Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PUBLICAÇÃO DO IBGE INTITULADA MAPA DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL, ELABORADO A PEDIDO DO SOCIOLOGO HERBERT DE SOUZA (BETINHO) PARA SUPORTE A SEGUNDA FASE DA CAMPANHA CONTRA A FOME E A MISERIA, VOLTANDO-SE AGORA PARA O COMBATE AO DESEMPREGO.

Autor
Nelson Wedekin (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SC)
Nome completo: Nelson Wedekin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A PUBLICAÇÃO DO IBGE INTITULADA MAPA DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL, ELABORADO A PEDIDO DO SOCIOLOGO HERBERT DE SOUZA (BETINHO) PARA SUPORTE A SEGUNDA FASE DA CAMPANHA CONTRA A FOME E A MISERIA, VOLTANDO-SE AGORA PARA O COMBATE AO DESEMPREGO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 12/05/1994 - Página 2251
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), RELAÇÃO, MERCADO DE TRABALHO, PAIS, ATENDIMENTO, SOLICITAÇÃO, HERBERT DE SOUZA, SOCIOLOGO, FUNDAMENTAÇÃO, CAMPANHA, COMBATE, DESEMPREGO.
  • COMENTARIO, ESTUDO, AUTORIA, HERBERT DE SOUZA, SOCIOLOGO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEMONSTRAÇÃO, DESEMPREGO, MISERIA, INFERIORIDADE, REMUNERAÇÃO, TRABALHADOR, EXISTENCIA, DESIGUALDADE SOCIAL, PAIS.

    O SR. NELSON WEDEKIN (PDT-SC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o IBGE publicou, no mês passado, o Mapa do Mercado de Trabalho no Brasil, elaborado a pedido do sociólogo Herbert de Souza (Betinho) para dar suporte à segunda fase da campanha contra a fome e a miséria, agora voltada para o combate ao desemprego. O levantamento nos revela uma realidade perversa, que era do conhecimento de todos, embora de maneira menos precisa. A pesquisa nos informa que 2 milhões e 400 mil brasileiros em condições de trabalhar estão desempregados; que 12 milhões e 300 mil recebem menos de um salário mínimo por mês; que 31 milhões de trabalhadores não contribuem para a Previdência; que 1 milhão e 900 mil crianças com idade entre 10 e 13 anos fazem parte da população ocupada, contrariando o disposto na Constituição Federal, no art. 7º., inciso XXXIII e art. 227, § 3º., inciso I.

    Mal tomamos conhecimento da realidade apresentada pelo Mapa do Mercado de Trabalho no Brasil e novamente nos assustamos, desta vez com as denúncias formuladas, pelos meios de comunicação, de prática de canibalismo, para atenuar a fome, por favelados que catam lixo no aterro do município de Olinda, em Pernambuco. A notícia, por si estarrecedora, ganha contornos mais tétricos quando se revela que os favelados se alimentam de partes do corpo humano encontradas no lixo hospitalar depositado a céu aberto. Ali, arriscando-se a contrair o mais amplo espectro de doenças, subjugados pela desesperada tentativa de sobrevivência, despidos de qualquer vestígio de dignidade humana, os favelados procuram sobras de comida estragada, alimentos putrefatos, contaminados, restos de animais mortos.

    A pesquisa e a denúncia, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são informações que se conjugam, que se complementam e que, infelizmente, nos dão uma radiografia do grau de miséria em que vive considerável parcela da população brasileira. É doloroso pensar que o Brasil com todas as suas riquezas naturais, o Brasil que aprendemos a amar desde nossa mais tenra infância, e para o qual antevíamos um futuro promissor, com um lugar de destaque no concerto das nações, tenha decaído tanto, a ponto de abandonar seus filhos na mais abjeta condição de vida, na mais triste desesperança. É doloroso reconhecer que 2 milhões e 400 mil brasileiros querem trabalhar, querem produzir, querem ser úteis à sociedade e querem garantir o sustento da família e, no entanto, não o fazem por absoluta inexistência de oportunidades, o que os deixa completamente desiludidos, envergonhados perante os familiares e impotentes perante a sociedade.

