Discurso no Senado Federal

PROTESTOS CONTRA DIFAMAÇÃO DOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DOS PARLAMENTARES PELA IMPRENSA, NO EPISODIO DA CRISE ENTRE OS TRES PODERES.

Autor
Cid Sabóia de Carvalho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/CE)
Nome completo: Cid Sabóia de Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • PROTESTOS CONTRA DIFAMAÇÃO DOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DOS PARLAMENTARES PELA IMPRENSA, NO EPISODIO DA CRISE ENTRE OS TRES PODERES.
Publicação
Publicação no DCN2 de 07/04/1994 - Página 1609
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • PROTESTO, FORMA, ATUAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, PAIS, IMPUTAÇÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ILEGALIDADE, ATO ADMINISTRATIVO, RELAÇÃO, DIA, CONVERSÃO, SALARIO, CRUZEIRO REAL, UNIDADE REAL DE VALOR (URV), MOTIVO, AUMENTO, VENCIMENTOS, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • ANALISE, CRITICA, ATUAÇÃO, IMPRENSA, DIFAMAÇÃO, HONRA, CONGRESSISTA, ACUSAÇÃO, RECEBIMENTO, DINHEIRO, JOGO DO BICHO, ANTERIORIDADE, COMPROVAÇÃO, FATO, PREJUIZO, FUNCIONAMENTO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, PAIS.

    O SR. CID SABÓIA DE CARVALHO (PMDB-CE. Como Líder. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero aproveitar a oportunidade para tecer, nesse intervalo, algumas considerações que me parecem importantes que sejam feitas aqui no plenário do Senado Federal.

    Ainda repercute no País, Sr. Presidente, toda aquela história de uma crise que foi fabricada na tentativa de se interromper o funcionamento democrático no Brasil. As instituições democráticas estariam em perigo. E, logo de início, quero dizer que os jornais estamparam, há poucos dias, os retratos do General Newton Cruz fazendo passeata e usando das liberdades. E se eu conhecesse esse cidadão, e dele pudesse me aproximar, diria-lhe, em exclamação, que é boa a liberdade de ir e vir, como é significativa a possibilidade de reivindicar, de protestar, de falar, de dizer, de percorrer as ruas e de chegar à porta das sedes dos Poderes! Porque, em outros tempos, isto não fora possível, com a própria interveniência dessa personalidade da vida nacional, que se apresta para disputar inclusive o governo do Rio de Janeiro.

    Digo isso apenas como ilustração. Mas o que me preocupou muito, Sr. Presidente - e não podemos falar aqui no tempo oportuno, em face do funcionamento do Congresso Revisor -, foi o que se divulgou sobre o Poder Judiciário, quando emissoras de rádio, televisão, jornais, todos os meios de comunicação passaram a apresentar o Supremo Tribunal Federal como capaz do cometimento de ilegalidades de caráter administrativo, ilegalidades que visavam aumentar o que vence mensalmente o funcionário e o integrante daquele Poder, enfim, que os Ministros teriam decretado um aumento irregular. Mas quem examinou a situação verificou que a medida provisória fora cumprida regularmente pelo Supremo Tribunal Federal, na oportunidade em que se imputou ao maior Tribunal do País o cometimento de atos lesivos ao interesse público. E isso ficou sem o reparo. Tenuemente, graciosamente, às vezes, mas, com certa timidez, alguns órgãos de comunicação passaram a tentar consertar um quadro que era altamente calunioso ao Poder.

    Afinal de contas, Sr. Presidente, Srs. Senadores, no dia em que começarmos a pensar que é possível o cometimento de ilegalidades pela Suprema Corte do País, aí estaremos, realmente, numa situação péssima, não somente no aspecto jurídico, mas notadamente quanto às nuanças de caráter moral, o quadro ético da própria Nação.

    Agora, Sr. Presidente, entramos em outro escândalo nacional. Quem recebeu dinheiro do jogo do bicho? E de novo Parlamentares aparecem no primeiro pelotão, e esses Parlamentares já são execrados sem que haja um exame mais profundo, um exame mais demorado. Aparecem nomes como o da Deputada Cidinha Campos, que tem sido aqui, no Poder Legislativo, uma pessoa capaz das maiores batalhas contra a corrupção e que tem cooperado em muitos acontecimentos que são próprios da moralidade que se cobra nas ruas, a moralidade que deve ser aplicada pelos Poderes.

    Antes que se saiba a verdade, antes que se tenha a certeza do que realmente está acontecendo, a divulgação é feita, de tal sorte que inocente ou não, seja verdadeira ou não a imputação, o fato é que as honras rolam, as dignidades falecem, o respeito à individualidade é sepultado, há o naufrágio da dignidade humana, como há pouco estávamos conversando, alguns Senadores nesta Casa, quando já se dizia que até Ministros de Tribunais Superiores teriam recebido propinas do jogo do bicho. Agora, não se diz quais Ministros, nem de qual Tribunal, ou de quais Tribunais. Lança-se a calúnia, lança-se a difamação, lança-se a injúria, e aconteça o que acontecer, porque isto, Sr. Presidente, é conveniente a uma pequeníssima parcela da população - que, inclusive, vem sendo denunciada pelo jornalista Carlos Chagas - alguns políticos em desespero, alguns militares reformados em desespero, alguns empresários em desespero, que não sabem conviver com a democracia, pessoas que não toleram as liberdades. Daí, por uma ironia do destino, os que não toleram a liberdade passam a usá-la abusivamente para inviabilizar a sua utilização no sentido democrático, onde a minha liberdade há de ter um comedimento na liberdade de alguém, na liberdade de outrem e não gerar um quadro da maior confusão moral do País para se obter com isso um quadro propício ao golpe.

