Discurso durante a 46ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a homenagear, in memoriam, o Arcebispo de Natal, D. Nivaldo Monte.

Autor
Garibaldi Alves Filho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RN)
Nome completo: Garibaldi Alves Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a homenagear, in memoriam, o Arcebispo de Natal, D. Nivaldo Monte.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2018 - Página 14
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, DESTINAÇÃO, HOMENAGEM POSTUMA, ARCEBISPO, LOCAL, ATUAÇÃO, CIDADE, NATAL (RN), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN).

    O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (Bloco Maioria/PMDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Quero cumprimentar a Presidente, requerente desta sessão de homenagem, Senadora Fátima Bezerra; cumprimentar o Senador José Agripino; cumprimentar o Ministro José Augusto Delgado, representante da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e Ministro do Superior Tribunal de Justiça no período de 1995 a 2008; cumprimentar a Magnífica Reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Srª Ângela Maria Paiva Cruz; cumprimentar o representante da Arquidiocese de Natal e Capelão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o Revmo Sr. Côn. José Mário de Medeiros; cumprimentar o representante na Mesa da família, Sr. Roberto Monte; cumprimentar os demais familiares, como fez agora a Presidente da nossa sessão, Roberto Monte, Oswaldo Monte, Tânia Monte, Carlos e Tâmara; cumprimentar aqui amigos, conterrâneos, a Srª Cícera Brasil Fernandes e o Sr. Raimundo César Brasil Fernandes, seu filho; cumprimentar a Prefeita de São José do Campestre, Alda Romão, aqui presente; cumprimentar todos os que vieram ao plenário do Senado Federal quando se homenageia um dos mais ilustres norte-rio-grandenses do nosso tempo, D. Nivaldo Monte, Bispo Auxiliar de Aracaju e, depois, Administrador Apostólico e Arcebispo de Natal, de 1965 a 1988.

    O feliz ensejo desta homenagem, proposta pela Senadora Fátima Bezerra, refere-se aos cem anos do seu nascimento, completados agora em 15 de março. E é por dever de gratidão e justiça, como potiguar e Senador pelo Rio Grande do Norte, que me uno nesta homenagem a quem, por mais de 20 anos, emprestou sua fé, seu talento e sua abnegada dedicação, como já disseram aqui os oradores que me antecederam, ao pastoreio dos católicos na Arquidiocese de Natal.

    Natalense, desde muito cedo fez de sua vida o serviço ao povo na sua Igreja. Submeteu-se ao chamado e repetiu, por toda a sua vida, como o salmista: "Eis-me aqui; eu venho para fazer a tua vontade."

    Entrou, como já disseram os oradores que me antecederam, ainda adolescente, no Seminário de São Pedro, em Natal, sendo ordenado padre já em janeiro de 1941.

    Foi servir a Deus no interior do Estado, São Gonçalo do Amarante e Goianinha, vindo em seguida para Natal, onde, desde logo, engajou-se nas causas sociais, assistente do Secretariado Arquidiocesano de Ação Social, a partir de 1946.

    Nomeado pelo Papa Paulo VI bispo auxiliar de Aracaju, foi sagrado em Natal por D. Eugênio de Araújo Sales, norte-rio-grandense, então administrador apostólico de Natal, depois arcebispo de Salvador, da Bahia e do Rio de Janeiro; por D. Manoel Tavares de Araújo, também potiguar e bispo de Caicó; e por D. José Tavares, titular da arquidiocese sergipana.

    Com a morte do velho e querido Arceb. D. Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas, foi nomeado para a Sé de Natal, em 1965.

    Seu brasão episcopal trazia a inscrição, extraída de São Paulo, na Carta aos Filipenses: "Para mim, o viver é Cristo".

    Aí está a compreensão de sua própria vida, uma vida de entrega, uma vida de doação. Mais que isso, aí está sua própria vida, porque para ele, como para o Apóstolo, a vida nada mais era que viver o próprio Cristo.

    Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores e nossos convidados, quem assim pensou e viveu sua própria vida não tem biografia, nem história, nem feitos, nem glórias. Só tem o mistério da sua fé.

    Sr. Presidente, ele mesmo disse, em depoimento que foi citado inclusive pela reitora: "Sou um homem ambivalente, aparentemente contraditório. A alegria – como relembrou a nossa reitora – sempre foi uma meta na minha vida, mas sinto-me envolvido por certa angústia no mistério."

    Onde estaria esse mistério nele, que era homem do mundo, pleno de toda humanidade, professor de latim e grego, história, psicologia e filosofia? Onde se escondia algo, assim, de tão oculto nele, cuja curiosidade científica – como já ressaltaram os que me antecederam nesta tribuna – o levava a transitar, da Botânica à Teologia, da poesia às ciências naturais, e, daí, às coisas impalpáveis da fé?

