Notas Taquigráficas
Horário | Texto com revisão |
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R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 35ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 43, de 2024, de minha autoria, para debater o tema: a participação negra no sistema político eleitoral. A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211. (Pausa.) É com alegria que já estamos aqui com a primeira mesa. Eu só vou fazer uma fala de introdução, como é de praxe, da Presidência. Vamos debater aqui hoje a PEC nº 9, de 2023, a PEC da anistia aos partidos políticos, de autoria dos Deputados Paulo Magalhães, PSD, Bahia, Hugo Motta, Republicanos, Paraíba, e Pezenti, MDB, Santa Catarina, e outros. O Relator na CCJ da Câmara foi o Deputado Diego Coronel, PSD, Bahia; e o Relator na Comissão Especial, Deputado Antonio Carlos Rodrigues, PL, de São Paulo. Tramitação: a matéria foi aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e no Plenário da Câmara; a matéria tramita agora no Senado, na CCJ, na qual o Relator é o Senador Marcelo Castro. |
R | Vamos fazer uma pequena fala aqui para situar do que trata a PEC. Hoje, nesta importante audiência pública, iremos tratar da participação negra no sistema político eleitoral e debateremos a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 9, de 2023, que trata da aplicação de sanções aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram valores mínimos em razão de sexo e raça nas eleições. A PEC nº 9, de 2023, traz como pontos principais: o perdão das infrações, a anistia para partidos que não cumpriram a cota para candidaturas negras e femininas; os recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário para candidaturas negras devem, obrigatoriamente, aplicar 30% na forma de interesse e estratégia partidária; a imunidade tributária para os partidos políticos, seus institutos ou fundações, estendendo processos de prestação de contas eleitorais e anuais, multas ou condenações; a criação do Programa de Recuperação Fiscal (Refis) para o pagamento de dívidas previdenciárias em cinco anos e outro em 15 anos; a dispensa de recibos para doações ao Fundo Especial e Partidário através de transferência bancária e Pix. Todo Pix, para mim, é preocupante. Como já estamos vendo aí, eu havia anunciado, eu nunca usei o sistema Pix porque eu sabia que abria portas para problemas. Eu avisei a todos: "Eu não vou usar esse sistema aí", mas, sei lá, aqui as coisas funcionam nem sempre como a gente imagina que seria o ideal. A aprovação da PEC 9, de 2023, dá anistia aos partidos políticos por não implantarem a quota mínima de recursos e valores mínimos em razão de sexo e raça nas últimas eleições, bem como nas prestações de contas anuais, eleitorais, multas ou condenações. Quero dizer que, durante toda a minha vida - digo não só política partidária ou sindical, mesmo estudantil -, eu me baseei sempre em defender causas em defesa da inclusão dos mais vulneráveis do povo brasileiro - e aqui, no caso, em especial, da população negra e mulheres, pessoas idosas, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, juventude - em todas as esferas da sociedade, e na política não pode ser diferente. No ano de 2020, realizamos diversas audiências públicas no Senado, com especialistas, movimentos negros do Brasil e partidos políticos para fortalecer as decisões do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal, diante do tema. É constrangedor este momento a que chegamos, depois dessas conquistas e aprovações legislativas importantíssimas, foram séculos para chegar onde chegamos, junto a tudo que aprovamos e com a ajuda do Tribunal Superior Eleitoral. Ainda temos hoje a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. |
R | Fui Relator do próprio Estatuto da Igualdade Racial, tive a alegria de ter sido autor de matérias que tramitam no Senado, como a PEC 19, de 2021, que estabelece cotas de vagas para candidaturas negras nas eleições para o Poder Legislativo, cotas para as candidaturas para cada sexo - quando há três candidatos e dois eleitos, nessa PEC que eu apresentei, uma teria que ser uma mulher. Bom, tudo isso trata também da destinação dos recursos públicos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e o tempo de rádio e de televisão, para que avancemos. Ninguém quer retrocesso. Ninguém... Eu entendo que a lei tem que vir para avançar, e não para retroceder. Na Câmara Federal, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, há 91 Deputados Federais e 135 Deputados negros, pretos e pardos. No Senado, podemos contar na palma de uma mão - podemos contar, não vou dizer quantos são - quantos são pretos e pardos e quais assumem realmente a pauta racial. O mundo olha para o nosso declínio. O jornal Le Monde Diplomatique Brasil ressalta a exclusão constitucional e apresenta matéria com o título "PEC 9/2023 chancela exclusão de mulheres e negros na política". Creio e tenho fé que o Senado deverá modificar essa proposta - no mínimo, não votar este ano, no mínimo - e deixar para um debate mais aprofundado, que poderemos fazer nos próximos dois anos. Vamos aqui hoje debater o tema, com equilíbrio, com tranquilidade, mas com firmeza daqueles que têm causas a defender, e sempre digo que o homem que não entendeu na vida ainda que ele tem que escolher causas para defender não entendeu ainda a sua própria razão de existência. Vamos, sim, debater esse tema tão importante para o Brasil e para os brasileiros e brasileiras. Lembro que as mulheres compõem 51% da população, e a população negra, 54%. Precisamos avançar e fazer justiça. Vamos avançar na linha do que é justo para o nosso povo negro. Não pensem que eu estou com alegria fazendo esta fala. Não a faço com alegria. Faço com tristeza, mas também com a consciência tranquila de que estamos no caminho certo ao abrir esta audiência pública. Vocês agora é que vão falar. É com muita alegria que, na primeira mesa, iniciamos os trabalhos com a fala da nossa querida amiga, lutadora, guerreira, corajosa, Ministra Vera Lúcia Santana Araújo, Ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a qual conheço há muito tempo. Antes mesmo de ser ministra, ela já esteve aqui nesta Comissão e agora aceitou o convite, quando foi feito, de pronto. Não vacilou. Alguns vacilaram, confesso que alguns vacilaram. Nem todos aceitaram. Por isso, Ministra, a sua presença aqui é fundamental, e eu quero dar uma salva de palmas para a senhora aqui neste momento. (Palmas.) A palavra é sua, Ministra. A SRA. VERA LÚCIA SANTANA ARAÚJO (Para expor.) - Bom dia, Senador Paulo Paim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia. A SRA. VERA LÚCIA SANTANA ARAÚJO - É uma honra muito grande estar mais uma vez ao lado de V. Exa., hoje na condição de Ministra Substituta do Tribunal Superior Eleitoral, representando a Presidente do nosso Tribunal, a Ministra Cármen Lúcia. |
R | Assim, tenho, naturalmente, a responsabilidade institucional de trazer uma fala que também expresse o que tem sido o papel do Tribunal Superior Eleitoral na promoção desse debate e de ações muito incontestáveis do seu compromisso com a representação política no sentido do exercício da cidadania. O tribunal, que se autodenomina o Tribunal da Democracia, naturalmente há de trazer para si ações demonstrativas mesmo desse compromisso democrático com a inclusão e com a efetividade da nossa representação política. Quero cumprimentar o nosso Frei David, um homem que tem uma vida dedicada às causas da negritude, da inclusão e que tem trazido à vida acadêmica e política brasileira tantos jovens negros, negras, qualificando sobremaneira o nosso cenário político. Então, é uma honra muito grande estar aqui nesta assentada em que também temos o Frei David. (Palmas.) Saúdo também quem vai estar numa outra mesa, a Aline Karina, que já expressa essa juventude negra combativa e que igualmente traz para a institucionalidade da nossa agenda a participação negra. E temos também, em videoconferência, a Deputada Federal Reginete Bispo, do Partido dos Trabalhadores, do Rio Grande do Sul; a Sandrali Bueno, representante da Coalizão Negra por Direitos; a Munah Malek, Codiretora-Executiva de A Tenda das Candidatas; e a Beatriz Lourenço, representante do Instituto de Referência Negra Peregum. Então, temos uma... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só me permita. Como a senhora já leu toda a nominata dos participantes, eu vou dar a satisfação para a primeira mesa estar ao seu lado na sua fala. Quando é ministro, normalmente ele fala sozinho, mas a senhora terá o tempo que entender necessário. Os outros convidados terão um tempo limitado, mas eu queria dar a satisfação a eles de estar ao seu lado neste momento histórico. Por isso, eu chamo para a mesa - e a senhora vai começar do zero de novo - Aline Karina, do Núcleo de Base Mulheres Negras. (Palmas.) A SRA. ALINE KARINA (Fora do microfone.) - Tem uma bandeira aqui. Eu posso colocar? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aqui você fica à vontade, todo mundo. Núcleo de Base Mulheres Negras do PT e representante da Plenária Negra. Aqui você fique à vontade, venha para cá, coloque a sua bandeira como você entender melhor. Se você precisar de um auxílio aí... A SRA. ALINE KARINA (Fora do microfone.) - Ah, vou precisar. (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, Ingrid. Enquanto você vai colocando a bandeira, já teve as palmas merecidas - e vai ter outras palmas, tenho certeza -, eu passo a palavra agora, com a tolerância da Ministra, a Giovanni... Chamo para a mesa representante do Instituto Marielle Franco, Giovanni Oliveira. (Palmas.) Chamo também o Frei David Santos, representante da Educafro Brasil. (Palmas.) |
R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E agora a palavra volta à Ministra Vera Lúcia Santana Araújo, Ministra do Tribunal Superior Eleitoral. A SRA. VERA LÚCIA SANTANA ARAÚJO (Para expor. Fora do microfone.) - Muito obrigada, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - O tempo é seu por 15 minutos ou mais se quiser. A SRA. VERA LÚCIA SANTANA ARAÚJO - Não, então, mas é porque, como eu já havia inclusive anunciado à organização de que, infelizmente, não vou poder acompanhar todo o trabalho desta nossa... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estamos sabendo, entendemos e assim mesmo agradecemos, porque a senhora está aqui e foi a primeira a chegar, viu? Chegou antes que eu. (Risos.) A SRA. VERA LÚCIA SANTANA ARAÚJO - Por isso, eu fiz também a saudação completa, com toda a nominata. Eu quero iniciar chamando a atenção para a nossa historicidade, que é de permanente luta libertária, a nossa historicidade negra, a nossa historicidade de uma rebeldia libertária tão bem expressada na organização dos nossos quilombos e que hoje continua em resistência pelos nossos povos quilombolas. Especificamente no que tange à representação política, Senador, nosso Senador histórico Abdias Nascimento, no seu livro O Negro Revoltado, traz todo um relato da organização e da realização daquele famoso histórico primeiro encontro, primeiro congresso de negros brasileiros, capitaneado pelo inclusão Teatro Experimental do Negro, que foi uma organização criada pelo próprio Abdias. Numa das resoluções daquele histórico congresso - e vou ler exatamente nos termos, digamos assim, com a linguagem da época -, já se afirmava, como ponto de postulação e reivindicação do próprio congresso: "A inclusão de homens de cor nas listas de candidatos das agremiações partidárias, a fim de desenvolver a sua capacidade política e formar líderes esclarecidos, que possam traduzir, em formas ajustadas às tradições nacionais, as reivindicações das massas de cor". Isso foi em 1950. Bom, desde lá, no Brasil, sua tormentosa trajetória, primeiro de uma consolidação democrática, em que nunca encontramos exatamente águas calmas, é um processo democrático sempre interrompido por turbulências institucionais, tanto que, em 1964, tivemos um golpe civil-militar, conduzido com mãos de ferro, de arbítrio, de força, imprimindo assassinatos, estupros, desaparecimentos, exílio, enfim, destruindo a família brasileira e, fundamentalmente, destruindo um projeto democrático inclusivo que àquela época se insinuava, com políticas transformadoras de base, como reforma agrária, alfabetização, enfim - não por acaso a gente tinha o plano de alfabetização do grande Paulo Freire. Então, no Brasil, a gente continua a acompanhar movimentos tormentosos que atropelam projetos inclusivos de uma democracia material substantiva. E isso tudo naturalmente tem um forte impacto na composição dos nossos poderes. E aí, naturalmente, que sobressai o Poder Legislativo, de vez que é rigorosamente composto pelo voto popular, assim como o Poder Executivo; mas no Poder Legislativo você tem essa capilaridade que deve expressar as diversidades e a pluralidade ideológica, mas igualmente da população. Não é razoável você pensar um sistema democrático que não harmonize, em que não caiba o conjunto das forças políticas, e as forças políticas são expressadas pelo povo. |
R | Então, as organizações partidárias são a força constitucionalmente definida para representar o povo, de vez que a gente opera fundamentalmente com uma democracia representativa. A despeito de nossa Constituição dispor sobre formas diretas do exercício da democracia, como plebiscito, o referendo, mas é a democracia representativa que se materializa no cotidiano do nosso fazer institucional, no funcionamento do nosso Estado. Então, essa harmonia triangulada dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário tem na base popular, tem na base social de todo o seu povo a representação dada de forma monopolista - chamemos assim - aos partidos políticos. Então, a legitimação dos nossos partidos políticos vem da força da nossa Constituição. Por isso, eles devem, mais que qualquer segmento outro da sociedade, expressar os sentimentos dessa população, expressar as forças majoritárias dessa população. E a força majoritária da nossa população é exatamente a população negra. Então, não é muito razoável... Até se a gente pensar numa lógica exclusivamente positivista do que é a administração pública nos termos também da Constituição, esse é o art. 37, quando fala do princípio da razoabilidade... E o princípio da razoabilidade se aplica também para a vida política, para a organização do Poder Legislativo. Não há muita ou nenhuma razoabilidade que a gente tenha o Poder Legislativo e o Poder Executivo, que são compostos pelo voto popular, pela soberania universal, com um sistema de votação absolutamente seguro, transparente, fiscalizado por toda a sociedade e por todos os partidos políticos, que têm assento e acompanhamento junto ao Tribunal Superior Eleitoral, a todo sistema organizativo, do sistema de votação da eleição, da organização das eleições e da votação pelo TSE, não há muita razoabilidade para a gente viver uma dissonância tão grande entre sermos 56% da população brasileira e com uma representação tão insignificante dentro das Casas Legislativas, todas elas, o Congresso Nacional, as Casas estaduais e a Casa distrital, aqui na capital da República, e a vereança de todos os municípios. Então, quando a gente traz para o papel, por exemplo, do Poder Judiciário pela via do Tribunal Superior Eleitoral na sua responsabilidade de constitucionalização, de materialização da democracia que devemos professar por dever constitucional, repriso, a gente encontra no TSE... Por exemplo, na sua composição, somos hoje duas Ministras negras; numa composição de sete integrantes, nós temos, como substitutas, duas Ministras negras: eu e a Ministra Edilene Lôbo, que foi a primeira Ministra negra a ter assento junto ao TSE. E é a única corte judiciária do país a ter essa diversidade na sua composição. Naturalmente, a gente espera que isso se espraie por todo o sistema judiciário brasileiro, e aí com a responsabilidade que a Advocacia tem ao compor suas listas, que o Ministério Público tem ao compor suas listas pelo quinto constitucional. Eu estou fazendo um pouco de todo esse apanhado para que a gente compreenda que o nosso modelo constitucional é inclusivo, a sua proposição é inclusiva. Então, a cada Poder incumbe a sua responsabilidade. E, no caso do Poder Legislativo, do Congresso Nacional, que legisla para o país inteiro, naturalmente que a sua competência e a sua responsabilidade constitucional se torna a maior uma vez que a representação da política se dá pela legislação federal. O Poder Judiciário, o Tribunal Superior Eleitoral, no seu poder normativo, nos marcos constitucionais, não pode invadir a competência legislativa. Ele pode até provocar muito positivamente o Poder Legislativo, como o fez quando da resposta à consulta da Deputada Benedita da Silva, que desembocou, inclusive, na elaboração daquela emenda constitucional que trouxe e que incorporou para o nosso modelo organizativo político... |
R | E é importante a gente se atentar para um aspecto que eu gosto mais de chamar de direito político-eleitoral, porque, quando a gente fala do direito eleitoral, quase que sugere que a política somente se exercita nos marcos eleitorais do processo eleitoral, tanto que é muito comum as pessoas dizerem: "Ah, esse ano é de política", quando se reporta ao ano em que se realiza a eleição, como se a política não se manifestasse na sociedade em todo o tempo. É como as Olimpíadas: o momento Paris, que terminou ontem, é só de quatro em quatro anos, mas o processo olímpico não; para a gente ter uma Rebeca, para a gente ter uma Beatriz recebendo aquelas medalhas de ouro, elas passaram muito mais do que os quatro anos se preparando para ali estar. Para a gente chegar às eleições municipais, para a gente culminar com o 3 de outubro, como teremos agora nas eleições municipais, a gente exercita política ao longo de todos os dias entre uma eleição e outra. Então, empobrece a vida política da cidadania a gente imaginar que se faz política durante o período que agora vai ser dia 15 de agosto, em que você oficialmente inaugura campanha eleitoral. Na política, até chegar neste momento em que os partidos fazem suas nominatas - e, a partir dessas nominatas, é que faz a filtragem de quem entra e de quem não entra -, quais são as barreiras mais ou menos invisíveis que mantém a exclusão negra, a exclusão negra de homens e mulheres negros e negras, na representação da vida política brasileira? |
R | Então, se a gente sai de 1950, quando do primeiro congresso negro brasileiro, e a gente traz, por exemplo, para a Coalizão Negra por Direitos, que, em 2022, criou o seu projeto Quilombo nos Parlamentos... O que era o Quilombo nos Parlamentos? Era a inclusão de homens - e aí atualizando, não é? -, a inclusão de homens e mulheres, negros e negras, nas nominatas dos nossos partidos políticos, para que pudessem ter iguais possibilidades de disputa para as suas propostas políticas serem submetidas à aprovação de todo o eleitorado brasileiro. É simples assim. Não tem complexidade. É somente isso que se quer. No entanto, quando a gente tem o monopólio da representação política pelos partidos políticos - e este é o modelo legitimamente construído pelo Parlamentar constituinte de 1988 -, a gente precisa ter nesses partidos esse compromisso de cumprir os mandamentos constitucionais, de trazer a efetividade da garantia organizativa para que as nominatas saiam com as nossas presenças, com as presenças das mulheres, com as presenças das mulheres e homens trans, com as presenças de negras e negros. Não há - repito - razoabilidade para que tenhamos mecanismos internos aos partidos que resultem numa espécie de burla a leis que o próprio Congresso elabora. E é isso que causa estranheza, Senador Paim, porque, se são vocês Congressistas, se são V. Exas. Congressistas que elaboram as leis, o que faz mudar o entendimento deste mesmo Congresso? Basicamente, porque são os mesmos partidos; você altera um pouco a composição de quem foi eleito, de quem foi eleita, mas os partidos são os mesmos. Então quem legisla, em última instância, são os partidos políticos, os seus representantes. Por isso, você tem, dentro da autonomia organizativa que consagra a nossa Constituição na organização dos partidos, deveres de fidelidade. Então, quer dizer, os partidos são os grandes artífices da democracia brasileira, são eles que elaboram os princípios e os seus projetos. E as suas bancadas têm compromisso com o que aqui se aprova. (Soa a campainha.) A SRA. VERA LÚCIA SANTANA ARAÚJO - Então se se aprova, por exemplo, a reserva de candidaturas, como temos das mulheres, já de há muito, de 30%, e que também não se cumpre... Só neste ano, até o recesso forense dos tribunais superiores, agora em julho, o Tribunal Superior Eleitoral já tinha julgado mais de 20 processos relativos a fraudes à cota de gênero pelos partidos políticos nas últimas eleições municipais. Então, causa estranheza, porque é dentro do absoluto Poder Legislativo que se elabora uma lei inclusiva. Então o que muda dentro desses partidos, por seus representantes com assento nas duas Casas nacionais, para negar a vigência de uma lei que V. Exas. aqui elaboraram? Então dá, acho, à sociedade como um todo alguma perplexidade. Para as organizações do movimento negro, naturalmente essa perplexidade se faz ainda maior. |
