CORRUPÇÃO, PRIVILEGIO, REGISTRO, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, DEFESA, MATERIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, VOTO CONTRARIO, ORADOR, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, ABUSO DE AUTORIDADE, MOTIVO, NECESSIDADE, COMPLEMENTAÇÃO, OBJETO, SUBJETIVIDADE, LEGISLAÇÃO PENAL, OBJETIVO, SEGURANÇA, INDEPENDENCIA, JUDICIARIO, POLICIA FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO, COMBATE, CORRUPÇÃO.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Muito obrigado, Senador Dário Berger. É uma satisfação ter V. Exª presidindo esta sessão, depois de um dia de muita agitação no Senado Federal, um dia que podemos considerar histórico. Esta Instituição tem sofrido quedas incríveis de popularidade, de credibilidade, de confiança da população, em razão de acontecimentos que não a engradecem. Mas é preciso valorizar os momentos que enaltecem a Instituição. Sem dúvida, ontem vivemos um desses momentos, com a aprovação do projeto que acaba com o foro privilegiado das autoridades, projeto que tive a primazia de apresentar já em 2013 e que, durante quatro anos, aguardou o momento da deliberação. E foram muitos os Senadores que contribuíram para que pudéssemos chegar ao momento decisivo vivido no dia de ontem. É preciso destacar, é um fato importante, porque o corporativismo foi deixado à margem. É cortar na própria carne, é dispensar benefícios e privilégios. Eu creio que isso tem que ser enaltecido.

    Nós sabemos que a população brasileira não concorda com esse pedestal onde se colocam privilégios, atendendo a interesses de uma casta no País. Não há como dividir o Brasil entre cidadãos de primeira classe e de segunda classe. A Constituição não estabelece essa distinção; ela impõe, no seu art. 5º, que todos somos iguais perante a lei, mas ela se tornou contraditória, no momento em que acolheu esse instituto da prerrogativa de foro ou o chamado foro privilegiado das autoridades.

    Ontem ele começou a morrer. O foro, a partir de ontem, começa a deixar a Constituição do País, porque ou nós acabamos com o foro, ou rasgamos a Constituição. Vamos acabar com o foro certamente. O que se espera agora é que a Câmara dos Deputados atenda a esse apelo popular.

    Aqui houve um apelo popular sem precedentes: redes sociais, entidades, movimentos, mobilização a favor de um projeto que acaba com o foro privilegiado. E Senadores importantes, como V. Exª, como o Senador Lasier Martins, a quem eu concedo um aparte com satisfação, Senadores que perfilaram esse anseio popular de estabelecer uma nova justiça no Brasil, porque começa agora a nascer uma nova justiça.

    Senador Lasier Martins.

