Discurso durante a 70ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Em fase de revisão e indexação
Autor
Chico Rodrigues (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco de Assis Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso

    O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR. Para discursar.) – Meu caro Senador Izalci Lucas, Senadores Eduardo Girão e Humberto Costa, aqui presentes, e todo o povo brasileiro que nos assiste neste momento, eu gostaria de falar aqui de um tema recorrente para o Brasil, que é a questão do saneamento, e, ao concluí-lo, falar de outro tema recorrente que aconteceu hoje na sessão especial, aqui no Senado.

    No Brasil e nos demais países, o tema do saneamento básico integra qualquer reflexão política mais séria a respeito das estratégias para o aumento da qualidade de vida da população. A universalização da coleta de esgoto e da oferta de uma água tratada tem efeitos positivos para a saúde, aumentando a expectativa de vida e o bem-estar. Ao mesmo tempo, a gradativa ampliação do número de lares alcançados por obras de saneamento reduz a necessidade de investimentos em saúde pública, ajudando no combate a tantas doenças causadas por ambientes insalubres e contaminados. Mais saneamento, menos doenças; essa é a regra. Mais saneamento, mais emprego e mais renda – essa é a outra regra –, tanto na construção da infraestrutura quanto na ampliação de postos de trabalho na gestão de serviços.

    O Censo Demográfico mais recente, de 2022, revela que, no Brasil atual, a rede de esgoto alcança ao menos 62,5% da população. O índice evoluiu no tempo: em 2000, apenas 44% dessa população brasileira contava com essa cobertura, uma proporção ampliada em 52%. Se contarmos os domicílios com esgoto por rede coletora ou fossa séptica, a proporção aumentou de 59,2%, em 2000, para 75,7%, em 2022, mas ainda contamos com 37,5% da população sem acesso à coleta de esgoto e apenas 50% do esgoto coletado é tratado antes de ser despejado, jogado na natureza.

    No que tange à coleta direta ou indireta do lixo, tivemos um avanço mais significativo: quase 91% da população brasileira foi atendida pelo serviço, em 2022, mas isso está longe de ser animador, porque só conseguimos reciclar 4% dos nossos resíduos sólidos. Estima-se que o lixo não reciclado, que vai para os lixões, poderia movimentar R$14 bilhões ao ano, além de gerar emprego e renda. Não é só o lixo que é desperdiçado; junto com ele, jogamos fora oportunidades e recursos.

    Estimados colegas Senadores presentes nesta sessão, o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê dotações elevadas para fins de expansão dos serviços de água e esgoto e para a gestão de resíduos sólidos. A previsão de investimentos na iniciativa Água para Todos é de R$30 bilhões, a serem empregados, ao longo dos próximos anos, em obras de abastecimento, de infraestrutura hídrica e de revitalização de bacias hidrográficas, e em prol dos brasileiros em situação de vulnerabilidade social.

    Na rubrica saneamento básico, outros R$26 bilhões serão investidos na conclusão de obras e também no financiamento de projetos. Já para a gestão de resíduos sólidos, está previsto R$1,9 bilhão para conclusão de obras novas, seleção de resíduos e concessão de serviços.

    Em tema de relevância socioambiental – e aqui nós destacamos que a universalização do saneamento é vital na preservação de nossos biomas –, importa que o poder público module a sua ação conforme as necessidades de parcelas expressivas da sociedade. Assim, do mesmo modo que os dados do censo apontam clivagens sociais na oferta dos serviços de saneamento à população urbana, em desfavor da população mais pobre, existe também, aí, um evidente desequilíbrio entre o universo das cidades e o ambiente rural. Aqui nos auxilia a reflexão divulgada pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento no relatório "Saneamento Rural: Proposta de recomendação da Aesbe a seus associados".

    Tendo por base, em sua análise, o Plano Nacional de Saneamento Básico e o Programa Nacional de Saneamento Rural, a associação destacou o uso frequente de soluções individuais em todo o Brasil – por exemplo, as fossas sépticas e os sumidouros. As reflexões dos técnicos dessa instituição servem para orientar as ações em favor de mais de 32 milhões de brasileiros que residem em áreas rurais.

    O estudo aponta diferenças significativas entre populações rurais atendidas e não atendidas por abastecimento de água em 2021. Nesse quesito, conforme uma das metodologias empregadas, 9,6 milhões de pessoas contam com o serviço, enquanto mais de 70% do total, ou seja, 23 milhões de pessoas, estão desassistidas do abastecimento de água em áreas rurais. Quanto ao esgoto sanitário, 2,5 milhões de brasileiros residentes em áreas rurais são atendidos – quantitativo modesto ante os quase 30 milhões não assistidos, ou seja, 92,3% dos moradores das áreas rurais.

    A pesquisa também destaca as diferenças entre as regiões ao alertar sobre a situação da Região Norte com alta carência de serviços. Simplesmente 99,7% dos lares rurais da Região Norte não possuem serviço de esgotamento sanitário, e, quanto ao abastecimento de água, a Região Nordeste apresentou o maior déficit: 80,2% de lares rurais desassistidos.

    Notamos nas unidades federadas a dispersão geográfica da população rural, que está fora do alcance desses prestadores de serviço de água e esgoto. Conforme a Aesbe, o programa deve ser enfrentado com criatividade para que novos arranjos institucionais garantam a oferta de tais serviços a todos. Em face da pluralidade de unidades federadas e de suas características específicas, as medidas saneadoras exigem adaptações a cada contexto específico.