R | Então, a gente tem, naturalmente, a expectativa de que, por exemplo, essa PEC que tramita hoje aqui no Senado talvez construa alguma mitigação, até porque a gente está já quase, no jargão popular, na boca da urna para as eleições municipais. Então, se o Congresso Nacional realmente sinaliza mal com uma política de inclusão de negras e negros para a vida política no Poder Executivo e no Poder Legislativo dos nossos municípios, isso fica muito ruim, significa que a gente vai continuar mantendo privilégios na representação política democrática. De 1950 para cá, foram muitas as nossas conquistas, indiscutivelmente. Nas eleições municipais de 2020, por exemplo - mas veja o quanto estamos ainda a menor -, 67% de eleitos foram Prefeitos autodeclarados brancos, então tivemos apenas 32,1% de pretos e pardos. Se nós somos 56%, há um desequilíbrio nessa balança. Quais são os mecanismos indutores para que a gente equalize esses números para que a nossa democracia representativa seja uma democracia mais substantiva e que, naturalmente, os nossos Poderes constituídos estejam mais afinados, estejam mais antenados com as nossas pautas, as nossas reivindicações, que passam, por exemplo, por medidas como o combate ao trabalho escravo, que também permanece ainda entre nós, e as desigualdades nas relações de trabalho, em que continuamos sem muito acesso às grandes e melhores vagas, e, quando temos o acesso, temos ainda remunerações muito a menor? Então, são muitos os mecanismos que o Estado brasileiro está a nos dever. O bem-estar social apregoado, assentado na nossa Constituição de 1988 jamais se materializou para a população negra brasileira. Então, quando a gente fala dessa participação de negro nas eleições, a gente está falando do cotidiano da vida das pessoas. O cotidiano da vida das pessoas é a dignidade humana, é a dignidade humana no respeito até dentro da ação da polícia, no acesso à educação, no acesso à saúde. É apenas isto que a gente quer: igualdade de oportunidades, acesso, ou seja, uma sociedade de direitos e não uma sociedade de privilégios, porque a sociedade de privilégios significa a privatização do Estado a serviço dos privilégios de poucos e poucas, brancos e brancas. E, seguramente, não é isso que a nossa Carta Republicana de 1988 nos promete. E a gente só quer a promessa cumprida do Constituinte de 1988, com as reformas já feitas na nossa Constituição. Para isso, naturalmente, a gente precisa ter uma representação política em todos os níveis - em todos os níveis -, do Poder Executivo do poder central federal a todos os municípios. Muito obrigada pela generosidade do convite e pela escuta. (Palmas.) |
R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nossos cumprimentos à Ministra Vera Lúcia Santana Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral. Eu me comprometi, comigo mesmo, Martvs, a ouvir os convidados - o papel do Presidente é esse. Mas como V. Exa. falou da Constituição de 1988, eu posso dizer que eu estava lá, eu ajudei a escrever e eu procuro cumprir na íntegra... Não é nem que eu procure, eu tenho que cumprir na íntegra, não é? Gostei da lembrança do nosso compromisso. A bancada negra eram quatro só: Benedita, Edmilson Valentim, Caó e este Senador. Essa era a bancada negra. Até que para a época, com quatro Parlamentares, fomos longe, não é? Inclusive indo à África do Sul, exigir a libertação do Mandela em nome dos Constituintes. Ministra, você aqui é nossa convidada especial, fique à vontade, na hora que tiver que sair... Martvs, você está na segunda mesa. A intenção nossa aqui, como eu disse, é fazer um debate franco, aberto, solidário, comprometido com as causas do povo negro e das mulheres. E eu, particularmente, disse o seguinte na abertura - vou repetir agora: a partir do dia 15, que é nesta semana, começa já em si o processo eleitoral, e quem sabe a gente construísse um acordo para deixar essa votação mais para frente, com o compromisso de todos nós de encontrar um caminho, não é? Porque a vida pública é isso. Não é só sempre dizer que eu tenho razão e o resto todo está errado. A gente quer fazer um debate, por isso a importância desta audiência pública, e a tua presença aqui é fundamental. Passamos a palavra neste momento... Porque nós ajustamos aqui entre alguém presencial e alguém por videoconferência. A primeira a usar a palavra por videoconferência é a Deputada Federal Reginete Bispo, do Rio Grande do Sul, que está fazendo um belo mandato como Deputada Federal. E, Reginete, eu vou lhe passar a palavra, mas me permita que eu diga: eu tenho orgulho de dizer que você será também minha eterna suplente do Senado. Porque ela é minha suplente; agora é Deputada Federal, quem sabe amanhã ou depois... Só não vou falar, porque senão vão dizer que eu estou fazendo campanha antecipada. (Risos.) Reginete, o tempo é seu, são dez minutos para cada convidado. A Ministra, é claro, tinha um tempo especial, o tempo dela era sem limite e continua sendo; na hora em que ela quiser falar, ela poderá falar novamente. A SRA. REGINETE BISPO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia. Vocês me ouvem? Eu estou só escutando aqui. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito. Estamos ouvindo bem. E a imagem está muito boa também, viu? A SRA. REGINETE BISPO (Por videoconferência.) - ... eu não estou ouvindo muito bem vocês. Primeiramente, quero saudar a todas, a todos. Um bom-dia, uma saudação especial para o nosso querido Senador Paulo Paim, que teve a iniciativa de chamar esta audiência. Eu vejo aqui na tela a minha querida Coordenadora, sempre Coordenadora do MNU, Iêda Leal, aqui do Rio Grande do Sul; a nossa querida, mais velha, Iyá Sandrali presente. E quero dizer, Senador, da importância de a Comissão de Direitos Humanos, de o Senado chamar esta audiência pública, esta consulta, para tratar desse tema tão importante que é a presença, a participação de nós negras e negros nos processos eleitorais - e aqui estou fazendo referência mais precisamente ao debate que nós temos travado no Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados e agora no Senado, que é sobre a PEC 09. |
R | Eu vejo que nós precisávamos avançar, precisamos avançar na questão da regulamentação, na questão de ter uma legislação factível, acessível, de fácil compreensão, e na questão do acesso ao fundo eleitoral, tanto de nós mulheres quanto de nós negros. Isso tem gerado muitas polêmicas, no sentido da execução da lei, e teve essa iniciativa de constitucionalizar a lei que até então era uma decisão do Supremo Tribunal. Eu acompanhei o debate na Câmara da PEC 09. O nosso mandato propôs emendas, propusemos projeto de lei alternativo sempre no sentido de... Não entramos no mérito de discutir o perdão da dívida, o perdão das multas que diversos partidos tomaram, mas no sentido de garantia efetiva, presença, equidade e justiça na distribuição dos fundos em relação a nós mulheres, em relação a nós negros. Inclusive, argumentei muito - e sei que a Deputada Benedita da Silva também -, e nós duas trabalhamos muito para que, na PEC, nós negros estivéssemos representados do tamanho que nós somos neste país. Sobretudo, na PEC, quando determina 30% dos recursos do fundo eleitoral para as pessoas negras, nós entendíamos - eu propus por duas vezes emenda, emenda de Plenário e emenda para o Relator - que fosse estabelecido um piso, como é estabelecido para as mulheres, de 30%, proporcional ao número de candidaturas negras. E, quando você coloca, assim como foi aprovado na Câmara, 30% como teto e não como piso, você, na verdade, limita a nossa presença, a nossa participação, e estabelece cota ao contrário, não para nós negros, porque os outros 70% vão ficar disponibilizados para as pessoas não negras, homens e mulheres. Então, é uma lei que, aprovada, na minha opinião, se torna inconstitucional porque estabelece um teto. Embora não esteja explícito, quando ela diz 30%, está estabelecido o teto. Na minha opinião, ela já é inconstitucional por si só. Nós negros e negras somos quase 60% da população brasileira, e acho que isso tem que estar representado nos fundos. Por que isso é tão importante? |
R | Nós sabemos que o fundo eleitoral, o financiamento público das campanhas, foi, na minha opinião, juntamente com nossa mobilização, organização e articulação, o que tem permitido que as nossas candidaturas, candidaturas de mulheres negras, de homens negros e de mulheres em geral, tenham avançado, aumentando significativamente as bancadas. A Câmara Federal, a que o Senador fez referência, pela primeira vez na história do Congresso Nacional de 200 anos, tem uma bancada negra. Se tem uma bancada negra, tem um número significativo de Parlamentares negros para poder se organizar e constituir isso. Nós passamos décadas tendo como nossos representantes a Benedita da Silva e o Senador Paulo Paim, e esporadicamente um outro, que conseguiram se manter dentro dessa estrutura tão importante, porque define a vida do país, define a vida das pessoas, define o Orçamento, em que a nossa presença é pífia. Então, o fundo eleitoral permitiu que nós ampliássemos a nossa presença nos municípios, nos estados e na União, no Congresso Nacional. O mais assustador também desta PEC é que ela é aplicável ainda em 2024, ou seja, a urgência - olhem o tamanho da urgência - diz que ela seja aplicada ainda em 2024. Dia 16 se inicia a campanha eleitoral, e as candidaturas negras ainda estão dependendo da definição, da aprovação desta lei, o que também é algo inconstitucional e ilegal. Eu sei que o nosso posicionamento é muito importante, muito importante. Alguém já falou - já foi dito por uma intelectual negra - que o movimento negro educa, educa para a democracia, educa para o exercício dessa democracia. Eu acho que este é um momento importante, que nós assumimos, para chamar a atenção dos nossos companheiros, das nossas companheiras, dos diferentes partidos políticos, porque, se esta PEC for aprovada nos termos em que está em relação à população negra - o que, para mim, poderia ser um avanço, porque estamos constitucionalizando o tema, constitucionalizando a cota racial -, será um atraso na medida em que constitucionaliza estabelecendo um teto para as pessoas negras. Eu sou radicalmente contra isso. Eu sei que tivemos na Câmara um avanço, por articulação de alguns Parlamentares negros, do acordo de os partidos devolverem para as candidaturas negras, a partir de 2026, os milhões que não foram repassados para as nossas candidaturas dos diversos partidos nas campanhas de 2020 e 2022. |
R | Eu acho importante fazer a devolução do recurso que era nosso, mas isso não pode ser em detrimento da garantia de equidade na constitucionalização da cota racial - isso não pode ser. Inclusive, manifestei minha opinião em diversos fóruns, de que, quanto às candidaturas negras que perderam a oportunidade de se eleger por falta de recursos em 2020 e 2022, dificilmente a gente vai recuperar esse processo - dificilmente vai se recuperar. Agora estabelecer um teto é alijar a presença maior de mulheres e homens negros nos processos eleitorais que acontecerão a partir deste ano, segundo o que estabelece a PEC. Eu, na Câmara, fui um dos 80 votos contrários, votei contra. No meu partido, foram quatro pessoas, quatro Parlamentares que votaram contra a PEC, não porque eu a acho desnecessária; eu a acho importante e necessária para poder regular o fundo, mas não nos termos que estão colocados. Ela tem diversas inconstitucionalidades na minha opinião, mas a mais gritante é essa que estabelece um teto de recursos para as candidaturas negras. Outro elemento que eu acho importante que seja debatido, Senadores, Senador Paulo Paim, é que essa legislação tem que ter presente que foi assim que nós avançamos com as cotas raciais, ter presente a comissão de heteroidentificação, um mecanismo que identifique e legitime as candidaturas negras, porque as pessoas se autodeclaram negras de forma despudorada. Se nós formos olhar a bancada negra que nós temos na Câmara Federal, a grande maioria não é negra, nem parda - não é preta, nem parda -, e se autodeclaram. Não vou dizer que não sejam legítimos, que se tenha um sentimento de pertencimento, de ser uma pessoa negra, mas as cotas são muito nítidas, são muito específicas, elas seguem o critério dos traços do biotipo, da heteroidentificação, ou seja, são os sinais e, sobretudo, a cor da pele, porque o racismo, a exclusão se dá em torno da cor da pele das pessoas. Então, nós já rompemos com isso quando tratamos das cotas na universidade, da hereditariedade: "Ah, porque eu tive o avô preto, minha avó era preta, minha mãe era preta", mas o racismo se dá em função da cor da pele da pessoa. Então, é importante ter um mecanismo que fiscalize, que legitime as pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas, para que não haja as fraudes que a gente detectou nas universidades até serem constituídas as comissões de heteroidentificação. Então, é fundamental porque nós vamos ver esses recursos, que são o resultado da luta do movimento de mulheres, que são o resultado da luta do movimento negro, irem parar nas mãos de pessoas que não têm compromisso nenhum com essa pauta, que sequer são negras, porque no Brasil quando a gente fala que o racismo é estrutural, ele é isso, ele é estrutural neste sentido também: a pessoa branca se autodeclarar negra, para poder ter acesso aos fundos, para poder ter acesso à cotas - as pessoas fazem da forma mais despudorada possível. Então, a comissão de heteroidentificação, é importantíssimo que tenha, em algum momento, esse mecanismo. |
R | Acho que é importante também que se debatam os prazos de entrega dos recursos do fundo para as nossas candidaturas. A PEC propõe até o dia 30 de agosto, mas acho importante que se tenha as definições dos recursos que cada candidatura vai receber, sem ferir a autonomia dos partidos, com uma certa antecedência, para que as candidaturas negras... Todas as candidaturas, mas sobretudo as negras e de mulheres, que são altamente vulnerabilizadas e que precisam ocupar esse espaço, que precisam ampliar sua presença, tenham isso já nos seus planejamentos de campanha, na forma como vão se organizar, porque eu mesma já fui prejudicada nesse sentido, porque se inicia a campanha e você não sabe, exatamente, o que é que você vai ter de recurso. Eu sei que isso é complexo, passa por um processo de aperfeiçoamento dos partidos, aperfeiçoamento no próprio Tribunal Superior Eleitoral, mas é fundamental. Fundamental, porque - já finalizando, Senador - a gente vive um momento de crise no nosso país, de crise da democracia, e eu tenho, evidentemente, a convicção de que essa crise se dá pela ausência de segmentos importantes da sociedade brasileira, os quais somos nós, negros comprometidos com a justiça social, com a justiça racial. Então, falta a presença de nós, negros, falta a presença a presença dos povos indígenas, falta uma presença maior das mulheres, sobretudo das mulheres pobres, periféricas, dentro dessas estruturas de poder, tanto nas Câmaras Municipais quanto nos Legislativos, como no Congresso Nacional. E o fundo eleitoral é um caminho, um caminho forte e potente para que a gente possa chegar a esses espaços, porque ele democratiza o poder econômico de cada um e cada uma. Então, a cota racial e a cota de gênero vêm para garantir a equidade, a equidade do processo eleitoral no acesso ao público. Então, obrigada, Senador, por esta audiência. Eu estou em Porto Alegre. Fiz questão de estar presente, porque eu sei da importância dela e sei que ali, no Senado, nós temos condições de avançar nesses pontos que eu levantei, os quais, na minha opinião, são determinantes e relevantes para a presença negra nos Poderes institucionais Executivo e Legislativo do nosso país. Uma excelente audiência para todos e todas, um beijo, um abraço para cada uma e cada um. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Muito obrigado, querida Deputada Federal Reginete Bispo. Permita-me só, Reginete... No Rio Grande do Sul, antes dessa política, nós não tínhamos bancada negra. Depois dessa política, nós temos bancada negra na Assembleia Legislativa do Rio do Sul, temos bancada negra oriunda do Rio Grande do Sul que se soma aqui na Federal e temos bancada negra também na Câmara de Vereadores. Por quê? Muitas eram suplentes, os nossos titulares se elegeram e elas assumiram. Então, é uma lei que vem para melhorar. |
R | Então, nós temos que ter todo cuidado. Eu entendo a situação de alguns partidos, já me explicaram, já me ligaram. Digo: "Sim, mas, então, temos que dialogar". O movimento negro conversa, dialoga. O que vamos construir juntos? O que não podemos é ter que, praticamente goela abaixo, o que foi aprovado na Câmara aprovar aqui. A história mostra: toda vez que a Câmara - eu estou aqui há 40 anos - vota uma lei e quer aprovar aqui na marra e no grito, é problema, é problema de um jeito ou de outro. É isso que nós não queremos; queremos caminhar, queremos dialogar. Como estamos em cima do laço, o bom seria fazer um debate nesse período para o ano que vem, assumindo alguns compromissos de imediato. Acho que é possível. Queiram ou não queiram alguns, eu sou um eterno conciliador, mas um conciliador em que as duas partes têm que dialogar para encontrar caminhos. Vamos em frente na primeira mesa. Cumprimento a líder Aline Karina, Núcleo de Base Mulheres Negras do PT e Plenária Negra. A SRA. ALINE KARINA (Para expor.) - Bom dia a todas, a todos e a "todes". Agradeço essa oportunidade de estar aqui ao lado da Ministra Vera Lúcia, do Exmo. Senador Paulo Paim, dos meus companheiros de mesa e também de todos aqui presentes. Martvs, agradeço pela sua presença, é importante vê-lo aqui. Com imensa alegria, eu venho aqui representar o Núcleo de Base Mulheres Negras e a Plenária Negra. Venho saudar os meus ancestrais, a minha família - ontem foi o Dia dos Pais, é importante saudar os nossos ancestrais, a nossa família, devido à trajetória deles, que me trouxe até aqui -, os homens mais velhos, as mulheres mais velhas, os mais novos e agradecer a todos a importância desta audiência pública. Quero agradecer às mulheres negras do Partido dos Trabalhadores - e das trabalhadoras -, que vêm arduamente trabalhando ali junto aos grupos. A gente deixa de dormir para discutir sobre esses retrocessos que inibem a existência nossa nos Parlamentos. Então, a gente vem arduamente trabalhando ali dentro dos grupos, das discussões, com presenças em audiências, em diálogos na periferia. Nossa luta é árdua e nossos passos vêm de longe, a gente nunca parou. Quero saudar a minha referência mais velha, a Pastora Wall, que me trouxe até aqui, me deu essa honra de representá-la nesta audiência pública. Graças a esse respeito que a gente tem entre as mulheres, a gente compreende a importância. A Pastora Wall infelizmente não pôde vir, porque hoje ela está no podcast também, ela está nas bases, dialogando sobre a PEC. Ela falou que eu poderia vir, e eu estou muito feliz e honrada de estar aqui representando. E há esse diálogo que a gente tem muito sincero entre as mulheres novas e as mulheres negras, a gente tem essa construção dentro do Núcleo de Base Mulheres Negras, e isso é importante para a gente afirmar o pé na luta e materializar essa base mais potente, porque eu vou aprendendo com a Pastora Wall, ela vai aprendendo comigo, e a gente vai construindo esses diálogos. |