    Agora mesmo funciona o Congresso Revisor. Esse Congresso Revisor, podemos dizer, é uma imposição de uma minoria sobre as maiorias do País, porque o que se sente neste momento é que a revisão que se pretende fazer, ela, de tão mal pensada, não tem povo, não tem população, não tem as camadas sociais, não tem os grupos sociais, por isso é que só está gerando ilegitimidades, pois a própria convocação do Congresso Revisor foi o cometimento maior da ilegitimidade que se possa pensar sobre conceitos científicos neste País.

    Fizeram um Regimento, - eu não fiz, eu emendei, minhas emendas não foram aceitas - cujo Relator foi o nobre Deputado Ibsen Pinheiro, que só tem uma finalidade: distanciar o Relator do Plenário. Mas essa distância, esse principesco acontecimento, esse maquiavelismo regimental, atende exatamente a essas minorias. Não entendo como num país se aceita a leitura de um manifesto que prega o fechamento do Congresso e do Supremo, e esse documento chega ao Palácio governamental sem que ninguém vá preso. Não entendo como isso possa acontecer. Como se pode pregar contra as instituições, como se pode pregar contra a democracia! Se fosse eu o Presidente da República e alguém viesse me entregar um documento pregando o fechamento do Congresso e do Supremo, eu mandaria prender de imediato, porque isso é um típico caso de falta das mais graves, um verdadeiro delito, uma intenção de delito contra a sociedade, contra o povo e as instituições. Isso não pode ser tolerado e nem deve se mandar estudar que tenha tal propósito.

    Os acontecimentos que aí estão, Sr. Presidente, são capazes, no entanto, de demonstrar que a democracia vai-se consolidando neste País. Quando se invadiu o Poder Judiciário para se dizer que o mesmo havia cometido ilegalidades, garanto que o povo não acreditou nisso. Porque nós, do Congresso Nacional, somos muito batidos e agredidos e sempre se acredita, mas somos 584; mas o Supremo é uma pequena porção de cidadãos que compõem a Suprema Corte do País. E todos sabemos o comportamento desses cidadãos que têm se dignificado pelos julgamentos que hão prolatados até aqui, inclusive o Supremo dignificou-se bastante em acontecimentos dos mais graves pelos quais o País passou, e ele é o socorro da cidadania. Ninguém pode pensar na cidadania sem que se pense no socorro maior que é exatamente o funcionamento do Supremo Tribunal Federal.

    Agora, pela rejeição de um veto - aliás, tentou-se rejeitar, porque o Senado não o rejeitou - espalhou-se pelo País inteiro que a Câmara dos Deputados havia aumentado os subsídios dos Parlamentares, mas ninguém quis examinar que os vetos foram apostos a um projeto de conversão de uma medida provisória, e ninguém quis examinar que essa medida provisória chegou a um texto final, no projeto de conversão, graças ao acordo entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. As pessoas esqueceram de dizer que uma das grandes metas do Governo é a isonomia, e que essa medida provisória, que fora vetada em quatro itens, fora acordada entre o Poder Executivo e o Legislativo. E quiseram tirar dos Deputados o direito da indignação, quando viram que os acordos celebrados foram desrespeitados através do veto.

    O Senado se apercebeu do que estava acontecendo - uma Casa mais madura e com menor quantidade de participantes - e alguns Parlamentares se ausentarem para examinar uma posição de mais maturidade a ser adotada.

    Eu sempre soube que a notícia incompleta não é notícia. Ela se chama boato. A notícia completa tem que atender a todos os itens da informação: o quê, quando, onde, como e por quê. Quando se dá uma informação de um item, respondidos dois, três itens, é a fabricação do boato. E esta Casa, e agora o Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário, têm sido vitimados, exatamente, pelas informações incompletas e, às vezes, ousadas demais, porque são revelados, inclusive, votos que foram dados em caráter secreto e ninguém sabe como é que se revela, como é que se sabe o que só quem pode saber é quem votou. Ninguém sabe, ainda, que critério mágico é esse que está sendo utilizado atualmente no Brasil. Reunião secreta da Comissão tal; o Senador tal votou de tal modo. Como é que se sabe? Não sei. Não sei o voto dos meus companheiros, mas sei, que os jornais publicam, como publicavam as notícias dos votos que dávamos nas reuniões fechadas da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Orçamento da República.

    Por isso, Sr. Presidente, vim à tribuna, porque entendo que está na hora de desenganarmos os golpistas - não haverá golpe neste País! -, desenganarmos esses empresários mais desesperados, ou os políticos mais desesperados que são denunciados pelo jornalista Carlos Chagas. Está na hora de dizer a esse grupo golpista que não há como obter esse intento, mesmo porque o País não é uma peça isolada no consenso que se faz internacionalmente no contato de nação com nação.

    Estamos na era da democracia e das liberdades restauradas. Quem não tem ainda a liberdade devidamente em exercício, essa liberdade que o General Newton Cruz está utilizando de modo tão magnífico, está a procura dela. Não está na hora de interceptar as conquistas democráticas de coisa nenhuma; essa hora jamais chegará.

    O homem se reencontrou com os seus ideais no Brasil; as crises podem existir, mesmo quando parecem existir entre poderes, elas podem existir, mas a democracia sempre terá os mecanismos ideais para suplantar todo o aspecto doentio, todo o aspecto patológico, essa patologia dos poderes. Isso só se resolve exatamente com um único remédio, que se chama democracia, remédio sólido e que está sempre em todas as prateleiras para se servir, visando a manutenção dos ideais perseguidos por tantos que, inclusive, já tombaram, muitos que desapareceram, morreram - destinos ignorados - mas que deram suas vidas exatamente por esse instante que estamos vivendo agora.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 07/04/1994 - Página 1609