    Na cidade e no campo, a universalização do saneamento básico exige investimentos vultosos, que não merecem o nome de gasto econômico. Tratamos aqui do Estado brasileiro em seu esforço de honrar os compromissos republicanos da Constituição Federal.

    No tempo presente, a devastação do Rio Grande do Sul por intempéries e enchentes causadas pelas mudanças climáticas é um alerta eloquente para repensarmos as nossas cidades, a ocupação do solo brasileiro, a nossa gestão urbana e rural, com oferta de saneamento básico e água tratada para todos.

    O Brasil, importa também lembrar, continua a ser um país rico, mas um país de pobres, com a arrecadação de R$657 bilhões, apenas no primeiro trimestre do corrente ano. Para além do que possa haver de mensurável ou planificável nas políticas de universalização dos serviços de água e de esgoto, eu creio que há, no centro desse debate, algo de mais essencial a respeito do nosso Brasil. Falo do coração da própria ação política. Qual tipo de sociedade desejamos construir, promover e assegurar para todos os brasileiros? Quantas décadas mais vamos esperar para que a universalização do saneamento básico seja encarada pelo Estado brasileiro como prioridade total?

    Nós precisamos encarar com seriedade a superação dos nossos problemas de saneamento e de habitação. Precisamos, inclusive, adotar novas tecnologias na produção de estruturas em tempo recorde, com auxílio, por exemplo, de impressoras digitais modernas, as conhecidas impressoras 3D, na construção civil, que permitem construir casas inteiras em poucos dias e com preços mais acessíveis, tecnologia que já começa a ser utilizada em Portugal e nos Estados Unidos. Medidas como essa podem trazer mais eficiência aos gastos públicos com saneamento e habitação. Desse modo, com vontade política, muito trabalho e responsabilidade social, estaremos à altura de superar todos os nossos desafios.

    Sr. Presidente, eu faço esse alerta em relação à questão do saneamento básico, do abastecimento de água, inclusive entrando pelo viés da habitação popular, porque é fundamental para o nosso país. Nós sabemos que o déficit habitacional no Brasil é de mais de 15 milhões de residências. E os habitantes, aqueles que na verdade não têm um teto, aqueles que na verdade vivem aí numa situação muitas vezes até sub-humana, precisam da mão estendida do Estado brasileiro.

    A metodologia de construção hoje, como citei aqui, que está sendo desenvolvida já há algum tempo nos Estados Unidos e agora está se expandindo na Europa, a partir de Portugal, e se considerarmos também os exemplos que já existem no Japão, onde tem modelos de habitação desenvolvidos pelos sistemas 3D, 4D, permite que, em menos de dois dias, se construa uma casa de 60km², com todo o conforto que se tem com a tecnologia atual.

    Portanto, nós entendemos que é necessário que haja esse cuidado, que haja esse planejamento, que haja esse compromisso, que haja essa responsabilidade não do atual Governo apenas, mas de todos os Governos que virão, porque aqui está em jogo a vida da população brasileira, independentemente do Governo.

    Eu acho que nós que somos de um estado mais carente, onde a população tem mais dificuldade de acesso à habitação popular, ao saneamento, à água potável – e aqui eu me referi várias vezes à questão da água potável na zona rural – verificamos que mais de 95% da população rural da Região Norte não dispõe de água potável. Isso é um desastre, isso é uma lástima, porque aí vem a questão das doenças, aí vem a questão de internações hospitalares, aí vem uma série de fatores que quebram essa sequência do nosso sonho, que é um planejamento de curto, médio e longo prazos, para abrigar os interesses da sociedade brasileira.

    Portanto, deixo esse registro, ao tempo que quero elogiar também a sessão solene que foi realizada hoje aqui, no Senado, nesta Casa da República, a Câmara Alta da República, por indicação do Senador Humberto Costa, para comemorar os 20 anos do Samu – o Samu que hoje é um instrumento social poderosíssimo. A gente sabe que o Samu atende a toda a população brasileira, independentemente da classe social. Em um acidente, ali está o Samu prontamente, com profissionais altamente capacitados, para que possam socorrer num acidente, em uma emergência, qualquer cidadão. Foi muito justa essa homenagem que foi realizada.

    Nós participamos dessa sessão solene hoje pela manhã, com a presença da Ministra Nísia Trindade, vendo exatamente os esforços que estão feitos pelo Governo, mas que ainda tem muito a fazer. Inclusive citei aqui o caso do meu estado, lá na fronteira com a Venezuela, no Município de Pacaraima, onde o Prefeito Torquato vive uma luta interminável para atender o seu município, que tem aproximadamente 10 mil habitantes, mas pelo qual já passaram mais de 800 mil refugiados venezuelanos – 800 mil, deixe-me repetir aqui! É lógico que a cidade incha e encolhe, incha e encolhe, em função exatamente da velocidade de esses refugiados adentrarem o Brasil e de ali ser o único ponto de passagem.

    Então, ele tem hoje uma dificuldade gigantesca, não é? Há semanas em que tem 15, 20, 30 emergências, e uma distância de 200km entre aquela cidade de fronteira com a Venezuela e a capital Boa Vista.

    Portanto, foi outra solicitação que fiz à Ministra, à sua equipe, que atenda com a ambulância do Samu o mais rápido possível.

    Não poderia deixar, de forma alguma, de fazer esse registro, mais uma vez – pela segunda vez, hoje, agora, nesta sessão da tarde –, porque entendemos que aqui é o cenáculo, aqui na verdade é onde podemos reivindicar todos os benefícios para a sociedade brasileira.

    Portanto, faço esse registro e gostaria que fosse divulgado em todos os veículos de comunicação do Senado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2024 - Página 19