R | Bem, então, meu nome é Aline Karina. Em nome do Núcleo de Bases de Mulheres Negras do Partido dos Trabalhadores e das trabalhadoras e da Plenária Negra, representando as mulheres negras das cinco regiões do Brasil, estou aqui para elevar a voz de milhares de mulheres negras que, por séculos, têm sido silenciadas, subestimadas e marginalizadas. Hoje nos posicionamos firmemente contra a PEC 09, que, de maneira inaceitável, anistia os partidos políticos pela omissão na distribuição do fundo eleitoral para candidaturas negras. Este é um momento crucial para o Brasil. A PEC 09 não é apenas uma ameaça ao financiamento das nossas campanhas, ela é uma ameaça à nossa representatividade, ao nosso direito de participar ativamente da construção deste país e, principalmente, também uma ameaça à nossa democracia. Essa proposta vai na contramão de tudo que temos lutado para conquistar: um sistema mais inclusivo, justo e verdadeiramente democrático. Contextualizando a minha fala, venho aqui dizer que o Núcleo de Bases de Mulheres Negras/PT surgiu no contexto das eleições de 2022, quando foram excluídas nove candidaturas negras concorrendo à distrital e à federal. Uma delas, uma mulher negra e trans, e a outra, a única mulher negra concorrendo à Deputada Federal, foram excluídas do processo. Infelizmente, essa postura dos partidos é uma forma de instrumentalizar o racismo institucional, que, através de normas, legislações e estatutos partidários, exclui as nossas participações e o nosso direito constitucional de sermos candidatas e de sermos votadas. Hoje, infelizmente, nos vemos lutando contra esse retrocesso. Se a PEC 09 for votada a favor, será uma forma de afirmar o quanto o Brasil é racista, e não queremos essa imagem para o nosso Brasil. Agradecemos mais uma vez ao Senador Paulo Paim por ser um combatente, assim como eu, a favor da memória, identidade e cultura do nosso país, pois, como sou também mestra em preservação do patrimônio cultural, venho lutando a favor da preservação da cultura negra, já que também sou uma das representantes do afroturismo, pois compreendo o afroturismo como uma ferramenta poderosa de combate ao racismo, porque exalta a realeza e a potência do povo negro do Brasil através de elevar a nossa importância como um dos grupos formadores da sociedade brasileira. Devido a isso e a vários outros tantos motivos para combater o racismo, hoje nós mulheres negras entendemos a importância de que o fundo eleitoral de 2024, atualmente acumulado no valor de R$5 bilhões, seja repassado de forma igualitária em todos os partidos em que mulheres e homens negros forem candidatos. (Palmas.) Conforme descreve a Emenda Constitucional nº 117, de 5 de abril de 2022, isso impõe aos partidos políticos a aplicação do recurso do fundo partidário na promoção e difusão da participação política das mulheres, bem como a aplicação de recurso desse fundo e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e a divisão do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão, no percentual mínimo de 30% para candidaturas femininas. Só um adendo aqui, porque, desde muito criança, eu sempre questionava o meu pai por que eu não via pessoas negras na TV. E essa resposta veio aqui aos meus 35 anos de idade. (Palmas.) Não à PEC 09! |
R | Entendemos a importância também de todos os partidos políticos do Brasil para se convocar uma assembleia geral ordinária de prestação de contas do fundo partidário eleitoral de 2018, de 2020, de 2022, para as eleições de 2024, e divulgar para toda a sociedade o critério de distribuição do fundo eleitoral para as candidaturas das eleições municipais de 2024, e apresentar quanto cada candidatura vai receber por sua campanha eleitoral. E, por fim, entendemos a importância de que todos os Parlamentares desistam e votem contra a PEC da anistia, que perdoa os partidos políticos de não repassarem os 30% do fundo eleitoral a candidaturas negras. Essa PEC, se aprovada, representará um retrocesso significativo na luta pela igualdade racial e pela justiça social no Brasil. Concluo a minha fala dizendo que a nossa luta é por nós e por todas nós, é pelas nossas ancestrais, que foram silenciadas. Nenhum direito a menos às mulheres e aos homens negros deste país. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tudo bem, Aline Karina, do Núcleo de Base das Mulheres Negras do PT e Plenária Negra, que aqui foi autorizada, pela informação que ela mesma passou, a falar pelas mulheres negras e faz uma fala contundente. E confesso que me emocionou - até comentei com o Frei David - a tua fala, quando você disse que não tinha referências na TV, nos filmes. E acho que todo jovem negro, principalmente da minha idade - eu já passo de sete décadas -, eu procurava também e nunca achava. Nunca achava, eu procurava, eu queria... Não digo que foi o meu pai que me dizia. Eu procurava, eu queria saber. Fui ficando menino e depois fui para o colégio, virei líder estudantil e continuei não achando. E felizmente hoje a gente pode, com muita convicção, dizer que temos alguns, muito poucos, mas temos ainda, porque somos poucos, não é? A SRA. VERA LÚCIA SANTANA ARAÚJO (Fora do microfone.) - Somos poucos. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Para se ter uma ideia, isso aqui eu já contei, eu vou contar de novo, Martvs. Na sala de aula me ensinaram que o zumbi era um morto-vivo e vinha me assustar de noite se eu não fosse um bom menino. Depois, no andar da carruagem, eu fui descobrir que o meu líder maior, e até hoje, se chama Zumbi dos Palmares. Vejam como é a história, não é? É uma coincidência. Vamos em frente. Vamos agora para a videoconferência. Representante da Coalizão Negra por Direitos, por videoconferência, Iyá Sandrali Bueno. A nossa Sandrali, não é? (Intervenções fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ah, e aqui eu li Iyá... Sandrali Bueno, companheira de longa jornada, estou muito feliz de te ouvir falando para nós todos aqui, pela TV Senado, para todo o Brasil. A SRA. IYÁ SANDRALI BUENO (Para expor. Por videoconferência.) - Então, bênção ao Ori de todas as pessoas que nos dão a honra de nos escutar. Eu sou Iyá Sandrali e aproveito para fazer a minha audiodescrição. Sou uma mulher negra, retinta, uso óculos, estou portando o meu turbante, que diz de que lugar eu estou falando, ou seja, sou uma mulher, sou batuqueira, sou ialorixá e, enquanto mulher negra e de terreiro, eu pertenço à Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, (Renafro). |
R | Nesta audiência, eu estou representando com muita honra a Coalizão Negra por Direitos, articulação que reúne 294 organizações, coletivos e entidades do movimento negro brasileiro, por onde vou me referenciar para contribuir com esta audiência proposta pelo Senador Paulo Paim, quem tenho o orgulho de ter como conterrâneo. Aproveito para saudá-lo e, na sua pessoa, os demais Senadores, Senadoras, as organizações aqui presentes, as pessoas aqui presentes. Enfim, Brasil, como diz uma estrofe do seu Hino: Gigante pela própria natureza, És belo, és forte, impávido colosso, E o teu futuro espelha essa grandeza Terra adorada, entre outras mil, És tu, Brasil, Ó Pátria amada! Dos filhos deste solo és mãe gentil, Pátria amada, Brasil! Brasil, de que filhos és mãe gentil? Na certa não és da maioria da tua população, que se mantém em espaços que reforçam as desigualdades e as injustiças racial, social e de gênero. Somos afrodescendentes, construímos este país e o queremos belo, forte e que o futuro espelhe a representatividade real que compõe a sua população. Nós não queremos retrocessos das nossas conquistas e dos avanços das políticas afirmativas para mulheres e negros. E de que retrocesso nós estamos tratando? Estamos tratando da PEC 09, que, na nossa concepção, se configura como uma afirmação do patriarcado e do racismo que, desde sempre, alimentou o monstro do capitalismo; monstro que suga a potência da população negra, da mulher negra, do homem negro, da juventude negra, da infância negra, como se nossos corpos fossem objetos de transição de suas artimanhas e perversões, como moedas de troca de valor descartável, cada vez que o pacto narcísico da branquitude - e vide Cida Bento - é ameaçado na sua configuração de poder, no que se instaurou neste país desde que as capitanias hereditárias, mantendo parâmetros sociais, econômicos e políticos como fiel de uma balança que se desequilibra, cujo prato pende apenas para um lado em detrimento da maioria. A PEC 09 é um corte no projeto sociopolítico da comunidade negra e da comunidade feminina, pois, embora muito se tenha avançado nas políticas afirmativas em relação às mulheres, para nós mulheres negras a divisão dos delicados nunca foi minimamente complacente com a nossa necessidade e realidade, pois nos dizem a todo instante que nossos corpos pretos e rebeldes não servem para ocupar os bancos privilegiados deste trem que conduz os sonhos de vivenciar novas possibilidades, mesmo que hoje o cenário político que está colocado para a democracia brasileira tenha raça, gênero e classe. Os negros e negras ainda não estão nos espaços de poder político com a devida representatividade porque esse espaço não lhes é estruturalmente acessível, embora, desde sempre, os nossos corpos estivessem disponíveis para a luta por igualdade de condições, porque, quando nós lutamos, nós lutamos para todos. |
R | A PEC 09 é um instrumento de caráter perverso, com um enorme retrocesso na conquista do direito de representação política negra, pois diminui para menos da metade dos recursos financeiros e tempo de propaganda e ainda deixa para as direções partidárias nacionais, que são majoritariamente brancas, decidir quais de suas candidaturas negras receberão esses recursos e tempo. As mulheres negras e os homens negros temos vivido por mais de 500 anos sob o açoite do patriarcado e do racismo que percorre por todos os cantos, ruas, vielas nas cidades deste país, que se estruturou dividindo as pessoas em categorias, colocando a maioria da sua população no lugar de menos favorecidos como sendo o lugar das impossibilidades devido à sua condição de existência. A PEC 09 reforça o dispositivo de manutenção do status quo do favorecimento branco, elitista, heteronormativo e capacitista, e isso se manifesta, por exemplo, no critério proposto de substituição de um homem por uma mulher na ocupação das vagas nos Legislativos como critério para alcançar a reserva para mulheres, partindo do pressuposto equivocado de que homens ocupam as vagas e, por isso, cedem uma parte às mulheres, se desconsidera totalmente o espaço político já conquistado pelas mulheres e também que a igualdade na participação política é um direito das mulheres e uma condição da própria democracia, não é uma concessão dos homens. Nós somos sub-representadas nos Parlamentos e enquanto pessoas negras. E, como refere o manifesto do Quilombo nos Parlamentos para eleições 2024, assim como nas eleições de 2022, nós da Coalizão buscamos não apenas corrigir a sub-representação de pessoas negras nos espaços de tomada de decisão, mas também garantir que as pautas do movimento negro, relativas à justiça racial, social e de gênero, tenham defensores nas câmaras municipais e prefeituras, ou seja, não se trata apenas de obter paridade racial, mas de eleger pessoas com históricos de comprometimento, com o combate às desigualdades e ao racismo e com a construção de um outro projeto de país democrático. Levamos alguns anos para eleger uma mulher Presidenta, talvez levaremos outros tantos para eleger uma mulher negra presidenta, mas, mesmo com cortes, chegaremos a esse lugar, porque, se Palmares resistiu quase cem anos aos ataques das capitanias hereditárias, nós resistiremos aos ataques do neocolonialismo e das capitanias modernas e faremos Palmares de novo. Queremos caminhar à frente reafirmando nossas conquistas e avanços políticos da população negra na sociedade brasileira. Portanto, se já não aceitamos a PEC 09, também não aceitamos o seu substitutivo, pois não há espaço para retrocessos, uma vez que, enquanto houver racismo, não haverá democracia plena. E como tal, a Coalizão Negra por Direitos recomenda aos partidos políticos, ao sistema de justiça brasileiro, às organizações da sociedade civil, ao povo brasileiro, que se viu representado na foto da subida da rampa em 2023: que haja uma atuação pela criação de comissões permanentes da heteroidentificação na Justiça Eleitoral Regional, a fim de estabelecer o processo de heteroidentificação como uma etapa complementar à autodeclaração de raça e cor, tomando como base as experiências das comissões das universidades públicas, respeitando a análise de características como cabelo, tom de pele e fenótipo, privilegiando a leitura social e racial dos candidatos e candidatas; que se estabeleçam canais e fluxo de recebimento de denúncias, assim como abertura de processos investigativos contra atores que perpetuam a violência política de gênero e raça no país; que atuem pelo efetivo funcionamento da legislação de enfrentamento à violência política, racial e de gênero, garantindo o cumprimento pelos partidos e a fiscalização da lei pelas autoridades do Estado; que se promovam campanhas para contribuir com o melhor entendimento de como a violência política de gênero e de raça contra mulheres, cis, trans e travestis afeta diretamente a democracia; que se adeque o estatuto partidário aos mecanismos para a prevenção e enfrentamento da violência política no interior do partido, com especial atenção à violência política de gênero e raça cometida contra as mulheres negras e LGBTQIAPN+; que atuem pelo cumprimento da distribuição proporcional equânime de recursos financeiros do Fundo Especial de Financiamento de Campanha eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral em TV e rádio para candidaturas negras. |
R | Não à PEC 09! Queremos avançar, não ao retrocesso. Obrigada, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Essa foi a nossa querida gaúcha Sandrali Bueno, representante da Coalizão Negra por Direitos, que fez um belo pronunciamento, com muita tranquilidade, muita calma e muita sabedoria. A nossa querida Ministra Vera Lúcia Santana Araújo, que aqui representa - e representa com muito orgulho e continuará representando por muito e muito tempo - o nosso Tribunal Superior Eleitoral, tem que se retirar. Ela ia sair tranquila, porque o líder que é líder não se preocupa em querer toda hora falar, falar, falar, mas eu insisti com ela: "Ministra, fala um pouquinho antes de sair". Ela: "Tudo bem". Fala, então. O convite está feito. (Risos.) A SRA. VERA LÚCIA SANTANA ARAÚJO (Para expor.) - Naturalmente, convite do nosso Senador Paulo Paim, Presidente desta Comissão, desta audiência pública, vira uma ordem a ser cumprida, mesmo pelo Poder Judiciário. (Risos.) Mas, enfim, eu quero realmente agradecer mais uma vez a iniciativa. Quando a gente tem um Tribunal Superior Eleitoral incontestavelmente comprometido com essas ações, com essas medidas de inclusão racial, ao encontrar ressonância no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, a gente identifica como uma instância - não é? - na condução dessas ações. A representatividade trazida para esta assentada reforça também, de maneira incontestável, a capacidade, o interesse e a mobilização não somente dos movimentos negros, mas da sociedade brasileira, por trazer a materialização democrática que a gente tanto busca e anseia. |
R | E quanto à fala da última companheira, representando a Coalizão Negra por Direitos... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Sandrali. A SRA. VERA LÚCIA SANTANA ARAÚJO - Sandrali, exatamente. Posso assegurar que o nosso Tribunal Superior Eleitoral, dentro das suas competências constitucionais, e, assim, respeitando toda a autonomia das organizações político-partidárias... Naturalmente está dotada toda a estrutura do Poder Judiciário eleitoral para a apuração de toda e qualquer denúncia que surja, desde a violação da legislação garantidora da participação de negras e negros, de mulheres a fake news. Na semana passada mesmo, a Ministra Presidente Cármen Lúcia inaugurou mais um serviço, assinou protocolos com alguns representativos de toda a imprensa nacional, de modo a garantir a normalidade democrática do nosso pleito municipal. Então, saibam todos e todas que a estrutura do Poder Judiciário eleitoral brasileiro tem toda a capacidade, toda a robustez para assegurar a lisura, a transparência e a integridade da soberania universal do voto de todos os nossos, todas as nossas munícipes, nas eleições de outubro. Eu me desculpo por não poder acompanhar toda esta audiência, especialmente a fala do Frei David e de todas as demais pessoas inscritas, mas, enfim, não tenho dúvida de que ela terminará com muito bom êxito e da capacidade do nosso Senador Paulo Paim em articular com o Congresso Nacional o melhor desfecho na tramitação dessa PEC. Um bom trabalho para todas e todos e boa semana. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa é a nossa Ministra Vera Lúcia Santana Araújo, do TSE. A sua fala, Ministra, para o Brasil, que está assistindo, mostra a importância de nós termos mulheres e homens negros em todas as instâncias de poder. Olha sua fala que brilhante, competente, tranquila, corajosa e apontando caminhos. É isto, é isto que nós queremos: os nossos homens e mulheres no Parlamento, no Judiciário e no próprio Executivo. Aceite aqui uma salva de palmas para você de todo o povo brasileiro. (Palmas.) (Pausa.) Vamos a mais uma videoconferência neste momento. Passamos a palavra a Munah Malek, Codiretora-Executiva de A Tenda das Candidatas. A palavra é sua, por dez minutos, com mais cinco se necessário. A SRA. MUNAH MALEK (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia! Primeiramente, eu gostaria de saudar essa Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, a mesa, todos os Exmos. e todas as Exmas. Senadores e Senadoras desta Casa, em especial o Senador Paulo Paim, que apresentou o requerimento para que esta audiência fosse possível, e todos e todas e "todes" que nos estão assistindo e participando desse processo de construção democrática. |
