Discurso no Senado Federal

APATIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DIANTE DA CONJUNÇÃO DE FATOS MARCANTES E DECISIVOS COMO A REVISÃO CONSTITUCIONAL, A PROXIMIDADE DAS ELEIÇÕES GERAIS E A IMPLANTAÇÃO DO NOVO PLANO ECONOMICO.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • APATIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DIANTE DA CONJUNÇÃO DE FATOS MARCANTES E DECISIVOS COMO A REVISÃO CONSTITUCIONAL, A PROXIMIDADE DAS ELEIÇÕES GERAIS E A IMPLANTAÇÃO DO NOVO PLANO ECONOMICO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 07/04/1994 - Página 1598
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, DEMORA, REALIZAÇÃO, REVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • ANALISE, PARALISAÇÃO, ATIVIDADE, PARTIDO POLITICO, APRESENTAÇÃO, CANDIDATO, DISPUTA, ELEIÇÃO, CARGO PUBLICO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, TRANSFERENCIA, COMANDO, EXECUTIVO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), TENTATIVA, IMPLEMENTAÇÃO, PLANO DE GOVERNO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, APOIO, CANDIDATURA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • ANALISE, FALTA, PRESTIGIO, CLASSE POLITICA, BRASIL, RESULTADO, AUSENCIA, INTERESSE PUBLICO, SOCIEDADE, PROCESSO, SUCESSÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • ANALISE CONJUNTURAL, SOCIEDADE, BRASIL, ATUALIDADE, PERIODO, REALIZAÇÃO, REVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, IMPLANTAÇÃO, PLANO DE GOVERNO, ECONOMIA, PROCESSO, ELEIÇÕES, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.

    O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB - AM. Pronúncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, em qualquer outra sociedade, a conjunção de fatos - como a realização simultânea de uma Revisão Constitucional, a ocorrência de eleições gerais e a implementação de um complexo plano de estabilização econômica -, por certo, geraria um clima de sadio otimismo, além de mobilizar muito intensamente os segmentos mais expressivos da nação.

    No entanto, o que vemos no Brasil nos dias que correm?

    A Revisão Constitucional se arrasta, como se esta não pudesse ser uma belíssima oportunidade para promovermos a tão necessária melhoria de nossas instituições políticas.

    Creio não estar exagerando, Sr. Presidente, Srs. Senadores, ao enfatizar que o Congresso Revisor parece ter perdido o próprio sentido do que significa para o Brasil dispor de uma Constituição efetiva.

    Todos parecem discutir as alternativas constitucionais com o zelo burocrático de estar votando apenas mais um projeto de lei.

    Numa segunda frente, há pouco mais de seis meses de distância do primeiro turno das eleições gerais, a campanha eleitoral segue, igualmente, uma trajetória inusitada.

    Após ter assumido um ritmo mais intenso, em meados do segundo semestre do ano passado, o momento atual é de virtual paralisação, com as candidaturas sendo negadas e renegadas, os eleitores demonstrando ceticismo e apatia e os partidos políticos em franca desagregação, em termos de objetivos e coesão interna.

    Por seu turno, o Executivo - hoje praticamente paralisado, apenas restrito às ações de combate à inflação - teve seu comando virtualmente transferido ao ex-Ministro da Fazenda, que tentou implementar o seu plano de estabilização econômica, o qual, simultaneamente, tenta servir de lastro a sua candidatura à Presidência da República.

    Um fator coadjuvante em todo esse quadro de apatia e non sense é o generalizado desprestígio da classe política brasileira que, lamentavelmente, não soube preservar a credibilidade construída em 1992, com o processo de impedimento do ex-Presidente

Collor, ou com as investigações em tomo das práticas da Comissão Mista de Orçamento, mais recentemente.

    Este é um ambiente institucional deplorável, sobretudo porque estamos, em verdade, deixando escapar o que, certamente, é a grande oportunidade, nestes anos finais do Século XX, de refletirmos sobre a trajetória que queremos seguir como sociedade.

