Discurso no Senado Federal

PROTESTOS CONTRA O DESRESPEITO COMETIDO PELOS SENADORES, COM O ASSENTIMENTO DA MESA, AOS DISPOSITIVOS DO REGIMENTO INTERNO QUE TRATAM DO TEMPO DESTINADO AOS ORADORES. IMPORTANCIA DO BICAMERALISMO PARA A ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO PODER LEGISLATIVO BRASILEIRO E PARA A CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REGIMENTO INTERNO. LEGISLATIVO.:
  • PROTESTOS CONTRA O DESRESPEITO COMETIDO PELOS SENADORES, COM O ASSENTIMENTO DA MESA, AOS DISPOSITIVOS DO REGIMENTO INTERNO QUE TRATAM DO TEMPO DESTINADO AOS ORADORES. IMPORTANCIA DO BICAMERALISMO PARA A ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO PODER LEGISLATIVO BRASILEIRO E PARA A CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA.
Aparteantes
Albano Franco.
Publicação
Publicação no DCN2 de 03/03/1994 - Página 990
Assunto
Outros > REGIMENTO INTERNO. LEGISLATIVO.
Indexação
  • PROTESTO, CONDUTA, MESA DIRETORA, SESSÃO, PLENARIO, SENADO, DESCUMPRIMENTO, DISPOSITIVOS, REGIMENTO INTERNO, RELAÇÃO, DURAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, SENADOR, PREJUIZO, ORADOR.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, MANUTENÇÃO, SISTEMA, FUNCIONAMENTO, LEGISLATIVO, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA, BRASIL.

      O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL - MT. Pronuncia o seguinte discurso, sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero lavrar o meu protesto pela maneira como a Mesa vem conduzindo esta sessão. Há vários dias este Senador se inscreve, é incluído na lista de oradores e não consegue fazer o seu pronunciamento. Por quê? Porque a atual Mesa Diretora, da qual eu faço parte, infelizmente, não está cumprindo o Regimento desta Casa no que tange à lista de oradores.

      Há determinados cidadãos que se intitulam Senador de Primeiro Mundo, que acham que são donos da tribuna, do Senado e da verdade; só eles querem falar, só eles querem discursar. Há determinados Colegas Senadores que nem sequer percebem que o orador está fazendo uma pequena comunicação de liderança ou de ordem pessoal e ficam dando apartes de mais de uma hora.

      Ontem, assistimos aqui a Senadora Júnia Marise, eminente Secretária desta Casa, ficar quatro horas sentada esperando a sua vez de falar; não teve chance de falar, embora estivesse - inscrita e estivesse vindo no horário normal. Hoje, já estou há três horas aqui nesta Casa, já discursaram e discutiram inúmeros Parlamentares e não tenho condição de falar. Por quê? Não se cumpre o Regimento. Há determinados oradores que vêm para a tribuna com dez minutos de prazo e ficam uma hora e trinta. Outros dão um aparte de dois minutos e fazem um discurso paralelo, como se esta Casa não tivesse comando. Então, neste instante, bastante aborrecido pela descortesia com que fomos tratados na manhã de hoje, pela descortesia com que a Mesa Diretora conduz os trabalhos, eu vou me recusar a fazer o meu discurso e o darei como lido. O Senador Albano Franco também está aqui há quatro horas, esperando a oportunidade de falar.

      O Sr. Albano Franco - Permite-me V. Exª um aparte?

      O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço o aparte do nobre Senador Albano Franco.

      O Sr. Albano Franco - Desde as 9 horas e 4 minutos, estamos aqui no plenário do Senado, aguardando nossa vez de falar. O que V. Exª diz é verdade. O que temos que solicitar à Mesa é que seja cumprido fielmente, democraticamente, o Regimento, porque isso tranqüiliza e, mais do que isso, estabelece critério. Na democracia, temos de defender a igualdade de critérios.

      O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado.

      Considero lido o meu discurso e deixo aqui os meus protestos. Na reunião da Mesa Diretora de amanhã, vou fazer questão de exigir que se cumpra o Regimento ou se acabe com essa conversa fiada de ter Regimento nesta Casa. Está havendo uma descortesia muito grande com o Senador que prepara o seu pronunciamento, se inscreve, dentro da lei e da ordem, e depois não consegue fazer o seu pronunciamento.

      Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores:

      Ao contrário do que pregam alguns defensores do unicameralismo, baseados, na maior parte das vezes, na constatação de que países desenvolvidos e democráticos o praticam com sucesso, considero o bicameralismo fundamental para a organização e funcionamento do Poder Legislativo brasileiro e para a consolidação da democracia. Julgo oportuno e necessário reafirmá-lo neste momento, para ressaltar, às vésperas de iniciarmos a revisão constitucional, o relevante papel que o Senado brasileiro desempenha nesse processo, não apenas na proteção dos interesses democráticos, como na construção e garantia de permanência do federalismo em nosso País.

      Reconheço que é difícil apontar sistemas perfeitos, situações ideais do ponto de vista institucional. A experiência de cada país é que irá definir sua organização política e sua opção em termos de poder legislativo, pelo unicameralismo, bicameralismo ou até pluricameralismo. Isto porque a forma como se estrutura e institucionaliza uma sociedade é sempre conseqüência de suas características sociais, econômicas, culturais e até mesmo religiosas. Em que pese essas ressalvas, não posso deixar de externar o meu entusiasmo pelo federalismo, forma que considero mais elaborada e democrática de divisão e organização do poder num Estado, mormente se tiver a dimensão do Brasil.

      Numa estrutura de poder federalista, as unidades regionais, embora unidas politicamente a uma entidade superior, o Estado federal, são autônomas e portanto detêm amplos poderes de organização administrativa, política e econômica. Essa organização, ao tempo em que possibilita uma repartição de competências entre o poder central e os entes políticos regionais, facilita a participação dos cidadãos no processo decisório. Além disso, ela transpõe, para, o plano geográfico, a tripartição horizontal de poderes defendida por Montesquieu, baseada no mesmo princípio de que o poder repartido está menos afeito a casuísmos, arbitrariedades e outros excessos de natureza autoritária.

      Nossa federação origina-se da necessidade de manter a unidade regional, extremamente ameaçada, durante o período do Império, por movimentos de cunho separatista. Diferenças regionais, de ordem física, econômica e social, demandavam uma organização política que as superasse e ao mesmo tempo respeitasse as características de cada região. A primeira Constituição republicana, de 1891, confirmou o federalismo que havia sido adotado desde a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. Também instituiu o regime presidencialista e o bicameralismo. As antigas províncias se tornaram Estados-membros. Ao contrário do federalismo americano, o federalismo brasileiro nasceu da divisão de um governo unitário, atribuindo-se poder às antigas províncias, de modo a que, independentes, se mantivessem unidas. A fórmula deu bons resultados. Tanto é que o federalismo constitui, junto com outros princípios fundamentais, uma das cláusulas pétreas da nossa Constituição, isto é, uma instituição inalterável.

      E por que falar em federalismo, se o tema deste pronunciamento é dar relevância ao papel do Senado? Justamente porque o Senado constitui, no âmbito da divisão e organização dos poderes, a casa onde se representam e defendem os interesses da federação. Nascido ainda durante o Império, a 6 de maio de 1826, o Senado brasileiro destacou-se, na política nacional, pela defesa do federalismo que seria implantado anos depois com a República. Sobressaiu-se ainda, ao longo de seus 67 anos de existência, pela defesa de importantes e avançadas posições, como a abolição da escravatura, proposta por José Bonifácio já na Constituinte, e o monopólio estatal do petróleo, dentre outros fatos relevantes da história política do País.

      Casa de Rui Barbosa, de Joaquim Nabuco, de Prudente de Morais, de Júlio de Castilhos, de Getúlio Vargas, de Luiz Carlos Prestes, de Alberto Pasqualini, de Juscelino Kubitschek, de Tancredo Neves, para citar alguns dos seus mais ilustres representantes, o Senado participou, com inusitado denodo e grande brilho, de todas as lutas, de todos os debates, de todas as reformas que alteraram positivamente a fisionomia da Nação brasileira.

      Mais recentemente, destacou-se, no cenário nacional, como guardião da ética e das instituições democráticas, ao realizar o processo e o julgamento do Presidente da República, acusado por crime de responsabilidade. Desnecessário relembrar a forma como se desenvolveu o julgamento, pois seus resultados, que falam mais alto, ainda estão presentes nas mentes de todos nós.