    Se considerarmos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, além dos desempregados, existem aqueles que trabalham sem auferir rendimentos, ou que percebem menos que um salário mínimo por mês, o contingente de desgraçados sobe a 20 milhões de subtrabalhadores - vale dizer 20 milhões de cidadãos de segunda categoria -; vale, também, projetar, de acordo com o sociólogo Herbert de Souza, citado pela Folha de S. Paulo de 11 de março último, uma legião de 70 a 80 milhões de pobres, boa parte deles vivendo na mais absoluta indigência. Essa odiosa perversão, que fincou raízes no modelo econômico equivocado, na injusta distribuição de rendas, no atraso cultural e tecnológico, no descontrole da ocupação territorial, na incapacidade e omissão do poder público de promover o bem-estar coletivo, precisa ser combatida sem tréguas.

    O pavoroso drama dos favelados de Olinda é bem representativo das condições de vida nos grandes bolsões de miséria que se formaram - de forma mais acentuada nas últimas décadas, como resultado do êxodo rural indiscriminado - na periferia das metrópoles brasileiras. Cansados de viver sem qualquer perspectiva no campo, milhões de brasileiros aglomeram-se nas favelas das grandes cidades, à procura do seu eldorado. Morando precariamente, desempregados ou subempregados, enfrentando a carestia do transporte e do custo de vida em geral, além de conviverem com a insegurança e a violência urbana, esses nossos irmãos brasileiros são marginalizados pela sociedade e ignorados pelo Estado.

    O mapa traçado pelo IBGE, com base em dados de 1990, demonstra que, dos 64 milhões e 467 mil brasileiros ocupados, 47 milhões e 655 mil moram em áreas urbanas; e mais, que, entre esses, 2,6% não tinham qualquer rendimento e 15,6% ganhavam menos de um salário mínimo. Observando-se a distribuição desse contingente segundo as regiões metropolitanas, constatou-se que, em Fortaleza, 25,2% da população ocupada ganhavam menos de um salário mínimo mensal; em Recife, esse índice foi de 22,1%; e, em Salvador, 18,9%; seguindo-se Belém (13,3%), Belo Horizonte (12,6%), Rio de Janeiro (12,4%), Curitiba (8,1%), Porto Alegre (6,8%) e São Paulo (4,7%).

    Dos 64 milhões de pessoas que compõem nossa população economicamente ativa, 40 milhões mantêm vínculo empregatício, mas só 23 milhões têm carteira assinada. Isso equivale a dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que 40 por cento dos empregados estão impossibilitados de fazer valerem seus direitos trabalhistas.

    O mapa do IBGE comprovou também uma concentração de renda exacerbada: enquanto os 10% mais ricos da população abocanham 48% da renda nacional, os 10% mais pobres têm que se contentar com 0,8% da renda, ou seja, um valor per capita 60 vezes menor do que aquele percebido pelo segmento mais privilegiado. O pior é que muitos dos brasileiros carentes não têm rendimento algum, já que simplesmente não encontram emprego. A taxa de desemprego, que era de 3,35% em 1989 aumentou para 4,28% em 1990; 4,83 em 1991; e 5,76% em 1992, com uma elevação de 58,16% nesse período de quatro anos. Em São Paulo, o tempo médio de procura de emprego, que até 1992 era de quatro meses e meio, elevou-se para seis meses e uma semana no final do ano passado, o que comprova a crescente dificuldade de arranjar colocação.

