29/03/2023 - 6ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 6ª Reunião da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
Na audiência pública de hoje, vamos debater trabalho escravo e a expropriação de terras, conforme o PL 5.970, de 2019.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211.
Eu vou fazer uma pequena introdução enquanto alguns dos nossos convidados ainda estão chegando.
A pequena introdução que faço: esse PL 5.970, de 2019, regulamenta a emenda à Constituição com que nós trabalhamos muito desde a Câmara dos Deputados e que vocês muito nos ajudaram aqui.
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ...tarde tem outra aqui...
(Interrupção do som.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... cidade de São Paulo, matando uma professora e ferindo três pessoas, deixou o país estarrecido. Foi um filme de terror. Eu mesmo vi pelos vídeos que estão nas redes.
O acontecido merece ampla reflexão de todos nós. Não podemos tratar essa situação como um caso isolado. Pelo contrário, vem se repetindo em quase todos os estados. Ele está dentro de um contexto de uma realidade cruel e de um modus operandi da sociedade que permite que isso ocorra. Como deixamos que isso ocorresse? Não foi o primeiro caso. Pergunto: a morte é a ponta do iceberg?
Uma pesquisa da Associação dos Professores do Estado de São Paulo aponta que, em 2019, mais da metade dos professores, 54%, disseram já ter sofrido algum tipo de agressão; entre os estudantes, em 2019, 81% relataram saber de episódio de violência dentro da sua escola.
A violência no ambiente escolar é espelho dos graves problemas da nossa sociedade: desemprego, racismo, discriminação, preconceito, políticas de ódio, fome, brigas, atendimento de saúde precário, bullying, miséria, pobreza, desigualdade, concentração de renda, discurso de ódio e violência nas redes sociais, nas esquinas, em todos os lugares.
Se repararmos bem - e aqui não quero fazer injustiça -, sem generalizar, mas, quando observamos o ambiente escolar, a sensação que temos é que ele está sempre em profunda tensão. Eu já recebi centenas de relatos nos anos em que presidi esta Comissão.
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A escola ouve o aluno, ouve o estudante? Faz-se a pergunta. Sabe-se dos anseios e necessidades e problemas? Ouve os professores? Ouve os funcionários? Os Governos ouvem os dirigentes das escolas, diretores, secretários, trabalhadores? A mim parece que há um distanciamento enorme entre esses atores. Aí eu pergunto onde está o Estado brasileiro, onde estão as políticas públicas humanitárias que nos apresentam um quadro tão preocupante como esse durante décadas?
Especialistas afirmam - e eles já estiveram várias e várias vezes aqui no Senado - que é necessário acolher os estudantes, buscar aproximação com as famílias, qualificar os profissionais da educação, acolher os professores e professoras também, porque aqui, pelo relato que já li, são agredidos.
Eu vi um vídeo, essa noite ainda, que me assustou. A professora discordou de um aluno, ele levantou, bateu nela e a arrastou pelos cabelos. Em vez de ele sair da sala de aula, ele arrastou-a pelos cabelos. Daí veio um segurança e, claro, fez a devida repressão e recolheu o menino para responder junto à justiça.
Afirmo também que segurança é prevenção, e a prevenção não está necessariamente ligada a questões policiais, mas a um contexto de infraestrutura e de acolhimento, de humanidade.
A escola também tem o seu papel social do diálogo com toda sociedade, para, evidentemente, melhorá-la. Pensar nos nossos jovens, estudantes, professores, funcionários é pensar não só no presente, mas num futuro de dignidade.
Dizemos sempre que a nossa responsabilidade, de todos nós, é enorme. Somos omissos a partir do momento em que esquecemos, e na maioria das vezes o esquecimento é deliberado. Na verdade, aqueles que não debatem, não discutem, não buscam soluções e sabem que é possível viram cúmplices.
Aqui eu lembro Milan Kundera, que disse: "A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento". Transver é ver além, olhar com destreza, firmeza, capacidade de mudança. Temos que transver o Brasil.
O Congresso Nacional, os Parlamentares não podem passar ao longo e longe desse assunto, e muito menos tratar desse tema somente quando ocorre um caso ou outro, como esse. O debate tem que ser permanente, a palavra é prevenção.
O Senador Fabiano Contarato tem um projeto que amplia o tempo de internação de adolescentes infratores. Eu tenho também um projeto: há um projeto de minha autoria já aprovado no Senado, está na Câmara dos Deputados, é o PL 7.157, de 2010 ainda. Em 2010, nós o aprovamos aqui. Então, está lá há 13 anos. Ele trata da cultura de paz nas escolas. Foi um projeto construído pelos professores e professoras, que dialogando com os alunos do Rio Grande do Sul, remeteram para mim e eu, naturalmente, apresentei o projeto.
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Eu faria de forma simbólica, não só em relação ao que aconteceu essa semana lá em São Paulo; mas essa violência nas escolas de todo o Brasil - depois nós vamos discutir entre nós aqui a violência na questão do trabalho, que é o trabalho escravo -, eu pediria a todos que a gente ficasse de pé um minutinho como homenagem a esses que perderam a vida pela violência nas escolas.
(Faz-se um minuto de silêncio.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Obrigado.
Iniciamos nosso debate de hoje sobre o trabalho escravo para instruir o projeto que será votado no dia 12. Já foi pedida vista, repito. Isso foi um entendimento com todos os Senadores desta Comissão.
Convidamos Cristiano Nabuco de Abreu...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sim, mas eu só vou citar o nome dos convidados.
Convidados: Cristiano Nabuco de Abreu, psicólogo, Coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP - teremos da parte dele a participação remota -; Jorge Luiz Souto Maior, Desembargador do Trabalho da 15ª Região - também será participação remota -; Italvar Filipe de Paiva Medina, Procurador do Trabalho e Vice-Coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho, a quem eu convido para que venha à mesa se já estiver presente. (Palmas.)
Muito bem, está aqui conosco já.
Convidamos Carlos Silva, representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
Carlos Silva já está conosco? (Pausa.)
Está chegando. Então, ele vem direto para a mesa daí.
Fernanda Drummond, representante do Conectas Direitos Humanos.
Está aqui a Fernanda? (Palmas.)
Muito bem, Fernanda.
Chamamos agora Andreia Figueira Minduca, Secretária-Executiva da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). (Palmas.)
E convidamos Isadora Brandão Araújo da Silva, Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, representante do Ministério dos Direitos Humanos, doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo. (Palmas.)
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Convidamos Ilmar Galvão, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, fundador da Advocacia Ilmar Galvão e jurista.
Aqui diz aguardando confirmação, não sei se já se encontra.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está vindo.
Vou intercalar entre um presente e um que vai entrar de forma virtual. Então começamos, neste momento, com Italvar Filipe de Paiva Medina, Procurador do Trabalho, Vice-Coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho.
O senhor inicia e, em seguida, entra o Sr. Cristiano Nabuco de Abreu
O SR. ITALVAR FILIPE DE PAIVA MEDINA (Para expor.) - Bom dia a todos e a todas, cumprimento todos os presentes, na pessoa do Senador Paulo Paim, e também agradeço o convite para participar desta audiência pública e a oportunidade de falar um pouco sobre o trabalho escravo contemporâneo e sobre o projeto de expropriação de terras.
A luta contra a erradicação do trabalho escravo no Brasil tem uma história bastante significativa, inclusive quanto à definição do conceito no Código Penal, atualmente vigente. Vale salientar que, quando houve a abolição da escravatura, em 1888, não houve o estabelecimento de mínimo regramento das condições de trabalho no país, de modo que muitos trabalhadores continuaram basicamente nas mesmas condições a que eram submetidos. Muitos trabalhadores negros e negras não tiveram a sua realidade modificada e, para piorar, quando foi aprovada a Lei Áurea, foi também revogado o artigo do Código Penal do Império que definia o crime de reduzir homem livre à condição análoga de escravo. Esse crime só foi novamente previsto no Código Penal, na década de 40, com a redação bastante genérica de reduzir trabalhador à condição análoga de escravo, mas era inefetivo, tanto que vários casos de escravidão contemporânea continuaram a existir, como, por exemplo, durante o ciclo da borracha, na Amazônia, nos campos de concentração no Ceará, em que trabalhadores migrantes eram submetidos a trabalhos forçados para o estado, situações de trabalho escravo doméstico que perpetuam até hoje, o trabalho escravo cometido no processo de ocupação da Amazônia pelo Governo militar, inclusive envolvendo grandes empresas, o que levou ao surgimento de cada vez mais denúncias.
Com a redemocratização do país, foi criado, em 1995, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, composto por vários órgãos públicos, que faz a fiscalização da situação de trabalho escravo moderno no país, o resgate dos trabalhadores e a responsabilização dos empregadores. Desde então, já foram resgatados mais de 60 mil trabalhadores da escravidão contemporânea.
Houve alguns avanços no Brasil, e o principal avanço foi justamente, no ano 2003, a alteração do Código Penal para que o art. 149, que tinha uma redação muito aberta, passasse a ter a atual redação, considerando-se quatro hipóteses principais de redução de trabalhadores à condição análoga de escravos: as situações de trabalho forçado, de servidão por dívidas, de jornadas exaustivas e de submissão de trabalhadores a condições degradantes.
Entre casos graves que foram identificados apenas nos últimos dois anos, como exemplo eu destaco algumas situações: já foi flagrado, no ano passado, por exemplo, um trabalhador que recebeu um tiro na cabeça ao fugir de trabalho escravo em uma fazenda. Tivemos também o recente caso das vinícolas, em que trabalhadores eram submetidos à submissão, à servidão por dívidas, com alojamentos extremamente degradantes, superlotados, com odor fétido, sem nenhuma higiene. Tivemos casos de trabalhadores alojados em barracos de lona, bebendo água de riachos; casos de trabalhadores que eram alimentados com iogurtes estragados em fazenda de suínos e obrigados a trabalhar em um ambiente fétido, sem nenhum equipamento de proteção e bebendo água de córregos. Tivemos casos de trabalhador assassinado, casos de trabalhador agredido com facões, casos de trabalhadores açoitados, casos inclusive de empregadas domésticas que ficaram décadas para uma mesma família, trabalhando sem remuneração nenhuma, em troca apenas da moradia e sem nenhuma condição de sair desse local, porque ela não tinha sequer mínima condição de se manter.
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E, para o combate a essas situações, justamente a alteração ocorrida no Código Penal foi essencial, pois o conceito aberto de antes levava alguns membros do Poder Judiciário a considerarem situações que não eram regra nem mesmo no tempo de colônia, como, por exemplo, que houvesse grilhões ou qualquer restrição física à liberdade de ir e vir dos trabalhadores, que não se verificava necessariamente em todos os casos de escravidão clássica, não é? Muitas mucamas da época do Brasil Colônia e Império viviam em condições semelhantes às das próprias empregadas domésticas resgatadas atualmente, por exemplo, sem necessidade de estarem presas fisicamente dentro das residências, justamente porque elas não...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só me permita que eu diga: os que estão chegando podem sentar aqui na primeira fila. Nós convidamos todo mundo, convidamos os dois lados dessa posição. Confirmaram. Bom, se só veio um lado ou poucos vieram daqueles que defendem a visão de que o trabalho escravo não tem de ser regulamentado, não é problema nosso. Esta aqui é a reunião que vai instruir o projeto, que será votado por acordo firmado... Já foi pedido vista no dia 12. Já falo aqui ao vivo porque muitas vezes as pessoas perguntam, mas está desequilibrado quem fala a favor ou contra o projeto em debate. Só para lembrar: nós combinamos cinco de cada lado. Vocês vão ver aqui... Parece-me que não há pessoas que querem defender essa posição. Eu até me sinto contemplado, viu? Porque mostra que só tem gente defendendo a posição que eu tenho. É claro que aqui eu não vou ser juiz, mas vou ser o mediador do debate.
Pode continuar que eu vou te dar mais dois minutos.
O SR. ITALVAR FILIPE DE PAIVA MEDINA - Então, com base nesse conceito, o PL que foi apresentado baseou-se em estudos efetuados inclusive em parceria com a OIT e em parceria com a Conatrae para que houvesse a preservação do conceito legal, que inclusive tem já servido de base para condenações judiciais, sendo reconhecido inclusive pelo Supremo Tribunal Federal e pelo TST em precedentes, como, por exemplo, os Inquéritos 2.131 e 3.412, em que se considerou cada uma das quatro hipóteses, que é o trabalho forçado, o trabalho em condições degradantes, a servidão por dívidas e a jornada exaustiva, como suficiente por si para caracterização da escravidão contemporânea. Então, é importante...
Outro avanço ocorreu, claro, em 2014, quando foi aprovada a emenda constitucional que inseriu no art. 243 da Constituição Federal a expropriação das terras. Esse artigo ainda está pendente de regulamentação quanto ao seu procedimento, porque não foi definido ainda como seria esse procedimento de expropriação, quem seriam as partes competentes, razão pela qual há o trâmite agora do PL, que é importante para que haja essa responsabilização.
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É, inclusive, importante citar que a Corte Interamericana, também recentemente, em 2016, no caso Fazenda Brasil Verde, reforçou esse conceito de trabalho escravo que é apresentado no PL, elogiou as alterações promovidas no art. 149 e instou o Brasil a evoluir no combate ao trabalho escravo sem que haja qualquer retrocesso.
Então, é importante, nessa regulamentação, que se tenha em mente que a política de erradicação do trabalho escravo no país deve ser uma política sempre avançando, que não haja retrocessos inclusive em eventual regulamentação do conceito do crime previsto no art. 149 do Código Penal, até porque isso é importante para a imagem do país perante a comunidade internacional.
As ações e as políticas brasileiras já são elogiadas perante a OIT, foram elogiadas perante a própria Corte Interamericana ao registrar os avanços que têm ocorrido, e são, inclusive, importantes para a economia brasileira, pois tem sido cada vez mais considerada pelos países mundo afora a preservação do trabalho digno, a preservação dos direitos humanos para fins de aquisição dos produtos oriundos do Brasil. Então, é bastante válido o projeto.
Eu só faço uma observação apenas quanto à competência da Justiça....
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só para te ajudar no encaminhamento do tempo, que eu não falei: são dez minutos para cada um com mais cinco; quando toca a campainha, eu dou mais cinco.
O SR. ITALVAR FILIPE DE PAIVA MEDINA - Ah! Certo.
Então, finalizando aqui apenas...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vá tranquilo.
O SR. ITALVAR FILIPE DE PAIVA MEDINA - ... eu gostaria de registrar que, no entender do Ministério Público, seria interessante que fosse definida a competência da Justiça do Trabalho para ação expropriatória, considerando-se que, nos termos a Constituição Federal, ela tem a atribuição de julgar as lides oriundas das relações de trabalho, também as infrações administrativas oriundas...
(Soa a campainha.)
O SR. ITALVAR FILIPE DE PAIVA MEDINA - ... da relação de emprego, e outras controvérsias decorrentes da relação de emprego nos termos da lei, sendo que a Justiça Federal, no âmbito do trabalho escravo e das relações de emprego, tem uma competência mais criminal.
Por esses motivos também, só faço o registro de que, na medida do possível, seria interessante que a competência para ação expropriatória ficasse na Justiça do Trabalho. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem!
Esse foi o Dr. Italvar Filipe de Paiva Medina, Procurador do Trabalho e Vice-Coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho.
Para quem está nos assistindo pela TV Senado, Rádio Senado e Agência Senado, estamos aqui hoje discutindo o PL 5.970, de 2019, que dispõe sobre a expropriação das propriedades rurais e urbanas onde se localize a exploração de trabalho em condições análogas à de trabalho escravo, e dá outras providências.
O Senador Randolfe Rodrigues voltou e o Senador Contarato é o Relator.
Aviso a todos novamente que foram convidadas pessoas a favor e contra. Todos os que estão aqui terão direito à palavra.
Passo a palavra agora, conforme já havia anunciado... Parece-me que o Dr. Cristiano Nabuco de Abreu, que é psicólogo, não conseguiu entrar ainda de forma virtual, mas o nosso querido amigo Desembargador do Trabalho da 15ª Região, Dr. Jorge Luiz Souto Maior - já me informaram - está à disposição.
