Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANO ECONOMICO DO GOVERNO, FOCALIZANDO AS REITERADAS DECLARAÇÕES DO MINISTRO DA FAZENDA, DE QUE NÃO ACEITA ALTERAÇÕES NA MEDIDA PROVISORIA 457, QUE CRIA A URV.

Autor
Cid Sabóia de Carvalho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/CE)
Nome completo: Cid Sabóia de Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANO ECONOMICO DO GOVERNO, FOCALIZANDO AS REITERADAS DECLARAÇÕES DO MINISTRO DA FAZENDA, DE QUE NÃO ACEITA ALTERAÇÕES NA MEDIDA PROVISORIA 457, QUE CRIA A URV.
Aparteantes
Mansueto de Lavor, Ronan Tito.
Publicação
Publicação no DCN2 de 14/04/1994 - Página 1803
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, POSSIBILIDADE, IMPUTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, RESPONSABILIDADE, AUSENCIA, VIABILIDADE, PLANO DE GOVERNO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, IMPLANTAÇÃO, UNIDADE REAL DE VALOR (URV).
  • COMENTARIO, INEFICACIA, PLANO DE GOVERNO, RESULTADO, AUMENTO, PREÇO, TRANSFORMAÇÃO, UNIDADE REAL DE VALOR (URV), AUSENCIA, CONTROLE, DESRESPEITO, COMUNIDADE.

      O SR. CID SABOIA DE CARVALHO (PMBD - CE. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, estou muito preocupado. E é essa preocupação que me traz à tribuna.

      Ouço declarações do atual Ministro da Fazenda, Sr. Rubens Ricupero, no sentido de que não admite emendas à Medida Provisória, remetida pela segunda vez ao Congresso Nacional, tratando do plano de Governo que se convencionou chamar Plano Fernando Henrique Cardoso.

      Ora, já basta essa história de entender-se que o Congresso Nacional não deve modificar, não deve alterar, enfim, não deve funcionar.

      Emendar, alterar medida provisória, projeto de lei, o que quer que chegue aqui, é aptidão do Poder. Ninguém deve pedir às duas Casas que não procedam assim, porque é pedir que não funcionem no momento em que o povo reclama exatamente do funcionamento das duas Casas.

      O Sr. Ronan Tito - V. Exª me permite um aparte?

      O SR. CID SABOIA DE CARVALHO - Pois não, Sr. Senador Ronan Tito.

      O Sr. Ronan Tito - S. Exª o Ministro da Fazenda esteve na Comissão Mista e prestou os devidos esclarecimentos. S. Exª fez o apelo apenas para que não se mexesse na estrutura do projeto. Pediu uma carta de crédito para a estrutura do projeto. Mas o Ministro, no momento em que se questionou alguns artigos do projeto, aceitou que sentássemos e, juntos, modificássemos o que precisasse ser modificado. Mas alertou para o fato de que havia um perigo em mexer-se na estrutura do projeto. Nobre Senador, às vezes, quer-se fazer uma bateia - peço perdão por usar um exemplo de bateia; sou mineiro, mineiro tem mania de bateia. Se alguém chega e resolve fazer um furo na bateia; chega outro e fala que, embora se trate de uma bateia, gostaria de fazer outro furo, ela deixa de ser uma bateia e acaba virando peneira. Então, o que o Ministro pede é que a estrutura do Plano não seja alterada. Mas S. Exª está disponível para modificar quaisquer inconvenientes que o projeto tiver. O Ministro veio ao Congresso Nacional para isto: colocar-se à disposição para modificar. Era esse o esclarecimento que eu queria dar a V. Exª. O Ministro ofereceu-se para sentar-se com os Congressistas, com os membros da Comissão para fazer as corrigendas dos inconvenientes que, porventura, possa ter a medida provisória.

      O SR. CID SABOIA DE CARVALHO - Ainda bem que V. Exª esclarece, porque não é isso que está nos jornais nem é o que acabamos de ver e ouvir, há alguns minutos, na televisão brasileira.

