Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o perigo do analfabetismo político ante o cenário político e social do País.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CIDADANIA:
  • Reflexões sobre o perigo do analfabetismo político ante o cenário político e social do País.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/2017 - Página 55
Assunto
Outros > CIDADANIA
Indexação
  • CRITICA, SITUAÇÃO, BRASIL, MOTIVO, POPULAÇÃO, FALTA, CONHECIMENTO, ATIVIDADE POLITICA, ENFASE, LOCAL, CONGRESSO NACIONAL, JORNALISMO, ENTREGA, EMPRESA, BRASILEIRA (PI), OBJETIVO, ESTRANGEIRO, AUSENCIA, SOBERANIA NACIONAL.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Presidente, talvez estejamos vivendo hoje um dos momentos mais sombrios da história do Brasil.

    Contraditoriamente, nesse tempo em que a celeridade e a universalidade da informação rompem e desvelam quaisquer fronteiras, nesse tempo assistimos ao esplendor da ignorância, da desinformação e do obscurantismo. Talvez fosse assim o tempo todo, mas a restrição e elitização dos meios de comunicação impedissem que o distinto público se fizesse ouvir além dos círculos que frequentava.

    A internet destaramelou a língua e destravou a inibição de dezenas de milhares de brasileiros. É livre falar, é só falar, diria Millôr Fernandes. E o que se fala? Umberto Eco, irritadíssimo com o que lia na internet, disse que as redes sociais haviam dado voz a uma legião de imbecis. No entanto, pelo menos no que toca ao caso brasileiro, não é bem assim. Quer dizer, não foi apenas a um grupo de iletrados, gente grosseira e abrutalhada que as redes sociais deram voz e visibilidade.

    O analfabetismo político não é um privilégio daqueles supostamente incultos, rústicos ou dos leitores da Folha de S.Paulo que opinam com desinibição notável sobre qualquer assunto, do futebol à política, atropelando pelo caminho as relações internacionais, a cultura, a religião e a filosofia.

    O analfabetismo político, nesses dias tão trevosos da história do Brasil, dá os ares de sua desgraça no Parlamento, no Executivo, no Judiciário, no Ministério Público, na Academia, nas Igrejas, nas ditas altas rodas da dita alta sociedade. E, claro, entroniza-se com fanfarras e foguetório nas redações de nossa gloriosa mídia, notadamente a mídia comercial e monopolista.

    Deixei de lado os economistas de mercado, os comentaristas da Globonews e da CBN, porque quero bem a alguns analfabetos e não quero alinhá-los a tal companhia.

    Aliás, fazendo um parêntese, revela-se hoje que o Senac paga por uma palestra desses Mervais da vida R$375 mil com dinheiro público, um verdadeiro escândalo, uma coisa a ser averiguada e, sendo verdadeira, uma justificativa para acabar com o tal Senac e a irresponsabilidade que o dirige.

    Bertolt Brecht, com a agudeza que o fez um dos mais reverenciados intelectuais do século XX, definiu, para sempre, o que é um analfabeto político. Para Brecht, o pior de todos os analfabetos é o analfabeto político pelo extenso mal que causa à sociedade. Diariamente, os corredores desta Casa e da Casa ao lado atulham-se de pessoas assim.

    O Brasil à beira da extinção, e os corredores desta Casa, as galerias, os nossos gabinetes e as Comissões sufocados por reivindicações corporativas. Aumento de vencimentos, ampliação de privilégios, isenções, exceções à regra, criação de castas, licença para o porte de armas, autorização para matar.

    O Brasil à beira da extinção, e os ocupantes dos assentos desta Casa e da Casa vizinha, ao lado, voltados para o próprio umbigo, cegos para a realidade das coisas. Permutam, negociam uma pinguela, uma estrada, uma cisterna, um posto de saúde, uma agência do Banco do Brasil ou da Caixa, a nomeação de apaniguados, de cabos eleitorais, de compadres pela soberania nacional. Um cargo pela soberania do Brasil. Que se lhes dá, desde que lucrem pixulecos, uma changa, uma peita, uma molhadura, como diz o povo do nosso País.

