Discurso no Senado Federal

RETOMADA DO CRESCIMENTO ECONOMICO COMO IMPERATIVO PARA SE EVITAR UMA CONVULSÃO SOCIAL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • RETOMADA DO CRESCIMENTO ECONOMICO COMO IMPERATIVO PARA SE EVITAR UMA CONVULSÃO SOCIAL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 11/02/1994 - Página 682
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, URGENCIA, RETOMADA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, MOBILIZAÇÃO, RECURSOS, POUPANÇA, CAPITAL ESTRANGEIRO.
  • QUESTIONAMENTO, FORMA, CAPTAÇÃO DE RECURSOS, PARTICIPAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, APOIO, INVESTIMENTO, CAPITAL ESTRANGEIRO, ECONOMIA, PAIS, PERIODO, REVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

     O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL- MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Brasil precisa crescer!

     O aforismo deve ser interpretado literalmente: trata-se de juízo de necessidade e não de conveniência. Somos de um País de grandes dimensões territoriais, ainda a serem ocupadas, com dramáticas carências sociais; temos uma população jovem que ainda cresce a taxas elevadas, agravando paulatinamente os já altos níveis de subemprego e desemprego estruturais.

     Apenas para evitar o agravamento do desemprego, o Brasil precisa crescer no mínimo 6% ao ano. Por outro lado, para gerar empregos em ritmo compatível com o aumento numérico da força de trabalho e, ao mesmo tempo, reduzir os índices de subemprego e desemprego, o crescimento de nossa economia precisaria manter um ritmo não inferior a 7% ao ano.

     Mas a necessidade de crescimento não é somente questão de dar emprego a nossa gente. Urge, outrossim, elevar seu padrão de vida. Muito embora sejamos detentores do 11° maior PIB do mundo ocidental, nossa renda per capita equivale a 17% da renda média dos países industrializados, situando-se atualmente em cerca de 2 mil dólares.

     A permanecer a situação atual, de contínuo agravamento das nossas mazelas sociais e aprofundamento das nossas gritantes desigualdades, haveremos de nos defrontar, inevitavelmente, com movimentos de convulsão social.

     O esforço pela imprescindível retomada do desenvolvimento econômico implica mobilização mais rápida de recursos que tornem auto-sustentável e persistente o crescimento da produção per capita de bens e serviços à disposição da nossa população. Tais recursos, evidentemente, só podem ser buscados em duas fontes: a poupança interna e o capital estrangeiro.

     Quanto àquela, é forçoso reconhecer a sua ineficiência. A baixa propensão em poupar do brasileiro, embora em parte talvez possa ser atribuída a causas culturais, tem, com certeza, motivos bem mais concretos. Ocorre que os já reduzidos padrões de consumo do povo são, na prática, incompreensíveis.

     A agravar a pouca expressão de poupança interna, existe a circunstância de que um País com as características do Brasil, ao contrário dos países adiantados, é instado a despender grande parte de seus recursos de investimento em infra-estrutura básica de saneamento, educação, transporte, habitação, saúde, telecomunicações, energia.

     Portanto, as metas de crescimento econômico acelerado só serão alcançáveis pela absorção de recursos externos que complementem a poupança doméstica.

     Para avaliarmos a relevância da participação dos capitais externos em nossa economia, podemos tomar como exemplo o período de 1970 a 1985. Naquele período, a taxa média de investimento no País foi de 20,8% do PIB, sendo que 16,2% financiados com poupança interna e 4,6% financiados com recursos externos. O crescimento médio anual do PIB, naqueles anos, foi de 5,6%. Se não houvéssemos contado com o capital estrangeiro, e levando-se em conta que dificilmente teríamos podido substituí-lo por poupança interna adicional, o crescimento do produto ter-se-ia limitado a 4% ao ano, insuficientes para gerar empregos no mesmo ritmo do crescimento da força do trabalho, ampliando assim o desemprego estrutural.

     Sr. Presidente, Srs. Senadores, apesar das evidências de que imprescindível ao desenvolvimento nacional, o capital estrangeiro foi e ainda é visto por muitos com certa desconfiança, porque o associam a formas modernas de exploração e colonialismo.