R | Ressalto a importância deste debate para que possamos seguir na luta contra a sub-representação política que temos neste país e que é um dos motivos para termos uma democracia tão frágil. O meu nome é Munah Malek, eu sou Codiretora-Executiva do projeto A Tenda das Candidatas, projeto que se especializou em campanhas eleitorais de mulheres que fazem parte de grupos historicamente marginalizados, com pesquisas sobre gênero, raça, classe e política. Eu estou aqui para sustentar a tese da Tenda das Candidatas contra a PEC 923, contra a sub-representação da participação da população negra no sistema político eleitoral. A Tenda das Candidatas vem atuando, desde 2020, de forma voluntária, fazendo o que os partidos recebem para fazer e não fazem, ou quando o fazem, fazem-no de forma pouco efetiva. Nós somos um projeto criado para contribuir com o combate à sub-representação de mulheres na política eleitoral partidária, sobretudo de mulheres negras. É importante ressaltar que as mulheres negras representam 28% da população brasileira, refletindo o maior grupo demográfico do Brasil. No entanto, nas eleições de 2014, foram apenas 10 eleitas Deputadas; em 2018, foram apenas 13; em 2022, apenas 29 foram eleitas para aquela Casa Legislativa, que conta com 513 cadeiras. Esses dados que só foram possíveis oficialmente após 2014, porque apenas naquele ano o TSE exigiu a declaração de raça no momento de registro das candidaturas, demonstram a nossa fragilidade, a nossa incapacidade e a pouca eficiência do poder público brasileiro em garantir uma democracia real, radical, que represente as mulheres negras e toda a população brasileira. Atuando na capacitação de mulheres para a política, especialmente mulheres negras, vejo que enfrentam violência política de gênero e raça dentro de seus partidos, manifestada no subfinanciamento de suas campanhas. Em nossa pesquisa, constatamos que 90% das mulheres identificam a falta de recursos financeiros como a principal barreira à sua entrada na política. A PEC 9/2023, ao perdoar os partidos que não cumprem as cotas de financiamento para mulheres e negros, perpetua essa desigualdade e enfraquece a nossa democracia. Mulheres saem de suas campanhas não apenas fragilizadas emocionalmente, como, muitas vezes, endividadas e desencorajadas a participarem da esfera de participação política pública. O argumento que os partidos usam para defender a PEC 9 é o de que os partidos não tiveram tempo hábil para se adaptar às cotas de gênero, apesar de a Lei nº 9.504, de 1997, existir há quase 30 anos. Os partidos tiveram tempo suficiente, sim, para garantir que as mulheres, que compõem 51,1% da população brasileira, recebam recursos adequados para suas campanhas. A justificativa da PEC 9 ignora essa realidade e perpetua a misoginia e o racismo ao anistiar partidos que descumprem a lei. A aprovação da PEC 9 na Câmara dos Deputados evidencia a necessidade urgente de fomentar o debate público sobre a sub-representação de pessoas negras nos espaços de decisão política. Se aprovada, esta será a quarta anistia concedida aos partidos que não cumprem as políticas de ação afirmativa. É uma oportunidade para os Parlamentares demonstrarem que legislam em favor do fortalecimento da democracia e não apenas em benefício próprio. Se opor à PEC 9 é defender a democracia e garantir que a Casa do Povo realmente represente a população brasileira. Os partidos políticos acreditam que podem descumprir a lei, porque já contam com a possibilidade de anistias futuras sustentadas por uma maioria legislativa composta majoritariamente por homens brancos que se beneficiam desse sistema. As ações afirmativas foram criadas para combater desigualdades, e é essencial, portanto, que continuem sendo aplicadas para incluir mulheres e negros na política. |
R | A PEC 9, com justificativas altamente equivocadas, tenta induzir ao erro ao alegar que a Emenda Constitucional 117, de 2022, violaria o princípio da anualidade eleitoral. No entanto, a emenda apenas reforça a obrigação dos partidos de destinar recursos para campanhas femininas, sem alterar o processo eleitoral, conforme a interpretação do próprio STF. Nós agradecemos ao Senador Paulo Paim por ter indicado A Tenda das Candidatas para esta audiência para que pudéssemos contribuir neste debate fundamental para traçar os rumos do futuro do nosso país. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Munah Malek, Codiretora-Executiva de A Tenda das Candidatas, que fez uma exposição, para mim, brilhante, buscando outros argumentos para se somarem aos daqueles que falaram até o momento. Vamos de imediato a Giovanni Oliveira, representante do Instituto Marielle Franco. Giovanni, é contigo a palavra - dez minutos com mais cinco, se necessário. O SR. GIOVANNI OLIVEIRA (Para expor.) - Perfeito. Bom dia a todas as pessoas presentes. Saúdo esta mesa, todas as companheiras e companheiros que vão me suceder aqui. Eu peço licença às minhas e aos meus mais velhos antes de começar e cumprimento também todas as pessoas que nos acompanham de casa. Estou aqui representando o Instituto Marielle Franco. E, antes de tudo, também gostaria de agradecer ao Senador Paulo Paim pela iniciativa desta audiência pública, que foi construída a partir do trabalho de tantas pessoas e organizações da sociedade civil, sobretudo do movimento negro brasileiro e do movimento de mulheres negras deste país. Para a gente, é sempre importante fortalecer os espaços públicos de troca, sobretudo acerca de pautas tão cruciais e indispensáveis para a nossa democracia e para o futuro desta nação, como a matéria que a gente está discutindo aqui hoje. A representatividade de pessoas negras no sistema político eleitoral brasileiro é uma matéria de extrema seriedade e deve ser tratada com a máxima responsabilidade e celeridade também, principalmente, mas não somente, porque estamos falando também de direitos humanos e de cidadania. Eu começo a minha fala trazendo um pouco de um aspecto fundamental para este diálogo que é a história e a memória social e política do nosso país. A Exma. - infelizmente, ela não está mais aqui - Ministra Vera Lúcia trouxe para a gente elementos importantes sobre a história nesse sentido, com que eu fiquei muito contemplado. Então, falar sobre representatividade de pessoas negras nesses espaços de tomada de decisão é também falar sobre história e também falar sobre memória, é falar sobre dívida histórica, reparação e medidas de não repetição também e, sobretudo, é falar sobre justiça e democracia plena. |
R | Não tem como se pensar democracia sem a superação do racismo e com a violência política de gênero e raça. E o Brasil possui, em seus mais de 500 anos de história, processos marcados por violações de direitos humanos e desigualdades profundas, assim como processo de descontinuidade democrática, inviabilização e apagamento, processos esses formulados e executados com o objetivo de se manter uma hegemonia de poder que é violenta e não representativa do povo brasileiro, cujos objetivos e interesses defendidos e protegidos não são e nunca foram efetivamente para o bem viver do povo brasileiro, o qual, em sua esmagadora maioria, é formado por pessoas negras e pobres, por mulheres negras, por trabalhadores e trabalhadoras negras, que, todos os dias, sustentam esta sociedade desde a fundação e seus primeiros regimes políticos de governo e gestão, e que não são representadas proporcionalmente nos espaços de poder e tomada de decisão. Nesses últimos anos, a população negra, os movimentos sociais por luta de justiça racial, econômica e de gênero, sobretudo o Movimento de Mulheres Negras, foram indispensáveis para se fortalecer a democracia brasileira em detrimento do conservadorismo reacionário e antidemocrático. É profundamente importante lembrar que a participação da população negra nos espaços de poder e tomada de decisão, com a política institucional, é uma reivindicação histórica desse movimento, do movimento negro, haja vista a inegável contribuição do povo negro para a construção deste país. Eu destaco ainda também aqui a importância da atuação do Movimento de Mulheres Negras neste país, na última década, com muita resistência à construção de quadros políticos, iniciativas de fortalecimento democrático, resistência a ataques antidemocráticos e proposta de renovação política, atuação essa que foi crucial para várias frentes e avanços que impactaram os espaços de poder da política e de reformulação de políticas públicas. No entanto, ainda há muitas barreiras profundamente preocupantes e urgentes que necessitamos superar, bem como enfrentar, para a chegada de um novo projeto de país que seja de fato equitativo, justo e igualitário para todas as pessoas. Somente alcançaremos isso com a participação política da população negra no nosso sistema político eleitoral, e é urgente também não somente corrigir a sub-representação histórica de mulheres e pessoas negras nos espaços de tomada de decisão política, mas garantir que as agendas desse movimento negro, do Movimento de Mulheres negras, acerca da justiça racial, social e de gênero, estejam refletidas em todos os espaços políticos de poder. A nossa jovem democracia é jovem porque tem apenas 36 anos de existência desde a redemocratização, teve o movimento negro com fundamental papel e atuação para a aprovação de leis que aprofundaram políticas públicas afirmativas de reparação racial e desenvolvimento social. No entanto, essa mesma democracia ainda carrega consigo herança nefasta dos processos ditatoriais e da escravização do povo negro, que historicamente retiraram humanidade, memória, acesso e direitos dessa população e a possibilidade de se formular políticas públicas desse povo para o povo, porque, novamente, a gente está falando de mais de 50% da população brasileira, que é formada por essas pessoas, por pessoas negras. Essa realidade vem sendo dessa forma porque é sustentada por decisões políticas e também por uma desmemorização consciente e objetiva dos processos históricos e políticos que construíram e constituem este país. Nesse sentido, por exemplo, historicamente o espaço da política institucional foi ocupado durante muitas décadas, quando não exclusivamente, majoritariamente por homens brancos cis-heterossexuais, com boas condições financeiras, e essa composição do poder vem se mostrando completamente ineficiente para as necessidades da população brasileira há séculos, sobretudo a população negra brasileira. E compreendemos que precisamos disputar a formulação dessa composição, desse sistema político e do nosso sentido de democracia. |
R | Para nós é muito simbólico que, por exemplo, neste ano eleitoral, com o maior fundo partidário da história, a Câmara dos Deputados aprove, em regime de urgência, a PEC 9, a PEC da anistia dos partidos políticos que descumprem a lei de cotas de gênero e raça nos pleitos anteriores e nos seguintes. Essa anistia ampla e irrestrita e a flexibilização das regras de fiscalização e sanções abrem um precedente gravoso para a impunidade e a falta de responsabilidade com os recursos públicos, a ausência do compromisso com a justiça racial e os avanços até aqui alcançados. Além disso, descredibiliza o sistema político-eleitoral brasileiro, o sistema de justiça e a confiança nas instituições, uma vez que esse projeto concede o poder aos partidos de desrespeitar as leis constitucionais e obter o perdão. Nesse sentido, é necessário preservar e fortalecer o diálogo institucional entre os Poderes Judiciário e Legislativo, atentando-se para os acúmulos dos avanços no fortalecimento democrático, que vai além da mera garantia da participação formal e pressupõe um fortalecimento democrático, no sentido substantivo de promover reparação histórica e alternância de poder. Além disso, faço o destaque aqui a dois pontos fundamentais, nesse contexto, sobre a representatividade de mulheres negras e pessoas negras na política e a violência política de gênero e raça, sobre as quais já muito foi falado aqui pelas outras companheiras e companheiros, que são ataques à democracia brasileira, são retrocessos que nos distanciam do futuro que queremos para o nosso povo e para o nosso país. Por conta desse racismo estrutural e do patriarcado, mulheres negras cis, trans e travestis historicamente foram alijadas de estarem nos espaços de poder, de tomada de decisão. Estamos falando de 28,5% da sociedade brasileira, que é formada por mulheres negras, que são o maior grupo demográfico do país, com aproximadamente 60,6 milhões de pessoas, mas que seguem não estando refletidas nos espaços de poder e decisão política. Por isso, é preciso enfrentar o profundo desafio da participação das mulheres negras e da população negra na política, é preciso compreender que as mulheres negras periféricas que acessam esses espaços, em sua maioria, não contam com igualdade de estrutura social e econômica. E, quando falamos de participação política, reiteramos a urgência não apenas da ampliação de mulheres negras nos espaços de poder, como também da sua permanência. Sabemos que a violência política é utilizada para perpetuar a falta de participação na política das mulheres negras, seja desincentivando sua entrada na política institucional, seja interrompendo as suas trajetórias. Nesse sentido, a PEC trata, assim - mais uma vez, como já foi falado -, da quarta anistia dada pela Câmara aos partidos que descumprem suas cotas, afastando mais ainda essas populações das campanhas eleitorais. Vemos, mais uma vez, o argumento inócuo da nulidade eleitoral, mobilizado para perpetuar essa sub-representação, e a tentativa de barrar o avanço da representatividade negra na política e também do apagamento dos acúmulos de séculos de luta que o movimento negro brasileiro conquistou, mas não é o que desejamos e o que trabalhamos, histórica e cotidianamente, para refundar as nossas bases democráticas e estruturas democráticas. Precisamos nos lembrar das lutas seculares de resistência e transformação que vimos travando para melhorar a vida do povo brasileiro e fazê-las valer... (Soa a campainha.) O SR. GIOVANNI OLIVEIRA - ... mas esse processo de memória precisa caminhar conjuntamente com vontade política de mudança, sobretudo fazendo jus àqueles e àquelas que sustentam este país. Para transformar o Brasil ou reconstruir não podemos mais negar o óbvio, o material e o concreto. Precisamos assumir a responsabilidade e o compromisso de mudar a fotografia e a composição do poder de representações e reformar, de fato, nosso sistema político-eleitoral, para que tenha mais a cara do povo brasileiro. A sociedade civil e os coletivos dos movimentos sociais vêm alertando, desde o ano passado, o quão grave e escandaloso é para a nossa democracia essa proposta de emenda de anistia e flexibilização da lei, pois essa medida não é apenas afirmativa; é uma medida inclusiva. |
R | A Lei de Cotas é reparatória e transformadora. E, além disso, quando em discussão na Câmara dos Deputados, nenhuma das notas técnicas que o movimento negro e o advocacy brasileiro enviou foi considerada nos debates políticos Então, me encaminhando já para o final, precisamos de uma resposta para qual mensagem que se quer passar, em se alcançando esse objetivo com essa PEC, de estar com uma legislação que ataca e fragiliza nossa democracia e as nossas instituições jurídicas e eleitorais. A resposta é simples e objetiva: não se quer que a transformação venha do povo negro, do povo para o povo, através da representatividade descritiva e substantiva da sociedade, com a defesa das pautas prioritárias dessa população. O Instituto Marielle Franco vem desde 2019 atuando em defesa dos direitos humanos, pela participação política de mulheres negras, pelo fortalecimento dessa população que move as estruturas de poder no enfrentamento à violência política de gênero e raça, para mais mulheres negras ocuparem esses espaços de poder e não serem interrompidas como Marielle Franco foi em 2018, mas para isso precisamos de compromisso e de vontade política. E destaco também que o subfinanciamento de campanha, com a falta de priorização das candidaturas de mulheres negras dentro dos partidos, é também violência política de gênero e raça. Nesse sentido, é inadmissível que esse texto, que essa proposta seja aprovada integralmente. Nas políticas públicas, as leis precisam ser elaboradas como Fanon e Lélia González nos ensinam, a partir da zona do não ser, e a gente só vai chegar de fato a um mundo mais justo, equitativo e igualitário, uma vez que se parta daí. Então, reiteramos o nosso compromisso inabalável com a democracia e precisamos levar para os Srs. Senadores desta Casa essa responsabilidade de fazer a diferença. A gente segue à disposição para continuar auxiliando e contribuindo nos trabalhos e chamamos todas as pessoas, principalmente esta Casa, todos os Senadores. Agradeço, mais uma vez, Senador Paulo Paim, por estar tentando continuar com todos esses avanços. Que nenhum direito a menos seja perdido. É isso. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Giovanni Oliveira. Meus parabéns ao Instituto Marielle Franco também, que indicou para representar o instituto esse jovem, que faz uma defesa muito bem montada, muito bem articulada. Então, parabéns a você, que aqui com certeza representa a juventude brasileira. De imediato, agora... Antes eu anuncio aqui - o David me lembrou - que está presente conosco o Dr. Diogo. O Dr. Diogo é o primeiro representante na cúpula da GV... O SR. DAVID DOS SANTOS (Fora do microfone.) - AGU. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - AGU. Está aqui representando com certeza essas lideranças que, com muita luta, chegaram lá. Você foi o primeiro a chegar. Aceite aqui a nossa salva de palmas na AGU. Passo a palavra neste momento à Beatriz Lourenço, do Instituto de Referência Negra, representante do Instituto de Referência Negra. A SRA. BEATRIZ LOURENÇO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia. Primeiro gostaria de iniciar minha fala agradecendo a concessão desta audiência pelo nosso Senador. Queria fazer um registro que eu acho importante. Quero dizer que o Instituto de Referência Negra Peregum é uma das organizações que compõem a Coalizão Negra por Direitos, que já teve uma fala aqui nesta audiência, representada pela Iyá Sandrali, o Instituto Marielle Franco também faz parte da coalizão. Faço essa fala, inclusive, para ressaltar que, desde 2023, a Coalizão Negra por Direitos tem atuado diretamente nos debates relacionados à PEC e nas tentativas de diminuir os riscos jurídicos e políticos que ela, desde o início, anunciava. |
R | Eu queria apresentar muito rapidamente o Instituto Peregum e dizer que o Instituto Peregum nasceu com a demanda de fortalecer os movimentos negros brasileiros, garantir a maior participação política das organizações negras e, por consequência, centralizar as demandas do povo negro no centro da disputa do debate político, dando continuidade ao legado de todas as organizações negras que chegaram antes de nós. Bom, eu queria também relatar um pouco do que eu entendi e senti me preparando para esta audiência. Enfim, nesse processo de me preparar e de preparar o nosso debate para cá, uma das primeiras imagens que vieram na minha cabeça é a daquela foto histórica de Edmilson Valentim, Carlos Alberto Caó, Benedita da Silva e o nosso Senador Paulo Paim, que hoje preside esta audiência, no Congresso Nacional e na Constituinte. É uma imagem forte de Parlamentares que pegaram para si a missão de inserir na nova Constituição, que marcava um período importante na redemocratização do país, questões relacionadas às condições de vida da população negra brasileira. Veja, naquele momento, em um universo de 559 Parlamentares, apenas 11 eram negros; entre eles, apenas 4, os que eu mencionei acima, conformavam uma bancada negra, que incorporava as demandas do movimento negro. É importante trazer esse histórico, porque ele é um excelente exemplo do desafio que tratamos nesta audiência. A foto, além de histórica, é uma denúncia. Em 1988, cem anos após a falsa abolição, éramos a minoria absoluta em um processo vocacionado como retomada da democracia. É certo que, de lá para cá, houve avanços importantes. Aqui eu friso a importância e a permanência da atuação do movimento negro brasileiro, que, de forma incansável e atuante, desmentiu a ideia de democracia racial no Brasil, denunciou o racismo brasileiro e ampliou a sua participação política nos Parlamentos, pressionou partidos políticos e pautou a política brasileira, inserindo o racismo no debate público político de forma incontornável, e, quando conquistado o financiamento público de campanha, denunciou a distribuição injusta de recursos no interior dos partidos. E é nessa esteira que, em 2020, Benedita realiza aquela consulta ao TSE sobre a distribuição de recursos do fundo, que foi citada pela nossa Exma. Ministra Vera, entre as candidaturas para cá. De lá para cá, alcançamos alterações importantes no que diz respeito à legislação eleitoral: distribuição proporcional de recursos, tempo de propaganda, contagem em dobro para votos em candidaturas negras para fins de fundo partidário. Mas o racismo brasileiro nunca erra o seu alvo. Ao tempo em que conseguimos essas alterações importantes na legislação, vimos um fenômeno já conhecido por nós negros e negras no processo de cotas raciais nas universidades e concursos públicos, autodeclarações fraudulentas, candidatos que alteram sua autodeclaração com o fim de receber mais recurso, a não aplicação da legislação pelos partidos, a não distribuição de tempo de TV, a violência política de gênero direcionada, sobretudo, a mulheres negras. É nesse contexto que a PEC 09 passa a tramitar na Câmara Federal, tentando alterar a Constituição, a Emenda Constitucional 115, de 2022, quanto às sanções aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de gênero e raça nas eleições, bem como nas prestações de contas anuais eleitorais, ou seja, mais uma tentativa de anistiar as legendas que não cumpriram o que ordena a Constituição Federal. |