      Ao contrário do que muitos afirmam, o Senado brasileiro não nasceu de um transplante de instituições forâneas, como a experiência inglesa ou americana. Foi, antes de tudo, uma conquista do Estado que se formava, após muitas lutas, vencendo os inimigos estrangeiros e as tendências separatistas. Foi também uma conquista do Federalismo, forma de organização do Estado emergente, caracterizada pelo respeito às múltiplas formações sociais, culturais e políticas de um território quase continental.

      Ao tempo do Império, o Senado reunia representantes vitalícios, por um processo de escolha que começava pela indicação, por eleitores de freguesia e paróquia, de nomes que integrariam listas tríplices, a serem encaminhadas para a decisão final do Imperador. Em razão da garantia da vitaliciedade, o Poder Moderador, exercido pelo Imperador, não tinha poder para dissolver o Senado, o que lhe garantia uma atuação relativamente independente. Cumpriu, ao longo da história político-institucional do País, relevante missão, como tribuna popular, escola democrática e de ética, resistência federalista, depositário do equilíbrio, da ponderação, da prudência, da sabedoria.

      John Stuart Mill, um dos mais brilhantes defensores do sistema representativo e do bicameralismo, aponta, como principal vantagem da existência das duas casas no Parlamento, "o efeito nocivo que se produz na mente de qualquer detentor do poder, seja um indivíduo, seja uma assembléia, quando ele tem a consciência de que é o único a ser consultado." E acrescenta: "É importante que nenhum grupo de homens possa, mesmo temporariamente, fazer prevalecer seu sic volo, sem pedir o consentimento de ninguém. Uma maioria numa assembléia única, quando houver assumido um caráter permanente - ou seja, quando for composta pelas mesmas pessoas agindo habitualmente juntas e sempre certas

da vitória - facilmente se tornará despótica e arrogante se for dispensada da necessidade de examinar se seus atos serão aprovados por alguma outra autoridade constituída. A mesma razão que levou os romanos a terem dois cônsules torna desejável ter duas câmaras: que nem uma nem outra possam ser expostas à influência corruptora do poder absoluto", mesmo por um curto período. "Um dos requisitos mais indispensáveis para a direção dos negócios públicos é a conciliação; a presteza para transigir; a disposição para fazer concessões aos adversários e para tornar as boas medidas o menos ofensivas possível para as pessoas de opinião contrária. Ceder de um lado, exigir de outro, tal como se pratica entre as duas câmaras, é uma escola permanente deste hábito salutar; uma escola útil até mesmo hoje em dia, e cuja utilidade seria provavelmente ainda mais notada em uma constituição mais democrática do legislativo."

      Foi com essa reflexão e ainda inspirado na clássica divisão de poderes concebida por Montesquieu que James Madison, considerado o pai da Constituição americana, defendeu a introdução do Senado no processo legislativo dos Estados Unidos. O bicameralismo americano, surgido com a Convenção de Filadélfia, caracteriza-se atualmente pela paridade legislativa das duas câmaras. Já na França o bicameralismo surgiu no terceiro ano da Revolução, com o objetivo de conter os excessos da Comuna de Paris.

      O Senado brasileiro, ao tempo do Império, possuía não só atribuições de câmara revisora, como possui hoje, mas outras de natureza privativa, como corte de justiça. Detinha poder também para convocar a Assembléia Geral, isto é, as duas câmaras, em determinadas situações, ocasião em que se igualava em poder ao próprio Imperador. Todavia, apesar de certas prerrogativas como a vitaliciedade e de certos limites, como a escolha pelo Imperador, e ainda pela presença, entre seus membros, de detentores de títulos nobiliárquicos, o Senado não se viu impedido de abraçar idéias e causas progressistas, tampouco de participar de grandes reformas nacionais, como fizeram homens do porte moral e intelectual de Vergueiro, Nabuco e o Marquês de Caravelas. Foi com as qualidades de homens sábios, criativos, conciliadores e corajosos que o Senado do Império garantiu as regências, promoveu uma experiência parlamentarista, impulsionou a abolição e ajudou a implantar a República.

