Discurso durante a 50ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões acerca da economia informal e sua relação com a pobreza no Brasil, destacando a necessidade da democracia se tornar mais inclusiva. Necessidade dos governos apresentarem continuidade dos bons projetos. Considerações sobre a exclusão bancária.

Autor
Confúcio Moura (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Confúcio Aires Moura
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Economia e Desenvolvimento, Política Social:
  • Reflexões acerca da economia informal e sua relação com a pobreza no Brasil, destacando a necessidade da democracia se tornar mais inclusiva. Necessidade dos governos apresentarem continuidade dos bons projetos. Considerações sobre a exclusão bancária.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2023 - Página 16
Assuntos
Economia e Desenvolvimento
Política Social
Indexação
  • ANALISE, ECONOMIA INFORMAL, VINCULAÇÃO, POBREZA, BRASIL, ENFASE, NECESSIDADE, MELHORIA, DEMOCRACIA, INCLUSÃO SOCIAL, APRESENTAÇÃO, GOVERNO, PROJETO, QUALIDADE, COMENTARIO, EXCLUSÃO, PESSOAS, SISTEMA BANCARIO NACIONAL, MUNDO.

    O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO. Para discursar.) – Sr. Presidente, Senadores, telespectadores, o título do meu discurso hoje é: vida real no futuro que não chega.

    Tenho estudado, Sr. Presidente, ao longo da minha vida, alguns pesquisadores, economistas, antropólogos, sociólogos, sobre a economia no mundo, principalmente a economia invisível, a economia não medida, que nós chamamos de economia subterrânea.

    Este tema "economia subterrânea" é título de um livro de um economista peruano chamado Hernando de Soto. Ele escreveu – ele é um dos maiores especialistas do mundo sobre a informalidade do trabalho – sobre as dificuldades que a pobreza enfrenta nas mais diferentes áreas do trabalho e também da habitação e da posse das terras.

    Desde que uma ocupação, desde que uma família ocupa uma área devoluta ou uma área ainda da própria União, demora, mais ou menos, cerca de 15 a 20 anos para que essa documentação e a legalização sejam feitas. Assim também os espaços informais: vocês podem imaginar a disputa por um metro quadrado de calçada para os camelôs das avenidas mais populosas do país? Aqui mesmo em Brasília, próximo da rodoviária, sempre perseguidos. Ali estão colocados os trabalhadores informais a venderem suas coisas para quem passa. E sempre, sempre, a polícia ou mesmo os órgãos repressores do Distrito Federal vão lá e esparramam aquela turma naquela operação chamada de "rapa".

    Então, o trabalho subterrâneo, oculto existe. E ele foi estudado muito bem aqui por Celso Furtado, nos anos 50, um grande economista brasileiro, exilado na França, que estudou muito, escreveu muitos livros. Foi o fundador da Sudene e de outras instituições para combater a desigualdade social e econômica do Brasil, principalmente do Nordeste brasileiro.

    Então, nós temos Paulo Singer, outro economista paulista, professor que dedicou sua vida ao trabalho da economia solidária. E, no Governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Singer criou a Secretaria Nacional de Economia Solidária no Ministério do Trabalho.

    Tivemos também um importante estudioso, brasileiro, baiano, pernambucano e depois rondoniense, onde ele veio se aposentar, chamado Clodomir Santos de Morais. Clodomir escreveu muitos livros, principalmente sobre a teoria da preparação massiva. A preparação da mão de obra em situação grave, em situação de pobreza: como formar jovens para o trabalho num clima inóspito, inacessível a eles. Então, ele foi exilado do Governo brasileiro, na época da ditadura militar, e foi para Honduras, para os países aqui da América Central onde ele pôde colocar em prática a teoria da preparação massiva de mão de obra de jovens pobres.

    Assim também tivemos Ignacy Sachs, um polonês que veio para o Brasil ainda jovem, depois mais tarde voltou para a Polônia. Fixou residência no mundo inteiro, ele ainda foi um apátrida, ele andou pelo mundo, onde era chamado, em organismos multilaterais, como a ONU e outros tantos, trabalhando assim pelas causas das pessoas necessitadas.

