Discurso durante a 130ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da Sessão Solene do Congresso Nacional em comemoração aos 30 anos da Constituição Federal e breve histórico da atuação de S. Exª durante o processo constituinte de 1988.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONSTITUIÇÃO:
  • Considerações acerca da Sessão Solene do Congresso Nacional em comemoração aos 30 anos da Constituição Federal e breve histórico da atuação de S. Exª durante o processo constituinte de 1988.
Publicação
Publicação no DSF de 08/11/2018 - Página 100
Assunto
Outros > CONSTITUIÇÃO
Indexação
  • COMENTARIO, SESSÃO SOLENE, OBJETIVO, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ENFASE, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, POLITICA, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, CRIAÇÃO, BEM ESTAR SOCIAL, POPULAÇÃO, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

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07/11/2018


    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, ontem participei da sessão solene em comemoração aos 30 anos da nossa Constituição Cidadã. Lembro que quando ouvi falar pela primeira vez da “Constituinte”, eu era ainda estudante universitária e estudávamos uma proposta que visava a conquista da democracia no Brasil. Debatíamos estas ideias em assembleias de dezenas e algumas com centenas de estudantes. Depois, chegamos a milhares de participantes e aprovamos a ideia de uma constituinte democrática e soberana.

    Logo após, fui eleita vereadora de Salvador e tive a honra de três anos depois ser eleita Deputada Federal Constituinte, sendo uma das duas mulheres representando a Bahia e integrante da nossa bancada de três Deputados e três Senadores Constituintes.

    O processo de construção desta Constituição, desde o início, se deu buscando a participação do povo, sem um processo de ruptura, mas de construção democrática. Nunca na história política do País houve um período tão intenso de mobilização organizada da população brasileira. Fizemos, como o seu “comandante” o presidente Ulysses Guimarães a designou, uma Constituição Cidadã, na aprimoração da liberdade, dos direitos individuais e coletivos, dos direitos humanos, do direito a um Sistema Único de Saúde ao alcance de todos, da educação pública, da condenação ao apartheid e do racismo e sua transformação como crime inafiançável, da defesa da soberania nacional e do estado de bem-estar social que a Constituição firmou.

    Esta foi a Constituição que consagrou a presença ruidosa das mulheres. Àquela época, apenas 5% deste Parlamento era formado por mulheres.

    Porém, a Constituinte de 1988 foi e é um marco fundamental na conquista da mulher ao patamar de cidadã, com direitos iguais aos dos homens.

    Aquela foi a primeira vez que tantas de nós pisávamos nos tapetes verdes e azuis do Congresso Nacional, com nossos corações pulsando na boca e a “Carta das Mulheres aos Constituintes” nas mãos, que afirmava: “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”.

    A “bancada do batom” juntamente com os movimentos de mulheres lutou muito para garantir, na nova Constituição, a ampliação dos direitos das mulheres como a conquista da aposentadoria, férias e licença maternidade, o combate à violência doméstica e ampliação da participação da mulher na política. Construímos uma frente em torno da luta pela emancipação da mulher. Uma luta que se traduziu de forma concreta em nosso País, na batalha pela igualdade de direitos na sociedade. Defendemos temas ligados a direitos essenciais como assistência integral à saúde, direito de creche e ao trabalho com todas as garantias. Levantamos nossa voz contra a discriminação e a violência que se abatia - e ainda se abate - sobre nós, nos quatro cantos do Brasil.

    Inúmeras conquistas da Carta de 1988 podem ser atribuídas ao lobby do batom, como a licença maternidade de 120 dias; licença paternidade de sete dias; salário família; direito a creche e educação pré-escolar; proibição de discriminação em razão do sexo; plena igualdade entre homens e mulheres; igualdade no acesso ao mercado de trabalho e na ascensão profissional; igualdade salarial entre homens e mulheres por trabalho igual; proteção estatal à maternidade e à gestante; igualdade de direitos previdenciários e aposentadoria especial para mulheres; igualdade na sociedade conjugal; liberdade no planejamento familiar; coibição da violência na constância das relações familiares, bem como o abandono dos filhos menores.