Por favor, Desembargador Jorge Luiz Souto.
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O SR. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR (Por videoconferência.) - Bom dia, Senador Paim, querido.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia.
O SR. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR (Para expor. Por videoconferência.) - Pois bem. Eu queria aqui, primeiro, agradecer à Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, em especial ao Senador Paulo Paim pela oportunidade de estar aqui para participar deste debate, e dizer que serei telegráfico quanto aos dispositivos legais que vou citar, ou seja, não os lerei, por conta do tempo, mas também porque são acessíveis a todos os cidadãos e cidadãs. De todo modo, depois eu forneço o texto completo aqui da minha fala.
Iniciando, os dados do IBGE mostram que 54% da população brasileira é negra, e aí...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Desembargador...
O SR. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR (Por videoconferência.) - Oi...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É muito importante que nós conheçamos a sua história, a sua fala e a sua luta em defesa dos oprimidos, acontece que não estamos conseguindo ouvi-lo. Está muito distante. Se V. Exa. conseguir aumentar o volume aí... Aqui eles já fizeram tudo o que era possível.
O SR. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR (Por videoconferência.) - Ainda está ruim a fala, o som?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Melhorou um pouquinho.
O SR. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR (Por videoconferência.) - É? Então, eu vou pedir a algum técnico aqui para me ajudar e depois eu retorno.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu queria registrar a presença da Senadora Damares, acho importante. Ela estava aqui no dia da aprovação desse requerimento e do procedimento e está aqui presente. Eu gostaria que todos que estiveram aqui naquele dia estivessem como V. Exa. aqui. Eu quero dar os cumprimentos, porque é assim que a gente vai construindo o caminho. É discutindo e dialogando com todos. (Palmas.)
O Dr. Jorge Luiz Souto Maior pediu para darmos um tempo, e ele tentará voltar.
Carlos Fernando da Silva Filho. (Pausa.)
Ele não está na mesa. Mandaram seguir aqui, mas não...
Segure um pouquinho aí; você está na segunda mesa já.
Fernanda Drummond, por favor, representando a Conectas Direitos Humanos - o Carlos entra na segunda mesa.
A SRA. FERNANDA DRUMMOND (Fora do microfone.) - Bom dia, Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O mesmo gesto que fiz - para não te cortar depois... A Senadora Soraya Thronicke também veio participar aqui da nossa audiência. (Palmas.)
A SRA. FERNANDA DRUMMOND (Para expor.) - Bom dia, Senador Paulo Paim; bom dia, Sras. e Srs. Parlamentares; bom dia, demais autoridades e colegas.
Ah, não está... (Fora do microfone.) (Pausa.)
Perdão! Estava apenas cumprimentando, dando bom dia a todos e todas.
Meu nome é Fernanda Drummond e neste ato eu represento a Conectas Direitos Humanos. Eu agradeço a oportunidade de estar aqui para poder compartilhar considerações para este importante debate.
Diante da vasta contribuição já trazida pelo Dr. Italvar, eu gostaria de trazer alguns apontamentos, a partir da perspectiva da sociedade civil brasileira, mais especificamente das organizações de defesa dos direitos humanos.
Nos primeiros três meses do ano temos testemunhado uma explosão de resgates de trabalhadores em situação análoga à de escravo, representando a mais alta taxa de resgates nos últimos 15 anos. Brasileiros e brasileiras têm assistido às notícias que chegam sobre os produtos que consomem, sobre os lugares que frequentam e até mesmo sobre os eventos a que vão, sem entender direito o porquê, de repente, dessa grave crise social.
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Mas, de inesperados, esses números não têm nada. Ainda que explicar tal razão não seja uma tarefa fácil e muito menos possível diante dos meus breves minutos de fala, considero essencial tocar em pontos extremamente sensíveis para esse debate.
Primeiro, a escravidão e suas formas análogas e contemporâneas têm origem e consequência na pobreza, na desigualdade e na exclusão social. A atual crise política e econômica que se abateu sobre o Brasil trouxe impactos importantes e negativos na flexibilização da proteção dos direitos humanos e trabalhistas, mas nem todas as reformas precarizantes foram suficientes para superar a crise econômica brasileira. O desaparecimento de postos de trabalhos e o enfraquecimento da proteção social intensificaram os problemas vivenciados pela maioria da população, contribuindo para o aumento da desigualdade e da fome no país. Os números demonstram a gravidade da situação: mais de 120 milhões de brasileiros não têm atualmente pleno e permanente acesso à comida. Todo esse cenário aumentou o número de trabalhadores e trabalhadoras mais suscetíveis ao aliciamento para o trabalho escravo.
Segundo a OIT, a pobreza é o principal fator de escravidão contemporânea no Brasil, por aumentar a vulnerabilidade de significativa parcela da população, tornando-a presa fácil dos aliciadores de trabalho escravo. Afinal, na falta de alternativas e oportunidades reais de recursos não há escolha, mas apenas luta pela sobrevivência. A questão hoje está entre morrer de fome por falta de trabalho e proteção social, ou deixar-se explorar brutalmente e submeter-se a si e sua família a condições indignas de vida simplesmente por um pedaço de pão.
Infelizmente, o número de pessoas dispostas a se sujeitar às formas mais inumanas de exploração vem aumentando cada dia mais. A OIT estima que o atual cenário de desaceleração econômica global deve forçar mais trabalhadores em todo mundo a aceitar empregos de menor qualidade. E não há quem falte para lucrar sobre esse exército de famintos: só em 2023 já tivemos mais de 900 resgates. Em menos de 90 dias, temos narrativas tão chocantes e pesadas que nos permitem ter horror da escravidão no Brasil.
Mas muitas histórias semelhantes vivenciadas por centenas de outros trabalhadores estão ocorrendo neste exato momento. E o Estado brasileiro simplesmente não teve a capacidade de resgatá-las.
Segundo, a história do Brasil não pode ser ignorada neste debate. Em 13 de maio de 1888, o Brasil se tornou a última nação do Ocidente a abolir formalmente a escravidão. Cento e trinta e cinco anos depois, estima-se que mais de 300 mil pessoas ainda sejam vítimas de condições análogas à escravidão neste país.
Incomum o fato de essa imensa maioria de trabalhadores ser de negros e trabalharem em cadeias globais de valor, o que, por si só, já demonstra que, em pleno século XXI, este país segue atado a uma lógica escravocrata e colonial. E, dentro dessa lógica, é preciso reconhecer que alguns grupos sofrem o impacto da escravidão moderna mais intensamente que outros. São eles jovens, não brancos, sem acesso à educação, do norte do país. E este fato foi, inclusive, expressamente destacado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, por ocasião da condenação internacional do Brasil em 2016, no famoso caso Fazenda Brasil Verde - já anteriormente citado. Neste que foi o primeiro caso em que o Estado foi condenado por trabalho escravo, a corte expressamente reconheceu a existência de uma discriminação estrutural histórica e determinou a responsabilidade internacional do Estado brasileiro por perpetuar esta situação. Sim, o trabalho escravo no Brasil tem um perfil definido, e isso não pode ser ignorado em qualquer debate sobre o tema.
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Terceiro. O contexto atual do país revela uma série de lacunas legais e políticas que têm contribuído para a perpetuação do trabalho escravo. É fato que o Estado brasileiro tem se mostrado incapaz de responsabilizar infratores e garantir uma reparação adequada às vítimas do trabalho escravo. Latifundiários, empresas e intermediários têm encontrado formas de evitar a sua responsabilização, aproveitando-se de brechas legais para atrasar processos judiciais e promover a impunidade. Entre 2008 e 2019, apenas menos de 5% dos denunciados criminalmente experimentaram uma condenação definitiva.
Na Justiça do Trabalho, a realidade não é diferente. Pesquisa acadêmica realizada agora, em 2022, concluiu que as cortes trabalhistas deliberadamente silenciam sobre o enquadramento do trabalho degradante como trabalho escravo, o que revela que os magistrados do trabalho continuam apegados ao conceito colonial, não tendo incorporado uma noção de escravidão como violação à dignidade da pessoa humana.
É evidente que o nosso sistema de justiça tem relutado em atribuir às vítimas a sua necessária relevância e é conservador em reconhecer e validar indenizações justas o suficiente para promover a alteração coercitiva do comportamento dos perpetradores. A média do que um trabalhador recebe por ter sua dignidade violada em um dos crimes mais antigos e bárbaros da humanidade não chega, por vezes, ao valor do que é recebido como indenização por um atraso de voo ou pela entrega de um produto. A realidade é que o trabalho escravo no Brasil compensa.
Nesse sentido, não podemos deixar de reconhecer que se faz necessária uma mudança da mentalidade daqueles que compõem o sistema de Justiça brasileiro para tornar os processos que envolvem a escravização de pessoas um espaço emancipatório que rompa com culturas coloniais que corrompem a dignidade, promovem a miséria, a discriminação e o preconceito. É preciso que nós compreendamos que todas as vezes que um trabalhador escravizado recorre à Justiça em busca do reconhecimento da sua dignidade e não consegue uma indenização justa pela situação a que foi submetido sua discriminação histórica está sendo reiterada.
Ademais, sem a possibilidade de uma fiscalização constante e com baixas indenizações, a tendência de empresas e empregadores em qualquer setor econômico é relaxar e negligenciar a observância de direitos. Em maio de 2010, a Relatora Especial das Nações Unidas sobre Formas Contemporâneas de Escravidão afirmou que as ações exemplares do Estado brasileiro no combate à escravidão moderna poderiam ser ofuscadas pela impunidade desfrutada por alguns proprietários de terra e empresas e que a mensagem mais forte que o Governo brasileiro poderia enviar aos brasileiros para mostrar que o crime da escravidão não ficaria impune seria a aprovação de uma emenda constitucional que permitiria a desapropriação de terras onde o trabalho forçado é utilizado. Em suas palavras, a aprovação dessa emenda iria mostrar que o Brasil é realmente muito empenhado na luta contra a escravidão.
Infelizmente, a aprovação da emenda não foi suficiente. Passados anos da sua discussão e da sua louvável aprovação, mais uma vez, criaram-se subterfúgios para a impunidade sob a alegação da falta de regulamentação, mas isso não pode mais ser tolerado. Os dados sobre a projeção de trabalhadores resgatados são alarmantes. A OIT estima que, caso se mantenha essa incidência, serão 4 mil resgates...
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(Soa a campainha.)
A SRA. FERNANDA DRUMMOND - ... até o final do ano, o maior número em quase 20 anos.
E esse quadro só terá a capacidade de ser alterado se medidas conjuntas forem adotadas.
O combate ao trabalho escravo precisa ser enfrentado com seriedade. As situações recentemente noticiadas não são casos isolados, mas práticas recorrentes que envolvem redes muito mais complexas do que podemos imaginar. Isso demanda uma ação enérgica e dura do Estado brasileiro.
Muitas jurisdições têm nos ensinado que os três Poderes podem trabalhar em conjunto contra o trabalho escravo e a favor da dignidade humana. Nesse sentido, inclusive, cresce o número de países que têm adotado legislações de devida diligência em direitos humanos a exigir que as empresas que atuam no seu território assumam responsabilidade por violações que ocorrem em sua cadeia produtiva.
O Senado pode e deve, de forma mais direta, ser mais ambicioso ao estabelecer instrumentos e obrigações de garantia da não impunidade daqueles que ferem a dignidade dos trabalhadores. Esta é uma oportunidade.
Pedimos inovação e coragem desta Casa para que se comprometa com o fortalecimento do combate ao trabalho escravo, fazendo com que o Brasil volte ao seu lugar de referência no tema. Isso envolve necessariamente a aprovação do Projeto de Lei 5.970, de 2019.
É certo que a sua aprovação não porá fim ao trabalho escravo. Afinal, esse é um crime que exige medidas de prevenção e combate integrado sobre atos que constituem e agravam o contexto de exploração e violência, mas esse projeto representa a oportunidade de uma contribuição para alterá-lo.
A aplicabilidade do art. 243 da Constituição é fundamental, e precisamos ainda lembrar que, fora todo o sistema nacional, o Brasil tem obrigações internacionais de combater o trabalho escravo e está sendo cautelosamente observado pela comunidade internacional. Precisamos avançar na defesa de uma interpretação constitucional baseada em direitos humanos, garantindo a dignidade de todos.
Em pleno século XXI, não podemos mais admitir que o trabalho decente e os direitos humanos sejam desconsiderados em prol do lucro.
Exortamos, portanto, os Sr. Parlamentares a votarem favoravelmente a esse projeto de lei.
Muito obrigada a todos e a todas. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Parabéns, Dra. Fernanda Drummond, representando o Conectas Direitos Humanos.
Senador Flávio Arns, eu recebi com palmas as Senadoras e faço o mesmo com você aqui agora. (Palmas.)
Você está prestigiando este debate tão importante de um tema que interessa ao povo brasileiro.
Eu vou tentar voltar ao Dr. Jorge Luiz Souto Maior, Desembargador do Trabalho da 15ª Região, participação remota. Não sei se ele conseguiu. (Pausa.)
Ele estava com um problema no som. (Pausa.)
Parece-me que não.
Passamos a palavra, neste momento - lembrando a todos que são dez minutos e, se necessário, mais cinco, para cada convidado, daí encerra, e a palavra passa aos Senadores e Senadoras -, à Dra. Andreia Figueira Minduca, Secretária Executiva da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
A SRA. ANDREIA FIGUEIRA MINDUCA (Para expor.) - Boa tarde. Boa tarde a todas e a todos que estão aqui, aos presentes na audiência, ao Senador Paulo Paim, aos colegas de mesa aqui presentes.
Agradeço o convite e parabenizo o Senador Paulo Paim por trazer este tema tão importante aqui à mesa, buscando o apoio popular, buscando a participação da sociedade civil também, trazendo à pauta a discussão do Projeto de Lei 5.970, de 2019, do Senador Randolfe Rodrigues, que trata sobre a tão esperada regulamentação do art. 243 da Constituição Federal do Brasil, que prevê a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde for constatada a exploração de trabalho análoga à escravidão para fins de reforma agrária e programas de habitação popular.
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Inicialmente, cabe à gente falar acerca desse nefasto crime que é o trabalho escravo.
O trabalho escravo é um crime tão grave, tão inaceitável, que é inacreditável que tenhamos posicionamentos que, ainda que de forma velada e às vezes nem tão velada, venham a defender esse tão reprovável crime. Isso porque o trabalho escravo retira do trabalhador aquilo que ele mais busca quando procura um emprego: a dignidade.
Quando uma pessoa é explorada, quando ela é submetida a uma condição análoga de escravo, ela deixa de ser reconhecida como uma pessoa de direitos e passa a ser tratada como um mero instrumento para obtenção de um lucro fácil, sendo barato a alguns e muito caro a outros. Caro àquele ser humano que, por vezes, tem que beber água suja, a mesma que a dos animai, ou, por vezes, nem essa, porque a dos animais às vezes é melhor do que a do ser humano. Caro àquele que fica meses, às vezes anos, sem ver a sua família, porque não consegue se livrar daquela condição que lhe foi posta, porque nunca deixa de dever seu patrão, que lhe cobra o triplo pela comida e por sua viagem até o local de serviço. Caro àquele que, por ter uma jornada extenuante, se vê com sua saúde prejudicada. Caro àquele que tem que trabalhar sob ameaça, ameaça essa que, por vezes, vem acompanhada de agressões físicas e até tortura, como temos em vários casos relatados por trabalhadores. E temos, inclusive, uma situação ocorrida há pouco tempo que gerou um efeito midiático com relação ao tema de trabalho escravo. São essas pessoas, essas pessoas que pagam pelo lucro fácil e pelo produto barato.
Nesse sentido, a gente tem que reforçar a necessidade de estarmos continuamente fortalecendo a política de combate ao trabalho escravo, que conta com um conceito forte trazido pelo nosso ordenamento jurídico brasileiro e que hoje representa um grande avanço no combate a essa tão grave violação aos direitos humanos, pois evidencia de forma clara o trabalho escravo contemporâneo, que nos tempos atuais vai muito além do que a gente tinha arcaicamente, que era a privação de liberdade, mas que ofende a dignidade do ser humano.