      Eu estava ali no café, aguardando o início da reunião, quando ouvi: "o Ministro não admite", "o Ministro não aceita", "o Ministro não quer".

      Está havendo uma distorção na veiculação das informações atinentes a isso.

      Mas a minha preocupação não é somente essa. A minha preocupação vem também porque, no Brasil, todo e qualquer plano é inviabilizado e dizem que é o Congresso Nacional que o inviabiliza. Mas esse plano está sendo inviabilizado pelos preços, pelo mercado, pelo desrespeito à coletividade.

      Os preços tornaram-se mutáveis pela própria Unidade de Referência, mas em compensação não sofreram aplicação de média, enquanto que os salários resultaram de uma média de quatro meses. Os preços, não; os preços foram transformados em URV e, transformados em URV, alteram-se diariamente sem que tenhamos mecanismos - que foram desmontados - para acompanhamento dos preços.

      Nem é preciso dizer que a escola privada tornou-se inacessível às pessoas que não tenham rendas muito expressivas. É preciso dizer que a cesta básica teve o seu preço acrescido consideravelmente e que os produtos de primeira necessidade subiram acima de todas as expectativas, inviabilizando logo de saída o plano do ex-Ministro Fernando Henrique Cardoso.

      O Sr. Mansueto de Lavor - Senador Cid Sabóia de Carvalho, V. Exª me concede um aparte?

      O SR. CID SABOIA DE CARVALHO - Peço que aguarde só um minutinho, Senador Mansueto de Lavor, para que eu possa concluir meu raciocínio.

      Então, o que se verifica, Sr. Presidente e Srs. Senadores, é que todo e qualquer plano neste País sofre de logo uma barreira do setor negocial: comércio, indústria. Não sei onde reside a barreira, a resistência a qualquer plano. Mas, se o Congresso faz alguma alteração, o Congresso é quem inviabiliza.

      Quero apenas refrescar a memória de todos para dizer - e que fique isto nos Anais desta Casa - que o Congresso Nacional teve o máximo de simpatia e acreditou nos planos mirabolantes do ex-Presidente Fernando Collor de Mello. Esses planos foram todos aprovados, com a ajuda inclusive do PMDB. Irritei-me muito, na época, porque discordava de determinadas compreensões do meu Partido. Mas essas compreensões resultaram na aprovação de tudo o que desejou o então Presidente Fernando Collor de Mello.

      E parece que desta feita vamos repetir a mesma coisa com relação ao Presidente Itamar Franco, tanto assim que pusemos um "rabo" na Constituição; pusemos um "rabo". Começamos a Revisão Constitucional por Disposições Transitórias, estranhas ao corpo permanente. E isso causou espécie entre os estudiosos do Direito Constitucional.

      Então, quem põe um "rabo" na Constituição não há de deixar de aprovar uma medida provisória.

      Ouço V. Exª Senador Mansueto de Lavor.

      O Sr. Mansueto de Lavor - Senador Cid Saboia de Carvalho, essa preocupação que V. Exª demonstra é a de todos os segmentos da população brasileira. Deve-se analisar a realidade que aí está, que nos demonstra uma inflação que já ultrapassou 50% ao mês, uma elevação brutal de preços. Entretanto, os que acreditam no plano estão anunciando um milagre, no qual é preciso ter muita fé para acreditar, isto é, que tão logo se introduza a nova moeda chamada Real - não sei se ironicamente -, essa inflação de 50% baixará para 0% e assim permanecerá. Esse filme já foi visto, Senador. O que gostaríamos para um plano, e o que se faz em países que tiveram dificuldades ou crises financeiras, é que, primeiro, não fosse um plano miraculoso, porque isso não dá certo em parte alguma, muito menos no Brasil. Quer dizer, que não se procurasse artifícios, mágicas para ludibriar a opinião pública durante dois meses ou três sem inflação para, logo depois, eclodir violentamente com terríveis conseqüências na vida econômica e social do País, como temos verificado anteriormente.