    Para o analfabeto político, pouco importa se vendem as nossas terras e as nossas florestas; se entregam o nosso petróleo e as riquezas minerais; se arrasam o parque industrial brasileiro; se, sob os aplausos da mídia venal, leiloam as hidrelétricas a preços de pipoca, entregando-as – pasmem, ó, analfabetos – para empresas controladas pelos Estados francês, chinês ou italiano. A privatização brasileira entrega a empresas estatais de outros países, mas o analfabeto político não enxerga nada disso.

    Que se dá a eles, esses analfabetos, se os gastos públicos são congelados por inacreditáveis 20 anos? Se provocam a contração da economia e depois comemoram a queda da inflação e a redução dos juros? Com uma economia absolutamente parada. O que há nisso a comemorar? Liquidam-se direitos e pulverizam-se conquistas.

    O Brasil à beira da extinção como Nação soberana, e os analfabetos políticos no Judiciário, no Ministério Público, na Polícia Federal, no Tribunal de Contas da União, na Defensoria Pública Federal, com a cabeça enterrada na areia do combate à corrupção. São os novos Savonarolas ou Torquemadas a procurar a popularidade em 15 minutos de televisão.

    Esses analfabetos políticos graduados não atilam que a grande corrupção, a maior de todas, a mãe das corrupções é a entrega do País aos interesses imperiais, sempre a preço vil, sempre sob trâmites suspeitos, sempre promovida por gente suspeita, por gente escolada em todo o tipo de compra e venda.

    São ou não tremendos analfabetos políticos, tapados absolutos o juiz, o procurador, o policial federal, o defensor público, o ministro do TCU, os ministros de tribunais superiores que, por exemplo, veem passivamente inertes o Governo – todo ele atolado em denúncias de corrupção – vendendo o patrimônio público com absoluta liberdade de ação?

    Ora, senhoras e senhores justiceiros, queridas e queridos, será que não ocorre às senhoras e aos senhores que são essas pessoas que deveriam estar na cadeia? Pessoas que estão à frente da venda das hidrelétricas, do petróleo, dos minérios, de terras, da Floresta Amazônica, dos portos, dos aeroportos e das estradas? As senhoras e os senhores acreditam que desta vez eles estão agindo honestamente? São os mesmos que agiam ontem que agem hoje, neste descalabro entreguista.

    Para mim esta é a maior prova de que o combate à corrupção é apenas um biombo, uma tapadeira, é apenas um pretexto deslavado para a submissão total, irrestrita do Brasil à globalização imperial, ao capital financeiro vadio.

    E pergunto, faço uma pergunta incômoda: não seriam também corruptos os que fecham os olhos para a liquidação da soberania nacional? Não seriam eles cúmplices dessa falcatrua inominável e abjeta?

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos.

Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio. Ele não sabe que esses preços todos dependem das decisões políticas.

    O analfabeto político não sabe, não quer saber ou, se sabe, é conivente, porque é um quinta coluna, um traidor, que a desnacionalização do sistema elétrico e do setor do petróleo, que a privatização da infraestrutura aeroportuária, rodoviária, ferroviária e hidroviária, que a desindustrialização e a primarização da economia brasileira levarão o País a se transformar em um mero Estado associado a grandes potências, renunciando para sempre a soberania, a dignidade, o respeito, a autoestima, a honra, o desenvolvimento e a boa qualidade de vida para toda a nossa gente.

    "Mas o analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política". Escolas sem partido, sem política, sem ideia. O analfabeto político é tão idiota que se apaixona perdidamente, prontamente, pelos políticos que dizem que não são políticos; pelos políticos que também dizem que odeiam a política.