Ressaltamos aqui que a política de combate ao trabalho escravo é uma política reconhecida internacionalmente e que a Emenda Constitucional 81, de 2014, representa hoje, dentre outros instrumentos que temos, como o conceito da lista suja e outros instrumentos atuais, um significativo avanço no combate ao trabalho escravo, mas que carece de regulamentação. Nesse sentido, temos hoje a proposta de uma lei que busca efetivar esse direito.
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E é nesse contexto que a regulamentação do art. 243 da nossa Constituição Federal, quanto à expropriação de propriedades rurais e urbanas onde for constatada a exploração de trabalho análoga à escravidão, vem somar, trazendo assim mais um instrumento de combate a esse nefasto crime, que é o trabalho escravo.
E digo que o direito de propriedade é, sim, um direito previsto na nossa Constituição Federal; ele deve, sim, ser respeitado, porém, desde que ele atenda a sua função social, que é uma condição. A função social é uma condição que determina que a propriedade urbana ou rural deverá, além de servir aos interesses do proprietário, atender às necessidades e interesses da sociedade. Escravizar não é atender aos interesses sociais.
Então, por fim, em qualquer hipótese, nunca há que se colocar o direito de propriedade acima do direito à dignidade do ser humano, que é um direito basilar da nossa República Federativa.
Por isso nos colocamos a favor do projeto de lei, a favor da regulamentação quanto à expropriação de propriedades onde for constatada a exploração de trabalho análoga à escravidão, em prol da garantia dos direitos humanos de todos os cidadãos.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Andreia Figueira Minduca, Secretária-Executiva da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
De imediato, vamos para a Dra. Isadora Brandão Araújo da Silva, Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, representante do Ministério dos Direitos Humanos, doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo.
Dez minutos, com mais cinco, se necessário.
A SRA. ISADORA BRANDÃO ARAÚJO DA SILVA (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Bom dia, Senador Paulo Paim. Quero agradecer o convite. Quero cumprimentar aqui os colegas de mesa que me acompanham, seja presencial, seja virtualmente, e também cumprimentar os Senadores e Senadoras aqui presentes e as demais autoridades.
Venho aqui, de uma maneira muito breve e telegráfica, trazer alguns apontamentos da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, que integra a estrutura do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, em relação ao Projeto de Lei 5.970, de 2019, do Senador Randolfe Rodrigues, que dispõe sobre a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde se localize a exploração do trabalho em condições análogas à escravidão, para fins de reforma agrária e habitação popular.
Primeiro, a gente precisa reconhecer que esse projeto de lei vem como iniciativa fundamental para a superação de uma mora do Estado brasileiro na regulamentação do art. 243. O Estado brasileiro tem se mantido inerte na regulamentação desse dispositivo constitucional, inviabilizando, portanto, a efetivação desse dispositivo da nossa Carta Magna.
Para a superação dessa situação de inércia e de mora, inclusive, foi ajuizada pelo Ministério Público Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão de nº 77, que hoje tramita no Supremo Tribunal Federal.
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É importante, senhoras e senhores, ressaltar, como aqui já foi dito, que o Estado brasileiro foi o último país no mundo a abolir a escravidão legal de seres humanos. E, como consequência disso, nós temos aqui o maior contingente de pessoas negras fora do continente africano e uma dívida histórica que ainda não foi sanada.
A partir do momento em que há uma mora do Legislativo em relação à regulamentação do art. 243, o Estado brasileiro continua perpetuando uma cultura institucional de conivência com a negação da condição humana de expressiva parcela dos seus cidadãos, e isso nós não podemos admitir. Então, desde já quero colocar o nosso apoio a essa proposta legislativa, que vem, portanto, para consolidar e consagrar o compromisso desta Casa com a dignidade da pessoa humana.
Quando nós falamos de exploração do trabalho em condições análogas à escravidão, é disto que nós estamos falando, da necessidade de reconhecermos a dignidade da pessoa humana, que é base, que é princípio basilar do Estado democrático de direito e de todas as conquistas civilizatórias que nós tivemos em termos de reconhecimento de direitos humanos no âmbito nacional e no âmbito internacional.
Quero salientar a conveniência de se discutir e de se aprovar um projeto dessa envergadura neste momento específico da história do nosso país. Nós iniciamos este ano assistindo a diversos episódios de resgate de vítimas que estavam em situação de exploração do trabalho. O caso que talvez mais ganhou a nossa atenção foi o de Bento Gonçalves, de exploração do trabalho análogo à escravidão nas vinícolas de Bento Gonçalves, com mais de 200 vítimas resgatadas, mas também vimos casos em Uruguaiana, também no Rio Grande do Sul, envolvendo inclusive adolescentes em arrozais, casos também no Estado de Goiás... E, só para ficar num dado breve, Rio Grande do Sul e Goiás acumulam os maiores índices de resgate neste ano de 2023. Então, para além de ser uma necessidade jurídica em que está colocada a regulamentação do art. 243, nós vivemos um momento político e histórico muito oportuno para que essa aprovação aconteça.
É importante dizer também que a expropriação de propriedades rurais e urbanas é apenas um dos mecanismos necessários e fundamentais para o enfrentamento ao trabalho em condições análogas à escravidão. Há diversos outros mecanismos que também precisam ser amadurecidos e desenvolvidos, e eu quero destacar aqui um deles, que é a regulamentação necessária do dever de diligência das empresas em relação às suas cadeias de valor. Precisamos avançar para que haja um marco regulatório de empresas e direitos humanos que preveja o dever de diligência das empresas em relação às cadeias de valor e, portanto, em relação às empresas que prestam serviços de maneira terceirizada.
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É importante que essa regulamentação ocorra sem que haja um amesquinhamento e uma redução do conceito de trabalho em condições análogas à escravidão, que está plasmado na Constituição Federal, e é importante, claro, que qualquer mecanismo expropriatório venha a assegurar o devido processo legal, a ampla defesa, e qualquer expropriação só ocorra após trânsito em julgado de sentença criminal ou trabalhista, a fim de que seja respeitada de maneira devida também o direito à ampla defesa, também o direito fundamental ao contraditório e o próprio direito à propriedade, que também é reconhecido pela Constituição, mas que deve cumprir a sua função social, como aqui já foi também ressaltado.
Para fechar, eu só queria mencionar, trazer mais alguns elementos, dizer que o Brasil, desde 1995, assumiu o compromisso da erradicação do trabalho em condições análogas à escravidão e que desde então vem desenvolvimento diversos instrumentos para combater essa grave chaga social que envergonha todas nós.
Nesse sentido, foram elaborados os planos nacionais para a erradicação do trabalho em condições análogas à escravidão, foi criada a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), que desenvolve um trabalho extraordinário, e também mecanismos como o da lista suja, que tem servido, ou que tem potencial para servir como instrumento de monitoramento e ajustamento da conduta empresarial, com vistas à erradicação do trabalho escravo.
De acordo com o Portal da Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência, nós tivemos até hoje mais de 60 mil pessoas resgatadas dessa condição, o que demonstra... E a gente sabe que é um dado ainda subnotificado, já que um dos elementos que caracteriza as pessoas que são submetidas ao trabalho análogo é muitas vezes o desconhecimento a respeito da sua condição. Então, dada a sua condição de vulnerabilidade social, dados os fatores que impedem o conhecimento efetivo dessas pessoas a respeito dos seus direitos, muitas delas convivem com essa realidade de negação de sua dignidade humana sem terem conhecimento de que estão ali numa situação de exploração ilícita, criminosa.
Então, esse é um dado que dificulta a identificação dessas situações e com certeza impacta a fidedignidade dos dados a respeito desse problema social.
(Soa a campainha.)
A SRA. ISADORA BRANDÃO ARAÚJO DA SILVA - Quero dizer que o Brasil tem sido reconhecido, como aqui também já foi mencionado, pela Organização das Nações Unidas e pela OIT como um modelo a ser seguido no que diz respeito ao enfrentamento ao trabalho em condições análogas à escravidão, mas temos ainda um longo caminho a ser percorrido no desenvolvimento de mais instrumentos que protejam nossos trabalhadores e nossas trabalhadoras, que garantam de fato o acesso ao trabalho decente e que evitem, portanto, a exploração em condições análogas à escravidão.
Então, nesse sentido, como já dito aqui, a regulamentação do art. 243 da Constituição Federal é mais um importante passo e instrumento de combate a esse nefasto crime.
Eu agradeço e encerro por aqui, Senador.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Isadora Brandão Araújo da Silva, Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, representando aqui o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Ela é doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo.
Só falta, dos que estão presentes, o nosso colega, amigo, parceiro de longas jornadas aí, que é o Carlos Fernando da Silva Filho, representando o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
Eu vou fazer um apelo: se alguém da mesa pudesse... Aí fiquem à vontade, eu não vou escolher ninguém. Se tivesse aqui mais homens, mas são três mulheres. Ele se prontificou já.
Carlos, então venha aqui. As mulheres desta Comissão sempre ganham, viu? Sabe que elas são maioria aqui. E pode ir lá ao Plenário, tem mais Senadores que Senadoras.
Isso, na primeira fileira, Doutor, por favor.
Carlos Ferreira da Silva Filho é representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
Depois já temos Senadores inscritos aqui que vão intercalando com aqueles que vão entrar de forma virtual. (Pausa.)
Vai correndo, Carlos, hein?
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO (Para expor.) - Olá. Muito bom dia a todas e todos, Senador Paim, colegas de mesa, colegas Parlamentares, auditoras e auditores fiscais do trabalho que estão aqui no plenário e todas e todos que nos assistem.
Muitíssimo obrigado, Senador Paim e todos os integrantes da Comissão de Direitos Humanos do Senado, pela oportunidade de debater essa matéria, que é de grande relevância para o Brasil e para os trabalhadores e trabalhadoras do nosso país.
Antes de entrar na avaliação e nos comentários que teremos a fazer, eu gostaria de fazer aqui uma divulgação que eu acho que é de grande relevância para nós e para sociedade brasileira, porque de alguma maneira isso aqui vai terminar no que aqui a gente vai discutir, que é a aprovação desse PL que pretende dar seguimento ao conjunto, ao arcabouço de medidas que o Estado brasileiro tem para chegar ao objetivo de erradicar o trabalho escravo: a Corrida contra a Escravidão. O Sinait organiza essa Corrida contra a Escravidão e começou a fazê-la desde 2018. Nós estamos na terceira edição. Aqui eu trouxe as medalhas das edições. A primeira ocorreu em Cuiabá; depois nós fizemos a segunda corrida, que ocorreu em Aracaju; e a terceira corrida ocorreu lá na minha terrinha, em Recife. Então, é um momento muito importante, é um momento de comunicação com a sociedade para dialogar com a sociedade sobre esse problema, que é de todos.
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A informação é o primeiro passo para que a gente possa levar a todos a oportunidade de se juntar a este Parlamento e às autoridades e criar as condições necessárias para que a gente ponha fim a essa exploração, a essa superexploração, que é o trabalho análogo ao de escravo.
Esse material que está sendo aqui apresentado está entregue à Comissão de Direitos Humanos, aqui à Secretaria, e deve ficar disponível para consulta de todos, não é, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sim.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Nós não poderíamos começar sem expor os números dessa discussão, porque não é difícil a gente se chocar com os números que a gente acumula ao longo dessas décadas de combate ao trabalho escravo, dessas décadas da atuação dos auditores fiscais do trabalho, que realizam, por meio do grupo móvel de combate ao trabalho escravo, a atuação repressiva, conduzindo e coordenando a atuação interinstitucional de combate ao trabalho escravo.
Mesmo sendo assim, do jeito que eu estou dizendo, a gente todos os anos fica chocado com o resultado, sabendo que escravidão é crime, sabendo que nós temos pessoas sendo subjugadas a coisas, sabendo que a gente vê ali as pessoas tendo sua dignidade roubada, sua vida sendo roubada, suas pretensões de futuro sendo ceifadas e, por vezes, sua vida de fato sendo ceifada, porque a violência é uma prática também no trabalho análogo ao escravo contemporâneo no nosso país.
Nós temos, nos dados que ali estão apresentados, até hoje, este é o resultado: mais de 60 mil trabalhadores. Esses são os números oficiais, porque é óbvio que no Brasil não se tem apenas trabalhadores que foram resgatados ou que viveram essa superexploração apenas a partir de 1995. No Brasil os auditores fiscais de trabalho já faziam essa intervenção, mas não era assim denominado, porque o arcabouço normativo não existia.
Aqui nesta sala, nós estamos com uma colega auditora fiscal do trabalho Vera Jatobá que assinou a primeira instrução normativa, que não podia levar o nome de trabalho escravo... (Palmas.)
...não podia levar o nome de instrução normativa de combate ao trabalho escravo, porque não passaria, não seria permitido, então ela levou o nome de Instrução Normativa de Fiscalização Rural e, a partir dali, se construiu o modus operandi de atuação da fiscalização do trabalho, que logo, na constituição dos grupos móveis, deu todas as condições para no 1º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo se conformar numa ação interinstitucional para que assim - e apenas assim, porque assim nós entendemos - fosse possível sonhar com a erradicação do trabalho escravo no Brasil. Esses são os números que a gente vê. Eu não vou falar desses números porque vocês podem consultá-los, a partir de qualquer consulta, no Radar da Secretaria de Inspeção do Trabalho.
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Mas eu queria passar ali adiante, se for possível.
Tem um negocinho aqui que eu possa, aquele negocinho... (Pausa.)
Não está funcionando. Então me ajude aí.
Vejam bem, a gente está falando hoje de um projeto que, para que ele fosse previsto... A gente suou 15 anos - 15 anos! - para aprovar a PEC que falava da expropriação das terras onde fosse flagrada a exploração do trabalho escravo. E o nosso quadro de auditores e o Sinait estiveram o tempo inteiro fazendo esse trabalho - claro que não sozinhos, mas ao lado de todos os integrantes da Conatrae, que teve um papel significativo nisso, e de toda a sociedade civil organizada -, preocupados com o que a gente imagina ser o objetivo de todos nós: erradicar o trabalho escravo. É isso, é o que se quer fazer, porque a gente discute...
Pode baixar um pouquinho aí.
A gente já faz aquela avaliação - não é, Senador? -: "Não, vão falar que estão querendo tomar a propriedade, que é um direito fundamental de todos. A propriedade, é isso que estão querendo tomar. E assim se cria uma grande insegurança jurídica, porque vão entrar aqui e dizer que não é mais meu. Alguém vai, de forma exacerbada ou vai de maneira subjetiva, dizer que tem trabalho escravo e vai tomar o que meu." Não, não é bem assim, não é bem assim que as coisas funcionam, porque na seara da atuação das autoridades trabalhistas, como os auditores fiscais do trabalho e os demais que integram o corpo de representantes do Estado para resgatar trabalhadores... E, no quesito resgate de trabalhadores, esta autoridade são os Auditores Fiscais do Trabalho, diga-se de passagem... E faço um parêntese, Deputado, Deputado Constituinte, Deputado eterno, Senador, nosso ilustre Senador - olha aí, me saí bem, não saí? Falar Deputado Constituinte vai ser sempre um elogio. (Risos.)
Diga-se de passagem, quando me referi ao parêntese, eu quero deixar claro uma coisa: a previsão legal de resgatar administrativamente trabalhadores em situação análoga a trabalho escravo é dos Auditores Fiscais do Trabalho! Nós temos visto guarda ambiental se arvorar, resgatar trabalhadores; a gente tem visto polícia resgatar trabalhadores. A atividade policial está prevista, sim, mas não na seara administrativa do ato de resgate. O ato de resgate, que resguarda os direitos trabalhistas, incluindo toda a proteção, por exemplo, para o trabalhador migrante, é fundamental que se revista...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - ... da devida segurança jurídica para que aquela ação subsista até o fim, garantindo proteção aos direitos daquele trabalhador. Então, Senador, se nós estamos aqui a discutir uma matéria que terá por resultado expropriação de terras, de propriedades, nós temos que dar fim a essas iniciativas de carona solar para uma matéria que dá ibope. Eu falo isso com muita franqueza - muita franqueza. A Constituição é clara ao dizer que compete à União organizar, planejar e executar a inspeção do trabalho. E basta olhar todos os normativos legais que você vai verificar que compete aos auditores fiscais do trabalho fazer a fiscalização que inclui a que aqui estamos nos referindo do combate ao trabalho escravo.