    Chamo a atenção, Sr. Presidente e Srs. Senadores, para o contraste de todo esse quadro institucional frente aos graves problemas sociais da realidade brasileira.

    Basta ler, ainda que superficialmente, os jornais diários ou assistir ao noticiário noturno na televisão para constatarmos essa dualidade. De um lado, a fome, a miséria, a insegurança, nas grandes cidades, as dificuldades de fazer frente à carestia de produtos e serviços essenciais ao dia-a-dia das famílias ou à generalizada deterioração da provisão de bens e serviços públicos, como nas áreas de ensino, saúde, transportes e estradas.

    A tudo isso, contrapõem-se os impasses e casuísmos da discussão em tomo da Revisão Constitucional, bem como as sutilezas da retórica oficial, insistindo na perfeição analítica do plano econômico que segue prometendo inflação zero, em meio a um perverso comportamento dos preços da cesta básica.

    Por seu turno, o próprio Congresso Nacional fornece elementos para que a população brasileira construa um diagnóstico de ceticismo quanto às virtudes do Governo representativo.

    Certamente, a grande perplexidade da população é entender por que não demonstramos a mesma perseverança e agilidade de que fomos capazes nos episódios de 1992 e na apuração do escândalo do Orçamento quando se trata de decidirmos quanto às leis essenciais para a vida da coletividade brasileira.

    Frente a tudo isso, é espantoso que acontecimentos sociais, de maior gravidade ainda, não tenham ocorrido, contribuindo para agravar os problemas sociais e econômicos do Brasil.

    É precisamente por essa perspectiva, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que enfatizo a gravidade da atual conjuntura institucional.

    Estamos deixando escapar a chance de forjar uma nova ordem econômica e social para o País através da melhoria das regras constitucionais e de um mais amplo e intenso engajamento da população no processo político eleitoral, dois condutos essenciais da democracia constitucional.

    É curioso notar que mesmo aqueles que se batem pela modernização e liberação de nossa economia parecem esquecer que tal ordem econômica pressupõe instituições políticas democráticas; são elas que asseguram um resultado econômico justo e sustentado.

    Aos partidos políticos cabe imensa responsabilidade em todo esse quadro de acontecimentos.

    Ao longo dos últimos anos, a habilidade dos partidos políticos brasileiros de atender aos grupos de interesses declinou, especialmente porque esses grupos passaram a ter acesso direto aos políticos, dispensando-se de ter aos partidos como seus intermediários.

    Uma evidência deplorável dessa tendência pode ser constada nas recentes investigações da CPI do Orçamento da União.

    Todavia, hoje, os partidos políticos servem, especialmente, para canalizar anseios e reclamos dos politicamente fracos.

    Por sua ideologia, por seu programa, o partido político tornou-se o denominador comum para amplos segmentos da população que não dispõem de condições para articular seus interesses ou para se organizar como grupo de pressão.

    Com a desagregação partidária que se observa no Brasil, esses amplos segmentos da ‘população vêm sendo postos à margem da mudança política, poque não têm como interagir mais eficazmente com o processo político.

    Esse, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é possivelmente o mecanismo mais relevante a explicar o tão grande contingente de "excluídos" da nossa sociedade - tema que costuma ser discutido de forma são acalorada quanto pouco iluminada...

    Por certo que esse é um diagnóstico que diverge dos que acreditam ser essa exclusão social basicamente resultante da situação econômica desfavorável.

    Ora, mesmo que assim fosse, haveria que dar atenção a tantos problemas constrangedores como a fome, a miséria e o analfabetismo. Afinal, estima-se que apenas 1/4 da população brasileira usufrui, amplamente, das vantagens de estar integrada à economia de mercado.

    Nossa crença no poder de mercado em sustentar um elevado ritmo econômico, a um menor custo social, deve nos estimular a pensar sobre a reversão desse quadro social.