    O Sr. Lasier Martins (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – Muito obrigado, Senador Alvaro Dias; Presidente Dário Berger. Satisfação sinto eu, Senador, e orgulho, por desfrutar da sua amizade e ser seu companheiro neste Senado, por ter sido V. Exª o autor desse projeto de lei, aliás, dessa PEC de resultado histórico, aqui, nesta Casa. Ontem a repercussão foi estrepitosa em todos os meios, porque o fim do foro por prerrogativa de função era algo que vinha se transformando em uma exigência. Ontem, pela manhã, consultei o Portal e-Cidadania, e o resultado era de 256 mil e uns quebrados, 256 mil registros pedindo o fim do foro privilegiado, e uns 4 mil contra. E V. Exª vinha batendo, vinha exigindo. Aqui no plenário quase que não ressoava, não tinha eco aquele seu pedido. E ontem, ao sabor daquela discussão interminável sobre o projeto de lei de abuso de autoridade, foi-se gerando um clima e, de repente, nós nos demos conta de que poderíamos pleitear qualquer coisa que estivesse na berlinda dos grandes acontecimentos nacionais, dentro aqui do Congresso. E ali estava o fim do foro privilegiado. Então, foi nesse embalo, foi nessa onda que, subitamente, se votou o projeto na Comissão e ele veio, duas horas depois, aqui para o plenário. E, no plenário – pasmem, Srs. Telespectadores da TV Senado de todo o Brasil –, por 75 votos a zero! Unanimidade nacional! Há quanto tempo não se tem unanimidade aqui nesta Casa? E o autor do projeto, o nosso brilhante Alvaro Dias. Eu lhe confesso que ontem eu saí daqui de alma lavada, porque vinha defendendo... Eu cheguei a ter, lá atrás, um projeto parecido, mas, quando eu percebi que o projeto do Senador Alvaro era melhor, eu retirei o meu e fiquei lutando, defendendo o seu. Então, foi um dia histórico! Primeiro, porque votamos a lei contra o abuso, com as restrições que merecia, embora tenham ficado alguns dispositivos que são ruins, e, por isso, fiz um pronunciamento; e por isso fui criticado aqui, ontem, por alguns Senadores. Nós perdemos por 54 a 19. Eu queria, ainda, Senador Alvaro, mais aprimoramento, mas não deu! Então, que fiquemos assim. Perdoe-me o avanço deste meu aparte, mas é um aparte que vem ao sabor do entusiasmo, da alegria por termos começado a resolver um dos grandes problemas nacionais, que era essa desigualdade, perante a lei, dos cidadãos brasileiros. Tivemos ontem a votação em primeiro turno, e, agora, vai passar em segundo turno, e eu tenho certeza de que lá, na Câmara, vai acontecer a mesma coisa. Para finalizar, aproveito para registrar a presença – eu estava trazendo aqui para conhecer o Senado – do Sr. José Antônio Pereira de Souza, que é o presidente de uma das instituições hospitalares mais importantes do Rio Grande do Sul, é o Presidente da Fundação Beneficência Portuguesa, que esteve aqui me visitando, e eu o tenho aqui com muita satisfação. Então, perdoe-me o tamanho do aparte, mas é como eu disse: é também o tamanho do meu entusiasmo e do meu agradecimento, como cidadão brasileiro. Começamos a igualar os cidadãos brasileiros, com relação às responsabilidades perante o Judiciário. Está terminando o foro privilegiado. Muito obrigado.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – Obrigado a V. Exª, pelas palavras generosas. Honra-me muito ouvi-lo, porque V. Exª é um Senador que é um patrimônio da ética gaúcha.

    O Estado do Rio Grande do Sul o enviou para cá para honrá-lo, e V. Exª honra o seu Estado, com a sua postura ética, com a sua dedicação, com o esforço permanente e com o seu preparo. Por isso, é sempre uma honra enorme ouvir palavras generosas de V. Exª. Muito obrigado. Certamente, é um grande estímulo.

    Nós começamos, sim, ontem, a escrever uma nova página da Justiça brasileira, porque, quando se fala em nova Justiça, não se pode admitir privilégios que contemplem quem quer que seja. Para legisladores, é mais constrangedor admitir privilégios, porque são os legisladores os responsáveis pelo modelo de Justiça implantado no País. Queremos que sirva aos demais brasileiros, mas não queremos que nos sirva. Queremos algo diferenciado. Portanto, esse constrangimento começa a ser eliminado. E, certamente, se a nova Justiça começa a ser implantada especialmente em Curitiba, tendo como ícone o Juiz Sérgio Moro, e ganha dimensão nacional, avançando também para outros Estados, outras comarcas – ela ontem teve um dia importante no Senado Federal. O Brasil, eu tenho repetido isso, é uma nação em movimento. Há mudanças que ocorrem a partir das ruas, que invadem as instituições. E os ventos da mudança que sopraram a partir das grandes manifestações populares invadiram ontem o Senado Federal, porque aqui produzimos um ato de mudança concreto, com essa votação unânime que começa a acabar com o foro privilegiado das autoridades brasileiras.

    Como V. Exª, também votei contra o projeto de lei do abuso de autoridade, para ser coerente, sobretudo, porque, desde o primeiro momento, combatemos a iniciativa por considerá-la inoportuna nessa hora. Uma instituição que está no chão, como disse ontem, em matéria de credibilidade, tem que procurar ler o manifesto insistente que escreve o povo nas ruas do País ou no dia a dia da sua existência. E as prioridades são estabelecidas pela população. Eu não vi esse projeto de abuso de autoridade como uma prioridade eleita pelo povo brasileiro. A prioridade número um hoje é a Operação Lava Jato e, na esteira da Operação Lava Jato, as mudanças fundamentais que se constituem em exigência do Brasil.