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Fechado esse parêntese, eu quero dizer que foi da preocupação do Sinait e de muito esforço a aprovação dessa PEC que originou esse nosso grande debate, e é agora de nossa grande preocupação a aprovação do projeto, porque já vivemos a discussão e defendemos com unhas e dentes a lista suja. Quem não sabe aqui tantos e quantos ataques sofreu a lista suja? Quem não sabe aqui da maneira como também nós defendemos o conceito de trabalho escravo? Nós também defendemos de todas as maneiras porque sabemos que o cerne e a espinha dorsal da política nacional de erradicação do trabalho escravo é o conceito de trabalho escravo. Tivemos até um ministro que, por portaria, pretendeu mudar o conceito de trabalho escravo! Na oportunidade - não sei se estava eu também meio emocionado -, cobrei que ele recuperasse sua sanidade mental, porque só podia estar ele fora das faculdades mentais ao fazer o que nem mesmo o Congresso, nas suas representações mais radicais, teve coragem de fazer. Porque aqui nestas duas Casas, Senado e Câmara, se acumulam dezenas de projetos. Os Parlamentares tapeiam o avanço desses projetos porque sabem que vai movimentar, como já movimentou, freando todas as iniciativas para tentar tirar dois elementos centrais disso, que são o trabalho em condições degradantes e a jornada exaustiva. Isso significaria erradicar o trabalho escravo no papel. É o que pretendem os criminosos exploradores do trabalho escravo no Brasil, porque é disso que se fala.
Quando estamos a defender a expropriação das terras onde foram flagrados trabalhos escravos, nós estamos falando de criminosos e não apenas criminosos e enquadrados e tipificados no art. 149; existe um combo de crimes por eles praticados - um combo!
E eu vou rapidamente...
Eu estou com muito...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Dois minutos e quarenta e um, mas ainda tem a prorrogação, não é? Meu Deus! Espere aí, Senador. É rápido, é rápido, é rápido.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Tudo bem.
Olha, mas tem no Código Penal brasileiro o art. 197, constranger alguém mediante violência ou grave ameaça; o art. 198, atentado contra a liberdade de contrato de trabalho; o art. 199, atentado contra a liberdade de associação; o art. 203, frustração de direito assegurado por lei trabalhista; o 204, frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho; art. 205, exercício de atividade com infração de decisão administrativa; e outros.
Então, não é um coitadinho que está ali querendo defender a propriedade dele. Ele está usando a propriedade dele para explorar um ser humano de maneira vil, de forma que não cumpre a sua função social. Assim, nós estamos a falar de uma situação que merece, sim, uma medida mais enérgica, porque nós não podemos viver e conviver dessa maneira, pensando que, apenas com a lista suja, nós teremos o resultado pretendido, porque a lista suja já existe há longos anos, e ela não é suficiente. Ela não consegue sozinha avançar para esse resultado.
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Veja, Senador, eu lembro que aqui no Estatuto do Trabalho a gente já discutiu muito a falta que faz a regulamentação de um artigo da Constituição, que é a proteção contra a automação do trabalho. A gente está vendo isso agora...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fazendo soar a campainha.) - Um minuto, Carlos. Um minuto.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - ... com o ChatGPT - vou encerrar -, a proteção contra o ChatGPT, que está endoidando todo mundo. A mesma situação agora a gente vive em relação a essa previsão trazida pela Emenda Constitucional 81. Nós precisamos regulamentá-la sem qualquer retrocesso em relação ao conceito de trabalho escravo.
É importante que a gente aprove esse PL, que a gente regulamente, para que a gente avance nas medidas punitivas, sim. Não é uma matéria nova, é uma matéria antiga. Em todos os dois planos nacionais - em todos os dois planos - isso está previsto. Vejam lá! Está previsto nos dois planos: no de 2003 e no de 2008. E, na discussão do terceiro, deve também fazer parte, porque ainda não está aprovado. É medida reparadora da devassidão que é a exploração do trabalho escravo para toda a sociedade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Concluindo, Carlos.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - E é um alinhamento com as conclusões que se discutem hoje, com o que se fala - que eu não vou ter tempo de explicar...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, mas vai ter um debate, e você vai poder usar a palavra outra vez.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - ... da teoria econômica do crime; a teoria econômica do crime, que foi algo abordado centralmente no debate da CPI do trabalho escravo de São Paulo. Se eu tiver oportunidade, eu explico melhor isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Depois.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado, Carlos Fernando da Silva Filho - dez minutos com mais cinco.
Nós temos dois virtuais. Pergunto aos Senadores: dá para esperar os dois virtuais e depois vocês entram?
A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - MS. Fora do microfone.) - Mas consegue se conectar o Desembargador?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso. Está o Jorge Luiz Souto Maior, Desembargador do Trabalho da 15ª Região. Se ele conseguiu... (Pausa.)
Pronto.
O SR. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR (Por videoconferência.) - Olá, Senador. Escuta agora?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k. Melhorou.
O SR. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR (Para expor. Por videoconferência.) - Ah, que bom!
Quero, primeiro, agradecer imensamente o convite para participar desta audiência pública, em especial ao Senador Paulo Paim, e dizer que, quanto aos dispositivos legais que eu vou citar, apenas farei menção, não os reproduzirei, por conta do tempo, e deixarei depois a minha fala disponível à Comissão de Direitos Humanos.
O primeiro aspecto que eu queria levantar é que os dados do IBGE mostram que 54% da população é negra. Isso nos obriga a perguntar: onde estão essas cidadãs e esses cidadãos? Pois bem. Vejamos alguns dados.
Primeiro, são recorrentes os casos de pessoas negras que perdem o direito à liberdade ao praticarem um furto, mesmo que de pequeno valor ou para conseguir comida. Em 2021 noticiou-se que uma mulher negra, mãe de cinco filhos, foi mantida presa por decisão do TJ de São Paulo por ter furtado no supermercado um pacote de Miojo no valor de R$21,69. No último ano se destacou que as mortes por policiais de pessoas negras aumentaram 5,8% e que atingem, na verdade, 84,1% das vítimas das intervenções policiais.
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No seminário recentemente organizado pelo Conselho Nacional da Justiça, a pergunta feita era: por que os negros são a maioria nas penitenciárias brasileiras? E as respostas, algumas das respostas dadas, foram de que primeiro existe um racismo velado, que faz com que o negro já seja considerado criminoso antes mesmo de ser processado. E há dados de uma pesquisa da Agência Pública, de jornalismo investigativo, que demonstram que, embora a quantidade de maconha apreendida com pessoas brancas seja superior àquela que se aprende com pessoas negras, os negros acabam sendo mais condenados do que os brancos pelo mesmo fato. A renda média do trabalhador branco é 75,7% maior que a dos pretos. E uma pesquisa revela que, em 2019, as mulheres brancas ganhavam 27%... Ou as negras recebiam 27% menos que as mulheres brancas.
Ainda tratando dessa questão do trabalho, as mulheres negras estão sobretudo na atividade de serviços, na terceirização e nas atividades relativas ao trabalho doméstico; em 1,6% de gerência; e 0,4% do quadro executivo das empresas é que são - apenas esse percentual - composto por mulheres negras. Isso atinge também a situação dos bancários, atinge a situação de trabalhadores em ONGs, atinge a situação de pessoas negras também empreendedoras, homens e mulheres, que acabam recebendo ou ganhando menos que as brancas. E, por fim, os negros são a maioria entre os desempregados no país: 72,9% dos desocupados no país são pessoas negras.
E por que estou fazendo menção a todos esses dados? Para demonstrar que o objeto do nosso debate hoje aqui, a regulamentação do art. 243 da Constituição Federal por meio de uma nova lei, não é meramente uma questão técnica legislativa: é uma questão racial - afinal, de forma estruturalmente ligada a tudo isso, a todos esses dados aqui apresentados, são os negros (84%) os resgatados em trabalho análogo à escravidão em 2022.
Isso nos obriga a lembrar - como já foi lembrado aqui - que o Brasil foi o último país do mundo a abolir juridicamente a escravidão, não tendo realizado qualquer política pública de ressarcimento e inclusão dos ex-escravizados e escravizados. Isso nos impõe uma reflexão sobre quais os reais motivos pelos quais hoje 2023 estamos aqui em uma audiência no Senado Federal debatendo uma regulamentação para punir pessoas e entidades pelo cometimento do ato já definido como crime de explorar trabalhadoras e trabalhadoras em condições análogas à escravidão. Isso também nos faz recordar - como também já foi dito aqui várias vezes - de como a fiscalização começa a atuar concretamente na década de 90 com essa denominação do combate ao trabalho escravo e o efeito que isso gerou, com o assassinato de três auditores fiscais, em 2004, e de um motorista servidor do Ministério do Trabalho em Unaí.
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É verdade que, desde então, se tem procurado regulamentar ou punir a prática desse ato criminoso e odioso do trabalho em condições análogas à de escravidão, só que isso, como também já foi dito aqui, vem desde 1995, com a PEC do Trabalho Escravo, que chegou à Câmara dos Deputados em 1995; ao Senado, em 1997; e só foi aprovada em 2014, com a redação então do atual 243. E, em meio a tudo isso, em 2003, foi aprovada a Lei 10.803, que redefiniu, deu nova redação ao art. 149 do Código Penal, que trata exatamente do crime de reduzir alguém a condição análoga à de escravo. Esses dispositivos, o 243 da Constituição Federal e o 149, não deixam margem a dúvida, do meu ponto de vista, quanto a não requererem qualquer tipo de regulamentação para terem efetividade. Além do mais, eles são plenamente amparados por diversos outros dispositivos que eu vou citar apenas rapidamente: Constituição Federal, art. 1º, incisos III e IV; art. 3º da Constituição Federal, incisos I, II, III e IV; art. 5º da Constituição Federal em seu inciso XXVIII; art. 7º da Constituição Federal; art. 186 da Constituição Federal em seus incisos III e IV sobretudo; art. 170 e, de forma mais específica, os incisos II e III; no Código Penal, os arts. 186, 187, 927, 944; no Código de Processo Civil, os arts. 789 e 824; no Código de Processo Penal, os arts. 124 e 91; e, no Código Penal, aqueles que foram há poucos citados pelo auditor Carlos Silva; ou seja, são vários dispositivos que existem na ordem jurídica que amparam esses dois artigos citados, o 243 da Constituição Federal e o 149, e fazem com que seja completamente desnecessária uma discussão em torno da necessidade de regulamentar uma emenda constitucional que demorou de 1995 até 2004 para ser de fato aprovada.
Pois bem. Vale lembrar também de ensinamentos jurídicos de civilistas. Por exemplo, o Prof. Caio Mário da Silva Pereira já dizia que, numa ordem jurídica marcada por direitos humanos, a proteção de direitos fundamentais e de personalidade não depende de delimitações fixadas em lei. E, quando se fala em trabalho em condições análogas à de escravo, está-se falando efetivamente da desconsideração de direito à vida, de direito à dignidade, de direito à integridade física e moral que são devidos a todas as pessoas, esses direitos, sem distinção e que não dependem de lei que os consagre. No entanto, primeiro, contam-se nos dedos as condenações penais pelo crime previsto no art. 149, e, apesar de todo o esforço do Ministério do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho, promovendo resgates, condenações de direitos trabalhistas e até indenizações, às vezes, um pouco aquém, não condizentes com a gravidade do dano, o trabalho em condições análogas às de escravo na realidade brasileira só tem aumentado e aumentou bastante, é importante dizer, por influência da recente reforma trabalhista, que ampliou a terceirização e ampliou também o sentimento de impunidade e de poder ilimitado que se confere aos detentores de capital. Por consequência disso, os dados de 2022 revelam que chegamos - isso sem falar dos recentes casos - ao resgate de 60 mil trabalhadores em condições análogas às de escravo, sendo que o número de 2022 representa um recorde.
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E é importante a gente perceber que não é por falta de eficácia de atuação do Estado e da ordem jurídica, porque, quando o Estado quer ser efetivo, sobretudo para proteção da população branca, ainda mais na condição de consumidora, o Estado atua. A notícia de 2021 é a de que a vigilância sanitária interditou 40 estabelecimentos apenas no primeiro semestre - isso aí na região de Brasília.
Tudo isso somado, incluídas eventuais resistências que se possam estabelecer nesta audiência com relação à aplicação do art. 243 da Constituição Federal e de sua regulamentação - para mim, desnecessária, mas, enfim, também não prejudica -, nos remete a uma expressão cunhada pela Doutora em Psicologia Maria Aparecida da Silva Bento, a Cida Bento, no sentido de que se institucionalizou na nossa realidade uma espécie de pacto narcísico da branquitude. Fazendo referência à figura mítica de Narciso, famoso por ser apaixonado pela representação da própria imagem, a expressão revela o compromisso das pessoas brancas em manter a estrutura racial injusta, pois, assim, continuam se autopreservando e se privilegiando.
Precisamos, pois, refletir se o que nos move - nós a maioria branca no centro de poder - é efetivamente um problema de ordem técnico-jurídica, pois tenta-se justificar a demora da aprovação, da efetivação desses direitos ou da punição desse crime, melhor dizendo, pelo cuidado de evitar excessos e prevenir erros judiciais. No entanto, enquanto excessos, erros jurídicos, discriminações e opressões proliferam contra a população negra, o Brasil continua sendo marcado pela chaga do trabalho escravo. Já estamos extremamente atrasados no cumprimento dessa obrigação. É, portanto, necessário e urgente não tergiversar mais e, com ou sem regulamentação específica, eliminar do nosso cotidiano as práticas cometidas em nome da eficiência econômica, a desconsideração das vidas negras e a descartabilidade da trabalhadora e do trabalhador.
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Por fim, cabe reforçar a importância de se fixar a competência da Justiça do Trabalho para impor os efeitos punitivos com relação ao trabalho em condições análogas à de escravidão, incluindo medidas preventivas, inibitórias e expropriatórias, sempre lembrando que para as pessoas escravizadas não se respeitaram, no caso concreto e historicamente, direitos fundamentais e não se garantiu também o tal trânsito em julgado. E advertir para o fato de que, neste assunto, como em qualquer outro ligado aos direitos humanos e aos direitos sociais, não é possível retroceder. Isto quer dizer que nenhum dispositivo legal, sob o pretexto de tornar mais explícita a configuração do trabalho escravo moderno ou promover segurança jurídica aos negócios, como se diz, não pode reduzir o patamar de proteção jurídica já fixado nas normas acima referidas ou ir ao ponto de tornar praticamente impossível a configuração do crime e a produção de efeitos efetivamente proporcionais à gravidade do fato, inclusive a expropriação das terras, até porque esta forma de regulação minimizada, mitigada, acaba por legitimar...
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Um minuto, Desembargador, por favor. Um minuto para concluir.
O SR. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR - ... e, com isso, também incentivar a exploração do trabalho em condições que aviltam a condição humana de quem, por necessidade, depende do trabalho para sobreviver e que se apresenta tragicamente na nossa realidade cada vez mais numerosa.
Muito obrigado. Era isso. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu que agradeço ao Dr. Jorge Luiz Souto Maior, Desembargador do Trabalho da 15ª Região.
Muito obrigado.
O último painelista de hoje é o Dr. Cristiano Nabuco de Abreu, também virtualmente, psicólogo, Coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina USP.
A palavra é sua.
O SR. CRISTIANO NABUCO DE ABREU (Para expor. Por videoconferência.) - Olá, Senador, agradeço a oportunidade de poder estar aqui com o senhor, com os colegas de mesa, a Comissão de Direitos Humanos. Eu gostaria de dizer inicialmente que eu entendo perfeitamente o objetivo dessa audiência eu a saúdo de uma forma extremamente entusiasta, pois ela é um elemento extremamente importante nos dias de hoje, mas eu vou pedir licença ao senhor e aos demais para que eu possa transcender um pouquinho mais o conceito de escravidão que nós já tão sobejamente conhecemos.