R | Aqui acho que é importante ressaltar também que hoje nenhum partido político com representação no Congresso Nacional cumpriu a legislação no que diz respeito à distribuição de recursos. A anistia, no contexto delineado, que devia servir como exceção e não como regra, tem servido para que os partidos políticos, desde os anos 90, possam descumprir determinações legais que tratam das ações afirmativas, mediante uma busca desenfreada por brechas na lei que protejam contra qualquer tipo de sanção, mantendo o status quo do privilégio branco e masculinista que age com retrocessos para barrar avanços alcançados por meio da luta de movimentos dos grupos sub-representados. O ponto ainda mais alarmante no novo texto é a diminuição de recursos para candidaturas negras, noticiado como grande avanço para a população negra, mas que efetivamente representa o retrocesso. O texto especifica os 30% para esse financiamento, ignorando absolutamente a ideia de proporcionalidade de incentivo a candidaturas negras com relação ao percentual total da população segundo o IBGE, obrigatoriedade trazida pelo STF. Com isso, há uma efetiva redução dos recursos públicos para essas candidaturas. A tentativa de redução de recursos para candidaturas negras ignora todos os debates e lutas sociais travadas ao longo dos últimos anos, que asseguraram a ampliação de participação de mulheres e pessoas negras nos espaços de poder, sobretudo nas Casas Legislativas onde tramita a referida PEC. Como fruto desse grande processo político árduo, a Constituição Federal incorporou, em seu texto, dispositivos que determinavam a aplicação de recursos do fundo partidário na criação e na manutenção de programas de promoção e difusão da participação política de grupos sub-representados, além de 30% do fundo eleitoral e parte do fundo partidário para o uso de campanhas eleitorais. Apesar de ter sido apresentado novo texto integralmente modificado, o parecer do Relator suaviza termos que tratam da real anistia e tem como foco o reforço ao incentivo para candidaturas, como mudança de referência de raça para pessoas pretas e pardas. O texto ainda deixa claro que fica a critério dos partidos a decisão sobre quais dessas candidaturas receberão os recursos; protege os partidos de cotas de financiamento para - abro aspas - "minorias", caso não haja lei expressa aprovada; institui o Refis, o programa de recuperação para partidos que consigam honrar multas futuras, condições e facilitação de pagamento aos partidos em caso de multa; dispensa a emissão de recibo para doação em diversos casos; além de expandir a aplicação da lei em todas as instâncias federativas para beneficiar os partidos em todos os lugares e níveis. Dado esse cenário de luta e ainda a visível falta de representatividade negra no Parlamento, a PEC da anistia se mostra um completo retrocesso frente às lutas defrontadas pelo movimento negro brasileiro, que cresceu 8,94% no número de Deputados e Debutadas negras eleitas na Câmara Federal em 2022. O número é absolutamente menor do que o ideal se levarmos em conta que a maioria da população é negra e que ainda temos 72% de Parlamentares brancos atuando na Câmara, por exemplo, e votando matérias que interferem diretamente na vida de pessoas negras. |
R | Quero ir caminhando para o final, reafirmando que essa audiência pública é fruto de um caminho percorrido pelos movimentos negros em articulação com o nosso Senador. E é muito importante - e a gente tem reafirmado isto historicamente - que o movimento negro brasileiro esteve presente em todos os momentos políticos importantes da história recente do nosso país. Essa tentativa de aprovação dessa alteração da legislação eleitoral é, inclusive, uma resposta a esse sucesso do movimento negro brasileiro em conseguir apresentar denúncias, articular mobilizações e, enfim, garantir conquistas reais para a nossa população. Para o final, também quero dizer que, em 2021, quando o Brasil inteiro, as forças progressistas, as instituições democráticas se reuniam para discutir ameaças à democracia, é a Coalizão Negra por Direitos que lança o manifesto "Enquanto houver racismo, não haverá democracia". E é disto que se trata: não há como se defender a democracia e realizar qualquer apoio à aprovação da PEC 09. O nosso compromisso é com a radicalização da democracia que temos hoje e isso passa pela incorporação da população negra e das lideranças negras nos Parlamentos brasileiros e nos cargos executivos. Quero agradecer novamente e nos colocar à disposição para seguir oferecendo insumos aos Parlamentares para a não aprovação da PEC. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Beatriz Lourenço, representante do o Instituto de Referência Negra Peregum. Meus cumprimentos pela fala. Obrigado pela lembrança aí. Eu mantenho sempre viva essa memória da Constituinte e daquele quarteto: Benedita - vou repetir -, Edmilson Valentim, Caó e este Senador. E, quando nós chegamos, num avião da Vale, à África do Sul, aí mandaram um comunicado - o governo do apartheid, naturalmente, porque nós fomos lá exigir a libertação do Mandela - de que nós seríamos abatidos se o avião descesse. E o pessoal da Vale gritava: "Vão abater coisa nenhuma, vamos descer. Façam a missão e voltem para cá". E assim foi feito, não é? Uma homenagem à antiga Vale, que não existe mais, pela firmeza e convicção daqueles que estavam comandando o avião. Eu vou, de imediato, agora, ao Frei David... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode ser, Martvs? Eu tinha deixado você por último, porque sabe que o último faz todo o bolão, mas o Frei David pediu e... É bom, Frei, porque, depois que ele ouça a todos, ele também tem... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não vai apanhar, não. Você que é uma liderança inegável. (Risos.) Você é uma liderança aqui inegável, por quem todos têm respeito. É bom ouvir sua opinião depois de ouvir a opinião de todos, viu, Martvs? Esta é a intenção: depois de ouvir a opinião de todos, você faz uma fala também. Frei David. O SR. DAVID DOS SANTOS (Para expor.) - Eu queria pedir licença ao Senador Paim e a todos vocês presentes pessoalmente, bem como a quem está participando das redes sociais e da televisão do Senado, para saudar, em nome de todos vocês, o nosso Presidente do Senado, o Rodrigo Pacheco. "Por que saudar Rodrigo Pacheco, Frei? Ele nem negro é". Olha só, eu quero dizer para vocês do Brasil inteiro que, de todas as os Presidentes de Senado, que aqui compuseram esta Casa, quem melhor atendeu, quem mais deu vazão, atendimento à demanda do povo negro foi o Presidente Rodrigo Pacheco e para ele eu peço uma salva de palmas. (Palmas.) |
R | No entanto, até junho tivemos reunião com o Rodrigo Pacheco com uma comissão grande de negros e, em julho, tivemos férias. Eu recebi uma notícia muito triste de que o Rodrigo Pacheco foi pressionado por todos os presidentes de todos os partidos políticos - menos PSOL, Rede e Podemos -, do PL, extrema-direita, que botou a faca no pescoço do Presidente Rodrigo Pacheco, ao PT, botou a faca e o punhal, dois, no pescoço do Rodrigo Pacheco. Então, o pobre Rodrigo Pacheco, que, em junho, tinha anunciado que essa PEC 9 não tinha pressa, ia ficar na gaveta, agora, por pressão do PL, extrema-direita, e por pressão do PT, esquerda, foi colocar, já colocou em pauta, e, infelizmente, a PEC será votada na CCJ, agora, quarta-feira, dia 14. Já está tudo combinado - o PT, o PL -, já está tudo, tudo combinado. Toda a nossa fala aqui, eles não vão nem ouvir, porque são desrespeitosos conosco, com o povo negro. Não vão nem ouvir, são desrespeitosos! Como é, gente, que o PT permite uma atitude tão drástica dessa? A Presidente do PT, Gleisi Hoffmann, defendeu na Comissão de Constituição, Justiça da Câmara a votação a favor da PEC, e agora uma jovem da base está aqui, falou radicalmente, a nossa querida Aline, falou radicalmente contra o PT defender a PEC 9. Então, o PT não está ouvindo a base. Esse PT está correndo o perigo de perder todo o povo negro do Brasil. O PT corre o perigo de perder todo o povo negro do Brasil frente a essa baixaria. Nós gastamos nosso tempo, nossa energia, nossa luta para fazer o PT ganhar do Bolsonaro. Eu e mais cinco frades nos arriscamos, fomos ao comitê do Lula, nos arriscamos. De lá para cá, todo dia recebo ameaça por ter ido defender Lula lá no comitê eleitoral. Agora, em troca, recebemos do partido do PT punhais nas nossas costas. Eu desconfio de que Lula não sabe de nada disso. Então, eu faço um apelo aqui a quem tem proximidade com Lula, que leve para Lula essa maldade. O PT não pode ser cruel com o povo negro. O povo negro foi quem levantou o PT, que nasceu de comunidade de base negra. E agora o PT faz essa maldade conosco? Mas, Frei, por que você só fala do PT? Gente, é porque nós tínhamos certeza de que o perigo está à volta do PT. Por que o senhor não condena o PL? Gente, o PL faz parte da herança da escravidão, dos opressores. No entanto, tem um homem de equilíbrio que é Rodrigo Pacheco. Rodrigo Pacheco, você foi colocado na parede por todos os presidentes de partido, de direita e de esquerda, agora, em junho, em julho. No entanto, Rodrigo, seu coração repousa em Deus. Eu tenho certeza de que você, Rodrigo Pacheco, nosso Presidente, vai rever e vai deixar essa PEC para ter melhor debate, melhor reflexão e não vai deixar essa PEC ir adiante. |
R | Bem, pela combinação dos (Trecho editado nos termos do art. 48, inciso XXXI, e art.19, inciso I, do Regimento Interno.) - desculpe, não tenho outra palavra -, pela combinação dos (Trecho editado nos termos do art. 48, inciso XXXI, e art.19, inciso I, do Regimento Interno.), presidentes dos partidos de direita e de esquerda, pela combinação dos (Trecho editado nos termos do art. 48, inciso XXXI, e art.19, inciso I, do Regimento Interno.), quinta-feira agora, essa PEC vai ser votada do Plenário em caráter terminativo. Quinta-feira agora, essa PEC 9 vai ser votada no Plenário em caráter terminativo. Está tudo amarrado já, e o Rodrigo Pacheco está totalmente humilhado, envergonhado, triste, porque ele vai ferir e vai colaborar com a punhalada no povo negro. Bem, foi dito aqui várias vezes que já teve quatro maldades dos partidos de direita, de esquerda e de centro, perdoando os seus erros. Eu quero dizer que, em relação à terceira maldade deles, que foi a emenda, a PEC 117, a Educafro, através do PSOL e da Rede, já abriu uma ação no STF contra a emenda, a PEC 117. E, para a nossa alegria, pessoas de dentro do STF falaram: "Frei David, o STF só está esperando votar a PEC 9. Votando a PEC 9, eles vão botar em votação aqui no STF a PEC 117, que vai tornar inconstitucional o perdão, o desvio do roubo". E, consequentemente, se o STF votar a PEC... votar a ADI... O número é ADI 7.049. A ADI 7.049 ataca a emenda, a PEC 117. Se o STF votar imediatamente a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 7.049, vai cair a PEC 117, que já está na Constituição, ela cai, porque ela é inconstitucional, e, por tabela, também cai a PEC 9. Então, para o nosso STF uma salva de palmas! (Palmas.) Bem, aí eu faço um apelo aos Senadores e aos Deputados: não sejam (Trecho editado nos termos do art. 48, inciso XXXI, e art.19, inciso I, do Regimento Interno.), não sejam manipuladores, não façam fake news. Vocês falando que o STF está interferindo na missão de vocês é maldade, é mentira, é fake news de vocês, porque o STF apenas tenta corrigir o erro de vocês. Vocês erram quando votam a PEC 117 e vão errar outra vez ao votar a PEC 9. Então, nós pedimos a vocês, Senadores... Aqui é a Casa revisora, o Senado é a Casa revisora. O erro cometido na Câmara pode ser corrigido no Senado. E os Senadores aqui desta Casa de direita que são honestos, os Senadores de centro que são honestos, os Senadores de esquerda, como a nossa querida lá do Rio Grande do Sul, Janete... Janete, não é? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Reginete. O SR. DAVID DOS SANTOS - Como a Reginete acabou de pronunciar, eles vão, com certeza, estar do nosso lado, sem contar com o Senador Paim, que já é nosso, é irmão da causa e sente na própria pele esse drama e essa maldade. Portanto, nós temos certeza de que essa situação vai ser revista, porque o nosso irmão... Quem tem o maior poder aqui na Casa é o Rodrigo Pacheco. Ele tem o poder de brecar isso, ele tem o poder de exigir mais audiências públicas, ele tem o poder de fazer passar em outras Comissões. Tudo isso eles passaram... Os demais Deputados, Líderes dos partidos e Presidentes dos partidos passaram rasteira nele. E ele talvez consiga, na força de Deus, não deixar essa maldade acontecer. O terceiro ponto é dizer para vocês que a Educafro, o PSOL e o partido Rede já nos reunimos. Atenção: a Educafro, o PSOL e o Partido Rede já nos reunimos. E já está montadinha - e vou mandar para o Senador Paim para ele poder ver, fazer a defesa dele, se ele achar conveniente, no Plenário e nas Comissões -, já está montadinha a ADI. No dia em que... Nós queremos nos resguardar totalmente. |
R | Nós sabemos que a ADI 7.049, contra a alteração da EC 117, já é fulminante para derrubar a PEC 9. Mas nós entendemos que o poder é tão cruel que consegue brechas para poder derrubar o povo negro. Então nós já estamos preparando outra ADI. Já estamos... já está pronta outra ADI. E, na quinta-feira agora, assim que o Senado votar a PEC 9, meia hora depois vamos entrar no STF com a nova ADI contra a PEC 9. Com isso a gente amarra os dois lados, e não vai ter nenhuma chance... (Soa a campainha.) O SR. DAVID DOS SANTOS - ... de esse grupo, que faz parte da continuação da tortura da escravidão de outra maneira, usando outras ferramentas, de esse grupo ter a palavra e ter vez. Bem, Senador Paim, caso aqui o nosso querido Presidente da Casa, Pacheco, não consiga dar serenidade e convencer os demais Senadores a fazer mais debates, refletir melhor e não impor que essa PEC já funcione agora, para a eleição de outubro, caso isso aconteça, Senador Paim e demais Senadores brancos solidários do nosso povo negro, nós apelamos a vocês, fazemos um apelo a vocês. Nesse texto da PEC 9 que está circulando, onde se fala em 30% para mulheres - por favor, Senador Paim, peça à sua assessoria para produzir já essa peça -, onde se fala em 30% para mulheres, é claríssimo "mulheres brancas"; não estão nem um pouquinho preocupados com as mulheres negras. Injustamente, mais uma vez, vão passar a perna nas mulheres negras. (Palmas.) Então, Senador, se é que há um combinado que vem lá da Câmara, que aqui, então, se faça o seguinte: onde tiver esta fala sobre haver 30% de cadeiras cativas para as mulheres, nós pedimos que acrescente o seguinte: que 50% dessas cadeiras cativas sejam para mulheres brancas e 50% para mulheres negras. É uma emenda, Senador Paim, em que isso aí pode ser feito, caso essa maldade passe. É muito mais para nos resguardar, porque a gente está 100% confiante na ação do STF. Também, Senador Paim, onde se fala em reserva de cadeiras de 20% para mulheres... Em cima, é verba; embaixo, onde se fala de reserva de cadeiras de 20% para mulheres negras, pedimos para também acrescentar: "reserva de 20% de cadeiras para homens negros"; "reserva de 20% de cadeiras para homens negros". Senador Paim, vergonhosamente, no Brasil inteiro, atualmente, não tem um único homem negro que algum partido de esquerda optou em investir dinheiro para eleger agora, em qualquer capital do Brasil. Tem mulheres negras, porque os partidos de esquerda vão investir em mulheres negras; mas não tem um único - um único... Eu desafio qualquer partido de esquerda que apresente um homem negro só, um só homem negro, em qualquer capital do Brasil, em que vocês vão investir dinheiro - investir dinheiro, não dar esmola - para eleger esse homem negro. Hoje em dia, a mulher negra, graças a Deus, com a força do homem negro, está subindo na política, e o homem negro está caindo, caindo, caindo. Olha só a última eleição em São Paulo. Senador, olha que absurdo: o queridinho Vicente não foi reeleito, precisou-se fazer um arranjo para poder alguém assumir um ministério e dar a vaga para Vicentinho. Orlando Silva, guerreiraço, não foi eleito - não foi eleito -, precisou também se fazer um arranjo para ele ocupar o cargo de Deputado Federal; ou seja, está se tratorando o homem negro no Brasil inteiro, e esse grito tem que ser colocado agora com toda a determinação e todo o vigor. Senador Paim, também eu quero dirigir minhas palavras para as mulheres brancas. Minhas irmãs mulheres brancas, eu não estou reconhecendo vocês. Vocês, mulheres brancas, foram tão guerreiras em vários momentos no Brasil. Agora conseguiram uma esmolazinha nessa PEC 9 e estão caladas, deixando nós negros sozinhos, lutando. Não vejo nenhuma mulher branca lutando contra a PEC 9. Isso eu nunca esperava das mulheres brancas. Imaginava que vocês seriam solidárias às mulheres negras, que vocês seriam solidárias aos homens negros, mas essa omissão vai calar fundo nessa atitude equivocada, errada e injusta de vocês. |
R | Também, Senador, para concluir, eu quero fazer um apelo, mais uma vez, ao querido Presidente Rodrigo Pacheco e também fazer um apelo a todos os Senadores desta Casa, porque vocês, Senadores - e os Deputados -, fizeram uma coisa fantástica e talvez estivessem cochilando quando fizeram isso. A maioria dos Deputados Federais e dos Senadores - talvez, nem todos, a maioria ou uma boa parte eu sei que não estava cochilando, não, e sabia o que estava fazendo - estavam cochilando quando assinaram a convenção interamericana contra todas as formas de discriminação racial. E, na convenção, proíbe-se retrocesso de qualquer ação afirmativa, lembrando que, quando foi promulgada a convenção interamericana contra todas as formas de discriminação racial, a convenção atingiu status de Constituição. Então, está totalmente... (Soa a campainha.) O SR. DAVID DOS SANTOS - ... inconstitucional a PEC 117, que já está na ativa - e vamos pegar esse dinheiro de volta que vocês roubaram -, e está totalmente inconstitucional a PEC 9, que vocês querem jogar goela abaixo do povo negro, com violência, com tortura de outra maneira psicológica, porque eu vejo muitas irmãs mulheres negras e muitos homens negros doentes, porque estão vendo que sua candidatura é muito mais para colher pequenos votos para eleger os caciques brancos dos partidos - brancos, barrigudos, cheios de dinheiro e poderosos. Nós queremos, portanto, e contamos com essa postura... Senador, para concluir... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem 20 segundos ainda. O SR. DAVID DOS SANTOS - ... nesses 20 segundos, eu quero lembrar ao Brasil inteiro que a anistia é um direito para os injustiçados - a anistia é um direito para os injustiçados -, e jamais a anistia pode ser usada para os injustos... (Soa a campainha.) O SR. DAVID DOS SANTOS - ... os ladrões, os que desviam dinheiro, os que fazem corrupção com o dinheiro do povo negro. Portanto, eu peço, Senador Paim, que desperte em todo o Senado, nas suas instruções, com o que estiver em sua mão, essa denúncia. Volto a dizer: a anistia é um direito dos injustiçados, mas não é um direito dos injustos, dos corruptos, dos ladrões que querem desviar o dinheiro das mulheres e dos homens negros para os mesmos homens brancos e barrigudos. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o Frei David, que vocês conhecem não é de hoje. (Palmas.) Frei David, você sabe que a audiência - antes de você falar, Martvs - pública termina, e eu participo das reuniões, do diálogo, na busca do que é melhor para o nosso povo. Então, com todo o respeito que eu tenho a V. Exa. e ao conjunto dos Deputados e Senadores, neste espaço, que é um espaço democrático, o senhor falou e deu o seu ponto de vista, mas eu vou pedir para tirar dos Anais duas palavras: "canalhas... O SR. DAVID DOS SANTOS (Fora do microfone.) - Eu falei "canalhas"? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Falou, falou. "Canalhas e desonestos". Como eu vou dialogar... O SR. DAVID DOS SANTOS (Fora do microfone.) - Isso... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Frei David, é uma opinião sua, e eu a respeito, mas, como Presidente, vou pedir para tirar dos Anais "canalhas e desonestos". |