     Não contestamos, Srs. Senadores, a necessidade de se alcançar equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento político, que envolve o controle do País sobre o processo decisório nos campos político, econômico e das relações sociais. É equivocado, todavia, supor que, no caso brasileiro, a presença do capital estrangeiro na economia nacional possa representar ameaças à nossa soberania. Em primeiro lugar, a nossa economia é complexa e diversificada, estando, além disso, sujeita a variadas formas de intervenção, muitas vezes indesejáveis, do Estado sobre a iniciativa privada, o que impede que as decisões que determinam as ações nos campos econômico, social e político fiquem fora do controle do País. Em segundo lugar, os limites à autodeterminação de um País como o Brasil, com a importância econômica e política que o caracterizam neste final de século, não estão na falta do controle sobre as decisões. que o afetam, mas sim na insuficiência de recursos econômicos para atender às aspirações de bem-estar da sua população. Em terceiro lugar, a divisão internacional do trabalho e as relações comerciais entre as nações há muito não estão determinadas pelo conceito de que os países pobres devem manter o papel de exportadores de produtos primários enquanto os países desenvolvidos se especializariam na industrialização e exportação de produtos manufaturados. Na verdade, aliás, a internacionalização do capital foi um dos elementos fundamentais na ruptura desse padrão, tendo as empresas de capital estrangeiro contribuído desde o início desde do século passado para a modernização e crescimento da economia brasileira.

     Admitindo-se que a captação de recursos externos é imprescindível para o desenvolvimento nacional, cabe questionar a forma mais conveniente de o País atraí-los.

     Historicamente, o Brasil tem preferido tomar capital de empréstimo ao invés de estimular a entrada de capital de risco, com o entendimento de que seria conveniente deter o controle do capital. Essa opção tem sido seguramente a mais onerosa após a alta da inflação e juros internacionais de 1979: para cada 100 dólares de capital aplicado no País em 89, por exemplo, remetemos 11 dólares de juros e apenas 8 dólares da remuneração do capital de risco. Em 88, enquanto as despesas com juros alcançaram a cifra de 10,6 bilhões de dólares, a remessa de lucros e dividendos em pouco superou a Casa de 1,7 bilhão de dólares.

     Ocorre que as empresas brasileiras de capital estrangeiro reaplicam aqui a maior parte dos lucros. Em 1988, dois terços do lucro gerado por essas empresas ficaram no Brasil. Em relação à renda gerada internamente, também são pequenas remessas para o exterior: em 1985, o montante de lucros, dividendos e pagamentos de serviços remetidos para o exterior por todas as empresas brasileiras de capital estrangeiro, industriais e não-industriais, correspondeu a menos de 7% da renda gerada no País apenas pelas empresas brasileiras de capital estrangeiro industriais.

     Frente a esses dados, Sr. Presidente, Srs. Senadores, fica evidente a vantagem comparativa na captação do capital de risco em relação à captação de capital de empréstimo, como vem fazendo o nosso País.

     Mas a simples e fria constatação do maior ou menor custo do capital internalizado no País diz pouco do papel das, empresas de capital estrangeiro na vida econômica e social.

     No presente, o investimento estrangeiro se concentra, majoritariamente, nos segmentos mais dinâmicos da indústria de transformação. A sua participação nesse setor é expressiva. Estimasse que em 1985 as empresas brasileiras de capital estrangeiro responderam por 25% do PIB industrial (ou cerca de 21 bilhões de dólares), por 18% do emprego do setor (perto de 983 mil empregos diretos) e por 32% dos impostos indiretos recolhidos sobre o valor adicionado nessa atividade (de 4,8 bilhões de dólares).

     No que tange à mão-de-obra, todavia, o mais significativo na contribuição dada pelas empresas de capital estrangeiro não é o número de postos de trabalho por elas oferecido. O que importa observar é que, usualmente, quanto mais intensiva em capital é uma atividade, mais qualificada é a mão-de-obra requerida para operá-la, maior é a produtividade do trabalho, maior é o salário pago.

     A existência de demanda por trabalho qualificado e de condições em que possa ser treinado é um dos fatores mais importantes de mudança estrutural requeridos para o desenvolvimento econômico, razão pela qual as limitações de capital e tecnologia são as restrições mais sérias para a continuidade dos processos de desenvolvimento.

     Essas características estão claramente associadas às empresas brasileiras de capital estrangeiro. Elas pagam, em média, salários 49% mais elevados do que as demais empresas. Estima-se que, enquanto as empresas brasileiras de capital estrangeiro pagaram salários médios em torno de 350 dólares por mês em 1985, as empresas brasileiras de capital nacional pagaram salários mensais de 236 dólares, porque se concentram em atividades que requerem menos capital e onde a produtividade do trabalho é menor.

     De maior expressão ainda é a contribuição do investimento estrangeiro para a solução de um dos principais problemas com que o Brasil se defronta, que é a restrição de divisas.

     A existência de investimentos estrangeiros usualmente cria laços entre o país de origem e o país receptor do capital, laços que se expressam pelo estreitamento das relações comerciais e culturais.

     Uma das formas mais visíveis desse relacionamento são as transações com mercadorias. Onze, de um total de 65 países, detêm 90% de todo o capital de risco aplicado no Brasil. Esses países, em 1989, foram o destino de 62% das exportações brasileiras, a origem de 53% das importações que efetuamos, e com eles o Brasil realizou superávit comercial de 11,7 bilhões de dólares, equivalentes a 73% do saldo da balança comercial naquele ano.