Nós, obviamente, temos clara a ideia do conceito clássico que nos remete à escravidão perpetuada por um déspota, uma pessoa que aprisiona, que extrai benefícios em detrimento do trabalho do explorado, mas nós não podemos deixar de reconhecer que os tempos, Senador, os tempos mudaram quando entramos no século XXI, e as roupagens da servidão também foram significativamente alteradas. O que eu quero dizer com isso? Na prática, o entendimento da servidão pode ser observado dentro de dois conceitos importantes. O primeiro é aquele como alguém sendo possuído, como propriedade de um terceiro. Um segundo entendimento é o de alguém sendo propriedade no sentido mais informal, mais contemporâneo, por meio da remoção da capacidade deste sujeito de governar a sua própria vida. Esse duplo significado, vamos chamar assim, da alienação do eu faz com que nós consideremos a autopropriedade como um sentido legal, como o sujeito sendo possuidor do seu livre arbítrio para determinar a sua própria vida.
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Então, eu lhes digo: existe uma grande importância de analisarmos que os velhos conceitos de escravidão começam a ganhar novas dimensões. O que eu gostaria de dizer? Eu peço licença, então, para que eu possa apresentar para vocês o conceito de escravidão digital, proposto por um professor chamado Mick Chisnall. Esse assunto já havia sido, certa vez, lá atrás, em 1984, tratado por George Orwell, naquele ensaio ficcional do Grande Irmão. Mas o que eu quero dizer é que o que acontece hoje em nossa realidade transcende muito mais esse ensaio desse ensaísta inglês.
Eu começaria aqui falando, por exemplo - existem várias possibilidades -, da escravidão digital corporativa. A pergunta que eu faço aos senhores é: qual é a diferença entre o cidadão que tem sua liberdade restringida pelo capataz e aquele outro que é vigiado, sendo obrigado a trabalhar, controlado pelos meios digitais. Qual é a diferença entre o indivíduo que é mantido confinado a servir seu senhor, daquela condição na qual o trabalhador fica igualmente coagido a responder às mensagens no WhatsApp e de e-mail que lhe chagam tarde da noite? Então, eu quero dizer que absolutamente nenhuma. Não estamos falando aqui, obviamente, da conexão voluntária do indivíduo, mas daquela que fere o direito à desconexão, ou seja, em que existe um prejuízo da perda entre a fronteira do trabalho, do lazer e do descanso.
Esse tipo de servidão, se os senhores me permitem, não pode, em hipótese alguma, ser deixada de lado. Se antes nós tínhamos um algoz físico, que perpetrava os abusos, hoje nós temos um outro tipo de algoz, que são as redes sociais, os algoritmos, os meios digitais, e, conforme diz um grande conhecido meu, um juiz de direito do TRT de Manaus, Dr. Sandro Nahmias, é o seguinte, abrem-se aspas: "A hiperconectividade dos tempos modernos acaba sendo imposta pelo empregador além de onde o trabalho acaba, invadindo a soberania do descanso", fecham-se aspas. Seria aquilo que nós chamaríamos, então, do pós-horário, anytime, anywhere, qualquer horário e em qualquer lugar, ou seja, o funcionário passa a ser exigido de tal forma, gerando uma intercorrência sistemática nos projetos pessoais. Ele não consegue mais ir à festa do amigo, ele não pode fazer um curso após o horário de trabalho, em decorrência desse trabalho excessivo, o que gera, nós sabemos muito bem, uma indenização por dano existencial. Ninguém mais, hoje, é capaz de ter momentos de refeição em paz, férias, feriado, porque essa interrupção das empresas ocorre de uma maneira crônica, e a cultura brasileira, apesar de estar previsto na Constituição o direito ao descanso e ao lazer, herda uma tendência romano-germânica de que tudo ou quase tudo precisa estar previsto.
Por isso, é importantíssimo que se criem projetos de lei que possibilitem a positivação do direito à desconexão após a jornada de trabalho. A Europa já positivou isso inclusive. Na Alemanha, por exemplo, a Volkswagen de lá, há um acordo coletivo junto ao sindicato, dizendo que toda comunicação que sai da empresa é absolutamente proibida de ocorrer após as 18h, ou seja, você não pode mandar e-mails, você não pode passar WhatsApp, tudo é derrubado.
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Na França, por exemplo, o empregador não pode fazer mais contato com os seus funcionários após o final do término da sua jornada. O Brasil ainda não fez isso, e nós estamos ficando enfermos.
Além dessa escravidão digital corporativa, existe uma outra que é igual ou talvez mais grave - se o senhor me permite -, que é aquela perpetrada pelas empresas de tecnologia. Os senhores por acaso sabiam que essas empresas, essas big techs, usam artifícios da ciência da persuasão psicológica para fazer com que os seus usuários retornem às suas plataformas de maneira cega, compulsiva e doentia? Os senhores sabiam que essas programações que são utilizadas pela inteligência artificial são exatamente as mesmas utilizadas e que foram extraídas das máquinas de caça-níqueis?
Recentemente - na semana passada para ser mais exato -, houve um festival de inovação tecnológica no Texas, e um grande professor chamado Douglas Rushkoff disse o seguinte, abro aspas: "As novas empresas do Vale do Silício têm discutido muito o papel dos seus usuários, inclusive repetidamente comparando-os aos animais, coisas passíveis de serem escravizadas e exploradas", fecho aspas, em troca da sua atenção e engajamento em redes sociais.
Então, o que eu quero dizer com isso tudo? O processo de libertação precisa também ser olhado dentro da perspectiva digital, porque a população está se tornando adoentada e isso já foi normatizado. Talvez exista muita semelhança, então, entre a escravidão clássica, que nós conhecemos, e essa escravidão digital, que agora trago para os senhores. Enquanto na escravidão tradicional nós falamos do tráfico de pessoas, aqui falamos do tráfico de dados pessoais, da apropriação indevida da capacidade de governar a própria vida.
Os senhores sabem que o Brasil é o segundo país no mundo em que mais se gasta tempo em frente às telas? O brasileiro gasta nada menos do que 10 horas e 12 minutos por dia olhando as telas, muitas vezes protagonizado pelos próprios empregadores. Isso representa nada menos do que quase quatro meses do ano interagindo com as telinhas - 84% da população do Brasil, 181,3 milhões, já têm acesso regular à internet.
Então, Senador, mais do que nunca, devemos olhar, claro, pela questão da escravidão, mas eu peço licença para perguntar aqui à mesa as seguintes questões: quem irá olhar pelos escravos mantidos em cativeiros dentro das suas próprias casas, obrigados a trabalhar de uma maneira ininterrupta? Quem vai fiscalizar online toda essa massa da população que, em troca de alguns poucos centavos, está lá trabalhando em programações ou jogando videogames para que a pontuação desses jovens possa subir para que eles sejam vendidos? Os senhores sabiam que a plataforma TikTok envia conteúdo nocivo às crianças a cada 39 segundos? E a pergunta que eu faço é: quem vai fazer esse resgate?
Para concluir a minha fala, nos Estados Unidos, na semana passada, em Utah, o Governador Spencer Cox promulgou duas leis que restringem o uso das redes sociais por menores, tornando-se o primeiro Estado americano a obrigar a autorização dos pais.
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Portanto, eu gostaria de propor aos senhores que a discussão dessas práticas problemáticas digitais seja, de alguma maneira, incluída como uma nova forma de escravidão a ser pensada como agregação, tráfico de dados, e que se concentra principalmente na perda da privacidade pessoal, em detrimento de alguém que explora e compromete a autonomia coletiva e individual.
Na semana passada, tivemos a proposta pelo STF da regulação das redes sociais, em que eles se debruçam sobre as questões de liberdade de expressão e fake news. Mas isso, Senador, é apenas a ponta do iceberg. Nós precisamos ter um assunto, um olhar que seja mais amplo, e eu entendo - se o senhor me permite uma última fala - que esta Casa precisa assumir o protagonismo dos novos tempos. E devemos, acima de tudo, ser a ponta de flecha de mudanças que farão diferença não apenas para os problemas tão conhecidos do passado, mas para aqueles que se avizinham no futuro. Sabe por quê, Senador? Porque esses projetos vão salvaguardar não os adultos, mas sim as crianças de amanhã.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Cristiano Nabuco de Abreu, psicólogo, coordenador do grupo de dependência tecnológica do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.
Muito obrigado pela sua contribuição.
Agora nós vamos às falas dos Senadores.
A primeira Senadora inscrita é a Senadora Soraya Thronicke.
A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - MS. Para discursar.) - Sr. Presidente, caros colegas e todos aqueles que estão aqui, servidores também, e quem está participando hoje aqui, toda essa... São muitos auditores fiscais do trabalho. É um prazer tê-los aqui hoje.
Eu gostaria de começar, Sr. Presidente, louvando a iniciativa e destacando que os números que o Carlos nos forneceu, tudo que foi falado aqui... Você, Fernanda, falou em mais de 900 resgates no ano passado. É tanto papel aqui. Foi isso, não é? Enfim, são números assustadores, extremamente relevantes, porque o caso do Rio Grande do Sul tomou tamanha proporção e nos assustou, mas os números que vocês trazem são corriqueiros. Então, é mais assustador ainda o que acontece no nosso país. Então, a iniciativa do Senador Randolfe e do Senador Fabiano Contarato em regulamentar o que já está disposto na Constituição é extremamente louvável.
Eu gostaria apenas de fazer algumas considerações, para que possamos aprimorar esse PL, principalmente porque até mesmo eu perdi a fala do membro do Ministério Público do Trabalho. Eu gostei muito da nota técnica que me foi ofertada no ano passado pela Procuradora do Trabalho e Coordenadora Nacional do Conaete, do Ministério Público do Trabalho, Lys Sobral Cardoso. Eu achei bastante técnica. E tudo isso que nós estamos... E V. Exas. conseguem trabalhar, conseguem trabalhar com a legislação já existente, principalmente o conceito dado pelo art. 149 do Código Penal, porque sobre ele existem divergências. A nota que eu recebi da FPA, por exemplo, considera que os critérios são extremamente subjetivos e que deveriam ser mais objetivos para garantirem segurança jurídica.
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O Ministério Público do Trabalho já defende que permaneçamos com o conceito existente no Código Penal, tanto que, dentre as três propostas de emenda, a primeira que eles trazem é a seguinte: sugerem que o PL 5.970, de 2019, mantenha o conceito do art. 149 do Código Penal. Então, seria o seguinte: "Para fins desta lei, considera-se trabalho em condições análogas a de escravo o disposto no art. 149 do Código Penal". Portanto, entende o MPT - e eu não sei se é o entendimento de V. Exas., dos auditores fiscais - que já temos uma legislação nesse sentido condizente com o trabalho que vocês vêm entregando.
Até eu gostaria aqui, na pessoa do meu amigo Paulo Douglas, que é Procurador do Trabalho da 24ª Região, que, na semana passada, fez mais uma fase da Operação conjunta Pantanal Paiaguás, que, de janeiro a março deste ano, já resgatou 22 trabalhadores nesta condição análoga de escravo em fazendas do Mato Grosso do Sul, de dar parabéns para o MPT 24ª Região.
Então, nesse sentido, gostaria de saber de V. Exas. se este conceito resolve o nosso problema, continua resolvendo, porque está um tanto quanto, na minha opinião, denso. E nós precisamos entender e aprimorar esse projeto de lei dos nossos colegas - esse projeto que vai à votação -, justamente para que consigamos encontrar um meio razoável.
Temos conceitos muito abertos, como o caso de isolamento geográfico, que é o inciso II do art. 2º. Nós temos também conceitos bastante subjetivos, como o do inciso VIII também: ausência de avaliação dos riscos acompanhada de efetiva adoção de medidas... Não vou descrever aqui, mas gostaria de colocar a minha preocupação dentro desses conceitos abertos, tanto quanto do isolamento geográfico, porque há fazendas que estão sendo abertas neste momento, e as pessoas ficam em isolamento. Então, o que deveria ser feito? Manter uma possibilidade de veículo sempre à disposição desses trabalhadores? Porque são trabalhos que já existem, necessários, e pessoas trabalham nesse ramo. Então, como atingirmos aí um equilíbrio dentro disso tudo?
E eu gostaria também de destacar aqui, também da nota do MPT, o rito de expropriação. Eles dizem, eles afirmam que já temos esse rito bem fundamentado e que vem trazendo já benefícios e que embasam as investidas do MPT e embasam os processos.
Bom, o Relator Fabiano Contarato acatou... E eu estou disposta, Procurador, a acatar aqui parcialmente sugestões das notas técnicas. O Senador Fabiano Contarato já acatou a segunda sugestão, então eu acho bastante salutar.
A questão principal é: dentro de todo esse arcabouço jurídico que nós já temos, isso tudo me parece bastante similar também com a questão da Maria da Penha. Por quê? Porque essa legislação nossa de combater a condição análoga de escravo já é até mesmo conceituada no exterior, e nós somos inclusive, vocês são case de sucesso perto de outros países. A dificuldade nossa é: como é que nós podemos trazer mais eficácia à legislação que nós já temos?
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Eu sou advogada de família e sempre me incomodei muito em ter que dizer, todos os anos, em todos os congressos, em todas as nossas falas, que nós temos a terceira legislação mais festejada do mundo em relação à violência doméstica, que é a Lei Maria da Penha. Porém, na hora de você executá-la, você encontra grande dificuldade. Então, eu realmente não sei se eu festejo ou não, porque dizer que a nossa legislação já é maravilhosa nos coloca numa situação, aqui no Congresso Nacional, de passividade. Já temos a melhor legislação, porém a dificuldade é executá-la.
Aqui eu vejo também o que veio do Ministério Público do Trabalho, que nós já temos um arcabouço jurídico muito bom, que nos permite esses resultados e que V. Exas. nos trazem aqui esses números alarmantes. Então têm feito, sim, um bom trabalho. O que falta agora, pelo visto, é uma regulamentação da expropriação urbana - foi o que mais foi dito... Perdão: da rural, que é o que a gente geralmente enfatiza, mas a perda da propriedade urbana também está colocada aqui e foi pouco discutida. Como é que é isso? Principalmente nessa última fala do psiquiatra, que vem analisando, investigando empresas, cujos trabalhadores estão ali no meio urbano. Como é que se daria isso?
Então, a preocupação minha: eu acho o projeto de lei bastante denso e gostaria que vocês também nos trouxessem sugestões e notas técnicas, porque os conceitos estão muito abertos aqui, e isso traz realmente uma insegurança muito grande.
Dentro dessa nota da FPA também, que eu recebi, eles criticam o conceito do art. 149 do Código Penal, dizendo que é muito subjetivo, mas não trazem uma proposta objetiva para essa redação. Então, eu gostaria de pedir para FPA que nos trouxesse mais objetividade nesta crítica à subjetividade do conceito do art. 149. Gostaria de termos uma proposta, como o Ministério Público nos trouxe, para que possamos realmente trazer essa segurança.
Então, aqui eu tenho só perguntas e abertura para que possamos juntos construir, melhorar, aprimorar e trazer a segurança que nós todos precisamos e pedir para que vocês, os auditores fiscais, o Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho, nos municiassem com mais e mais dados, porque realmente esses casos que tomam grande proporção midiática não demonstram suficientemente tudo o que vocês fazem, e isso é importante.
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Quero saudá-los e deixar também essa abertura, Senador Paulo Paim, para que possamos abrir para sugestões em relação às novidades, ao mundo moderno, que nos obrigam a legislar sobre, que é essa questão, inclusive, de enviar e-mails depois do horário de trabalho, coisas que muitas vezes até daria uma folga a nós do mundo político, sabe? Porque eu me sentiria totalmente... Porque nós não temos folga, não é? Então isso nos obrigaria a parar também. Então, precisamos muito tratar disso e encontrar as nossas responsabilidades também dentro do nosso próprio ambiente, porque o mundo novo nos obriga a isso.
Muito obrigada e parabéns a vocês pelo trabalho! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Senadora Soraya Thronicke, pela contribuição que dá, acompanhou a fala de todos os convidados e deixou no final as suas contribuições.