      O primeiro Senado da República era composto por 63 membros, eleitos por voto direto, e teve como Presidente Joaquim Felício dos Santos. A vitaliciedade foi substituída pela dinâmica eleitoral, a partir de mandatos de nove anos, com renovação de um terço trianualmente.

      As vozes que ameaçam o Senado, argumentando com as facilidades do unicameralismo e aditando exemplos de países unicameralistas bem-sucedidos não só desconhecem a História brasileira e a participação do Senado na construção e consolidação do federalismo, como desconhecem a história da civilização ocidental, em que o senado, em várias épocas, constituiu-se em instituição de relevante papel político. Na Grécia como em Roma, o Senado cumpriu importante papel de moderador de discussões, de consultor para decisões políticas relevantes.

      A experiência brasileira, por sua vez, recomenda que se mantenham as duas casas, atuando separada e integradamente, ou constituindo uma unidade, nas situações em que a Constituição exige a deliberação conjunta, ou seja, do Congresso Nacional. Por outro lado, há funções específicas do Senado, que não devem ser tratadas por uma câmara única: revisar o texto de projeto de lei; adotar procedimentos de tribunal político; dar referendo a atos de nomeação para certos cargos públicos de grande relevância; autorizar empréstimos externos; ratificar tratados ou acordos internacionais; suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo; aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término do seu mandato.

      Exemplos históricos confirmam que, quando se extingue o Senado, é preciso criar-lhe sucedâneo, na maior parte das vezes sem o mesmo grau de independência, sem o mesmo peso político, sem a mesma importância. Foi assim na Constituição de 1937, que manteve o bicameralismo, porém substituindo o Senado por um estranho corpo legislativo - o Conselho Federal -, composto , além de representantes dos Estados, de dez membros nomeados pelo Presidente da República. Eleitos pelas Assembléias Legislativas de seus Estados, os representantes poderiam ainda ser vetados pelo Governador. Dentre as funções desse Conselho, destacavam-se muitas de nítida feição senatorial, como aprovar acordos entre os Estados, aprovar nomeações de Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas e dos representantes diplomáticos, além de dar início ao processo legislativo em matérias que versassem sobre tratados e convenções internacionais; comércio internacional e interestadual; regimes de portos e navegação de cabotagem.

      Com o restabelecimento da democracia no País, o Senado recuperou importantes funções, de legislador a tribunal político, de referendário da indicação de importantes funcionários do governo a fiscalizador dos atos e contas do Executivo. Por isso é que defendo, não apenas a preservação do Senado, com suas atribuições e prerrogativas atuais, mas a sua maior valorização, em razão de todas as características apontadas, conquistadas ao longo de uma história de lutas, de coragem, de ponderação, de conciliação. Não podemos permitir o apequenamento do Senado, retirando-lhe funções ou transformando-o em mero homologador de decisões tomadas na Câmara dos Deputados. Como ensina o constitucionalista Paulo Bonavides, o bicameralismo só se realiza completamente quando as duas casas possuem igualdade de competências, exercidas mediantes decisões de conciliação, obtida pelo respeito e equilíbrio entre posições muitas vezes conflitantes.

      Juntamente com a Câmara dos Deputados, o Senado tem garantido a permanência de uma das mais prósperas tradições de vida democrática do País, mediante importante contribuição intelectual, política, ética. Nenhum argumento, por mais bem elaborado que seja, por mais que se fundamente em razões teóricas, científicas ou de outra ordem, consegue justificar a sua extinção. Mesmo assim, não seria demais enumerar as vantagens do bicameralismo:

      1. A primeira delas é a possibilidade que abre à representação de diferentes grupos ou regiões, conforme salienta o pensador político Norberto Bobbio em seu Dicionário de Política: "... a escolha do bicameralismo, quando não firmada na tradição, corresponde à intenção de conferir eficiência autônoma a grupos sociais heterogêneos, de modo que, enquanto uma câmara representa o povo, entendido como totalidade indistintamente eleita pelo conjunto dos cidadãos, a outra tende a oferecer particular tutela, ou a diversas categorias de interesses (culturais, econômicos, etc) ou a entidades descentralizadas, sejam elas Estados-membros do Estado federal ou realidades territoriais com autonomia garantida em Estados que, não se ajustando à tipologia do Estado federal, assentam nos princípios da descentralização."