    Por isso, desde o primeiro momento entendia que esse projeto poderia aguardar melhor oportunidade. Por que não discutimos antes da Operação Lava Jato? Se alegam termos uma legislação antiga sobre abuso de autoridade, por que ela não foi alterada anteriormente? Por que só agora? Qual foi a motivação para que a proposta fosse apresentada agora? E eu pergunto: por que não depois? Por que não aguardar a finalização da Operação Lava Jato para, até com a inspiração dela, podermos elaborar uma legislação mais competente e mais moderna sobre abuso de autoridade? É claro que tivemos alguns avanços na discussão na Comissão de Constituição e Justiça. E louve-se o esforço daqueles que se aplicaram para promover esses avanços, retirando aquilo que era mais pernicioso em matéria de ameaça às autoridades judiciárias. Mas é preciso destacar que o projeto não ficou pronto e acabado, apesar desse esforço, que há questões relevantes que persistem e que podem ser pontos que ameacem a independência das autoridades judiciárias no cumprimento da sua missão.

    Nós podemos afirmar inicialmente que essas questões que flexibilizam e possibilitam interpretações diversas colocam em risco, sim, a independência de autoridades da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Os tipos penais devem ser estabelecidos através de uma redação precisa, e, neste caso, em alguns pontos, não há precisão de redação para estabelecer certos tipos penais.

    Vamos citar, como exemplo, o art. 9º, que trata de decretar prisão preventiva, busca e apreensão ou outra medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais. Aí, estabelece a pena. E no parágrafo único: "Incorre nas mesmas penas a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de relaxar uma prisão manifestamente ilegal." Então, nós nos defrontamos com uma redação imprecisa. O que é prazo razoável para deferir liminar ou ordem de habeas corpus? Para o ofendido, o prazo razoável pode ser muito curto; e, para a outra parte, muito longo.

    No art. 10, "Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida." Aí, vem esta expressão "manifestamente descabida." O que é ação manifestamente descabida? Aí, vem a questão da interpretação. O que é uma condução coercitiva manifestamente descabida? Ela não se dá apenas quando o intimado não comparece; ela também se dá quando a investigação exige celeridade, e é sempre objetivamente motivada. Todavia, quando o texto coloca a expressão "manifestamente descabida", a objetividade da motivação deixa de existir. O próprio Deltan Dallagnol, que comanda a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, faz críticas a este ponto da lei que diz respeito à condução coercitiva, que tem sido muito importante na Operação Lava Jato.

    Vamos citar mais um exemplo. O uso de algemas, creio que também é uma questão que permite... A redação impõe ao agente a tomada de decisão em situações em que ele, agente, não tem condições de deliberar com absoluta segurança. A decisão de resistir ou fugir pode ser tomada por qualquer preso, a qualquer momento, seja ele um preso acusado de homicídio ou de corrupção. Trata-se de uma possibilidade real, e uma forma de o agente atuar de maneira preventiva é imobilizando o detido com as algemas. Caso não lance mão do uso das algemas e ocorra situação inesperada que provoque dano ou coloque alguém em risco, ficará o agente sujeito a ser questionado por não prever a situação e agir visando minimizar sua ocorrência.

    O Sr. Lasier Martins (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – V. Exª me permite?

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – Pois não, Senador Lasier.