     As empresas brasileiras de capital estrangeiro, diretamente, são responsáveis por grande parte do comércio exterior brasileiro, especialmente de produtos industriais: em 1986, elas exportaram cerca de 3,5 bilhões de dólares de produtos manufaturados (28% da pauta desses produtos). Estima-se que tenham gerado saldo superavitário de 1,2 bilhão, que correspondeu a cerca de 10% do saldo comercial daquele ano, excluindo-se as importações de petróleo e derivados.

     O esforço de exportação dessas empresas tem sido maior do que a média. De 1980 a 1990, suas exportações cresceram ao ritmo de 10% o ao ano, enquanto o total das exportações brasileiras aumentou 5% ao ano. Esse comportamento garantiu que o saldo comercial das empresas brasileiras de capital estrangeiro quintuplicasse no período, apesar das importações efetuadas por ela também terem aumentado.

     Quanto à contribuição do investimento estrangeiro de risco para o desenvolvimento econômico do País a médio e longo prazos, um dos principais aspectos é a transferência de tecnologia.

     Sem dúvida, a competitividade dos produtos brasileiros no exterior - risco - tanto os produzidos pelas empresas de capital estrangeiro quanto os fabricados pelas empresas do capital nacional - se deve ao avanço tecnológico do País. E nessa questão o papel do capital estrangeiro tem sido fundamental.

     A demanda criada pelas empresas de capital estrangeiro, para componentes e insumos fabricados no País e adequados aos produtos fabricados com tecnologia avançada desenvolvida no exterior, exige dos fabricantes nacionais níveis cada vez mais elevados de qualidade. Para alcançar esses níveis, difundem-se ondas de novos conhecimentos, de tecnologia paralela, que são indispensáveis à materialização da tecnologia central, trazida pelas empresas de capital estrangeiro, em novos e melhores produtos.

     A difusão dos padrões tecnológicos internacionais deriva, além disso, do aperfeiçoamento técnico e profissional do pessoal que trabalha nessas empresas, pois uma de suas características é o investimento que fazem em capital humano.

     Mas essas formas diferenciadas de atuação das empresas de capital estrangeiro são ainda às vezes interpretadas como sinal de poder e de ameaça ao desenvolvimento das empresas nacionais. Sob esse argumento desconsideram-se todas as flagrantes vantagens da presença do investimento externo em um país pouco desenvolvido.

     O argumento, todavia, além de parcial é falacioso. A análise objetiva dos dados mostra ser infundado o temor de que as empresas de capital estrangeiro possam inibir o fortalecimento da empresa nacional. Detêm elas menos de 8% do patrimônio das empresas, e sua participação no mercado (excluindo o setor financeiro onde sua participação é ainda menor) não deve chegar a 20%. Verificou-se, além disso, que sua participação vem declinando nos últimos anos, cedendo espaço não apenas às empresas estatais, mas também às empresas privadas nacionais. No que concerne à margem de lucro sobre vendas, em nove dentre onze anos pesquisados, ela foi cerca da metade nas empresas de capital estrangeiro em relação às empresas de capital nacional.

     Por isso, Sr. Presidente, Srs. Senadores, no novo cenário mundial não é suficiente produzir: é preciso produzir com custo, qualidade e preço competitivo internacionalmente. O modelo de desenvolvimento liderado pelo Estado baseado na substituição de importações, adotado até o presente, já não oferece condições de sustentar o desenvolvimento do País.

     A hostilidade contra as empresas brasileiras de capital estrangeiro, o fechamento da economia ao exterior e a instabilidade macroeconômica colocaram o Brasil na singular posição de receptor de fluxos decrescentes de investimentos estrangeiros, quando esses recursos estão aumentando de forma extraordinariamente rápida em todo o mundo.

     Veja o exemplo de várias nações que compõem o Tigre Asiático. Até há pouco tempo, eram países subdesenvolvidos em relação ao Brasil; hoje, esses países estão muito mais desenvolvidos, muito mais prósperos do que a Nação brasileira, e o seu povo tem um salário mais digno e vive mais feliz do que o povo do nosso País.

     É hora de derrubar barreiras, de se fortalecer a livre iniciativa, de se integrar no mundo para recolocar o Brasil no caminho do desenvolvimento. Por isso, nessa nova conjuntura, o papel da empresa brasileira de capital estrangeiro será ainda mais importante do que foi até agora. Afinal, no mundo inteiro o investimento externo vem assumindo mais e mais a função de elemento de integração e de principal motor de crescimento das economias nacionais.

     Precisamos que o Brasil entenda isso e abra, na reforma da sua Constituição, facilidades para que possa crescer com o apoio do capital estrangeiro no investimento da nossa Nação.

     Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 11/02/1994 - Página 682