    Certamente, o seu mistério estava em sua própria vida, que ele disse, em seu lema de pastor, ser o próprio Cristo.

    Eu o conheci, meus caros convidados, de perto, não só na generosidade de sua amizade, mas também porque era ele já arcebispo, desde há alguns anos, quando tive a ventura de ser prefeito de Natal.

    Atento às questões sociais e institucionais, num corpo franzino, quase nada, uma voz leve e suave, um olhar doce, das almas ternas, tinha, de fato, o seu mistério, porque o seu Cristo, o Cristo de sua fé, é o mesmo que, de forma desconcertante, disse: "Não pense que vim trazer paz à terra. Vim trazer a espada."

    D. Nivaldo Monte...

(Soa a campainha.)

    O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (Bloco Maioria/PMDB - RN) – Essa campainha é cruel. Até eu, que já estou acostumado... Você avalie o Côn. José Mário. (Risos.)

    Eu agora peço desculpas e peço à Presidente que me dê uma tolerância, porque eu ainda vou aqui... Não vou falar tanto, mas vou falar um pouco ainda.

    A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – O.k., Senador.

    O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (Bloco Maioria/PMDB - RN) – Obrigado, Senadora Fátima.

    D. Nivaldo Monte, Srª Presidente, ostentou, por sua própria vida, a conciliação desse severo anúncio evangélico com um gesto de amor do próprio Cristo, que paradoxalmente dissera trazer espada ao mundo.

    Seu Cristo e, portanto, ele próprio, em seu viver, era também a doação sem limites, pois aquele que trouxe a espada à terra censurou o amigo que a usou para defendê-lo e, logo depois, ofereceu a sua face inocente à mais iníqua das torturas.

    A contradição é real, mas esse é o sinal de contradição do verdadeiro cristão, certo de que a espada que divide extirpa o mal, para deixar o justo. E o fruto da justiça, diz o apóstolo, é semeado na paz para aqueles que promovem a paz.

    D. Nivaldo Monte era esse semeador da paz, por ser missionário da justiça.

    Srª Presidenta, Sr. Senador José Agripino, todos aqueles que estão aqui presentes e são conhecedores da vida de D. Nivaldo Monte, é esse o mistério que ele próprio dizia levar ao culto em si. Isso se refletia não só em sua alma boa, mas em sua ação, gestos, palavras.

    Conciliador magnânimo, pacífico e promotor da paz entre os desavindos, era fiel à sua própria Igreja e intransigente na sua fé.

    Mas era um homem descontraído, Srª Presidente.

    Num livro sobre D. Nivaldo, O Semeador de Alegria, o escritor Diógenes da Cunha Lima, que é presidente da Academia de Letras, da qual D. Nivaldo foi vice-presidente, conta que D. Nivaldo uma vez entrou em seu escritório de advocacia e disse...

(Soa a campainha.)

    O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (Bloco Maioria/PMDB - RN) – Presidente, tenha pena de mim. (Risos.)

    D. Nivaldo Monte...

    Essa campainha, eu vou dizer uma coisa... Ela é insuportável, porque o orador fica perturbado.

    Na verdade, ele, quando entrou no escritório do Dr. Diógenes da Cunha Lima, disse: "Olha, eu ainda não lhe dei o presente que você merece. Eu vou trazer para você um cacho de flores." Sim, de flores. Aí, ele estranhou, o nosso Diógenes. Quando ele entrou depois, um cacho de bananas! Ele disse: "Você não falou que eram flores?" Ele disse: "É, mas na pontinha de cada banana há uma flor." E D. Nivaldo, segundo Diógenes da Cunha Lima, era esse homem descontraído.

    Ele, na verdade, se fez acompanhar uma vez de D. Eugênio, e foram os dois cumprimentar um presidente da CNBB – e me perdoem, mas a memória não está ajudando –, pelo êxito de uma Campanha da Fraternidade. E, quando chegaram ao gabinete do presidente da CNBB, o presidente, surpreendentemente...

(Soa a campainha.)

    O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (Bloco Maioria/PMDB - RN) – Meu Deus, será que eu mereço isso? (Risos.)

    Eu não, mas D. Nivaldo não merece, de jeito nenhum.

    Aí, o presidente da CNBB disse: "Traga aí uma garrafa de vinho e um charuto." Aí, D. Nivaldo disse: "Só pode ser para Eugênio, porque eu nem fumo nem bebo assim." Mas, com todo o respeito à figura de D. Eugênio, na verdade, D. Eugênio tinha essas predileções que D. Nivaldo não tinha.

    Eu gostei do livro do Prof. Diógenes, porque ele nos mostrou a face terna, descontraída, de D. Nivaldo Monte. Ele, na verdade...