    O Sr. Lasier Martins (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – Eu estou acompanhando atentamente o seu rol de imprecisões e de impropriedades que ainda restaram no projeto com relação ao abuso de autoridade. E eu me permito adicionar mais dois dispositivos: o 13, inciso III, que diz respeito à situação de preso que não terá relevância em depoimento, se tiver a sua resistência diminuída; se for chamado a depor, não tem valor o seu depoimento. Ora, isso é abuso de autoridade, porque, quando há a redução de quem está preso, ele diz qualquer coisa. Esse é um item discutível entre os tantos de subjetivismos. O art. 22, inciso II: quando precisar invadir o imóvel onde esteja ocorrendo um crime ou quando é preciso busca e apreensão, com relação ao aparato policial, entendeu o projeto que, se se colocar helicóptero, se se colocar armamento, isso é abuso de autoridade. Ora, não pode ser assim. O juiz sabe das necessidades que tem para montar o aparato de que ele vai precisar para vasculhar, para fazer aquela apreensão. Então, tem que ter liberdade. Ele não pode ser restringido. Isso, entre outros. Nós teríamos muitos.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Lasier Martins (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – Também por isso, Senador Alvaro, é que votei contra o prosseguimento ou contra a aprovação desse projeto, embora tenhamos perdido aqui, como disse há pouco, por 54 a 19. Muito obrigado. Prometo não mais interromper o seu discurso.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – Eu é que agradeço. V. Exª, como advogado, tem autoridade e conhecimento para opinar sobre essa matéria.

    Há aqui, no art. 20, também, a questão de impedir sem justa causa a entrevista pessoal reservada do preso com seu advogado. Aí se trata de crime da parte da autoridade judiciária.

    E, considerando que esse projeto estabelece que a ação penal será um combinado de ação penal pública incondicionada e ação penal privada, seguramente qualquer impedimento poderá resultar em processo, visto que a expressão "justa causa" comporta diversas possibilidades de entendimento. O que é justa causa para alguém pode não ser justa causa para outro. Portanto, também é outro ponto que temos que considerar.

    Aí vem a questão da forma ostensiva e desproporcional na busca e apreensão em imóvel alheio ou suas dependências. O que é desproporcional?

    Situação de vexame. O que é situação de vexame? Não há uma redação precisa em relação a essa criminalização que se pretende das autoridades judiciárias. Temos um tipo penal aberto, portanto. É mais um tipo penal aberto, que não possui uma descrição completa da conduta delituosa, cabendo ao intérprete a tarefa de concluir a tipificação dela.

    Então, o que nós estamos pretendendo combater é exatamente a existência de tipos penais abertos com redação imprecisa, proporcionalizando eventualmente a criminalização de autoridade judiciária, num desestímulo ao combate à corrupção, à violência, ao crime organizado, porque muitos imaginam que essa lei se refere apenas à Operação Lava Jato, e não é isso. Essa lei vai afetar a missão exercida por policiais federais, promotores nos Estados no combate ao narcotráfico, ao crime organizado, à corrupção de toda forma, à violência, ao assassinato, ao roubo. Enfim, essas autoridades judiciárias terão a sua missão, a sua função afetada pela legislação que nós estamos aprovando no Congresso Nacional.

    Há outras questões, mas eu vou me referir a mais duas apenas. O próprio Deltan Dallagnol faz referência à criação de um ambiente avesso à decretação de prisão de poderosos, porque a proposta criminaliza a prisão decretada por um juiz que não seja manifestamente legal e, aí, nós voltamos àquela discussão: o que é manifestamente ilegal? Criminaliza a conduta, por exemplo, do ministro, do desembargador que, revendo uma prisão decretada por um juiz, não libere a pessoa se aquela prisão não era manifestamente ilegal. "O que é manifestamente legal?" – pergunta Deltan Dallagnol. Está sujeito à discussão, é matéria de interpretação de fatos, de provas, da lei, e, se esses artigos forem mantidos na Câmara dos Deputados, o que vai existir é um clima de insegurança e receio de juízes em relação à decretação de prisão de poderosos. É o que diz o Coordenador da Operação Lava Jato.

    Vou citar, Sr. Presidente – peço a sua condescendência – mais um artigo apenas, o art. 43, que diz respeito à crime contra direito ou prerrogativa de advogado, que coloca como direito do advogado a inviolabilidade do seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica, telemática, desde que relativos ao exercício da advocacia. Eu não sei qual é a opinião da Ordem dos Advogados do Brasil, mas a inviolabilidade de um escritório de advogado certamente favorece o crime, impede essa ação de busca e apreensão decretada pela Justiça. O escritório se torna inviolável e, portanto, pode ser arquivo do crime. O escritório de um advogado do Beira-Mar pode seguramente conter documentos do crime, provas do crime, pode conter até um depósito de drogas. Ou há escritórios de advogados de marginais que podem conter lá até depósito de armas. É apenas um exemplo bem popular, de fácil entendimento.