    O analfabeto político está sempre pronto para aderir ao primeiro picareta que surja na esquina desfraldando as bandeiras da moralidade, da ética e da política sem partidos. Os analfabetos políticos adoram os "administradores" – entre aspas –, os "técnicos" – entre aspas – e os "empresários" – entre aspas –, tidos como empresários de sucesso. Os analfabetos políticos têm queda por apresentadores de televisão, técnicos de vôlei, procuradores da República, juízes federais, ex-Ministros do Supremo que namoram candidaturas à Presidência da República.

    E não adiantam os trágicos exemplos da história sobre esses salvadores da Pátria, esses iluminados, esses apolíticos.

    O analfabeto político, em sua ignorância impermeável, ceratinosa, está sempre alerta, eternamente vigilante para apoiar até mesmo um Luciano Huck, um Dória ou – quem duvida? – talvez até um Alexandre Frota, ou a ex-apresentadora da Globo, Valéria Monteiro, que anunciou a pretensão de se candidatar à Presidência da República e que, então, está à procura de quem lhe dê uma legenda e um programa de governo.

    Oh, Deus misericordioso!

    Senhoras e senhores, arremato com a parte final do poema de Bertold Brecht sobre o analfabeto político:

Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais ou multinacionais.

    Hoje, o capital financeiro que tenta dominar o mundo é representado pelos meirelles e pelos goldfajns, que não sabem – e nem se preocupam em saber – quanto custa 1kg de feijão, 1kg de arroz ou uma posta de carne para dar a mistura no almoço de um pobre trabalhador brasileiro.

    Impressionou-me hoje – já fora do contexto deste pronunciamento – a Presidente do Supremo Tribunal Federal. Ciosa do direito à hora do almoço dos senhores ministros, interrompeu às 11h30 dizendo que o direito ao almoço dos ministros deveria ser respeitado – e, cá entre nós, deve, sim, ser respeitado –, e eles pararam às 11h30 para recomeçarem às 13h30. Duas horas de almoço para os senhores ministros. Merecidas. Eles precisam disso, eles têm que pensar, raciocinar, ler os processos. O almoço tem que ser um momento de tranquilidade, mas foi, aqui, este Plenário do Senado Federal, que, votando uma CLT feita pelo capiroto, pelo diabo, pelo Satanás, precarizou o almoço de todos os trabalhadores brasileiros.

    Obrigado, Presidente, pelo tempo e pela oportunidade.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Cumprimento igualmente o Senador Roberto Requião, Senador a que eu tenho grande respeito e profunda admiração, um político brasileiro reconhecido, não só no Paraná como no Brasil inteiro, pelas suas posições, pela sua coragem e pela sua determinação. Eu quero louvar, mais uma vez, os seus pronunciamentos que são extremamente dignos e reformistas, fundamentalmente.

    Queria só acrescentar que essa sociedade só vai avançar na medida em que os nossos dirigentes – e incluo aí o nosso Presidente da República, ministros e tal – encararem a sociedade brasileira não só apenas como números porque nós não somos apenas números, nós somos humanos, temos necessidades. Efetivamente, em um País de desigualdade como este em que nós estamos vivendo, só discursos com conteúdo, como V. Exª pronuncia, são capazes de proporcionar uma nova reflexão do que nós precisamos efetivamente construir no Brasil.

    Então, parabéns a V. Exª, mais uma vez. Minha admiração e, sobretudo, o meu carinho e a minha gratidão por ser seu amigo.

    Dando sequência, percebo que, por permuta, nós vamos ouvir então, nada mais nada menos do que o meu querido também e dileto amigo Senador Valdir Raupp, em permuta com o Senador Alvaro Dias – imagino eu porque, se não, o Paraná, neste momento, tomaria conta da tribuna do Senado Federal.

    Então, um grande abraço ao Senador Roberto Requião.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Fora do microfone.) – Seguindo os conselhos da Ministra, eu vou almoçar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/2017 - Página 55