R | Aqui na Casa, como você falou muito bem, eu nunca aprovei tanto projeto para o povo negro como na Presidência do Rodrigo Pacheco. Nunca, nunca, em todos os meus 40 anos de Parlamento! Então, eu não posso, numa hora, estar dialogando com o conjunto da Casa, e não só com o Rodrigo Pacheco, e, na outra hora, eu não ter a posição que eu tenho que adotar como Presidente. Então, respeitosamente - cada um aqui expressa seu ponto de vista -, eu só peço que tirem dos Anais desta Comissão as palavras "canalhas e desonestos". E, de imediato, vamos passar a palavra para Iêda Leal, representante do Movimento Negro Unificado (MNU), que fará sua fala à distância. A SRA. IÊDA LEAL (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia. Todos me ouvem bem, não é? Eu estou aqui em Goiânia, na minha cidade de referência. Paulo Paim, todo mundo me escuta bem? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito, perfeito. A SRA. IÊDA LEAL - Obrigada pela participação. Antes de começar todo este diálogo - espero que com a participação também do companheiro Martvs aqui -, quero dizer, com toda a fraternidade, para o nosso último palestrante que tem muito tempo, Frei, que estão tendo dificuldade em passar a perna nas mulheres. É só ver esta manhã, esta manhã toda com Vera, Aline, Munah, Sandrali, Beatriz, Reginete e tantas outras pessoas presentes online e aí também, com toda a equipe do nosso Senador Paulo Paim e com toda a equipe de todas as Deputadas Federais em Brasília. Então, é necessário dizer que a fortaleza que nos protege, com a luta de Tereza de Benguela, de Luiza, de Lélia e de tantas outras que não estão presentes fisicamente, dá conta de nos dar muita força e possibilidade de nos mantermos em pé e vencermos. E isso é bom. Queremos contar com o apoio de todos os homens negros deste país e com os homens também de esquerda brancos que compreendem a participação importante das mulheres negras do nosso país. Estou aqui hoje também para registrar - espero que o Martvs faça isto - que nós temos uma pesquisa com que eu estou querendo que as pessoas possam ter contato, que é da Perseu Abramo e que diz da importância do Partido dos Trabalhadores no que se refere às conquistas da questão da igualdade racial para o país. Foi o PT, que hoje tem como Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que mais fez em organizar, em lutar e ir para a base e escutar o povo negro na questão racial. Chama o documentário: Marco de Lutas dos Movimentos Sociais, Sociedade Civil e Resistência no Combate ao Racismo. Quero recomendar para todo mundo poder acessar - está ali na plataforma da Perseu Abramo. Aí nós vamos ter a dimensão de que o PT, o Partido dos Trabalhadores, conversa com a base, de que o Presidente escuta e deve escutar mais. E nós queremos ficar nesse espaço também de dialogar com todos os partidos, não só o PT, que, de vez em quando faz, um movimento que não é apropriado para o tamanho da luta das mulheres e dos homens negros deste país. |
R | Portanto, eu quero trazer para este local, para este local muito importante para a gente, algumas pessoas que simbolizam por que nós precisamos valorizar o que Sandrali falou - a minha Iyá -, o que Beatriz falou, o que Reginete falou, o que Munah terminou de falar aqui e que Vera, absolutamente certa da possibilidade histórica, trouxe para este espaço. Primeiro, Paim, a gentileza e a sabedoria que você tem em chamar para o diálogo - é disso que a gente precisa neste Plenário. Então, é replicar mais paims em todas as câmaras municipais e federais, nas assembleias. É disto que a gente precisa: de homens que tenham coragem como tem você. Então, Tainá, Dandara, Carol Dartora, Reginete, Thainara, vou dizer de novo Paulo Paim, Bia Caminha, Jaque, Lívia Duarte, Matheus, Simone Nascimento, Verônica, Talíria, Elenizia, Roseli, Benedita da Silva, Andréia de Jesus, Leci, Erika Hilton e tantas outras Parlamentares e outros Parlamentares deste país. Eles são frutos porque nós nos organizamos para lutar e dizer: "Voto negro, vota negra". Todas as campanhas da Coalizão, da Convergência Negra, de todas as organizações que apoiaram e apoiam candidaturas negras e fazem o debate no lugar certo, dentro dos partidos, porque é de lá que saem os nossos e as nossas candidatas. Portanto, a recomendação do Movimento Negro Unificado se soma à recomendação das Parlamentares eleitas, dos Parlamentares eleitos que têm compromisso com a história de luta do povo negro neste país. Nós sabemos a importância de sermos representados nas cadeiras. Nós queríamos, queremos e vamos lutar para que o Parlamento represente o Brasil na sua maior diversidade de representação dos seres humanos. Então, para nós, todo o Parlamento deveria ter 60% de negros. É o que nós desejamos, queremos e vamos lutar, mas o diálogo com todo o país nos leva a ter uma possibilidade de ir crescendo e conquistando o que nós queremos. Então, a recomendação, mais uma vez, do Movimento Negro Unificado, que tem 46 anos e que tem Parlamentares eleitos e eleitas por este país todo, é de que a experiência de fazer com que os partidos políticos compreendam que existe possibilidade de investimento na população negra, limpando a área dos fraudadores, porque agora nós temos negros de ocasião, que agora deixam de ser brancos para ser negros por conta da questão financeira. Nós precisamos corrigir isso e vamos corrigir com a recomendação das bancas de heteroidentificação, que é correto ter para a gente poder dialogar mais com o país que vive com essa questão toda das fraudes de pessoas que são perversas. A recomendação é que o que aconteceu sirva de exemplo para ampliar, melhorar, e não para perdoar quem não deu conta de cumprir com o que estava escrito na lei. Então, a gente precisa continuar dizendo que o horário, os investimentos e a diversidade têm que estar presentes em todos os partidos. Isso precisa acontecer, e a gente precisa dialogar para isso. Quando a gente não tem maioria, a gente dialoga e a gente coloca as possibilidades e chama toda a população para defender o que a gente acredita. Então, nós devemos somar. Portanto, o compromisso histórico do país é de reparar a invisibilidade do povo negro na representação partidária do Estado brasileiro. |
R | O Estado brasileiro continua devendo para o povo brasileiro, à maioria absoluta de nós, negros, um projeto de reparação bem organizado, porque a abolição é inconclusa. Todos nós já sabemos disso, já escrevemos sobre isso. Nós temos pessoas que pesquisam sobre isso. As nossas memórias precisam ser reorganizadas. Nós temos que saudar. Sabe o quê? A entrada de uma mulher negra no Conselho Nacional de Educação. Temos que saudar a nossa amiga Gilvânia, que vai estar lá e, depois, vai subir e levar mais outras pessoas. Nós temos que continuar dialogando que as eleições, sem a representação, sem a participação do povo negro, sem o partido... Todos os partidos devem fazer o que o PT faz: colaborar e chamar a base para a discussão dentro do partido. Nós sabemos que o enfrentamento que nós, negros, fazemos é absolutamente necessário, mas a gente precisa continuar também lutando pelas cotas nos serviços públicos; nós precisamos continuar lutando pelas cotas na educação; nós precisamos continuar lutando, porque a moradia tem que fazer a diferença. Nós precisamos dizer para os nossos que o transporte é fundamental. Então, este espaço aqui, hoje, segunda-feira, um dia depois do Dia do Estudante, Dia dos Advogados, e também, coincidentemente, elaborando um outro afeto a todos os pais responsáveis que consideram e ajudam no crescimento da família e dos seus filhos e do reconhecimento. (Soa a campainha.) A SRA. IÊDA LEAL - Existe um grande projeto: o reconhecimento dos pais no que se refere à certidão de nascimento dos seus filhos. Isso, para mim, é o mais importante a ser relembrado no Dia dos Pais. Quero parabenizar aqueles pais que abraçam seus filhos e que os conduzem até a adolescência, enquanto estão crescendo. Então, nós precisamos aqui dizer que o movimento negro se soma a todas as campanhas com o "Voto negro, vota negra", que está na quarta edição e que desde 2018 nós fazemos, porque acreditamos que nós precisamos estar sentadas nas cadeiras também das câmaras municipais e das assembleias legislativas. Nós precisamos continuar incentivando e dizendo que tem que haver investimento financeiro para a ocupação dessas cadeiras. Então, ouvir as pessoas que escrevem, diariamente, a história dos negros e negras deste país é fundamental. Nós precisamos continuar acreditando que a possibilidade também de fazer o debate e mudar o mundo é através da participação político-partidária dentro desses espaços todos. E nós queremos que seja a reflexão: mais da metade da população negra precisa estar representada nessas cadeiras. Esse é o grande salto, e isso é o que o PT escreve há muito tempo. Necessariamente, as organizações partidárias vão ter que nos escutar, porque nós vamos estar dentro dessas organizações para reafirmar o nosso direito político de existir. Nós não somos um problema; nós somos a solução, para que o país possa entrar num clima de desenvolvimento, mas de sustentabilidade de todas as ações, para que o mundo seja melhor. |
R | Parabéns! O TSE sabe e precisa continuar defendendo democracia eleitoral, porque incluir faz parte da nossa vida: incluir, discutir, permitir que a legislação não nos abandone. Portanto, a nossa tarefa, mais uma vez, é reafirmar que o diálogo tem que caminhar para uma decisão política correta, olhar para o Brasil e respeitar a diversidade. Qualquer coisa que tire essa possibilidade, a gente sabe que nós vamos para as ruas e vamos contestar. Então, quero parabenizar mais uma vez e dizer que a nossa experiência da última eleição deve servir de exemplo para observar que quem frauda, quem engana, quem faz algumas questões para retirar a representatividade do povo negro tem que sentar no banco dos réus e responder por mais um crime de querer tirar a possibilidade de nós negros estarmos presentes na representação político-partidária dentro das assembleias, das câmaras e de qualquer outro lugar. Nós queremos o poder, porque o poder é bom e ele pode continuar ajudando na modificação da nossa legislação. Queremos defender a nossa Constituição, defender todas as organizações que defendem a democracia, nós aprendemos que para nós isso é fundamental. Nós não queremos ninguém burlando a lei, se autodeclarando, para se sentir mais confortável em receber financiamento. Essa tarefa quem faz é a base, e nós fazemos isso. Muito obrigada. Abraço o nosso país e todas as organizações do Movimento Negro Unificado que estão presentes em todo o país, e todas as organizações do país que, nesses últimos anos, têm feito a diferença. As organizações estão presentes nos conselhos, dando a condição de dar para o Brasil a grande possibilidade da discussão racial. Respeitem a gente e vamos continuar juntos. Respeitar o povo negro significa entender que a história desse negro está sendo construída há muito tempo por muitas pessoas aqui, que devem ser absolutamente escutadas. Então, audiência pública serve para organizar todo o pensamento, dizer para as pessoas, nos lugares em que elas estão, que a representatividade que foi dada para eles no voto... (Soa a campainha.) A SRA. IÊDA LEAL - ... precisa refletir a política da diversidade deste país e respeitar as mulheres, os homens, as crianças, a população LGBTQIA+ negra deste país. Nenhum centímetro de retrocesso. Nós estamos tentando chegar a uma possibilidade de representatividade absolutamente diversa e que possa corresponder à beleza de sermos brasileiros e brasileiras e de termos a possibilidade de estarmos sentados em todos os lugares para representar o povo negro. Parabéns, Paim. Parabéns a todas as pessoas e vamos continuar o diálogo. Esse diálogo tem que ser em todos os lugares, com muito respeito. |
R | Bom dia. Boa tarde. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Iêda Leal, representante do Movimento Negro Unificado (MNU). Às vezes, é o tom da palavra, não é? A Iêda Leal, que eu conheço há muito, muito tempo, faz uma fala tranquila, compassada e diz tudo que a gente quer ouvir. Ela não se diferenciou de outras falas, mas com a mesma contundência didática e com muita tranquilidade. Cada um tem sua forma de falar, não é? E eu aprendi a respeitar a forma de cada um. Então, Iêda, mais uma vez meus cumprimentos pela forma carinhosa como tu falaste hoje não só para nós, mas para o povo brasileiro. Pode ser o Martvs agora? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, agora vamos passar a palavra para o Martvs Chagas, Diretor Administrativo da Empresa Gestora de Ativos do Ministério da Fazenda e ex-Ministro da Igualdade Racial. O SR. MARTVS CHAGAS - Por muito pouco tempo, não é? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas foi. O SR. MARTVS CHAGAS - Não é? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas foi. O SR. MARTVS CHAGAS (Para expor.) - Está saindo do som, não é? Bom, eu queria cumprimentar o Senador, o líder e meu companheiro de grandes lutas, Senador Paulo Paim. Obrigado mais uma vez pelo convite. Eu queria cumprimentar também a Aline, a Nadja, o Frei David, esse lutador incansável, e o Giovanni, que chega aí para nos substituir daqui a pouco. Eu, há 40 anos, tentei substituir algumas pessoas, mas não deixaram, não, sabe? (Risos.) Estou até hoje aí tentando. Mas eu queria, Senador, neste início da minha fala, lembrar de duas pessoas que nos deixaram recentemente e com quem eu aprendi muito. Eram dois homens negros que entenderam, assim como eu, que, para a emancipação da população negra, era necessário fazer aquilo que os trabalhadores metalúrgicos e o senhor, como um deles, fizeram nas décadas de 70 e 80: precisaria ter um instrumento político para nos caber, precisaria de um instrumento político em que nós poderíamos minimamente estar representados, e esse instrumento político poderia dar voz e vez a milhões e milhares que sempre foram excluídos. E assim nasceu o Partido dos Trabalhadores. Eu estou nele até hoje porque ainda, com todos os problemas, acredito, com o respeito a todos os demais partidos, que é o principal instrumento de emancipação da população negra no Brasil. No dia em que ele deixar de ser, eu deixarei de ser petista. Não faço patriotismo petista, não faço patriotismo partidário, mas eu aprendi e o movimento negro me ensinou que, por mais que nós tenhamos várias instituições e essas instituições sejam muito necessárias, como o movimento negro é muito necessário, o poder político no Brasil está nos partidos políticos, não no movimento negro, diferentemente de alguns países. Em Moçambique, por exemplo, eu lembro que lá o movimento social podia indicar cadeiras dentro do Parlamento e apresentá-las diretamente. Aqui no Brasil, não. Aqui quem apresenta são os partidos políticos. Quem elege é o povo, mas quem apresenta são os partidos políticos. Eu digo isso porque eu vivo um dilema. Eu sempre falei isto para o senhor e continuo falando: eu vivo um dilema. O movimento negro me chama de negro do partido e o partido me chama de negro do movimento negro, não é? Exatamente. Eu fico ali no meio, apanhando de um lado e apanhando do outro. A gente fica exatamente nessa dificuldade, mas faz parte da nossa trajetória. Eu não gosto muito mais de diagnóstico, não. |
R | Eu estava lembrando, ainda há pouco, Presidente Paim, do debate sobre o Estatuto da Igualdade Racial. Estava vindo aqui um túnel do tempo, aqui na minha cabeça, sabe? Quando a gente vinha debater, uma parcela significativa do movimento negro detonava com a gente, outra parcela apoiava, o Siufi ali, mais o Edson, mais o Eloi ali, nós ali tentando equilibrar, porque nada é fácil para o povo negro, nada é tranquilo para o povo negro. Se a gente não tiver esse entendimento, a gente fica vendendo ilusão para as pessoas. Eu acho muito bonito, eu não já consigo mais... Eu, no movimento estudantil... Eu sou de uma cidade, de Raul Soares, que tem menos de 24 mil habitantes, e fui para Juiz de Fora muito cedo, e nunca saí de Juiz de Fora, sempre fiz militância, a minha é em Juiz de Fora, porque eu acho... Aí é um problema grave das organizações negras, inclusive: elas não investem no interior, elas não capacitam as pessoas no interior. Então, todas as representações que você vê são das capitais. Dificilmente tem alguém... Inclusive fazem igual aos partidos políticos, pegam a pessoa que detectam que é boa no interior e jogam para a capital, para ali fazer a ação política, não é? E é um problema. Eu sempre quis ficar, e sempre quis ficar em Juiz de Fora, porque lá, juntamente com uma companheira, Cirene Candanda... Eu quero... Com certeza, a companheirada do Instituto Casa Cirene Candanda está nos ouvindo aqui agora. Porque ela... a gente se ensinou. Era uma mulher negra, forte, que lutava no movimento social, lutava no movimento de moradia e aprendeu, nós aprendemos um com o outro, aprendeu também a ser mulher negra depois de quase 50 anos, mais de 50 anos de idade. Eu me refiro a ela para dizer que eu perdi a capacidade de fazer discurso de lacração. Perdi. Sabe esse discurso, não sei o quê, que todo mundo aplaude... Eu perdi, porque eu virei um conciliador. Um erro, talvez, na minha trajetória. Por que eu virei um conciliador? Porque para estar num partido como o que eu tenho, que eu estou, e eu fiz questão, inclusive, de dizer que eu estou ainda, mas não estou na representação efetiva, porque eu fui convidado... Eu estava em Juiz de Fora, era Secretário de Planejamento e Orçamento da cidade de Juiz de Fora, acredito que o negro que dava o orçamento de mais de 3 bilhões, talvez o único no Brasil, e fui convidado para vir aqui para ser Diretor Administrativo de uma estatal, que é a Emgea, que o Presidente Lula recentemente - não acredita - colocou a tarefa de nós promovermos fundos de crédito imobiliário para a classe média. Então, eu estou lá nessa tarefa, e fiz questão de ser convidado também como isso, Presidente, Senador Paim, porque às vezes a gente não reconhece os outros, a gente reconhece a si mesmo, e nós negros, às vezes, temos disso, colocaram isso na nossa cabeça, mas a gente não reconhece o trabalho do outro. E eu gosto muito daquela música do nosso Jorge, que ele sempre fala que "respeite quem pode chegar onde a gente chegou". Então, digo isso porque não estou muito mais a fim de fazer diagnóstico. Todas as falas que me antecederam fizeram diagnóstico. O que nós vamos fazer com o diagnóstico? Qual a profilaxia? É isso que eu quero saber. De que maneira efetiva a gente vai mudar essa situação? Eu não preciso mais falar que nós vivemos um negócio. Inclusive, eu estou conversando com alguns companheiros internamente, que a gente tem uma chamada branco-dependência. A grande maioria de nós tem a chamada branco-dependência, porque nós chegamos, a grande maioria de nós, a algum lugar porque tínhamos um companheiro, uma companheira branca que era presidente do sindicato, que era não sei o quê, que era um Parlamentar, que era um companheiro. Da mesma maneira que o país se forjou num capitalismo dependente, em que nós estamos até hoje, infelizmente nós negros e negros ainda estamos nessa fase da branco-dependência. E não é um problema ser branco-dependente desde que aquele branco com o qual você tem a relação não o iniba de crescer, não o corte, não o vete. |