Senadora Damares, por favor.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar PP/REPUBLICANOS/REPUBLICANOS - DF. Para interpelar.) - Obrigada, Presidente. Obrigada, Soraya, por nos defender aí.
Eu quero cumprimentar a todos da mesa, a todos que participaram, com colaborações riquíssimas. E por que esse debate? Por que foi pedida essa e a outra audiência pública? O Senado foi renovado agora em um terço. Então, nós temos aqui Senadores chegando à Casa e que não participaram de debates anteriores, alguns, inclusive, ausentes do tema. Então, esta audiência - as assessorias estão aqui - foi muito para contemplar os novos Senadores que estão chegando para que eles tivessem a oportunidade de participar dos debates.
E eu creio que os senhores trouxeram dados, números, informações muito importantes. E nós agradecemos a participação e por terem ficado até a essa hora conosco aqui. Foi completamente necessário esse debate. Nós vamos ter uma segunda audiência.
Mas quero cumprimentar os fiscais que estão aqui, todos vocês, um abraço especial para vocês. (Palmas.)
E quero chamar a atenção de um dado que o sindicato traz - e aí talvez responda um pouco da angústia da Soraya. Nós precisamos de mais legislação ou a gente vai precisar mesmo ocupar esses 46% de cargos vagos dentro do trabalho de vocês. A gente vê aqui que é o menor contingente dos últimos 30 anos. E vocês estão fazendo um milagre no trabalho de vocês, estão fazendo um milagre com esse contingente tão pequeno de fiscais. Talvez a gente vá ter que sentar junto com os novos Senadores para ver o que fazer. Não tem concurso público desde 2013. O que fazer? Como é que tem eficiência e eficácia com um contingente tão pequeno como esse? Fica aqui o meu registro.
E, por último, eu observei o número de trabalhadores resgatados, e a gente vê que a média não aumentou muito, talvez por conta do contingente pequeno. Diminuiu um pouco na pandemia, e a gente vê que em 2022 cresce talvez por demandas reprimidas da pandemia, mas a média está aqui. Claro que a gente quer número zero - número zero, mas a gente vê aqui que tem permanecido mais ou menos a média.
E aí eu quero falar com a Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos: acredito, Secretária, na ampliação do canal de recebimento de denúncia, em a gente poder investir cada vez mais na Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos - não sei como ela ficou, se ficou só o Disque 100 -, em o canal sendo mais divulgado também para esse marcador do trabalho análogo à escravidão. Fica a sugestão. Inclusive, se precisar de orçamento, corre aqui porque é aqui que a gente vai lutar por orçamento para vocês.
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Por último, Senador, eu destaco a participação do Dr. Cristiano - fui eu que o indiquei. E aqui eu tenho muitos pais no auditório. Preste atenção no que eu vou falar. Nós vamos ter, talvez não no corpo desse projeto de lei, mas a gente vai ter que dar uma atenção ao que ele trouxe.
O Dr. Cristiano nos surpreendeu com imagens de meninos de 18 e 19 anos que compram fraldas descartáveis, adultas, e as colocam para não terem de se levantar para ir ao banheiro; colocam a comida na mesa e trabalham 19, 20 horas por dia, especialmente num mercado que está surgindo para esses meninos, que é o de consultores de jogos online, Senador. Eles sabem jogar, sabem mudar o nível nos jogos e aí adultos os contratam para que eles fiquem dando assessoria em jogos.
Nós vamos expropriar o quê? O computador desse menino? Como nós enfrentaremos essa nova escravidão que está aí? Fica essa reflexão para a Conatrae, para os fiscais, para o sindicato. Nós estamos muito preocupados com essas novas modalidades de escravidão que estão se configurando o tempo todo.
E queremos, talvez não nesse projeto... Eu acho que a fala do Dr. Cristiano dá um pontapé inicial a um novo debate aqui nesta Casa sobre esses novos meninos, meninas e adultos também. Eu também fico 20, 25 horas no zap-zap - não é, Senador? -, trabalhando. A gente vai ter que dar essa atenção.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só nós sabemos.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar PP/REPUBLICANOS/REPUBLICANOS - DF) - Muito obrigada, Senador Presidente, por esta audiência, que acho que foi rica, e obrigada a todos vocês pela colaboração que trouxeram. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado, Senadora Damares, que já pontuou o descaminho inclusive de trabalho escravo e sobre o qual todos nós temos obrigação de nos debruçar.
Eu vou nesse momento... Eu sei que a mesa toda vai poder responder a algum questionamento, a perguntas, mas tem algumas perguntas - eles reduziram bastante, a meu pedido - que vieram do e-Cidadania, e vocês, nas considerações finais que terão de cinco minutos com mais três, se necessário, responderão a todos.
Adriana Marques, do Paraná: "O PL 5.970, de 2019, garantirá que os grandes proprietários de terra que exploram o trabalho escravo há gerações tenham [de fato] as terras expropriadas?". É uma pergunta que está no ar.
Edilson Moreira, de São Paulo: "Como será sanada, na prática, a contradição entre os arts. 4º e 6º do PL 5.970, de 2019?". Se alguém puder anotar, mas, na hora em que for falar, eu passo também o papel, se assim entenderem necessário.
Nathaly da Silva, de Pernambuco: "Como o projeto aborda a responsabilização de empresas que se beneficiam do trabalho escravo em suas cadeias de produção?".
Lúcio Ruivo, de São Paulo: "Sabendo que o trabalho escravo ainda existe, não seria correto criar uma força tarefa para o monitoramento e, assim, fechar essas portas?".
E, por fim, Luan Felipe, do Rio de Janeiro: "O [Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho] [...] divulgou que o número de postos de fiscalização trabalhista caiu pela metade. É o menor número de servidores em 30 anos [...]".
São essas as perguntas e o questionamento, a opinião das duas Senadoras.
Se alguém quiser falar de imediato... Senão, eu vou seguir a lista. (Pausa.)
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Posso seguir a lista? (Pausa.)
Vamos começar, então, pelos que estão em conexão virtual, na expectativa.
Não sei se ele está: Dr. Jorge Luiz Souto Maior, Desembargador do Trabalho da 15ª Região, está ainda conosco? (Pausa.)
Está?
O SR. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR (Por videoconferência.) - Estou, sim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, para suas considerações finais, por cinco minutos, com mais três se for necessário.
O SR. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR (Para expor. Por videoconferência.) - Primeiro, quero dizer que foi para mim uma honra participar e também uma oportunidade muito grande de ouvir tantas pessoas gabaritadas no assunto e também as Senadoras que se manifestaram, que trouxeram bastante contribuição também para este debate. Eu acho que é um debate que precisa mesmo estar nesse nível de seriedade, para a gente tratar dessa questão de uma forma em que a gente possa efetivamente superá-la. Porque a inteligência humana por certo é capaz de produzir argumentos, de produzir uma racionalidade que seja para dificultar a que a gente dê passos adiante. Aliás, é isso que tem acontecido até hoje: nós estamos, como foi dito aqui nas manifestações, tentando dar um passo decisivo que foi iniciado em 1995. Então, nós estamos há mais de 28 anos por conta de fazermos e cumprirmos essa tarefa.
E o PL que nós estamos aqui discutindo é um passo, mas efetivamente só o PL não é necessário, porque acaba que será mais uma lei dentre tantas que nós já temos. Na minha fala eu quis expressar isto: olha, talvez nos falte algo que vai além da legislação; a vontade política, institucional, pessoal e cultural de enfrentarmos esse problema. Porque há esse pudor que se tem total contra a expropriação das terras, com as leis de propriedade, enfim, e muito se fala "não, vamos garantir o devido processo legal, o duplo grau de jurisdição" e tudo mais. Então, para que uma expropriação de terras aconteça, com todo esse encaminhamento, sei lá, talvez só daqui a dez anos consigamos um caso.
É preciso que se pense também em medidas preventivas, medidas que interfiram, se não na propriedade, na posse, que é também um direito a ser perseguido juridicamente. Existem mecanismos que podem e já devem ser defendidos de forma preventiva, inibitória, e não só focarmos isso; focarmos também as questões da indenização, as questões das condenações penais e a responsabilização - como disse aqui em uma das perguntas - das empresas que se beneficiam dessa atividade em cadeia, porque a exploração do trabalho em condições análogas à de escravos está na produção de bens que servem a uma rede de produção.
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Então, nós temos que atacar isso em diversos... E nós vemos, muitas vezes, empresas multinacionais - não é um problema só brasileiro, não é?
Então, nós precisamos pensar do ponto de vista de responsabilização, com indenizações que sejam civis trabalhistas, mas milionárias, não é? Não é uma indenização apenas de poucos valores: tem que ser daquele tipo que sirva como um exemplo considerável, indenizações que sirvam também a essas pessoas resgatadas para que elas tenham condições econômicas e financeiras de não retornarem àquela situação, porque o que nós verificamos na realidade brasileira são pessoas submetidas a esse tipo de trabalho de forma reiterada, por falta de condições mesmo, por falta do Estado. O Estado tem que chegar a essas pessoas com outros mecanismos, não é simplesmente - o que não deixa de ser importante - a questão do resgate e do pagamento de verbas rescisórias trabalhista numa indenização de R$5 mil, não é? É preciso superar a realidade, e para superar essa realidade os efeitos jurídicos têm que ser muito mais gravosos, pois nós estamos falando em crimes contra a humanidade, contra as pessoas negras sobretudo, como eu destaquei, mas que nos agridem ou deveriam nos agredir a todos e todas enormemente.
Então, o nosso desafio eu acho que não é simplesmente termos mais uma lei - o que é importante - para superar algumas resistências que ainda se colocam juridicamente, mas é que virão outras certamente, outras resistências. O nosso desafio é superar os nossos obstáculos mentais e talvez enfrentarmos este nosso pacto narcísico, ou seja, nós precisamos ver essa realidade como agressiva e enfrentá-la de um modo, digamos, muito - muito, mas muito mesmo! - sério do ponto de vista da sua superação. Não é com acomodações, não é com conciliações aqui ou ali, com ajustes, com minimizações do problema que nós vamos superar esse nosso desafio.
Era isso, Senador.
Agradeço muito pela oportunidade de ouvir e de falar. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado, Dr. Jorge Luiz Souto Maior, Desembargador do Trabalho da 15ª Região. Logo que o convidamos, ele de pronto disse: "Sim. Em que dia eu vou falar?" -, porque são duas audiências pública: uma é hoje, e aí ele se escalou para esta, e nós assim o atendemos e agradecemos a ele; e a próxima é no dia 10, às 2h da tarde, em que teremos outra audiência pública, e inúmeros Senadores pediram para que fosse, inclusive, numa segunda, porque hoje, por exemplo, tem a CCJ, tem a Comissão de Assuntos Sociais, e está uma correria enorme de parte dos Senadores.
Então, muito obrigado, Desembargador Jorge Luiz Souto Maior.
E agora nós voltamos à nossa lista: Dr. Italvar Filipe de Paiva Medina, Procurador do Trabalho e Vice-Coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT.
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O SR. ITALVAR FILIPE DE PAIVA MEDINA (Para expor.) - Bom dia novamente.
Então, respondendo às perguntas, em primeiro lugar, à manifestação da Exma. Senadora Soraya. Quanto à nota técnica que o MPT apresentou anteriormente, de fato, como eu até tinha destacado durante a minha fala, o conceito de trabalho escravo foi um conceito muito importante para a política pública nacional, que foi introduzido, no ano de 2003, no Código Penal, no art. 149, permitiu o avanço da política pública e tem sido, inclusive, elogiado internacionalmente. Então, há sim uma preocupação do Ministério Público para que não haja retrocessos quanto a esse conceito, que já foi, inclusive, elogiado pela própria OIT e reconhecido pela Corte Interamericana. Entendemos que, sim, a redação do art. 149 do Código Penal é suficiente para a própria privação da liberdade, já que ele define uma pena de prisão pelo crime e também para condenações trabalhistas. Já que ele tem sido reconhecido pelo STF, pelo TST, enfim, pelas cortes trabalhistas e pela Justiça Federal, não haveria por que ele ser insuficiente para uma expropriação de propriedade. Por isso, houve a sugestão da nota técnica de que, quanto à conceituação do trabalho escravo, houvesse mera remissão ao conceito que já existe no art. 149 do Código Penal.
Bom, foi tratada também a questão da fiscalização e dos postos de trabalho dos auditores fiscais do trabalho. Esse é um problema grave na política de erradicação do trabalho escravo no país. Tem havido um número de resgates que tem resultado num esforço hercúleo dos auditores fiscais já existentes em parceria com o Ministério Público do Trabalho e demais órgãos que atuam na temática, principalmente mediante a organização de vários grupos móveis locais que têm se esforçado para fiscalizar as denúncias de trabalho escravo que chegam, mas essa fiscalização que tem havido, no caso de trabalho escravo, também compromete outras áreas, porque o cobertor é curto. Esses fiscais deixam de fiscalizar outras áreas relevantes, já que eles também cuidam do meio ambiente de trabalho, cuidam da assinatura de carteira de trabalho, cuidam do trabalho infantil, temos as fiscalizações de rotina, os auditores fiscais, de cumprimento da legislação, inclusive no campo, que têm caído. Vários estados deixaram de ter equipes rurais de fiscalização de auditores fiscais, consequentemente, deixa de haver a prevenção do trabalho escravo já que, à medida que determinadas áreas do país deixam de ter fiscalização trabalhista, ilícitos que, inclusive, antes já estavam corrigidos, como a assinatura de carteira de trabalho, passam a voltar. Então, empregadores voltam a não assinar carteiras, voltam a cometer fraudes, e isso pode evoluir para situações extremas, como o trabalho escravo.
Então, a falta de auditores compromete, sim, o combate ao trabalho escravo no país. Desde 2013, não há concurso público para auditores. Já há 46% dos cargos vagos, o menor número em 30 anos. Isso viola precedentes da Corte Interamericana, viola o próprio acordo internacional que o Brasil fez, no caso José Pereira, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, viola a Convenção 81 da OIT. A Conatrae já fez duas notas técnicas exigindo do Governo Federal, nos anos de 2020 e 2021, a realização de concurso público para auditor fiscal. E essa é uma pauta que temos agora também da Secretaria do Trabalho e Emprego para que haja a organização desse concurso o mais rápido possível.
Foi feita também a pergunta sobre...
(Soa a campainha.)
O SR. ITALVAR FILIPE DE PAIVA MEDINA - ... cadeias de produção. Não é tema específico desse PL, já que ele foca justamente na expropriação da propriedade em que houve o flagrante do trabalho em condição análoga à de escravo, mas também a responsabilização das empresas em cadeia de produção pela devida diligência é um tema que precisa avançar aqui no Congresso Nacional e para o qual o Ministério Público do Trabalho se coloca à disposição para ajudar.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Cumprimentos ao Dr. Italvar Filipe de Paiva Medina, a quem eu agradeço com as palmas. (Palmas.)
Ele é Procurador do Trabalho e é, repito, Vice-Coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT.
Eu queria também agradecer ao Senador Girão. Eu sei que ele estava na CCJ, porque lá há um debate duro também sobre uma PEC, mas ele fez questão de vir aqui para prestigiar o nosso debate sobre este tema.
Seja bem-vindo. A palavra é sua. (Palmas.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Pela ordem.) - Muito obrigado, Senador.
Eu queria parabenizar a todos. A nossa equipe ficou o tempo inteiro aqui, anotando tudo, registrando, para que a gente possa, Senador Paulo Paim, instruir bem esta votação importante que nós vamos ter depois da Semana Santa.
Eu queria apenas fazer uma sugestão para daqui para frente, porque muitos colegas - a gente estava conversando ali - queriam estar aqui, aprendendo, fazendo essa troca de experiências, mas este é um horário definitivamente ruim para audiência pública. Eu acredito que a gente possa fazer no dia de segunda ou de sexta, que tem uma agenda um pouco mais tranquila aqui, no Senado, para que a gente possa participar, fazer perguntas, porque realmente, quando tem votação nas outras Comissões, complica. Então, isso é só a título de sugestão. Eu queria...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sugestão já acatada...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Pronto.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... tanto que a próxima vai ser em uma segunda à tarde.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Pronto. Aí fica melhor.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Os Senadores viajam de manhã...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeito.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... e, na segunda à tarde, estarão aqui.
