Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DE AYRTON SENNA DA SILVA.

Autor
Mário Covas (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Mário Covas Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DE AYRTON SENNA DA SILVA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 11/05/1994 - Página 2133
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, AYRTON SENNA DA SILVA, MOTORISTA PROFISSIONAL, COMPETIÇÃO ESPORTIVA, AUTOMOVEL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

      O SR. MÁRIO COVAS (PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Humberto Lucena; Sr. Ministro Celso Amorim; Sra Ministra Leonor Franco; Srs. Embaixadores; Srs. Senadores, talvez eu devesse, neste instante, tão-somente ouvir; mas tive o privilégio e a honra de ter sido uma testemunha da fase inicial da carreira de Ayrton Senna. Vi-o em algumas oportunidades, iniciando sua atividade profissional como kartista.

      Como pai de piloto, eu próprio senti as mesmas emoções que os seus pais sentiram.

      Vi-o correr a primeira corrida com o veículo de nº 42, aquele estilo longilíneo, aquele brilho estranho nos olhos, aquela vontade irrecorrível de ganhar. Vi-o já vencedor na segunda corrida. E, daí por diante, pude acompanhar, fascinado, como todos que o acompanharam, sua seqüência de vitórias e sua obstinação em vencer. Mas havia algo na sua maneira de ser; não se tratava apenas de alguém que perseguia vitórias, que lutava como um concorrente entre vários outros que desejam o primeiro lugar. Era uma obstinação tão acentuada, era uma tamanha vontade de ganhar que transferia a disputa de entre ele e os seus concorrentes para dele consigo próprio.

      Era um permanente auto-superar que percorreu em longas caminhadas as várias categorias e culminou, no dia 1º de maio, num desastre que nos afastou do convívio.

      Creio que até mesmo a sua morte foi escolhida por ele. Depois de um primeiro lugar na classificação, liderou a corrida e nessas condições encontrou a morte. Num segundo, num átimo, num instante ele nos foi levado e, com ele, um pouco de cada um de nós.

Li, recentemente, que a partir de sua morte nasceu esta Nação. Não creio nisso. Creio que a partir dessa morte esta Nação exibiu-se para si própria, exteriorizou as suas melhores potencialidades.

      É dele, afinal, um conceito que trata da morte: "O dia que chegar, chegou. Pode ser hoje ou daqui a 50 anos. A única coisa certa é que ela vai chegar."

      Era um intimorato. Sabia que o medo era parte da sua atividade e dizia: "O medo faz parte. Algumas pessoas não sabem como enfrentá-lo; outras, aprendem".

      Mas a verdade é que certos conceitos nele não apareciam como absurdos:

      Em condições normais, corro para vencer; nas impossíveis, também sou páreo.

      Creio que a maior das virtudes do Ayrton tenha sido saber dividir, com o seu povo, com a sua gente, com a sua Nação, cada um dos desafios que enfrentava. Cada um de nós era coparticipante de cada uma das curvas que ele percorria e de cada uma das voltas finais, quando portava uma Bandeira brasileira, no instante em que todos nós, aliviados pelo resultado, comemorávamos com ele a vitória que era de todos.

      Era um profundo obstinado:

      Canalizo todas as minhas energias para ser o maior piloto do mundo!

      Não se tratava apenas de ser bom, nem mesmo de ser ótimo. O seu esforço era para ser o melhor de todos. Por isso, mereceu o adeus que recebeu.

      Um jovem encaminhou a um jornal uma carta, onde citava o ensinamento do filósofo chinês Confúcio:

      Quando nascestes, todos sorriam e só tu choravas. Vivas de tal forma que, ao morreres, todos chorem e só tu sorrias.

      Certamente escreve o leitor:

      Senna morreu sorrindo, na velocidade que amava, na liderança que conquistou, com todo os seus compatriotas chorando a perda de um verdadeiro herói.