R | E aí, eu jamais achava que ia concordar em algumas coisas com o Frei David, mas vou ter que concordar com algumas coisas que ele disse. Uma das questões, de maneira diferenciada - não tenho essa verve aí para xingar os outros, porque depois eu tenho que conversar com eles -, é o fato de que, nos partidos políticos... E aí eu não vou ficar... porque, toda vez que a gente fala mal da esquerda, quem cresce é a direita. A gente tem que aprender isto: toda vez que você detona a esquerda - "porque eu acreditava..." -, a direita fica incólume; ela fica num patamar, ela fica numa situação de pitonisa, ela fica incólume ali. Aí as pessoas aproveitam as falas da gente, reproduzem isso em escala global e vão, inclusive, criando novas fake news para fortalecer a direita, e não a esquerda. Então, eu acredito que é muito importante que a gente crie as condições de efetivamente estar nos partidos políticos. Tem um sociólogo, que é o Marc Augé, que ele fala do não lugar. O que é o não lugar? O não lugar é aquele espaço onde eu sou passageiro; o não lugar é aquele espaço onde efetivamente eu não me sinto dono dele, eu não me sinto integrado a ele. O não lugar pode ser o aeroporto, que é de passagem - talvez eu tenha que esperar muito tempo ali, mas eu não vou morar no aeroporto -; o não lugar pode ser a rodoviária; o não lugar pode ser qualquer espaço onde você não se sinta bem. (Soa a campainha.) O SR. MARTVS CHAGAS - Eu já estou concluindo. E eu penso que muitos de nós, nos partidos políticos, estamos no não lugar, nos sentimos, às vezes, no não lugar, porque aquele espaço ali é um espaço dominantemente de pessoas brancas, é um espaço dominantemente de ideias que contradizem as nossas. E aí é que eu acredito que encontraram forças e cara de pau suficiente de propor uma PEC como essa, à qual eu sou que também contrário - é bom que você diga. Eu discuti muito - as pessoas não sabem disto - com a companheira Gleisi Hoffmann, Presidenta do meu partido, dizendo para ela que isso, para nós, era um desastre; dizendo para ela que isso aí é um retrocesso, não adianta, é perda de direito. E, se tem perda de direito, é retrocesso. Pouco importa se o TSE legislou no lugar do Congresso Nacional. Eu digo pouco importa, porque efetivamente foi colocado. Nós tivemos avanços em 2020? Tivemos. Eu vou dizer para o senhor, Senador: em 2020, nós conseguimos eleger a maior bancada de pessoas negras da história do Partido dos Trabalhadores, 51%. Em 2018, a gente tinha quatro Parlamentares negros do Partido dos Trabalhadores. E agora, em 2022, nós passamos para 13 Parlamentares negros e negros. Qual que é o problema concreto? Da mesma maneira que a direita não conseguia ver, nas ações do Presidente Lula, ações que efetivamente iriam mudar a sociedade e ajudar as pessoas - eles estavam achando que estavam perdendo poder -, as pessoas brancas dos nossos partidos faziam a mesma coisa, a mesma leitura. Elas não entendem que treze, nove pessoas a mais que chegaram ao Congresso Nacional, fazem parte da civilidade brasileira, fazem parte da mudança que nós precisamos fazer da recuperação da paga da dívida histórica. Não, elas fazem a seguinte leitura: "Opa, tinha quatro, entraram nove, perdemos nove". Isso é uma imbecilidade, para não falar uma incivilidade. |
R | Então, eu queria, na verdade, fazer um desafio. Não tem jeito, pessoal - não tem jeito -, eu vou encontrar aqui com o Frei David 500 mil vezes, ele vai estar com essa mesma fala. Eu vou encontrar com outras tantas pessoas, que 500 mil vezes vão estar com a mesma fala. Eu queria propor um pacto, na verdade. Você sabe por quê? Porque se a gente é tão bom na sociedade civil, se a gente é de base, se a gente conversa com a base, se a gente tem confiança da base, por que é que a gente não conversa com essa base e fala para essa base toda se filiar nos partidos políticos e tomar o poder das pessoas brancas que lá estão? Porque, caso contrário, a gente pode diagnosticar. Eu vou continuar diagnosticando ou, efetivamente, o poder político não está lá, se não estiver lá, a gente não precisa de fazer esse movimento. Mas, se a gente detecta que o poder político está nos partidos políticos, não pode ficar só o Martvs no PT, não pode ficar a minha companheira que está ali olhando com muita tranquilidade no PSB, entendeu? Não podemos ficar só nós. Hoje, infelizmente, na executiva nacional do meu partido, só tem uma pessoa negra. E eu estou muito disposto, Senador, na mesma posição que eu estive em 2005, a montar uma chapa de pessoas negras, se quiserem, para a gente poder disputar e estar lá dentro com três, quatro assentos. Porque se não é isso, não muda. Se não é isso, não muda. Então, Frei David, me ajuda. Você tem tanta base boa, uma galera, fala com esses meninos para virem para o PT. Fala com esses meninos para se filiarem, para a gente tomar o poder. (Intervenção fora do microfone.) O SR. MARTVS CHAGAS - Não, não, não. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só um pouquinho, Frei David, só deixa ele concluir. O SR. MARTVS CHAGAS - Entendeu? Então... Estou respondendo à provocação inicial. Então, assim, eu penso que é importante a gente fazer isso, esse debate. Aqui, Senador, a gente conta contigo muito, eu sei que você é pouco aqui, mas alguma coisa tem que se fazer. Não dá, e aí eu parabenizo a Educafro, parabenizo o Frei David, no sentido de que nós temos... A única saída para nós agora é judicializar essa PEC. Neste momento, eu não estou vendo outra alternativa. Eu não consigo acreditar, eu não consigo conceber que a gente vai fazer alguns mudanças, exatamente porque, como eu disse, da mesma forma que a direita, ao perceber a possibilidade do Lula ser candidato de novo, fez o que fizeram, criminalizaram, prenderam, botaram o cara dois anos na cadeia, aqueles que estão no poder, para não deixar que outros cheguem até eles, são capazes de fazer outras iniquidades. Muito obrigado. Era isso que eu queria dizer. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem. Esse é o Martvs Chagas, Diretor Administrativo da Empresa Gestora de Ativos do Ministério da Fazenda, ex-Ministro interino da Igualdade Racial e foi também Secretário Nacional de Combate ao Racismo. Com essa fala tranquila - desde que eu te conheci -, essa fala tem que ser elogiada pela tranquilidade, tem posição, reafirmou a posição aqui, não deixou nenhuma dúvida, mas levantou as mesmas preocupações que todos levantaram. Eu, como sou aquele que diz que tem que sempre ter esperança e fazer o bom combate até o fim, que é o que você está colocando em outras palavras, quando diz que tem que avançar por dentro do partido, depois desta audiência pública, claro que vou tentar ainda dialogar, no sentido de que essa PEC não seja votada este ano. Eu vou tentar, relatarei no Colégio de Líderes, onde eu tiver espaço, como é que foi o debate. Não acho necessidade... Nós estamos praticamente em cima das eleições. É tão importante votar agora se podemos construir uma alternativa num debate mais prolongado? Se for derrotado, serei derrotado, mas não jogo a toalha com antecipação de jeito nenhum. E por isso fiz esta audiência pública no dia de hoje. |
R | Eu entendi a tua posição. Ficam aqui meus elogios pela tua fala, muito equilibrada, muito tranquila, que apontou que você também é contra essa PEC, mas está muito preocupado, porque tudo indica, como está até o momento, que se votará na quarta. Tudo indica, mas, enquanto ficar na indicação, eu farei a tentativa até o último minuto para ver se conseguimos avançar. Parabéns, Martvs, pela tua fala, muito tranquila, que merece todo o nosso carinho e o nosso respeito. Conhecemo-nos de longo tempo. Como a nossa querida Nadja Carvalho, que é Assessora da Rede de Feministas Antiproibicionistas, concordou, devido ao espaço que teria que dar para alguns porque tinham que sair mais cedo, agora é o teu momento de fazer uma fala, e nada melhor que uma mulher negra para fazer a fala neste encerramento da mesa - da mesa; não se assustem aí os dois que já falaram comigo do Plenário. A SRA. NADJA CARVALHO (Para expor.) - Bom dia a todas as pessoas presentes e às que também nos assistem na TV Senado e nas redes sociais Queria saudar aqui a mesa, na presença do Presidente Paulo Paim, e também saudar as intervenções dos meus companheiros e companheiras da Coalizão Negra por Direitos que me antecederam, que com certeza me contemplaram em diversos elementos das suas intervenções. Ficar por último tem seus ônus e bônus: por um lado, ter sido contemplada nas intervenções, mas também ter sido provocada aí no debate. Acho que esse é um dos objetivos, inclusive, desta audiência pública. Eu queria me apresentar. Eu sou a Nadja Carvalho, como o Senador me apresentou. Eu sou nascida em Teresina, lá no Piauí, terra de Esperança Garcia, de Francisca Trindade, de Maria Sueli Rodrigues. E, embora seja uma mulher, de uma executiva nacional, de um partido político, estou aqui representando a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, que é uma organização política feminista, antirracista, suprapartidária e anticapitalista. A nossa missão é atuar na luta pelos direitos humanos, fortalecer politicamente mulheres, pessoas trans, e fazemos parte da Coalizão Negra por Direitos. Agradeço o convite e a sensibilidade do Senador em realizar esse debate de suma importância, principalmente considerando a atual conjuntura política e a histórica luta do movimento negro pela representação de pessoas negras em espaços de poder. Afinal de contas, a gente rememorava aqui a história, rememorava a Constituinte, e de fato a participação da população negra na democracia brasileira é muito recente, porque, afinal de contas, apenas nesse processo constituinte a gente teve a garantia do sufrágio universal, ou seja, a garantia de que pessoas analfabetas pudessem votar, garantindo assim a possibilidade de que as pessoas negras participassem desse processo. Então, desde as eleições de 2020, nós da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, em parceria com as organizações da Coalizão Negra por Direitos, temos construído iniciativas, como o próprio Quilombo nos Parlamentos, e criamos o manifesto "Meu Partido é o Feminismo Negro", que foi atualizado agora em 2024 e que tem como objetivo visibilizar as dificuldades que nós encontramos na defesa de agendas essenciais para garantir direitos e construir um futuro comprometido com a justiça racial e a social na democracia brasileira. |
R | E aí a gente decidiu e, principalmente, recomenda aos partidos políticos construir espaços formativos de apoio às candidaturas comprometidas com os nossos valores, e apresentando também reivindicações programáticas prioritárias para o debate da política de drogas, que é a nossa área de atuação, de intervenção, e direitos humanos no contexto eleitoral. Então, no Brasil, há um histórico de baixa representatividade política das mulheres negras, indígenas, LGBTQIAPN+, as periféricas, sendo um dos países a estar nos últimos lugares do ranking de participação desses atores, refletindo uma democracia que não permite a diversidade de corpos na política. E, apesar dos nossos esforços, poucas conquistas foram alcançadas para melhorar essa realidade. Mas se nós o povo negro brasileiro somos a maioria da população, a maior parte das pessoas com direitos sociais negligenciados, a maior parte das vítimas da guerra às drogas, nós também queremos estar aqui representados, nos espaços de poder e de tomada de decisão sobre as nossas vidas. E é por isso que, para nós, é ainda conflituoso confiar, garantir - e é por isso que a gente conta com o papel, a participação do Senador Paulo Paim -, confiar em Senadores que apresentam e tramitam a toque de caixa uma PEC, como a PEC 45, que foi aprovada aqui, no Senado, e hoje está aí na fase de Comissões Especiais na Câmara dos Deputados. Se a diversidade política é essencial, conforme preconiza a Constituição Federal, ela deve ser acompanhada de um compromisso ético transformador para realmente mudar a realidade das pessoas marginalizadas social, cultural, política e economicamente. A representatividade sem a contraposição aos privilégios herdados do colonialismo, das desigualdades, das injustiças não nos serve. E aí precisamos construir alternativas que reconheçam as diferentes formas de fazer política, comprometidas com as lutas e o bem-viver de mulheres, pessoas não binárias, transmasculinidades, negros, indígenas, periféricos e os que são diretamente afetados pela atual política de drogas no nosso país. Afirmamos que apenas com estruturas construídas, com metodologias e pilares do feminismo negro, comprometidos com a superação do racismo, do patriarcado e do capitalismo, poderemos implementar projetos de compartilhamento de poder e implementar uma democracia real de fato. Os partidos políticos - e eu acho que o Martvs sempre faz essa provocação, de que o movimento negro precisa ocupar os partidos políticos para poder fazer essa disputa - também têm que se abrir para a possibilidade de aprender com os movimentos sociais negros, indígenas, feministas, LGBTQIAPN+ e incorporar às suas estratégias e metodologias, para renovar a representatividade e propor essas iniciativas que construam uma sociedade mais justa e reparem os danos históricos do colonialismo. É por isso que, quando a gente pensa a participação negra nos espaços políticos eleitorais, não dá para pensar só o processo eleitoral. A gente tem que pensar, por exemplo, também a necessidade de reserva de vagas para mulheres, pessoas negras, grupos vulnerabilizados, nas gerações políticas dos partidos políticos, para que a gente possa fazer valer também, no processo de tomada de decisão nesses espaços, como se apresenta, enfim, a política institucional daquele partido e como ela incide sobre a sociedade. Além de garantir os regramentos já existentes em leis ou decisões dos tribunais superiores, é fundamental exterminar qualquer possibilidade que diminua as poucas garantias de representatividade conquistadas, como alguns Parlamentares tentam fazer com a PEC 9, de 2023. E aqui eu quero abrir um parêntese: embora a gente esteja aqui debatendo a PEC 9 com a urgência com que entrará em pauta na CCJ, existem outras iniciativas legislativas, outras PECs que tramitam nesta Casa que podem, sim, ameaçar a garantia de representatividade política de mulheres, pessoas LGBTs, enfim, indígenas e negros no processo político eleitoral. Precisamos que os partidos e os Parlamentares assumam os compromissos com mulheres cis, trans, travestis, pessoas não binárias, homens trans, que incentivem a representatividade e a participação política e que se comprometam com a implementação de políticas de equidade de gênero, desenvolvam programas de educação inclusiva e se comprometam com a justiça racial, a segurança pública, o direito à cidade, SUS, Suas, educação, justiça ambiental... Enfim, pensem a política e a agenda cultural, o debate e o apoio às pessoas que usam drogas, às pessoas em situação de rua, de cárcere, egressos do sistema prisional e principalmente, nesse bojo, políticas públicas que reparem os quase 400 anos de exploração dos povos indígenas e negros em território brasileiro. |
R | Além disso, é necessário que os Parlamentares comprometidos com a nossa agenda se mantenham em constante vigilância com as tentativas de se oporem a propostas antirracistas e feministas que defendemos. Não é aceitável que, a cada avanço conquistado pelo movimento negro, tenha uma nova iniciativa legislativa para poder barrar esses avanços. Da mesma forma, embora não seja o centro desta audiência pública, não iremos nos silenciar diante da ausência de ações afirmativas para a participação política dos povos indígenas, porque, embora o TSE tenha reconhecido essa necessidade, passaremos mais uma eleição sem qualquer tipo de política de reserva de recursos nos termos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Se a gente está falando aqui de ações de reparação, os povos indígenas também merecem a nossa solidariedade, ainda que a pauta central desta audiência seja o tema da participação da população negra. Então, não podemos aceitar uma proposta de emenda que anistie partidos que não cumprem as obrigações com as candidaturas, que descumprem a lei e criam novas anistias a cada eleição, desrespeitando as conquistas de uma luta árdua do movimento negro. Essa PEC, na prática, desfinancia candidaturas negras... (Soa a campainha.) A SRA. NADJA CARVALHO - ... e de mulheres, que são as mais vulneráveis economicamente, que têm menor capacidade de arrecadar recursos de pessoas físicas para o financiamento das suas candidaturas, e, objetivamente, favorece as candidaturas ao Executivo, em que estamos ainda menos representados, em detrimento das candidaturas ao Legislativo. A gente sabe que, embora o TSE tenha apontado a necessidade de comissões de heteroidentificação, essa propositura ficou sob a responsabilidade dos partidos políticos. E a gente sabe que é muito difícil. Principalmente considerando a direção dos partidos políticos com uma maioria branca, fica sob o crivo do homem branco, principalmente do privilegiado, dizer quem é negro e quem não é negro no seu partido político e quem vai receber o financiamento destinado às candidaturas negras. Então, é importantíssimo institucionalizar, a partir da possibilidade dos tribunais regionais eleitorais ou mesmo do TSE, uma política de comissões de heteroidentificação, a exemplo do que existe nos concursos públicos, do que existe nos vestibulares, para que a gente possa obrigar os partidos políticos a financiarem candidaturas negras a partir dessas perspectivas. Não podemos aceitar também que nos restrinjam as possibilidades de disputa dos avanços nesse terreno, como as nossas incidências no TSE, no STF, as possibilidades de conquistas para além do Congresso Nacional, obviamente respeitando a autonomia do Congresso nas suas iniciativas, mas também sem restringir as nossas possibilidades de incidência. |
R | Só assim nós poderemos mudar uma política historicamente embranquecida, colonial, centralizada, acreditando que dessa forma alcançaremos o acesso a direitos e ao bem-viver, com poder compartilhado e expansão do perfil das pessoas protagonistas na construção de um Brasil melhor. Como sempre fala a nossa eterna Coordenadora Nacional Iêda Leal, se o poder é bom, o povo negro quer poder. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, meus cumprimentos. Essa foi a Nadja Carvalho, Assessora representando aqui a Rede de Feministas Antiproibicionistas, que fez uma fala tranquila, valente, corajosa e competente. Pode ser assim? (Risos.) Pessoal, eu normalmente dou ao Plenário a possibilidade de fala, claro, no limite de dois, três, e teve duas pessoas que se inscreveram do Plenário: o Gleidson Dias e a Tainah Pereira. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ah, agora, não dá mais. Perdeu o trem da história, porque normalmente são duas, mas como você... (Risos.) Como eu te conheço de mil militâncias sempre na linha de frente, eu não vou poder dizer "não", não poderei dizer "não". Então, vamos deixar... Fala de imediato pela inscrição aqui o Gleidson, mas, Gleidson, antes, eu vou, por dever de ofício, ter que fazer uma pequena leitura aqui do e-Cidadania. Encaminharam para cá algumas perguntas e comentários. Amanda, de São Paulo: "Levando em consideração que grande parte da população negra vive em periferias, a diminuição da desigualdade social não seria um caminho?". O combate à desigualdade social é um caminho - é o que ela está dizendo. Concordamos com ela. Ernani, de Rondônia: "Como abordar a interseccionalidade da raça com outros marcadores sociais, como gênero, classe e orientação sexual?". Davi, do Rio de Janeiro: "Como promover maior diversidade racial no Judiciário majoritariamente branco [...] para refletir a população negra brasileira?". André, do DF: "Quais as medidas que [...] o Estado [...] [deve] adotar para que todos os cidadãos concorram em igualdade de condições, sem uso de cotas?". Ele está fazendo na verdade uma afirmação. José, do Maranhão: "Quais [...] os principais desafios enfrentados por pessoas negras ao tentarem acessar cargos de liderança e poder?". Lílian, do Paraná: "Como assegurar que pessoas negras possam concorrer aos pleitos eleitorais com destinação orçamentária garantida pelos partidos políticos?". Ou seja, tem que ser garantido que os partidos políticos cumpram a sua parte, segundo a Lílian diz aqui. |