      2. A assembléia única corre um sério risco de se tornar auto-suficiente, autoritária e até despótica, como atestam exemplos históricos conhecidos. A existência de uma segunda câmara, além de minimizar ou mesmo excluir essa possibilidade, contribui também para suavizar conflitos, evitando o confronto entre interesses

ou poderes que se posicionem em lados opostos ou mesmo antagônicos.

      3. O bicameralismo, ao dividir entre as duas casas o assédio dos grupos de pressão, assegura ao Parlamento uma posição de maior distanciamento em relação aos fatos, possibilitando o amadurecimento e a reflexão em torno dos mesmos. Por outro lado, diferenças de composição, forma de eleição, procedimentos legislativos contribuem para assegurar a dinâmica do funcionamento do Congresso.

      4. Já o Senado, por sua composição, pelo mandato mais demorado de seus representantes e pelo significado de cunho federalista de sua representação, tende a conter os impulsos que levam a posicionamentos apressados, prematuros e algumas vezes de resultados indesejados.

      5. A existência de duas câmaras favorece o equilíbrio entre posições divergentes, facilita a revisão e a conseqüente ponderação nas decisões legislativas, porque, sendo os projetos apreciados e votados, como regra geral, duas vezes, a possibilidade de prevalecer uma opinião única ou de se cometerem falhas fica bastante reduzida.

      Do ponto de vista do processo legislativo, há, no Brasil, semelhanças e diferenças entre o Senado e a Câmara dos Deputados. A competência das duas Casas é concorrente quanto ao processo legislativo, pois ambas têm a iniciativa das leis, com as restrições previstas na Constituição. A diferença reside apenas nos projetos de iniciativa do Executivo, em que o Senado atua como casa revisora. É de competência exclusiva do Senado Federal a aprovação da escolha, pelo Presidente da República, de nomes para diversos cargos do Judiciário e da administração, o que o torna partícipe na formação do Poder Judiciário e na condução da política externa, pela homologação dos embaixadores. Constitui ainda sua competência exclusiva a incumbência de suspender a execução das leis ou atos do Poder Público, que forem declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Nessa atribuição, integra-se o Senado numa tarefa comum com o Supremo, equivalente à da Alta Corte Constitucional da Áustria, do Tribunal Constitucional Alemão e da Corte Constitucional Italiana. Competente para julgar a inconstitucionalidade de leis ou atos, emitindo a decisão declaratória mediante quorum qualificado, o Supremo não esgota sua atuação nesse assunto com a decisão. Aí reside uma fonte de importância do Senado, pois é ele que decide se a execução de leis ou atos declarados inconstitucionais deve ser suspensa ou não, com base em avaliação das conveniências políticas, para a Nação, de uma ou outra solução.

      Além da diferença de funções, já assinalada, o Senado se distingue da Câmara pelo procedimento de escolha de seus representantes, desde o momento da indicação do nome do candidato do partido. Como todos sabemos, é necessário que o candidato consiga o apoio da maioria na convenção partidária, para o que necessita de grande prestígio junto a seus correligionários. Como a eleição é majoritária, o candidato deve tentar obter o apoio do eleitorado do Estado, o que força a sua desvinculação em relação a grupos ou regiões. Configura-se, principalmente, como representante do partido e, se eleito, do Estado. Essa autoridade política obtida por cada Senador num pleito majoritário e direto, transfere-se para o Senado como instituição, tornando-o prestigiado e respeitado. O tempo de duração do mandato, equivalente a duas legislaturas, afasta do horizonte das discussões a preocupação com interesses eleitoreiros imediatos e a sedução das soluções demagógicas. Além disso, a exigência de idade mínima de 35 anos para o exercício de um mandato senatorial contribui para dotar essa Casa de homens experientes, ponderados, mais afeitos à reflexão.

      Sr. Presidente, Srs. Senadores:

      Por todas as razões que apresentei, considero que o respeito ao Senado significa o respeito à Federação e à democracia, valores maiores que sustentam nossa Nação. Permitam-me ainda recorrer às lúcidas palavras do estadista inglês Winston Churchil para concluir:

      "Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos."

      Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 03/03/1994 - Página 990