      Foi ao encontro de Deus - ninguém acreditava! - com uma intimidade diferente da de todos.

      A sua amiga Leda, mulher do Jornalista Milton Coelho da Graça, dele dizia:

      Deus existe para Senna. Isto o tranqüilizava e lhe dava confiança. Naquele momento em que seu corpo inerte, imóvel foi colocado no chão de Imola, alguma coisa subiu para o céu: não sei se um anjo ou um guerreiro.

      Entre as pessoas que compareceram ao seu funeral, predominavam os jovens. Foram formadas filas de até quilômetros em torno da Assembléia Legislativa de São Paulo, e o comparecimento não era sequer individualizado; eram famílias inteiras que carregavam até mesmo crianças de colo.

      Na hora em que estávamos na Assembléia, vi passar, aos prantos, acenando adeus para o caixão de Senna, uma garota de 14 anos com a perna engessada, mancando, sem a mínima queixa, depois de muitas horas de espera na fila. Ao seu lado, um senhor já humilde, barba por fazer, bonezinho azul, igual ao de Senna, olhos cheios de lágrimas, exibindo uma folha de cartolina com uma frase que se tomou a marca da homenagem dos brasileiros: "Valeu, Senna"! Uma caligrafia canhestra, mas cheia de amor. Outro levava, sobre o casaco, uma pomba branca, que soltou ao passar em frente ao caixão.

      Os jovens repintaram os seus rostos, rabiscando o verde/amarelo com o nome de Senna na testa. Eram 8 mil pessoas por hora. A espera para chegar ao caixão levava de 4 a 5 horas.

      O que impressionava naquelas filas e nas pessoas que definhavam naqueles poucos segundos permitidos, no salão nobre da Assembléia, era exatamente isto: a espontaneidade, a generosidade. Cada um querendo expressar, à sua maneira, a dor e, ao mesmo tempo, a enorme admiração por Senna. Exemplo maior disto foi a extraordinária manifestação das torcidas que enchiam o Maracanã e o Morumbi no domingo - dia da sua morte. Como que regidas por um maestro invisível, mas sensível e sintonizado pelo sentimento do povo, naquele momento, as torcidas dos dois grandes clássicos, que se encontravam a 400 quilômetros de distância um do outro, cantaram o mesmo e conhecido refrão amoroso:

      Olê, Olê, Olê, Olá,

      Senna, Senna!

      Foi de arrepiar! Como foi de arrepiar a manifestação do juiz de futebol, no Pacaembu, na quarta-feira, quando interrompeu a partida, aos cinco minutos, para fazer um minuto de silêncio.

      A colossal torcida corintiana, nos gaviões da FIEL, desenrolou, aos poucos, nas arquibancadas, uma imensa Bandeira com a frase: "Acelera, Ayrton"!

      Minutos depois, um dos jogadores comemorava o seu gol, correndo pelo gramado, com a Bandeira brasileira na mão, imitando os gestos de Senna nas vitórias que dedicava ao povo brasileiro. De pé, o povo todo aplaudia o gol recém feito e a vida recém ceifada.

      Senna foi grande até neste instante. Ele permitiu, talvez, uma das maiores exibições de generosidade do seu povo. Povo que se entrega à emoção e ao sentimento, nas Diretas Já, na crença do messianismo de Funaro, na morte de Tancredo e nas exéquias de Senna, sem questionamento, de peito aberto, sem esmorecer com as dificuldades que enfrenta; povo que acredita sempre, que espera sempre.

      Senna permitiu, finalmente, que cada um de nós retirasse da sua história, da sua vida, do seu passamento uma profunda lição - e talvez ela se direcione fundamentalmente para nós, que nos chamamos de "as elites deste País".

      É preciso que retribuamos com a mesma generosidade, com a mesma luta, com a mesma garra, o empenho, o apreço, o bem-querer do novo brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 11/05/1994 - Página 2133