    A atuação conjunta e suprapartidária da chamada “bancada feminina” foi fundamental ao garantir igualdade entre cidadãos e cidadãs perante a lei!

    A bancada feminina foi, assim, o único segmento que se elegeu com uma carta programática e, àquela época, foi expressivo o movimento de “nascimento” de uma mulher política, que ao se confrontar com os desafios da política mudou seu ponto de vista e mudou sua própria vida. Nós lutamos e exigimos banheiros femininos no Plenário, nos gabinetes - o que não havia. Foi uma prioridade na aprovação daquilo que queríamos como direito. Àquela época, nossa presença era vista como exceção. Éramos poucas e representávamos uma novidade no Congresso Nacional, que havia ampliado de 1,9% para 5,3% a representação feminina no Parlamento.

    Tive a honra de ser uma das 26 deputadas Constituintes, protagonista daquele momento histórico de nosso País e da luta feminina. Durante a Constituinte, apresentei 196 emendas constitucionais, das quais 31 foram aprovadas, entre elas o Projeto de Lei n° 2.350, que tratava da proteção ao mercado de trabalho da mulher; o Projeto de Lei nº 973 de 1988, que propunha alterações no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); e o Projeto de Lei n° 2.784, que fixou as Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB).

    Pela primeira vez, uma Constituição brasileira trouxe para as mulheres a conquista de direitos como aposentadoria, férias e licença maternidade, frutos da participação feminina na elaboração do texto constitucional. Além disso, foram incorporados à Carta Magna de 1988 dois importantes artigos relacionados a equidade de gênero e à proteção dos direitos humanos das mulheres: o artigo 5°, I: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”; e o artigo 226, parágrafo 5°: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos pelo homem e pela mulher”.

    Hoje, podemos afirmar que ao longo dos últimos anos presenciamos avanços importantes, como a Lei nº 11.340, de 2006, a chamada Lei Maria da Penha, e a Lei nº13.104, de 2015, que tipifica o crime de feminicídio.

    De outro lado, ainda persistem situações dramáticas de violência de gênero e tentativas recorrentes de modificar os direitos das mulheres. E este movimento retrógrado não se dá apenas no Brasil, a ponto da Organização das Nações Unidas (ONU) ter feito um alerta em 2017 sobre as reformas legislativas que têm levado a retrocessos mundiais nos direitos das mulheres.

    Decorridas três décadas daquela que foi uma das principais ações do movimento de mulheres, nos deparamos com direitos que foram tão amplamente debatidos e conquistados sob ameaça de serem “desconstituídos”. Tais ameaças estão presentes na aprovada reforma trabalhista, na proposta de reforma da Previdência e na tramitação de projetos que afetam direta e drasticamente a vida de milhares de mulheres brasileiras e que estão na pauta do Congresso Nacional.

    O indício de que ainda vivemos uma sociedade patriarcal, apesar de sermos mais da metade da população feminina, ainda é a expressiva violência doméstica contra as mulheres, bem como a sub-representação feminina nos Parlamentos. Nas últimas eleições, elegemos 77 Deputadas Federais e 9 Senadoras, respectivamente 15% e 9% das vagas na Câmara e no Senado, o que quer dizer que em 30 anos cresceu apenas 10% a representação feminina no Legislativo Federal.

    Ao comemorarmos os 30 anos da Constituição Cidadã e com ela a “Carta das Mulheres aos Constituintes”, convido a todos os cidadãos brasileiros - e não apenas as mulheres - a uma reflexão: não se esqueçam de quão importante foi a luta que travamos há 30 anos para sermos consideradas sujeito político e social. Nossa luta é e será para garantir e ampliar esses direitos. Conquistas houve, mas há ainda por conquistar e não vamos desistir da luta!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/11/2018 - Página 100