      Em segundo lugar, Senador - e é fundamental frisarmos isto -, que esse plano não seja uma plataforma eleitoral, não seja para eleger este ou aquele candidato. Lamentavelmente, as duas coisas estão caracterizando o plano atual, o popular Plano FHC: é um plano que se afigura como um milagre, pois, com um simples decreto ou uma medida provisória que levou à introdução do Real, fará baixar a inflação e não deixará de ser um projeto de campanha eleitoral. Com isso, temos dois ingredientes que nos levam a desacreditar ou, pelo menos, a uma profunda preocupação, como demonstra V. Exª, sobre essa situação, a execução e o sucesso do Plano.

      O SR. CID SABOIA DE CARVALHO - Agradeço a V. Exª essa interferência, que se encaixa perfeitamente dentro de minha linha de raciocínio.

      Desejo ressaltar que será impossível um sucesso na parte salarial, recobrando o poder aquisitivo de quem percebe salários, subsídios, soldos, pensões, tenças, o que forem os valores recebidos mensalmente pelos cidadãos brasileiros, porque criamos um descompasso inicial entre preço e salário, sem que haja uma possibilidade de redução de preço. Logo, os salários ficaram sempre aviltados, porque sofreram eles um achatamento inicial para que o plano começasse.

      O Governo exigiu do assalariado um achatamento, uma quota, uma renúncia, um sacrifício inicial. Os assalariados se sacrificam, mas não sei o que tenha sido cobrado dos produtores, não sei o que tenha sido cobrado dos atravessadores, não sei o que se tenha feito para garantir o controle de preços; sei que se tenta o controle de preços por conseqüências científicas, ou seja, se isso baixa, se aquilo diminui, a lei da oferta e da procura, etc.

      É sempre aquela mesma história que somos acostumados a ouvir por parte de dirigentes do Banco Central para explicarem o acréscimo dos juros. E tanto eles não explicam e tanto isso não dá certo que, estranhamente, nada é mais mutável neste País do que a Direção do Banco Central. Institucionalmente, isso é muito estranho. Um dos maiores absurdos é a substituição constante da direção do Sistema Financeiro Nacional através dos dirigentes do Banco Central, que são trocados sem que se entenda a razão pela qual.

      Em outros países, isso não pode acontecer, porque seria uma grave infração ética do próprio Estado. Aqui no Brasil, entretanto, isso pode acontecer, e o fato é que as explicações são dadas assim, como se tudo fosse entregue a um jogo de conseqüências, ou seja, os preços vão baixar - ninguém baixa -por um fenômeno, por um acontecimento natural. Agora, se isso não vem, essa cota de sacrifício inicial do plano há de se acrescer à medida em que os meses passarem; se não houver um acréscimo agora, depois de outubro, tudo isso acrescer-se-á. Todos os sofrimentos dos trabalhadores acrescer-se-ão, porque não estamos vendo nesse plano um caráter permanente e, sim, um caráter transitório. Mas uma transitoriedade muito rápida e incapaz de fincar bases de estabilidade para a sociedade brasileira.

      As minhas preocupações, Sr. Presidente, Srs. Senadores, estou comunicando-as agora, porque fico horrorizado com aquilo que não pode ser tocado. Entendo que, quando a matéria é entregue ao Poder Legislativo, ela está entregue às aptidões do Poder Legislativo. Não há essa história de "Isso não se aceita", "O Ministro não abre mão disse", nem falar em salário mínimo de cem dólares, nem falar em tirar a média de salários pelo pico; tem que se tirar por uma média mais baixa. Agora, ninguém se lembra dos lares, das escolas, da sociedade na sua vida comum, no seu cotidiano.

      Por isso, trago esta preocupação. Gostaria de alongar-me bastante neste assunto, mas sei que temos que votar matéria importante. Não sou de faltar com a minha compreensão e nem de negar a minha colaboração, de tal sorte que vou voltar a este assunto na primeira oportunidade.

      Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 14/04/1994 - Página 1803