Este aqui foi um acordo que foi feito naquele dia com os Senadores...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Pronto. Não, é verdade, foi um acordo, e eu não estou questionando isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, eu não estou também discordando, mas V. Exa... Tentamos, mas não deu certo. Então, vamos mudar.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Foi, foi...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos procurar um horário em que os Senadores possam participar.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Está bom.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já vamos deixar acordado... A próxima é na segunda, à tarde, no dia 10, a partir das 14h.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeito.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E, nas próximas também, vamos tentar segunda e sexta.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Está bom.
Parabéns a todos pelo evento.
As perguntas que eu trouxe aqui a gente deixa para a próxima.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Obrigado pela contribuição. (Palmas.)
Inclusive, aponta novos caminhos para as audiências públicas. Esta Presidência concorda: segunda e sexta são quando eles poderiam mais participar.
Vamos agora para a Dra. Isadora Brandão Araújo da Silva, Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, representante do Ministério dos Direitos Humanos, ela que é doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo.
A SRA. ISADORA BRANDÃO ARAÚJO DA SILVA (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Eu quero agradecer a audiência de todas as pessoas aqui e fazer esta finalização também com muita brevidade.
Eu quero ressaltar, como já foi dito, que o caso Bento Gonçalves e o caso Uruguaiana não são casos isolados. A gente está falando de um problema sistêmico, que exige também soluções abrangentes, soluções também de caráter sistêmico. No entanto, o que nós temos observado é, de fato, como regra uma impunidade de pessoas físicas e jurídicas que se valem da exploração do trabalho análogo à escravidão. Daí, portanto, mais uma vez, a importância do PL hoje em discussão, para que a gente possa começar a enfrentar esse cenário de impunidade que ainda grassa.
E me parece que fazer esse enfrentamento envolve a necessidade de trabalhar o fortalecimento do sistema de sanções de uma maneira ampla, não só por meio da garantia dos mecanismos expropriatórios que aqui são objeto de discussão, mas também por meio do enaltecimento das indenizações, como foi dito aqui pelo Desembargador Souto Maior, que precisam ser também arbitradas em valores que, de fato, sejam inibitórios da reiteração dessas práticas ilícitas.
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Importante mencionar que, sendo a exploração do trabalho análogo à escravidão um fato que se dá por motivação financeira, a gente também fortaleça as penalidades de caráter econômico, como é o caso da expropriação das propriedades rurais e urbanas. Então, é importante a medida criminal, mas também as medidas que gerem prejuízo econômico ao detentor do capital são estratégicas para que a gente consiga, de fato, coibir essa prática.
Quero dizer da importância também do fortalecimento desse sistema de sanções ao trabalho análogo à escravidão como forma de enfrentamento a outros crimes conexos ao crime de exploração do trabalho análogo à escravidão, como o tráfico internacional e mesmo nacional de pessoas. Nós sabemos como frequentemente há todo um processo de aliciamento desses trabalhadores vulneráveis em outros estados do país. No caso de Bento Gonçalves, nós vimos que cerca de 180 das vítimas eram oriundas do Estado da Bahia, da Região Sisaleira, de uma região muito marcada pela pobreza e por indicadores socioeconômicos pouco favoráveis. Então, a gente tem um impacto positivo também no enfrentamento a esses crimes conexos quando nós garantimos uma resposta enérgica, por meio da expropriação, à exploração do trabalho análogo ao da escravidão.
Quero ressaltar algo que também o Desembargador colocou em sua fala. Essa impunidade sistêmica desses criminosos pode ser sintoma de um pacto institucional, de um pacto implícito em favor da violação daquilo que a Constituição estabelece, que é a vedação ao trabalho análogo à escravidão, e esse pacto implícito me parece ser uma expressão desse racismo institucional que ainda também permeia as nossas instituições. Nós sabemos, como já foi dito aqui, que cerca de mais de 80% dessas vítimas são pessoas negras, ou racializadas, migrantes...
(Soa a campainha.)
A SRA. ISADORA BRANDÃO ARAÚJO DA SILVA - ... então, nós precisamos entender também que fortalecer o sistema de enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão é enfrentar essa lógica histórica de cumplicidade institucional com a negação de humanidade de pessoas negras e é, portanto, também, uma medida de enfrentamento ao racismo institucional.
E, por fim - eu ia dialogar diretamente com a Senadora Damares, e é uma pena que ela já tenha saído -, quero mencionar como a fala do convidado, Dr. Cristiano, salvo engano, que traz aí todo um desafio relacionado ao contexto contemporâneo do trabalho, mostrando a flexibilidade atual dessas relações de trabalho, parece-me que a fala dele fortalece a necessidade de a gente manter a definição nos termos atuais de acordo com o art. 149. É justamente porque esse mundo do trabalho é dinâmico, porque as formas de organização do trabalho são extremamente flexíveis que a gente não pode permitir que haja uma redução, um amesquinhamento dessa definição do art. 149.
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Nesse sentido, reitero a fala do Dr. Italvar, quanto ao acerto do projeto de lei, quando faz uma remissão à definição já existente no Código Penal e já também reconhecida internacionalmente.
Então, era isso. Quero agradecer, mais uma vez, o convite, a audiência, e colocar a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos à inteira disposição para continuarmos nesse diálogo, mencionar que a Conatrae, que é a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, é vinculada à secretaria nacional, é um colegiado vinculado à nossa secretaria, e destacar que a Conatrae, como também já foi dito, tem externado, de forma reiterada, a preocupação com a redução do efetivo do quadro de auditores fiscais do trabalho, que tem um papel fundamental no enfrentamento ao trabalho em condições análogas à escravidão. Inclusive, esse foi um tema trazido na reunião extraordinária da Conatrae, ocorrida no último dia 13, para discutir o caso de Bento Gonçalves. Mais uma vez, esse problema foi levantado, e a gente também se coloca à disposição para fortalecer esse pleito justo e necessário para a erradicação do trabalho escravo em nosso país.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Fica aqui o meu abraço, e me permita que eu mande agora, Isadora, um abraço no Silvio. Nós todos, aqui, na Comissão, temos um carinho muito grande por ele, que é o Ministro da tua pasta.
A Isadora Brandão Araújo da Silva é Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos e representou, com muita competência aqui, o Ministério dos Direitos Humanos. Ela é doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo.
O Senador Girão pediu a palavra. Eu quis concluir com ela.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Rapidamente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você tem todo o direito de usar a palavra neste momento.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Pela ordem.) - Infelizmente, quando a gente não acompanha o debate, suscitam-se muitas dúvidas, não é? Mais uma vez, eu peço desculpas a todos os presentes aqui. Tenho interesse em aprender sobre esse tema. Foi um caso muito emblemático o que aconteceu lá, em Bento Gonçalves, que chocou o país, uma fala triste do Vereador.
Mas eu queria, até para a próxima reunião - eu vou procurar me organizar para participar de toda ela -, que a gente trouxesse à mesa também a Polícia Federal, porque esse caso está permeando, pelo que estou percebendo aqui, pois já foi citada aqui algumas vezes e o Francisco também me confirmou, a Polícia Federal, que tem outra versão do que aconteceu lá. A gente precisa entender exatamente o que foi. A Polícia Federal... Estou com matérias aqui de vários veículos de comunicação do país, nacionais, dizendo que a Polícia Federal declara não haver provas contra vinícolas em trabalho escravo. É uma instituição acreditada do país a Polícia Federal.
Então, a gente precisa ouvir. A regra da boa convivência é o respeito, é o diálogo. A gente precisa ouvir, até para a gente...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Senador Girão, se me permitir...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Claro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É para concordar. Já, de pronto, eu peço à Secretaria da Comissão que, para o dia 10, convide a Polícia Federal para vir aqui. Pronto!
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeito!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está resolvido neste momento.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Aí eu acho que a gente fica com o contraponto e mais uma vez...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas pode continuar. Eu só quis...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Não! É isso.
Mais uma vez, quero parabenizá-lo, Paim. Você é sempre muito democrata e traz assuntos importantes. No momento em que a gente está da humanidade, ter trabalho análogo à escravidão é inadmissível, e a gente está aqui, discutindo, com muita serenidade, sem deixar a emoção tomar conta, sem deixar narrativas também, olhando os fatos, porque é assim que a gente vai conseguir encontrar um caminho interessante.
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Eu vou pedir licença, porque já estão me chamando lá no outro...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu entendo.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Mas, na segunda ou sexta-feira, tentarei estar lá a toda.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Segunda é dia 10; no dia 12, é a votação.
Muito obrigado, Senador Girão.
Vamos agora à Dra. Fernanda Drummond, representante do Conectas Direitos Humanos.
Por favor.
A SRA. FERNANDA DRUMMOND (Para expor.) - Obrigada, mais uma vez, Senador Paulo Paim.
Eu gostaria de parabenizar aqui meus colegas de mesa, que já fizeram excelentes falas e já trouxeram muitos fatos. Então, vou tentar ser bem sucinta.
A fim até de responder, ainda que brevemente, à pergunta suscitada pela Exma. Senadora Soraya Thronicke, trago como resposta, primeiramente, que o Brasil tem uma legislação de fato excelente. Isso não significa que não existam brechas e que esse sistema não possa ser aperfeiçoado. A sociedade civil defende o conceito de trabalho escravo previsto hoje na nossa legislação e faz voz ao que foi levantado pela minha colega de mesa Isadora.
Eu vou trazer aqui também algumas considerações ou recomendações que foram trazidas pela ONU, pelo Relator Especial sobre Formas Contemporâneas de Escravidão, as recomendações que foram feitas para o Estado brasileiro, considerando que o crime de escravidão não só precisa de uma reação punitiva, mas precisa também ser prevenido.
Foi recomendado que o Brasil garantisse o acesso à terra - e aí a gente vai muito em favor do projeto de lei que a gente está aqui discutindo.
E, na proteção dos direitos sindicais, a gente não pode deixar de considerar o grave quadro das entidades sindicais hoje no Brasil e pedir que esta Casa também considere essa questão para que normas sejam revistas para voltar ao fortalecimento do sindicato no Brasil.
Fortalecer a inspeção trabalhista. Eu não posso deixar aqui de parabenizar os auditores fiscais do trabalho e também cobrar não só o concurso público, mas também que seja destinado orçamento para a fiscalização do trabalho. (Palmas.)
Eu gostaria de dedicar essas palmas a vocês, porque a gente sabe hoje que vocês têm feito um trabalho sem orçamento suficiente não só para conseguir chegar aos rincões do Brasil, onde está a maioria do trabalho escravo, mas para garantir a própria segurança dos auditores fiscais, que têm trabalhado sem equipamentos necessários, sem a cobertura necessária do sistema do Estado brasileiro. Então, também quero aqui cobrar desta Casa que algo seja feito nesse sentido.
Garantir o acesso à Justiça e os recursos para vítimas. Eu acho que isso eu já deixei um pouco claro na minha fala anterior.
Também, por fim - me desculpem porque eu estou aqui pegando como foi -, tomar medidas firmes contra empresas que se envolvam em formas contemporâneas de escravidão, com sanções penais e civis efetivas. Sobre esse ponto, eu gostaria de trazer a necessidade da responsabilização do topo da cadeia produtiva. Hoje, infelizmente, no Brasil, nós temos brechas no nosso sistema que não permitem ou que dificultam a responsabilização daqueles que são os que mais lucram, que são as empresas transnacionais.
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Nós temos que lembrar que o Brasil é um exportador de commodity e que a gente está atado a uma visão colonial em que a gente explora a mão de obra brasileira para exportar o lucro para essas grandes empresas.
A gente precisa de uma legislação ou de uma interpretação mais sistêmica dos nossos operadores do direito, para que o topo da cadeia produtiva seja responsabilizado e force para que toda sua cadeia produtiva adeque a sua conduta à legislação brasileira.
Eu acho que encerro aqui minha fala, para não me tornar repetitiva e possibilitar que os colegas também tenham mais tempo.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Fernanda Drummond, representante da Conectas Direitos Humanos, que deixou aqui uma série de recomendações, inclusive para nós. Tem que estar lá no orçamento.
Agora, eu passo a palavra para a Dra. Andreia Figueira Minduca, Secretária Executiva da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
A SRA. ANDREIA FIGUEIRA MINDUCA (Para expor.) - Olá.
Eu acho que não tem como deixar de iniciar a fala aqui apoiando nossos colegas auditores fiscais do trabalho.
Ontem, nós tivemos uma reunião técnica, na Organização Internacional do Trabalho, e o Sakamoto levou uma fala lá que realmente nos chamou muito a atenção. Temos mais de 60 mil trabalhadores que foram resgatados...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me só que eu diga que o Sakamoto está na próxima. No dia 10, ele vem falar aqui também.
A SRA. ANDREIA FIGUEIRA MINDUCA - Ah, maravilha. Muito bem representado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estão todos convidados para o dia 10.
A SRA. ANDREIA FIGUEIRA MINDUCA - Ótimo.
E a gente fala... A gente tem 60 mil trabalhadores que foram resgatados, mas a gente não sabe quantos mais, ou quantos faltam, porque a gente não tem estoque de trabalhadores vítimas de trabalho escravo. Então, isso tudo permeia a necessidade de aumento do número de fiscais. Na verdade, pelo menos a recomposição, porque está em 50% de defasagem. (Palmas.)
Então, isso implica na dificuldade de realização de ações programadas. Basicamente, acreditem - se algum auditor fiscal do trabalho puder aqui, corrija-me -, para atender as denúncias, que já são muitas. E acredito que nem estejam conseguindo cumprir todas, porque realmente tem um número de muita defasagem. Tem muitos auditores fiscais do trabalho a serem aposentados; então, esse número vai ainda diminuir. Então, é muito urgente que se tenha esse concurso público para recomposição.
E é necessário também que a gente pense em campanhas de prevenção. Isso já aumenta o número de denúncias e a necessidade de mais auditores fiscais do trabalho; e o fortalecimento das redes locais.
A gente tem a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, mas a gente precisa muito fortalecer e dar apoio às comissões estaduais para erradicação do trabalho escravo. Sem o funcionamento dessas redes na ponta, a nossa política não funciona. A gente precisa descentralizar a política de combate ao trabalho escravo.
É necessário também a gente trabalhar na responsabilização das cadeias de produção, na construção de marcos regulatórios de responsabilização; e a gente pode contar também, a gente precisa contar com os bons empregadores, porque, quando a gente fala de trabalho escravo na cadeia de produção, a gente está falando em concorrência desleal. Então, alguém está sendo muito prejudicado; alguém está ganhando dinheiro, muito dinheiro, e o outro está tendo que gastar muito para produzir corretamente.
Então, é importante a gente pensar que existem, sim, bons empregadores, que respeitam as leis trabalhistas. E a gente precisa contar também com esses empregadores.
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Eu acho que eu vou citar aqui também que nós tivemos uma condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no ano de 2016, no caso Fazenda Brasil Verde, que foi de trabalhadores que foram escravizados nas fazendas do Pará na década de 1990. E o Brasil foi condenado por não ter adotado medidas para evitar a submissão de trabalhadores à condição análoga a de escravo. Então, nós falhamos enquanto Estado. Nós estamos falhando enquanto Estado. E, nessa condenação, além da indenização às vítimas desse caso, ela solicita ao Estado brasileiro a garantia da imprescritibilidade do crime, já que se trata de um crime de violação de direitos humanos, e também que o Estado brasileiro não retroceda e continue a incrementar a política de combate ao trabalho escravo.
Então, nesse sentido de incrementar a política de combate ao trabalho escravo, é importante que a gente tenha a regulamentação...
(Soa a campainha.)
A SRA. ANDREIA FIGUEIRA MINDUCA - ... do art. 243 da Constituição Federal.
Então, nós apoiamos a regulamentação da expropriação de terras urbanas e rurais para fins de reforma agrária e programas de habitação nesse contexto, no sentido de que possamos contribuir com o aumento de políticas de combate ao trabalho escravo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Essa foi a Dra. Andreia Figueira Minduca, Secretária Executiva da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, que trouxe ali anotadinha uma série de propostas agora no encerramento, que eu tenho certeza que a equipe pegou aí para que a gente possa colaborar para torná-las realidade.