    No caso do inciso II do art. 7º do Estatuto da Advocacia, a Ordem dos Advogados do Brasil está de acordo com essa redação? Essa é uma pergunta que cabe fazer à Ordem dos Advogados do Brasil.

    No caso de existir suspeita fundamentada de que um advogado está armazenando ilegalmente, em seu escritório, armas de clientes ou utilizando-se de sua profissão para participar da administração de esquemas criminosos, a busca e apreensão em seu escritório é um crime? Como se dará a interpretação e a aplicação desse dispositivo visto que ele não prevê excludentes? Quando o advogado não devolve processos que levou para exame em seu escritório, o que fará o juiz se não puder expedir mandado de busca? Estamos transformando escritório de advogado em território de embaixada. Portanto, são algumas das questões, Presidente. Eu vou concluir.

    Esse pronunciamento eu fiz porque ontem acabei não tendo a oportunidade de me pronunciar na sessão que deliberou sobre a matéria, e é uma justificativa que eu trago, principalmente para os registros do Senado Federal, a justificativa do voto, já que voltei contrariamente a essa proposta, não tive a oportunidade de esclarecer por quê, e hoje modestamente faço esses esclarecimentos. Obviamente, esse projeto vai para a Câmara dos Deputados e, certamente, teremos alterações, para melhor ou para pior.

    Recentemente, tivemos um exemplo de alterações para pior, quando deformou-se a proposta vinda da sociedade a respeito das 10 Medidas de Combate à Corrupção. Esperamos que esse projeto possa caminhar para a Câmara e retorne ao Senado com alterações que o aprimorem, já que é um fato consumado, é uma legislação que chega, e ela tem que chegar da melhor forma possível.

    O que eu temo, Senador Dário Berger, é que, nessas circunstâncias, nós possamos sepultar ideias brilhantes, porque o ambiente não é propício para a feitura de legislação em determinados terrenos. Um cenário conturbado, nervoso, esquizofrênico, um cenário de tensões expostas certamente compromete a boa elaboração de propostas de lei que muitas vezes trazem boas ideias, mas acabam sendo comprometidas.

    Senador Dário, eu vou concluir, e V. Exª...

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Eu vou aproveitar para me associar parcialmente, vamos dizer assim, ao longo pronunciamento de V. Exª, que sempre é muito expressivo aqui no Senado Federal, para mencionar uma questão importante.

    Primeiro, para me associar a V. Exª na questão do foro privilegiado, do qual tive a oportunidade de assinar o requerimento de urgência, entendendo, também como V. Exª entende, que a Justiça tem que ser igual para todos e que o foro privilegiado suscitava e suscita ainda uma opinião muito desgastante, do ponto de vista político, da sociedade brasileira.

    E a grande verdade é que o pronunciamento de V. Exª é um pronunciamento de mudança, no sentido amplo da palavra – é mudar; mudamos; temos que mudar, porque a grande verdade é que os tempos mudam, e conceitos consagrados do passado já não têm mais a sua relevância no presente. Nós precisamos evoluir, e nada muda se nós não mudarmos; essa é a grande verdade. Então, nós estamos aqui para mudar, para alterar, para construir, para reconstruir, para refazer, para reformar, para ousar e, sobretudo, para mudar. E a verdadeira mudança nossa vem da nossa própria consciência e da importância que nós damos a nós mesmos, às nossas atitudes e aos nossos semelhantes.

    E nós somos representantes da sociedade; nós somos representantes do Estado. V. Exª é representante do Estado do Paraná – e, diga-se de passagem, um orgulho para os paranaenses, recordista em votos na última eleição e em todas as eleições de que V. Exª participou.

    De maneira que me dá impressão de que esse foi um avanço sistemático, importantíssimo, primordial, eu diria vital até, para as futuras relações políticas com a sociedade brasileira. E eu queria dizer que chega a hora, em bom tempo, de nós reavaliarmos conceitos sem retroceder – e "sem" no sentido de avançar.