(Soa a campainha.)

    O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (Bloco Maioria/PMDB - RN) – Eu acho que há uma conspiração contra mim.

    Estou brincando.

    Na verdade – estou falando até descontraidamente –, eu quero terminar as minhas palavras dizendo o seguinte: ainda, enfaticamente, citou D. Nivaldo a feliz paráfrase de Tagore:

A quem adoras tu nesse canto escuro

e solitário de um templo com portas fechadas?

Abre os teus olhos e vê que o teu Deus não está diante de ti!

Ele está onde o lavrador cava a terra dura

e onde aquele que abre caminhos está quebrando pedras.

Está com eles ao sol e à chuva, com a roupa coberta de pó.

Despe o teu manto ritual e desce como ele ao chão poeirento.

    Ainda na década de 40, D. Nivaldo, mal-ordenado sacerdote, dava com a Igreja de Natal os primeiros passos inovadores, e com o depois Card. Eugênio Sales e outros membros do clero natalense, participou do que se convencionou chamar Movimento de Natal.

    Um dos primeiros, mais duradouros e importantes frutos desses primórdios foram os esforços de educação e politização do meio rural: a Rádio Rural de Natal e suas escolas radiofônicas tiveram sua efetiva e permanente participação, revelando-lhe ainda mais os dotes e talentos de eloquência, de exímio comunicador, em prol não só da catequese, mas da conscientização...

(Interrupção do som.)

    O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (Bloco Maioria/PMDB - RN) – ... política.

    Também é dessa época, e com sua dedicada e inteligente participação... (Fora do microfone.)

    ... o trabalho de sindicalização dos trabalhadores rurais e a denúncia corajosa da perversa indústria da seca.

    Srª Presidente, era em tudo, porém, homem de diálogo, mas sem transigir com o mal e o erro.

    Acolhido com respeito pelos mais afortunados, era amado pelos mais desassistidos, e estava sempre atento quando um irmão, rico ou pobre, preto ou branco, poderoso ou desvalido, lhe dizia, como o paralítico a Jesus: "Senhor, eu não tenho ninguém."

    E ao só e triste, abandonado nos desencantos da vida, amargurado na opulência ou desesperado na pobreza, ele dizia: "Aqui estou. Você tem alguém."

    E, em sua fé, como na sua vida...

(Interrupção do som.)

    O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (Bloco Maioria/PMDB - RN) – ... era o Cristo. Aquela sua presença solidária era não só alguém, mas tudo. (Fora do microfone.)

    Srª Presidente, senhoras e senhores, não esbocei biografia do nosso homenageado. Quis dar um testemunho comovido, de quem conheceu e admirou a alma meiga e firme, desprendida, mas santamente altiva, de D. Nivaldo Monte.

    Não falei sobre uma vida, mas sobre alguém a cuja memória, com Natal e o Rio Grande do Norte, dedico o preito não só de honra e saudade, mas de sentida e fiel devoção.

    Eu quero dizer ainda que, no livro de Diógenes...

    Se não fosse essa campainha... Ela, às vezes... Eu estou achando que ela... Eu já estou voltando atrás: acho que essa campainha, às vezes, tem as suas razões, porque a gente se estende mesmo.

(Interrupção do som.)

    A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – Senador, permita-me rapidamente. Vou conceder mais dois minutos para V. Exª concluir o belo pronunciamento que faz.

    Por favor.

    O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (Bloco Maioria/PMDB - RN) – Isso é bondade de V. Exª.

    D. Nivaldo dizia que só há uma oração que está no livro de que eu não gosto: é a Salve Rainha. Aí, as pessoas se admiravam e perguntavam por quê? Porque ela diz:

[...] vida, doçura e esperança nossa, salve! A vós bradamos, os degredados filhos de Eva; a vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei; e depois deste desterro nos mostrai Jesus, bendito fruto do vosso ventre [...].

    Certamente, "a vós bradamos, os degredados filhos de Eva" é realmente...

(Soa a campainha.)

    O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (Bloco Maioria/PMDB - RN) – Olha, eu queria apenas agora, no final, saudar aqui não os conterrâneos do Rio Grande do Norte, mas os conterrâneos do Rio Grande do Sul no apreço a D. Nivaldo, que são o Sr. Rubi Rodrigo e a Srª Odete, que estão presentes e foram grandes amigos de D. Nivaldo e sua família.

    Presidente, muito obrigado. Desculpe. Eu realmente abusei aqui do tempo, e a campainha me puniu, mas eu estou muito feliz por participar desta sessão e por homenagear esse sacerdote que realmente orgulha todo o mundo católico do Rio Grande do Norte e do Brasil.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2018 - Página 14