    E, por fim, para não citar tantos outros, falo da figura extraordinária do economista bengalês Muhammad Yunus, o chamado Banqueiro dos Pobres. Ele criou o primeiro banco popular do mundo a financiar sem aval, sem avalista, para pessoas notadamente carentes em seu país, que até hoje é pobre, Bangladesh, e ele, por isso, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Mas o que tem a ver Prêmio Nobel da Paz com economia? Ele era economista formado nos Estados Unidos e voltou para o seu país para enfrentar a miséria do seu povo. E, então, quando foi indagado, por que Prêmio Nobel da Paz? E ele falou: "Enquanto existir miséria no mundo, não haverá paz". Enquanto existir miséria no mundo não haverá paz, por isso ele foi homenageado com o Prêmio Nobel da Paz.

    Essa economia subterrânea que eu falo aqui, agora, tem sido vista e sentida pela ameaça à democracia no mundo. A democracia se encontra em risco, no mundo, justamente por não ter sido inclusiva. Então, para que a democracia seja de fato o regime político mais efetivo que a gente mais defende no mundo, sobre o qual a gente mais discursa, mais fala, mais brada, que ocorre através da eleição dos seus líderes pelo voto direto... Ela está ameaçada pela exclusão. E essas pessoas excluídas falam: "Eu não vou encher minha barriga com democracia". Então, se a democracia quiser ter vida longa, ela precisará chamar para dentro de si as camadas sociais que são hoje excluídas. A democracia inclusiva é a solução.

    Há inúmeras barreiras, minha gente, para que uma pessoa que nasce num bairro periférico de mais pobres possa escalar os degraus da escala social. É muita dificuldade para que um filho de uma empregada doméstica, de um trabalhador, de um porteiro da noite e outros tantos possam prosperar e crescer, a não ser com um gigantesco esforço pessoal, intelectual, de dedicação, acima dos seus próprios limites. Há barreiras extraordinárias ao crescimento das pessoas. Há falta de oportunidade para eles.

    Então, a gente observa que muitos programas de governo são excelentes, por todos os Presidentes, por todos os Governadores, até por Prefeitos – são programas extraordinários. Por exemplo, esse programa, hoje, chamado Bolsa Família não é de autoria do Lula, não é de autoria do Fernando Henrique, não! Ele surgiu na cidade de Campinas, lá no interior de São Paulo, com um Prefeito que foi o primeiro Prefeito do Brasil a dar dinheiro a uma criança de rua para ela ir para a escola, deixar a caixa de engraxate de lado e receber uma mesada para ir para a escola. Depois foi evoluindo e hoje é o chamado Bolsa Família.

    Então, há essa necessidade de um governo não desfazer coisas boas de outro governo. É importante a consecutividade, dar seguimento aos bons projetos, fazer todo o esforço possível. Por exemplo, as experiências educacionais bem-sucedidas em muitas cidades brasileiras e até mesmo em estados podem e devem ser imitadas, copiadas e continuadas.

    Nós estamos vendo aí o esforço, que eu citei no início, de Celso Furtado, que criou a Sudene lá atrás justamente para criar um amparo de proteção ao Nordeste brasileiro, criar os mecanismos de desenvolvimento do povo nordestino. E ele viu, com o tempo, que tanto esse organismo importante quanto também a Sudam, no Norte, foram enfraquecendo, perdendo impulso, energia, substâncias econômicas, substanciais recursos econômicos para investimentos no combate à pobreza e à desigualdade regional no Brasil.

    Hoje nós temos cerca de 40 milhões de informais no Brasil – é o que a estatística mostra hoje: 40 milhões de trabalhadores informais no Brasil. Eles são trabalhadores de sobrevivência; eles são trabalhadores para garantir o sustento do hoje, do agora; eles não são trabalhadores para o desenvolvimento do país; eles são sobreviventes, trabalham para o almoço e tentam garantir a janta.

    Então, minha gente, essa baixa produtividade do trabalho, essa baixa garantia de direitos dos trabalhadores brasileiros, 40 milhões... Onde estão eles? Estão na rua! Eles estão nas feiras; eles estão nas calçadas, como camelôs; eles estão nesses pequenos restaurantes. Aqui mesmo, em Brasília, passando pela rua, você vê pontos vendendo quentinhas, outros vendendo pamonhas, outros vendendo doces, outros vendendo amendoim, outros fazendo isso, fazendo aquilo; tudo pela sobrevivência do dia.

    A importância do Crédito Solidário, do Crédito Inovação, do crédito para os pequenos. A exclusão bancária no Brasil é evidente. Tem muita gente que nunca entrou num banco, e outra grande quantidade de pessoas só vai ao banco com aquele cartão para o saque do seu benefício mensal. E nem sabem operar a máquina. Ficam ali olhando a cara de cada um que entra e ficam perto, olhando se tem cara de gente séria, para entregar o cartão para sacar o dinheiro do Bolsa Família ou do benefício de prestação continuada.