    Agora, me chamou a atenção que V. Exª abordou uma série de conceitos da Lei de Abuso de Autoridade. E V. Exª, evidentemente, neste momento, abordou só os temas polêmicos, de certa forma questionáveis e de certa forma também negativos dessa legislação. E, no meu entendimento – eu não sou jurista, não sou advogado –, a coisa mais difícil que possa existir talvez, na nossa relação parlamentar, é elaborar uma lei que seja precisa, que seja objetiva, que atire no alvo certeiro.

    E aí eu me permito... Eu estava aqui a imaginar – com todo respeito a V. Exª –, a elaborar uma pergunta, um questionamento para talvez um fato positivo da lei – ou vários fatos positivos, porque certamente ela tem vários fatos positivos. Eu queria questionar o seguinte: chega um pai com uma criança num hospital, desesperado, implorando por atendimento. O diretor desse hospital, ou o médico desse hospital estaria investido de autoridade nesse momento? E se ele não atende – como já aconteceu muitas vezes de não atender a criança, ou não atender o idoso, ou não atender o cidadão, que, naquele momento não tem a quem recorrer –, isso seria um abuso de autoridade? Eu imagino que, nesse caso, seria uma autoridade a vida e que, entre aspas, nós poderíamos considerar que o médico nesse momento se constituiria numa autoridade e que, dessa forma, a lei aborda alguns aspectos extremamente positivos.

    E a lei, pelo que eu pude perceber... Eu ia votar contra essa lei, mas, como houve uma unanimidade na Comissão de Justiça entre os que eram a favor e os que eram contra, havendo aquele acordo, resolvi votar favorável essa Lei de Abuso de Autoridade, compreendendo que, no fundo, ela possa ter alguns aspectos extremamente positivos.

    Não vamos relacionar a Lei de Abuso de Autoridade ao que a sociedade efetivamente relaciona, porque existe o fato e existe a versão do fato. Então, não quero chegar à conclusão do seguinte: Lava Jato, obstrução de Justiça, dificultar a interpretação para o promotor e o juiz etc. e tal, mas quero referir-me ao abuso de autoridade que se apresenta na relação do dia a dia – é a do carteiraço, é a do cidadão que, investido de poder, acaba não correspondendo às peculiaridades mais elementares da relação humana, como, por exemplo, esse; como, por exemplo, um policial; como, por exemplo, um atendimento num centro de saúde; como, por exemplo, em um atendimento num balcão do INSS; como, por exemplo, um atendimento em qualquer instituição pública.

    V. Exª sabe que o setor público, quer queira, quer não queira, não atende mais as necessidades da população brasileira, tanto é que a sociedade está a esperar também uma reforma do setor público, para que ele possa ser eficiente, eficaz, e possa atender bem a população brasileira. Então, faço esse questionamento, só para que eu possa, de certa forma, justificar o meu posicionamento com relação ao abuso de autoridade.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – Pois não. Questionamento pertinente, não é? O seu questionamento revela a complexidade da elaboração de uma legislação dessa natureza. Há questões complexas, que exigiriam um ambiente de tranquilidade, de prudência, com uma discussão ampliada.

    Tivemos uma sessão temática apenas que discutiu aqui o abuso de autoridade. Depois, tivemos lá duas audiências públicas pouco frequentadas pelos Senadores. Não creio que esgotamos a consulta. Deveríamos ouvir especialistas, autoridades, as partes que são motivação para uma legislação dessa natureza.

    Por isso, sempre defendi que aguardássemos um outro momento: a conclusão da Operação Lava Jato e, certamente, a eliminação de obstáculos que existem aqui, no que diz respeito à legitimidade de participação, porque há autoridade para quem está sendo investigado definir uma lei de abuso da autoridade?

    Essa é uma questão que tem de ser colocada também para a sociedade. O cidadão deve interpelar-nos com uma indagação dessa natureza, porque é notório...

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – ...que o Congresso Nacional está envolvido nessas investigações, os partidos políticos.

    Nós temos uma legislação de abuso de autoridade, e não há um vácuo, portanto, mas há a necessidade de avanços, de aprimoramento. Creio que o correto seria aguardar o momento adequado, e nós não tivemos paciência. De qualquer maneira, é um fato consumado e essa proposta irá à Câmara dos Deputados.