R | Sabrina, de Pernambuco: "Como a educação pode desempenhar um papel fundamental na ampliação da participação negra nos espaços de poder?". Também não deixa de ser uma afirmação. Giovany, do Ceará: "A baixa representatividade do negro na política não seria culpa do sistema eleitoral, que não permite a candidatura de independentes?". Também é uma afirmação, porque em outros países tem candidaturas independentes, conforme o Giovany, não é? Letuza, de São Paulo: "Quais são as ações concretas tomadas pelo Senado para aumentar a representatividade da população negra no próprio Senado?". É tudo que nós temos votado aqui e agora este debate, que nos deixa todos preocupados. Isac, de Minas Gerais: "Como a sociedade civil pode apoiar a inclusão de pessoas negras em processos decisórios e políticos?". E, por fim, José, do Maranhão: "De que maneira a mídia pode contribuir para aumentar a visibilidade e a influência de líderes negros na política e em outras áreas de poder?". Uma boa pergunta para a mídia, não é? A mídia deveria responder sobre a questão da visibilidade e dar espaço para que eles coloquem suas posições e pontos de vista. Mas vamos agora, então, para o Gleidson Dias, Ouvidor-Geral da Defensoria Pública da União. Como o nosso tempo está estourado, normalmente eu dou para o Plenário a metade do tempo que é dado para um painelista. Então, Gleidson Dias, Ouvidor-Geral da Defensoria Pública da União, cinco minutos. O SR. GLEIDSON RENATO MARTINS DIAS (Para expor.) - Bom dia a todos e todas. Obrigado, Senador. Espero não utilizar os cinco minutos, serei muito breve. Eu sou Gleidson Renato Martins Dias, Tata Ndenge de Nzambi, sou Tata Kambondo de uma comunidade de Candomblé de Angola, chamada Inzo Tumbansi, e sou, no momento, Ouvidor-Geral da Defensoria Pública da União, mas também preciso falar duas coisinhas iniciais. Não sou branco dependente. Eu sou um homem negro que atua na luta com o racismo desde sempre e, obviamente, também não sou um sionista negro. Então, obviamente, eu dialogo com pessoas brancas que tenham a responsabilidade de lutar contra o racismo. Não acho que exigir do Estado brasileiro, da sociedade brasileira, inclusive dos partidos políticos, responsabilidade contra o racismo seja ser branco dependente. Eu quero é que o Brasil e que o Estado brasileiro respeitem a maioria do seu povo, que é uma maioria negra. Então, neste debate, no meu ponto de vista - e aí falo, inclusive, pela Ouvidoria da Defensoria Pública da União -, coloco a Ouvidoria à disposição, Senador. Eu vim aqui exatamente para isso. Tive uma conversa com o nosso Defensor Público-Geral Federal, Dr. Leonardo Magalhães, para ver de que forma a Defensoria Pública da União poderia ajudar nesse debate, que, para mim, é um debate fulcral, é um dos debates mais importantes que nós estamos enfrentando. Depois das cotas nas universidades, depois da vitória das cotas no serviço público, a cota nos partidos políticos é importante, e por isso essa resistência. Por isso essa cota, na verdade, tinha que ser chamada de cota do racismo, cota do racismo, cota do pacto narcísico da branquitude, cota do contrato social, porque, na verdade, eles estão sabendo que, se nós ainda não tivemos, a não ser os brilhantes - eu, como gaúcho, tive a possibilidade e o orgulho de votar no senhor, como na Deputada Reginete Bispo... Na verdade, quando entendem que essa cota, no serviço público, dará uma representatividade política essencial, isso muda tudo na sociedade, porque nós estamos falando na possibilidade de termos Vereadores e na possibilidade de termos Deputados e na possibilidade de termos Prefeitos e Prefeitas e na possibilidade de ter Senadores e Senadoras negros. Então, nós estamos falando, inclusive, da possibilidade de discussão desse direito, que é branco-normativo. Então, isso aqui é central. É central. |
R | Obviamente, a gente não divide. A cota racial já mostrou a sua excelência para um aumento e o enegrecimento da universidade; a cota racial já mostrou a sua excelência no concurso público, e, obviamente, isso é central. Isso vai fazer, inclusive, a possibilidade de nós, principalmente os partidos de esquerda, refazermos um erro histórico, que é: chamar-se, por exemplo, de Partido dos Trabalhadores, e não entender quem é o trabalhador que acorda às 4h da manhã, que pega ônibus e que anda três horas. Então, entender que a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras que precisam, efetivamente, de recursos públicos, que precisam efetivamente do Estado é entender o racismo, é entender essa mente racista na prática, não no discurso. Obviamente, isto aqui não é uma audiência pública para tratar de um partido específico. Nós queremos analisar isto aqui enquanto recurso público. Nesse sentido, já encaminho... Queria destacar três coisas. Primeiro, uma que o próprio Frei David já falou: essa PEC é inconstitucional, do nosso ponto de vista, por vários motivos, em essencial pelo princípio do não retrocesso. Segundo, essa cota... O TSE, a partir de uma consulta pública feita pela nossa Deputada Benedita da Silva, já demonstrou a existência de discriminação indireta contra as mulheres negras, exatamente por não entenderem a diferença socio... E inclusive o racismo institucional dos partidos políticos, que sempre acabavam beneficiando as candidaturas de mulheres brancas. Então, já existe um posicionamento do TSE no que se refere à discriminação indireta. Então, nós, a Ouvidoria da Adpu se coloca à disposição, Senador, companheiros e companheiras que estão aqui, para trabalharmos tanto no que se refere à necessidade de discussão com todos os outros partidos, mas principalmente e obviamente, se necessário for, para que a gente consiga avançar e exigir três coisas, do meu ponto de vista, importantes. Primeiro, politização dos recursos. Nós estamos tratando de recurso público e nós não estamos interferindo nos partidos políticos. Nós estamos falando que esses partidos políticos que recebem recursos públicos têm, por dever de ofício, por todas as convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, a obrigação - não é ajuda e não é migalha - de direcionar esses recursos para as candidaturas negras. Dois, queremos a publicização da metodologia utilizada por todos os partidos político. Isso aqui não é para um partido só; isso é para todos os partidos políticos. E, três, a necessária discussão sobre Banca de Heteroidentificação. Nós já temos, desde os anos 2000, o início das cotas raciais. Então, nós já sabemos que a autodeclaração, por si só, não ajuda a fraude. |
R | Nós temos aqui o Frei David, tive a satisfação de tê-lo como... Fez o prefácio do livro que nós construímos em 2018 sobre bancas de heteroidentificação. (Soa a campainha.) O SR. GLEIDSON RENATO MARTINS DIAS - Então, essas iniciais... E quero colocar, por fim, novamente, aqui, a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública da União para ser parceira na luta pelos recursos públicos que sejam destinados para as pessoas negras. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Gleidson Dias, Ouvidor-Geral da Defensoria Pública da União. Por isso deixamos você como um dos últimos, para dar um fechamento, dar uma arredondada em todo o debate. Só a assessoria lembra que, quando a Benedita da Silva entrou com a ação no TSE, alguém tinha que entrar junto para mostrar que era Câmara e Senado. Eu tive orgulho, a convite dela, de assinar junto essa consulta pública. (Palmas.) Eu falo isso só para dizer que o Senado estava junto naquela oportunidade e fui autorizado, realmente, para assim o fazer, uma vez convidado pela Benedita. Passamos a palavra agora para Tainah Pereira, Coordenadora Política do movimento Mulheres Negras Decidem. A SRA. TAINAH PEREIRA (Para expor.) - Boa tarde a todos e todas. É um prazer estar aqui. Gostaria de cumprimentar a mesa na figura do Exmo. Senador Paulo Paim. Eu vou ser breve, porque temos pouco tempo e muito já foi dito. Primeiro, apresentando o movimento que eu represento, Mulheres Negras Decidem é um movimento que nasce em 2018 com o propósito de fortalecer mulheres negras que querem ocupar a política institucional. Então, desde lá, viemos trabalhando e acompanhando todas essas iniciativas de reforma eleitoral, de mudança nas regras do jogo, porque a nós nos interessa conhecer aquilo que pode nos colocar em desvantagem e aquilo que pode efetivamente garantir que mulheres negras tenham oportunidade de participação igualitária no processo de disputa eleitoral. Parte do nosso diagnóstico corresponde, claro, à falta de recursos, à falta de tempo que mulheres negras muitas vezes têm para fazer construção política, sendo elas as principais responsáveis pelos cuidados em suas casas, e ao capital político que não chega para essas mulheres de forma tão fácil, uma vez que elas não descendem de pessoas que já ocupam a institucionalidade e que podem transferir para elas, de forma imediata, esse capital político. Mas o que nós gostamos mesmo de fazer no Mulheres Negras Decidem é prognóstico, e aí eu concordo com várias falas que antecederam a minha de que a gente precisa avançar na nossa capacidade de construir soluções de forma negociada, de forma compartilhada, debatidas com profundidade e seriedade. Eu gostaria de trazer aqui para as considerações desta audiência a importância de a gente olhar para um contexto mais amplo de reformas que estão acontecendo neste momento e de legislações que estão agora no Senado Federal. São três projetos e eles têm correlação entre si, então acho que a gente não pode analisar de forma separada: a PEC 9, que já foi muito referenciada, mas também a PEC da reeleição e o novo Código Eleitoral, o Projeto de Lei Complementar 112, de 2021 - estão todos eles sob os cuidados do Senador Marcelo Castro, que é Relator dos três temas. |
R | Então, acho que é muito importante entender como as negociações em torno desses três instrumentos têm acontecido, porque o que nós ouvimos muitas vezes nas incidências que fazemos aqui no Congresso Nacional é que determinados retrocessos que estão contidos em um desses instrumentos serão compensados com o acréscimo de medidas que podem igualar ou melhorar as condições de disputa das pessoas negras, em particular de mulheres negras, na política institucional. Não é isso que nós temos visto. A cada nova apresentação de redação dessas legislações, o que nós vemos são retrocessos em todas elas. Então, é importante que, quando sentemos à mesa, sejamos muito objetivos e muito conscientes desses processos que acontecem de forma paralela muitas vezes e que podem representar retrocessos mais à frente, fazendo com que a gente corra o risco de ganhar um pouco neste momento e de perder muito logo ali adiante. Bem, dito tudo isso e para não ser muito repetitiva, eu quero salientar também alguns discursos muito perigosos que têm sustentado alguns argumentos de Parlamentares, tanto aqui no Senado quanto na Câmara dos Deputados, e que têm a ver com discursos que já são bastante conhecidos de nós que estamos na militância, mas que é sempre importante que nós os combatamos, que são discursos que criminalizam os movimentos sociais, que criminalizam as organizações da sociedade civil que fazem essas contribuições e que procuram fazer incidência direta junto aos Parlamentares, sob a justificativa de que nós... (Soa a campainha.) A SRA. TAINAH PEREIRA - ... dos movimentos sociais estaríamos desrespeitando os Parlamentares ou os partidos políticos. Pelo contrário, o que nós queremos é aprimorar essas instituições, porque a nós nos interessa também participar delas. De forma mais ampla na sociedade e, claro, tendo alguns Parlamentares como porta-vozes, existe um discurso muito conveniente de que as demandas trazidas não apenas por mulheres negras e homens negros, mas pessoas indígenas e pessoas LGBT seriam um discurso divisionista ou identitário. E esse é um elemento muito central nos discursos e nos argumentos que são utilizados tanto de forma ampla na mídia e na sociedade quanto dentro dos debates nas Casas Legislativas, o que é muito preocupante. Já foi relatado aqui muitas vezes que pessoas negras são a maioria da população, mulheres negras em particular, o maior grupo demográfico brasileiro. Então, nós não somos identitárias... (Soa a campainha.) A SRA. TAINAH PEREIRA - ... nós somos majoritárias. E a Deputada Federal Benedita da Silva tem repetido isso à exaustão. E a despeito de Bené, nossa querida Bené, fazer essa lembrança o tempo inteiro, ainda assim há muita dificuldade dela e de outras Parlamentares negras de fazer esse debate dentro da própria Bancada Feminina e dentro da própria Bancada Negra, o que nos faz lembrar de Sojourner Truth quando ela pergunta: "Não sou eu uma mulher?". Sejamos, então, também conscientes sobre essa questão. E, por fim - meu tempo já está acabando -, eu gostaria de trazer aqui a importância de outras iniciativas, inclusive uma iniciativa da qual nós do movimento Mulheres Negras Decidem somos coautoras, que é o projeto de lei de iniciativa popular Mais Mulheres na Política, um projeto de lei que conta com amplo apoio social e que prevê a paridade de gênero com equidade racial, porque nós acreditamos que só dessa forma a democracia do Brasil, de fato, vai conseguir se solidificar... (Soa a campainha.) A SRA. TAINAH PEREIRA - ... e as gerações atuais vão finalmente conseguir fazer cumprir o pacto democrático. É isso. Muito obrigada. (Palmas.) |
R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Valneide Nascimento, Secretária Nacional da Negritude Socialista... Agora vai a Valneide Nascimento, Secretária Nacional da Negritude Socialista, do PSB. Quem usou a palavra foi a Tainah Pereira, Coordenadora Política do movimento Mulheres Negras Decidem, e falou com muita convicção, muita firmeza, deixando aí uma cobrança a todos de que temos que avançar, de verdade. É isso? A SRA. VALNEIDE NASCIMENTO DOS SANTOS (Para expor.) - Muito obrigada, Senador, pela oportunidade. Como sempre, o senhor sempre parceiro e sempre ouvindo a voz do povo, a voz das mulheres, dos negros e das minorias, que já não são mais minorias. Eu vou ser bem prática, Senador. Eu já até tive a oportunidade de falar com o senhor pessoalmente, mas uma das coisas que mais nos preocupa na PEC 09, que será agora, essa semana, votada, é o art. 3º, que não fala sobre a questão de gênero, ele trata pessoas, ele trata como pessoas. Ali dá toda a conotação de erro, não coloca a questão de mulheres e negras. Está tendo a maior discussão dentro dos partidos, dirigente que sou, como Secretária Nacional da Negritude Socialista Brasileira, do PSB, eu pego pelo meu partido. A interpretação que eles têm feito é de tirar a porcentagem das mulheres pretas e pardas em cima do valor das mulheres, do dinheiro das mulheres, que, no meu caso em particular, do meu partido, são R$44 milhões, que são para as mulheres - dentro de R$44 milhões, tirar 30% para mulheres pretas. Não é essa a conta. Nós vamos deixar bem claro que a conta tem que ser tirada da conta dos pretos e dos pardos. As mulheres pretas não podem ficar inferiores às mulheres brancas. Então, Senador, aqui o senhor, que foi sempre parceiro, fique atento conosco. O Frei David, que sempre foi atuante e observador também, que tem sempre uma oportunidade de estar lá no TSE, esteja atento a isso, porque, senão, nós mulheres negras vamos ficar ainda aquém das mulheres brancas. Isso é muito grave, passou daqui do Senado para lá e ninguém fez uma interlocução. Então, a minha fala é nessa área, Senador. Eu também não concordo com essa PEC, essa PEC não nos atende. Nós somos mulheres negras na maioria, na periferia, mas dentro dos partidos, nós somos minorias, e essas minorias vão ficar com a minoria da minoria. E nós sabemos que quem administra o dinheiro das mulheres hoje no país são as mulheres brancas, parentes dos seus presidentes, esposas dos seus Parlamentares e assim sucessivamente. Não tem uma mulher negra, se o senhor olhar, que seja secretária estadual ou secretária nacional de mulheres. Elas que vão sentar com os presidentes para direcionar o dinheiro para onde vai. E, quando chega nos estados, ficam fazendo negociatas, falando que dei isso para você, te ajudei assim. Não. Nós queremos que se siga a lista do TSE. Se o Estado falou que aquela candidata preta pode receber x valor, nós queremos que seja cumprido, e, da forma que está, está muito solto, eles vão fazer o que quiserem e nós não vamos... Mais uma vez, nós não vamos conseguir eleger o que é a base da base: Vereadores e Vereadoras para poder chegar em 2006 no Congresso com a tranquilidade de a gente poder medir quantos fomos e quantos teremos e quantos queremos. É essa a minha fala. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Valneide Nascimento, Secretária Nacional da Negritude Socialista, que fez uma fala direta, mas, eu diria, muito simples e verdadeira. |
R | Eu não vou nem entrar no detalhe, mas a sua fala é simples e é verdadeira. A gente sabe bem como funciona, por isso que tem essa indignação de todos nós aqui, do mundo real. Eu vou ter que encerrar devido ao horário... (Soa a campainha.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... porque eu vou ter que presidir a sessão do Plenário - fui convocado pelo Presidente Rodrigo Pacheco -, mas eu queria dizer, para que ninguém diga que não convidaram quem pensa contra, que convidamos, só não vou citar nomes para não criar constrangimento. Convidamos da Câmara e do Senado quem é contra a posição 100% majoritária aqui colocada. Não vieram porque entenderam de não vir. Bom, democracia é isso, não é? Mas que fique claro para quem está assistindo que nós convidamos o mesmo número, eu diria até - o pessoal que encaminhou -, de pessoas que pensassem de forma contrária à forma de todos que falaram aqui. Mas decidiram não vir, e eu respeito. Eu queria terminar só dizendo para vocês que eu sou daqueles que tentam até o último minuto, nem que seja o braço do afogado: o cara está morrendo, eu vou lá tentar salvá-lo nem que eu morra junto. E eu vou tentar uma conversa, naturalmente, com tudo que nós ouvimos aqui, com o Presidente da Casa. Vou tentar falar dentro do possível, se tiver espaço, no Colégio de Líderes, sobre tudo que nós ouvimos aqui. E, se vocês entenderem - quem está mais aqui em Brasília - que poderíamos formular um pequeno documento básico, mínimo, das preocupações com a votação dessa PEC... Eu já me coloquei publicamente dizendo: não é hora de votar essa PEC. Nós perdemos, mas muita gente vai perder também, porque o mundo político é um mundo de oposição e situação, e o debate do desgaste cada um joga no colo do outro. Então, eu acharia que, nesse momento, para evitar qualquer tipo de desgaste desnecessário, poderíamos deixar a PEC para ser votada no ano que vem - pelo menos eu penso assim. É que eu penso assim: gostaria que ficasse para o ano que vem, sem prejuízo de cada um firmar suas posições, para evitar... porque, vejam, o processo eleitoral em si começa quinta. A partir do dia 15, começa - 15 já é quarta, não é? Então, digamos, 15 à meia-noite, pode-se dizer assim, já começa. E nós vamos votar a PEC quando? Quarta ou quinta, pelo que estão dizendo - pelo que estão dizendo. Eu espero que prevaleça o bom senso, não se vote, e o debate continue. E que a gente consiga construir juntos uma saída que seja boa para todo o povo brasileiro. E claro que os maiores prejudicados são as mulheres, brancas e negras - e, como foi dito aqui, mais acentuadamente a mulher negra -, e o homem negro. São os maiores prejudicados. Atingido o objetivo, saio daqui com essa missão, que faz parte da vida. Espero eu que a gente consiga ter uma alternativa de se não votar esse ano. Uma salva de palmas a vocês! (Palmas.) Está encerrada a audiência pública de hoje. (Iniciada às 9 horas e 13 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 35 minutos.) |