    A exclusão bancária. E quem vai receber esse enorme contingente de brasileiros que querem movimentar suas contas em banco, que querem ter créditos também? Onde, a não ser nas cooperativas de crédito, a não ser nos bancos populares que vão surgindo por aí, nas sociedades de aval solidário? Enfim, nós temos que criar – e já está criado por esses organismos populares – o crédito solidário, para emprestar o dinheiro sem um aval. Quem é o avalista dele? É o vizinho. Vá lá o agente de crédito e pergunte àquele vizinho, de um lado e do outro, quem é aquele fulano que está lá batendo no banco do povo querendo R$2 mil, querendo R$1 mil. Aquela costureira, aquela manicure que precisa comprar esmalte em maior quantidade; ela precisa de R$500, de R$1 mil. Quem é que vai avalizá-la? É o vizinho que vai falar: "Ela mora aqui mesmo. Mora há dez anos, é gente séria, trabalhadora". Esse aval solidário, esse aval de vizinhança é que seria a garantia maior para o crédito solidário.

    Então, nós devemos enfrentar nossos problemas logo. Não temos que ficar esperando mais 40 anos, mais 10 anos, mais 20 anos, mais décadas perdidas sucessivamente. O Brasil não cresce, meus amigos! Há 40 anos o Brasil não experimenta um crescimento sólido e definitivo. O Brasil é oscilante, entre o zero de crescimento e 1%; quando chega a 2%, nós comemoramos; quando bate 1,5%, a gente já fica alegre. É assim que a nossa economia oscila.

    Então, nós deveremos enfrentar nossos problemas com as nossas próprias mãos, com a realidade, com a dureza do dia, com as dificuldades que cada um de nós tem na sua vivência. Nós devemos, nós mesmos... Nós não vamos ficar acreditando que algum país do mundo vai mandar dinheiro para combater desmatamento na Amazônia. Isso é ilusão! Esse Fundo Amazônia é bom. Ele é bom, é importante, mas não vai resolver. Os nossos problemas nós temos que resolver. É "nós com nós", nós conosco mesmos, trabalhando, logicamente expandindo as nossas relações comerciais para o mundo, dentro do possível, com aquilo em que nós somos experientes, que é o agronegócio, mas sem esquecer, de maneira nenhuma, os grandes programas da colonização brasileira para o Centro-Oeste brasileiro, para o Norte brasileiro.

    Essa colonização não foi feita por grandes; essa colonização foi feita com a reforma agrária dos anos 70. Nos anos 70, se distribuiu pequenas glebas no Brasil, no Pará, em Rondônia, nos dois matos grossos, em Goiás, na ponta do Maranhão, lá em um pedaço do Tocantins, numa ponta do Piauí, numa área da Bahia e até aqui, na região de Minas Gerais, aqui no norte de Minas. Tudo foi feito graças a esses investimentos na pequena propriedade rural, que, lenta e gradualmente, foi sendo incorporada por grandes conglomerados agropecuários, e hoje temos, para o nosso orgulho, o agro como a ponta de lança da economia brasileira, mas nós não poderemos desprezar os pequenos produtores rurais sob nenhuma hipótese.

    Nossas soluções, nossos problemas estão em nossas mãos. As favelas estão dando exemplo de organização da sua economia, da solução dos seus problemas. Nós devemos, se quisermos ser um país justo, levar para as periferias o que há de melhor. A melhor escola deve ir para a periferia; a melhor biblioteca tem que ir para a periferia, para os bairros pobres; as melhores quadras esportivas, os teatros médios, ou não, ou grandes, nas periferias. Levar grandeza, levar beleza, levar equipamentos culturais, levar o esporte para as periferias brasileiras, dar mais a quem tem menos: é isso que nós devemos fazer e logo. Não dá para ficar adiando.

    Falamos: "O Brasil é um país do futuro". Até quando nós vamos ficar falando que o Brasil é o país do futuro? O Brasil tem que ser o país do agora, o país do presente, o país do hoje, e assim, sim... Como é que nós fazemos isso? Introduzindo a educação de qualidade para todos os brasileiros logo, dando um choque de gestão, fazendo o que deve ser feito, dando a qualidade da educação brasileira para todos: ao pobre, ao médio e ao rico.

    São essas as minhas palavras, Sr. Presidente.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2023 - Página 16