    O revelador é que os ventos da mudança estão chegando também ao Congresso. A votação de ontem revela isso. O fim do foro privilegiado é uma mudança histórica na legislação do País e vai possibilitar a crença de que uma nova Justiça está sendo edificada, especialmente atendendo às aspirações populares.

    Quero agradecer a V. Exª o tempo que me proporcionou.

    Agora, chega o Senador Reguffe...

    O Sr. Reguffe (S/Partido - DF) – Senador.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – ...e também não posso deixar de conceder a ele o aparte.

    O Sr. Reguffe (S/Partido - DF) – É apenas para parabenizar V. Exª, que é o autor da PEC que acaba com o foro por prerrogativa de função neste País, acaba com o foro privilegiado. Acho que foi uma vitória ontem que nós tivemos aqui. É algo em que pouca gente acreditava há um tempo atrás. Eu me lembro de nós conversando nestes corredores aqui. Acho que foi uma vitória sua e de todos os Senadores que aqui lutaram para isso. O foro privilegiado é hoje apenas um instrumento da enorme impunidade que nós temos neste País. E penso que ontem, o Senado, ao votar essa matéria, agiu em sintonia com a opinião pública deste País e com o que é justo, porque, para nós termos uma Justiça mais célere, não se pode concentrar uma série de processos na Suprema Corte brasileira, no Supremo Tribunal Federal. Enquanto a Suprema Corte norte-americana julga noventa processos por ano, a Suprema Corte brasileira, o nosso Supremo Tribunal Federal, tem mais de noventa mil processos para serem julgados por ano. Então, quero parabenizar V. Exª, que é o autor dessa proposição, e parabenizar também todos os Senadores que durante esses anos lutaram para isso. Eu lembro que, na minha primeira semana aqui como Senador, eu fiz um pronunciamento defendendo o fim do foro e a votação dessa proposta de emenda à Constituição. Fui aparteado por alguns. E acho que foi uma vitória ontem. No projeto de abuso de autoridade eu votei contrário, pelos motivos que falei ontem. Mas, nessa proposição da PEC do fim do foro, acho que o Senado agiu em sintonia total com a opinião pública e cumpriu o seu papel. E acho que os Senadores que se envolveram para que essa proposta fosse votada e aprovada ontem agiram em total sintonia com a opinião pública deste País, que é quem este Senado representa.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – Muito obrigado, Senador Reguffe. V. Exª foi um dos Senadores mais atuantes na defesa dessa causa, persistente, e que certamente exerceu grande influência para que, no dia de ontem, pudéssemos chegar a essa conclusão.

    Aliás, temos que destacar também a importância da participação popular. A mobilização nas ruas e as manifestações públicas ocorridas sempre com a faixa propondo o fim do foro privilegiado e as manifestações através das redes sociais impulsionaram a crença nossa de que seria possível aprovar a proposta.

    Agora, imaginamos que, sobre a Câmara dos Deputados, vai se exercer forte pressão popular, primeiramente para que o projeto seja colocado em deliberação e, depois, para evitar que emendas possam ser aprovadas com o intuito da deformação ou da minimização dos efeitos dessa proposta, porque o fim do foro tem que ser completo. Não se pode oferecer alternativas contemporizadoras. Há que se acabar, para valer, com o foro privilegiado.

    Manifestação de Ministros do Supremo Tribunal Federal nos autorizam a afirmar que esse é o caminho: a Presidente Cármen Lúcia, em várias manifestações; o Ministro Edson Fachin, Relator da Lava Jato, em inúmeras manifestações; o Ministro Barroso; o Ministro Celso de Mello; o Ministro Marco Aurélio; e ex-Ministros, como o Velloso. São Ministros que já manifestaram sua opinião; são autoridades que possuem competência, experiência para opinar sobre essa matéria, e todos defendem – e não poderia ser de outra forma – o fim do foro privilegiado de forma completa, absoluta.

    Muito obrigado, Presidente. Eu agradeço, mais uma vez, a condescendência de V. Exª.

    A sessão de ontem valorizou o Senado. São raras as oportunidades em que nós podemos afirmar aqui: "Hoje houve valorização desta instituição."

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/04/2017 - Página 64