E, para encerrar, vamos encerrar com o Dr. Carlos Fernando da Silva Filho, representante do Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho).
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO (Para expor.) - Obrigado, Senador, por mais essa oportunidade de fala.
Eu queria só iniciar fazendo uma divulgação aqui de algumas publicações importantes nossas.
Esta obra chamada Resgates - Combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil é uma obra escrita por colegas, auditores fiscais do trabalho, integrantes dos grupos móveis de fiscalização do trabalho escravo. É uma obra interessante para quem estuda a matéria. E academia brasileira e a internacional são muito interessadas no tema.
Nós também fizemos uma publicação Trabalho escravo na indústria da moda no Brasil. E nós temos inclusive aqui, neste plenário, uma pessoa que tem muito nestas páginas: Renato Bignami está aqui, um grande colega, um desbravador na luta... (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vai ter que levantar aí, Renato, porque ele apontou para lá, mas...
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Aqui, o Renato.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aí! (Palmas.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Um desbravador na luta contra o trabalho escravo na indústria têxtil e na área urbana, em São Paulo - imagina a dificuldade -, com trabalhadores migrantes. Então, é um grande trabalho - não só dele, naturalmente, mas dele e da equipe.
E uma outra publicação que é esse triste capítulo da história brasileira de combate ao trabalho escravo: Chacina de Unaí - A luta do Sinait por justiça, porque estes criminosos ainda estão soltos.
Isso é o que significa aqui... Eu vou mostrar aqui algumas páginas porque é, de fato, uma luta que marca a nossa história de uma maneira muito marcante.
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Rosa, tu queres fazer uma pequena fala da chacina de Unaí? Por favor.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu recebi junto com a Rosa, em nome da Comissão de Direitos Humanos, as mães do massacre de Unaí.
A palavra é sua, Rosa.
Depois volta para você.
A SRA. ROSA MARIA CAMPOS JORGE (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Quero parabenizar aqui todos os palestrantes que nos encheram de informações e orgulho da luta que também fazem na sua seara. Quero dizer que para nós, auditores fiscais do trabalho, a luta contra o trabalho escravo é de fundamental importância.
Nós defendemos que realmente se cumpra a PEC do trabalho escravo - hoje a Emenda 81 -, defendemos o art. 149 do Código Penal e temos uma luta há 19 anos, Senador Paim, desde que nossos três auditores e o motorista foram barbaramente assassinados, aqui pertinho do Distrito Federal, em Unaí. Eles estavam lá numa fiscalização, que seria de rotina, mas que havia indícios de trabalho escravo, na colheita do feijão.
Sabemos que os envolvidos no crime foram muitas vezes mencionados como os maiores produtores de feijão do mundo, produzem o feijão para o mundo inteiro às custas do sangue do trabalhador escravizado. Não aceitaram que o Estado exigisse o cumprimento da lei e contrataram o assassinato dos nossos colegas, que estavam ali para cumprir o seu dever legal.
Eles foram tocaiados por pistoleiros pagos. O crime está hoje sobejamente instruído com muitas provas das autorias. Todos foram condenados. O Antério Mânica foi a segundo júri e foi novamente condenado, mas estão livres, Senador Paim, os mandantes, ou seja, aqueles que mais tiveram proveito desse crime continuam livres.
É um acinte contra o Estado brasileiro pessoas tirarem a vida dos outros assim de uma forma tão vil. Se o senhor ouvir as degravações das conversas ao telefone, em que o pistoleiro pergunta para o mandante: "Mas eu não consigo pegar só o Nelson", que era o auditor negro lá, de Unaí, que estava marcado para morrer. Ele falou: "Eu não consigo pegar, não consigo". "Então, tora tudo! Tora tudo! Eu dobro o preço!". Cobrou R$50 mil e matou quatro pessoas.
Nós estamos nessa luta com as viúvas, com os seus filhos, com os auditores, porque foi um ataque ao Estado, um ataque aos agentes públicos que têm o dever de zelar pelo cumprimento da lei.
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Então, Senador, para nós esta audiência pública se reveste de uma importância muito maior, porque todo esse ataque que os nossos colegas sofreram e os meus colegas ainda sofrem, porque muitas vezes dizem: "Olha, mataram os seus colegas e estão impunes". Então, são ameaças que outros empresários, que eu não chamo de empregador, porque empregador é aquele que dá trabalho decente, são empresários mesmo, que querem tirar o proveito maior possível às custas do sacrifício dos outros... Então, Senador, o senhor está de parabéns por esta audiência.
Esse PL - é preciso que seja dito - é um projeto para tirar terra, propriedade de quem é criminoso - quem é criminoso. Quem pratica um crime tem que ser devidamente punido. E é isso que nós buscamos também para aqueles que praticaram a chacina de Unaí.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Exemplarmente punido, não é?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Parabéns, Rosa! Sabe que, naquele evento que teve lá em Caxias - eu sou de lá, eu fui lá ao evento organizado pelo movimento sindical -, o momento em que eu fui mais aplaudido foi quando usei exatamente a frase que você me ensinou. Você me inspirou quando eu me reuni aqui com as viúvas do massacre de Unaí, quando você disse: "Senador, pode ter claro: quem pratica o trabalho escravo é criminoso". E foi com isso que eu encerrei lá. E foi o momento em que eu fui mais aplaudido, numa demonstração de que a gente não pode também achar que o povo do Sul é todo escravocrata, não é? Tem escravocrata em todo o Brasil - em todo o Brasil! -, eu tinha dito isso quase diariamente.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem lá, como tem em Goiás, como tem em Pernambuco, como tem em Minas, como tem em São Paulo, não é? Na área urbana e rural.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - No Pará.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - No Pará, tem em todos os estados. Tem aqui em Brasília, não é?
Eu vou fazer uma audiência aqui, e vocês vão ser convidados: trabalho escravo, empregada doméstica. Elas querem dar depoimentos aqui.
Então, quem participa, quem é cúmplice do trabalho escravo é criminoso.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - É isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vida longa aos fiscais do trabalho, que estão fazendo esse belíssimo trabalho. (Palmas.)
Volta para você.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO (Para expor.) - Senador, tem uma pergunta que veio pela internet citando haver incompatibilidade entre os arts. 4º e 6º. Na verdade, eles não são incompatíveis, eles são complementares. Não há incompatibilidade entre eles.
Eu queria agradecer todas as manifestações dos colegas, das autoridades, dos Parlamentares em relação ao quadro caótico de auditores, porque de fato o é, é uma situação esdrúxula. Eu sempre digo: na terra do nosso Presidente Lula existe uma gerência do trabalho e lá só tem um auditor fiscal do trabalho, que, neste momento, está doente e afastado por licença. E tem 160 municípios na circunscrição dessa gerência em Garanhuns. Então, é assim que está a realidade em muitos lugares no Brasil.
A gente precisa urgentemente de um concurso público. Então, Senador, dentro do que for possível, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos aqui do Senado, uma manifestação formal.
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A gente precisa urgentemente de um concurso público. Então, Senador, dentro do que for possível, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos aqui do Senado, uma manifestação formal. Eu tenho certeza de que isso pesa sobre o Governo, o Governo do Presidente Lula, que, sem dúvida alguma, é sensível ao que aqui a gente está debatendo, porque é essa a nossa esperança, é nisso que a gente acredita que o Governo do Presidente Lula enxerga como necessidade, assim como a gente já levou isso para dentro do Ministério do Trabalho, conversando com o Ministro Marinho e buscando espaços, mas a nossa necessidade é urgente, urgentíssima, não é?
Então, eu gostaria de iniciar deixando esse registro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, deixe-me já responder. Eu acato e peço à Secretaria que a gente tire, como resultado dessa reunião, uma manifestação dos direitos humanos, da Comissão de Direitos Humanos no sentido de fortalecer a estrutura para os auditores fiscais do trabalho. (Palmas.)
Isso vai desde a contratação... Eu tenho certeza de que a Isadora também concorda plenamente.
Quero dizer que, de fato, você tem razão. O Governo Lula mudou o cenário. Por exemplo - eu quero dar um depoimento muito positivo -: o Ministro Marinho e toda a sua equipe foram ao Rio Grande do Sul. Deputados Estaduais, Federais e Vereadores o acompanharam. Ele foi a toda a área de conflito e saiu de lá, eu diria, convencido de que nós temos que ser cada vez mais firmes, dando estrutura para os auditores fiscais do trabalho. Disso eu não tenho nenhuma dúvida.
E, como nós temos uma reunião com o movimento sindical e ele, acho que no dia 12... Só vou ver se eu consigo sair daqui e ir lá, porque, no dia 12, é a votação aqui, mas eu vou ver se à tarde eu vou lá e vou novamente levar... Eu poderia levar esse documento e entregar para ele em mãos, com esse compromisso, não é?
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu não tenho nenhuma dúvida de que este Governo - e vocês sabem que ele é diferente do outro que saiu - vai ser fundamental nessa luta de todos nós contra o trabalho escravo.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Sim, até porque o outro extinguiu o ministério, não é?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu só digo o outro, não digo nem quem foi.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Passou...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O outro, o outro, o outro...
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - ... a faca no ministério.
Mas eu queria complementar a minha fala anterior dizendo que os criminosos, na verdade, principalmente aqueles que se locupletam dos resultados financeiros da sua ação criminosa não se saciam.
E foi muito interessante, revendo o resultado da CPI do trabalho escravo, de São Paulo, uma construção que foi feita analisando a teoria econômica do crime, fazendo um resgate de um trabalho que faz uma associação sobre como pensam os criminosos e qual seria a melhor maneira de enfrentar esse criminoso que, na verdade, está ali preocupado em lucrar. A maior preocupação é lucrar, não é? A violência é elemento do interesse do lucro cada vez maior, mas é o lucro acima de tudo que se quer com a exploração do trabalho escravo.
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Existe um pesquisador norte-americano que é o Gary Becker - Renato talvez deve se lembrar um pouco disso nas discussões da CPI do trabalho escravo, de São Paulo... Esses crimes que têm grande motivação financeira, de acordo com a teoria deste norte-americano economista, têm quatro grandes motivos; daí porque este economista explica que, nestes casos, é muito importante a utilização de elementos econômicos para enfrentar esse criminoso, associados de maneira relevante aos elementos penais. Por quê? Porque ele diz o seguinte: quando a aplicação é apenas de uma punição criminal...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meu amigo, você tem mais cinco minutos para concluir, porque às 14h, eu sou obrigado a encerrar.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Não, eu termino nesse tempo - eu termino nesse tempo.
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Quando a aplicação, Senador, é apenas criminal, o Estado é obrigado a manter a altíssimos custos as estruturas de apuração e punição, que nem sempre são eficientes para crimes não violentos. Não é o caso de todas as situações de trabalho escravo que envolvem violência.
Dois: as vítimas também são obrigadas a se empenhar longamente até obter a punição criminal, se ela for a única existente. E no Brasil o que é que a gente tem de punição criminal? Coisa pouca, quase nada - quase nada! Porque essa é a realidade brasileira, não é?
Terceiro item: os criminosos não patológicos - porque tem os doidos que saem por aí matando os outros - agem movidos a lucro; sabem que custa menos manter a atividade criminosa e enfrentar um eventual processo do que trabalhar dentro da lei. Esse é o que calcula a multa, calcula o processo e diz: "Vou enfrentar é tudo". Durante um longo processo necessário para preservar os direitos do réu, muitos criminosos contam que continuarão usufruindo dos lucros do crime. A gente está falando de quem aqui? Do explorador do trabalho escravo, que faz a conta e sabe que o tamanho do Estado não chega o tempo inteiro, na hora; e ele sabe o tamanho da multa que ele pode pagar.
Então, o que é que se tem que fazer para enfrentar um cabra desse? É de fato uma punição econômica. E o que é que é o projeto que a gente está discutindo? É punição econômica. Ele tem que ser enfrentado com a punição econômica, com a perda da propriedade. A maneira como já se enfrenta hoje com a "lista suja" não é suficiente - ainda não é suficiente. Ela, como já foi dito aqui por outros colegas, é um elemento que se associa a outros, mas ainda falta esse, que é fundamental, que está previsto na Constituição e que o Estado brasileiro, durante muitos anos, discutiu para conseguir levá-lo a cabo.
Eu vou para as conclusões, para não deixar o Senador angustiado... (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, eu não estou angustiado. (Fora do microfone.)
Para vocês terem uma ideia, às 14h tem outra audiência pública aqui, e virão Prefeitos, Vereadores de todos os lugares. É uma iniciativa de uma Senadora, a Senadora Augusta... (Pausa.)
Brito.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Senadora Augusta Brito.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu me comprometi a estar aqui, faço a abertura com ela, e daí vou para o Plenário do Senado ainda.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Eu capturei um artigo de uma conterrânea pernambucana que analisou o trabalho escravo à luz da Emenda 81. E peguei só um trechinho da conclusão dela, porque eu achei "massa" para isso que e a gente está discutindo aqui.
E já lá - porque ela fez esse artigo na ocasião, e eu acho que a gente agora está na mesma situação - ela disse que "vivemos em um contexto muito propício à perda do pouco que já se conquistou no difícil combate à escravidão moderna". Isso eu associo ao risco de tentarem enxugar, mexer no conceito de trabalho escravo. "Entretanto, a [...] [Emenda] 81 pode significar um grande instrumento contra [...] [isso]." A Emenda 81 foi uma grande esperança. Quando a gente a aprovou, a gente ficou muito feliz porque, de fato, representava para nós aquele elemento importante e poderoso no enfrentamento ao trabalho escravo.
"É necessário buscar a [...] [eficiência] máxima da Constituição, através de uma interpretação sistemática e teleológica que considere todo o conjunto [...] das normas." Isso é chover no molhado.
"A política de combate ao trabalho escravo deve ser enérgica em todos os poderes do Estado. Do contrário"...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - ... "possivelmente estaremos condenados a confirmar a triste música de Caetano Veloso, segundo a qual, 'a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil...'"
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Trabalho análogo ao de escravo é crime, e o Sinait defende a aprovação do projeto de expropriação. Os exploradores do trabalho análogo ao do escravo são criminosos e devem ter suas propriedades expropriadas!
Muito obrigado, Senadores. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Parabéns, Carlos Fernando na Silva Filho, representante do Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho)!
Eu vou ter que encerrar, mas agradeço a todos os convidados que estão aqui e aqueles que entraram de forma virtual. Agradeço a vocês que estão no plenário. Eu peço que não saiam ainda, é só mais um minutinho, eu vou explicar agora.
Mas ainda eu gostaria muito, Rosa, de poder dizer aqui que foi com muita satisfação que eu entrei com um projeto de lei depois que a Rosa e vocês estiveram comigo com as viúvas de Unaí, considerando os quatro covardemente assassinados aqui em Unaí - e eu recebi as viúvas aqui. Eu entrei com um projeto de lei os transformando em Heróis da Pátria. Só que eu não quero nossos heróis mortos: que eles sejam um símbolo! Eu quero nossos heróis vivos!
Rosa, eu queria que você dissesse o nome dos quatro aqui, um por um, e nós vamos dizer: "Presente".
De pé. Estamos em plena reunião ainda.
A SRA. ROSA MARIA CAMPOS JORGE - Nelson!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Presente!
(Manifestação da plateia.)
A SRA. ROSA MARIA CAMPOS JORGE - Eratóstenes!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Presente!
(Manifestação da plateia.)
A SRA. ROSA MARIA CAMPOS JORGE - João Batista!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Presente!
(Manifestação da plateia.)
A SRA. ROSA MARIA CAMPOS JORGE - Ailton!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Presente!
A SRA. ROSA MARIA CAMPOS JORGE - Presente!
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vida longa aos nossos heróis! (Palmas.)
Um abraço a todos vocês.
Que eles sirvam como um símbolo da luta para salvar o nosso povo tão sofrido do trabalho escravo!
Está encerrada a audiência pública.
Eu peço a todos para tirarmos uma foto aqui para entrar para a história do Senado da República.
(Iniciada às 11 horas, a reunião é encerrada às 13 horas e 58 minutos.)