    Por tudo isso é que volto a lembrar que a oportunidade de rever a Constituição não pode ser desperdiçada.

    É aí que pode ter início a construção de um processo político mais representativo, pela definição de regras que induzam o Governo a ser mais atento ao interesse geral e menos propenso a atender a clientelas concentradas.

    A conjuntura econômica é, por outro lado, um fator adicional na geração dessas perplexidades.

    Por força do combate à inflação, o Governo tem ampliado enormemente sua presença regulatória na economia, tornando mera retórica o discurso de liberalização dos mercados.

    São regras e mais regras que dão seqüência à implementação das políticas que compõem o Plano de Estabilização.

    Aos empresários, ao cidadão, não resta senão procurar alguma lógica que justifique o ônus de ter que conviver com regras e procedimentos tão numerosos e instáveis. Enfim, de conviver com uma intervenção estatal tão predatória das liberdades econômicas.

    Nem mesmo há o consolo de ver o Governo perseverar em sua política de privatizações ou de sua atuação mais decidida na melhoria da provisão de serviços públicos essenciais como saúde e educação.

    O atendimento às chamadas “necessidades básicas", de que tanto se falou nos anos 70, não chega, no Brasil dos anos 90, nem a ter status de bandeira ideológica ou partidária.

    É curioso que, nestes tempos eleitorais, é um sociólogo e a Igreja que, quase isoladamente, insistem em nos lembrar essa questão.

    Nessa perspectiva, melhor se percebe o problema dos excluídos, a que anteriormente fiz menção.

    O processo político - por ser pouco permeável aos reclamos dos mais necessitados - deixa de canalizar para esse contingente da população os bens e serviços públicos mais essenciais.

    Boa parte dos programas públicos, ineficientes e anacrônicos, e as suas práticas administrativas apenas consolidam os modos de agir de sempre. O interesse das respectivas burocracias suplanta o atendimento de seus patrocinadores de última instância: os contribuintes.

    As empresas estatais, por seu turno, permanecem como fontes relevantes de geração de despesas públicas, não obstante o comprometimento do Executivo com o ajuste fiscal.

    Assim sendo, Sr. Presidente e Srs. Senadores, o Congresso Nacional deve estar atento, de modo a que todo esse esforço com que se apenou o contribuinte não tenha sido em vão.

    Ainda muito recentemente, quando da aprovação do Fundo Social de Emergência, o Congresso Nacional endossava não apenas a política de mais impostos, como, simultaneamente, a opção de que, ora em diante, o Executivo estaria concentrado em tornar os gastos públicos mais produtivos.

    Em verdade, a condução da política econômica é mais um exemplo da ambigüidade institucional em que vivemos há muitos anos, mas que tem se acentuado nos últimos meses.

    No Brasil, a burocracia governamental tem uma proeminência inquietante.

    Embora não disponham de poderes legislativos próprios, os burocratas são mentores de uma sucessão de atos presidenciais, como as medidas provisórias, que originalmente não foram pensadas para ter tanta e tão generalizada utilização.

    A ocasião da implementação de um plano de estabilização tem sido especialmente relevante para esse exercício de poder por parte dos burocratas federais - o que, de outra forma, põe a descoberto o latente conflito quanto à separação de poderes a que tal procedimento pode conduzir.

    Outra vez, é no nível da discussão constitucional que esse tipo de conflito poderá ser melhor equacionado, de modo a que possamos promover uma verdadeira cooperação entre o Executivo, Legislativo e Judiciário.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, manifesto, por fim, a minha esperança de que saberemos lidar com toda essa complexidade da atual conjuntura.

    Como Senadores da República, temos nossa parte a fazer, contribuindo para que a sociedade brasileira reverta, a partir de 1995, todo esse quadro de dificuldades políticas e econômicas que esboçei nesta minha fala.

    Muito obrigado, Sr. Presidente. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 07/04/1994 - Página 1598