    Ainda em relação ao desemprego, é importante destacar que os índices registrados no Brasil são baixos, se comparados com os de outros países, mesmo os mais desenvolvidos. De fato, há hoje uma preocupação, até mesmo entre os chamados "7 ricos" no sentido de aumentar a oferta de emprego, ao ponto de ter o Presidente dos EUA, Bill Clinton, convocado os ministros do Trabalho e da Economia das maiores potências para discutir a questão e buscar soluções. Calcula-se que existam hoje cerca de 35 milhões de desempregados nos países mais ricos, onde a automação e o desenvolvimento tecnológico são constantes ameaças aos trabalhadores. Na França, os 12% de desempregados entre a população economicamente ativa forçaram a busca de soluções imediatas, que passam pela redução da jornada de trabalho. Os países menos desenvolvidos também enfrentam esse fantasma, com índices de 9% na Argentina e 7,4% no Uruguai. No Brasil, pesquisa feita pelo IBGE nas principais regiões metropolitanas revelou, em dezembro passado, uma taxa de 4,89% de desemprego aberto.

    A situação brasileira, no entanto, não é cômoda. Na verdade, a precariedade do mercado de trabalho é maquiada pela elevada taxa de nossa economia informal e pelo subemprego, como alerta o próprio IBGE no trabalho citado: "... o volume de desemprego aberto - indicador-síntese do mercado de trabalho na literatura econômica - tem expressão relativizada na caracterização do mercado de trabalho no Brasil".

    Referi-me, há pouco, ao enorme contingente de crianças brasileiras que, sem terem atingido sequer um razoável grau de amadurecimento, são atiradas ao mercado de trabalho por força de necessidade. Essa situação ocorre tanto nas pequenas localidades carentes quanto nas grandes metrópoles, registrando-se a existência de 144 mil crianças com idade entre 10 e 13 anos que se dedicam ao trabalho, em São Paulo, e 46 mil, no Rio.

    Vimos, portanto, que o brasileiro, em muitos casos, começa a trabalhar ainda criança. Também o brasileiro adulto, ao contrário do que se propala, trabalha muito, e esse é o paradoxo que gostaria de salientar: o País precisa produzir, tem mão-de-obra disponível, pessoas que querem e precisam trabalhar e não consegue conciliar as necessidades individuais com a necessidade coletiva. Recente pesquisa da Organização Internacional do Trabalho - OIT divulgou que o operário brasileiro trabalha em média 44 horas semanais, contra 40 horas trabalhadas nos Estados Unidos e Japão, 39 no Canadá e 36 na Alemanha e na França. No entanto, em matéria de remuneração, o nosso operário percebe apenas um terço do salário do operário argentino, um sexto do que se paga ao japonês e um sétimo do que recebe o americano. Mesmo considerando o custo de vida elevado dos outros países, torna-se patente que o operário brasileiro é mal remunerado e que é preciso mudar urgentemente a relação capital/trabalho em nosso País.

    Além de mal remunerado, o nosso trabalhador é submetido a um corrosivo e implacável processo de perda do poder aquisitivo, representado tanto pela violenta inflação quanto pelo arrocho salarial. A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA, realizou pesquisa, em 1990, sobre a destinação do orçamento familiar nas classes mais carentes e chegou aos seguintes resultados: alimentação, 37,67%; habitação, 18,35%; despesas pessoais, 16,23%; transporte, 11,61%; vestuário, 9,25%; saúde, 3,78%; e educação, 3,11%. Vê-se, assim, que, premida pelas mais elementares necessidades, a família brasileira acaba por sacrificar os itens Saúde e Educação, que deveriam ser prioritários. O mesmo órgão chegou à conclusão de que os gastos com o café da manhã básico - pão, leite, açúcar, café e manteiga - consumiriam 61% do orçamento de uma família de quatro pessoas com renda de um salário mínimo mensal.

    O arrocho salarial foi também medido pelo DIEESE recentemente, comprovando-se uma perda de 55% no ano passado, em comparação com os valores de 1º. de março de 1990. Na época, o Plano Collor I, ao suspender os reajustes mensais então vigentes, provocou "a maior perda salarial da história recente do País", de acordo com Antônio Prado, coordenador de produção técnica do DIEESE. O órgão apontou, além disso, como a maior perda entre as diversas categorias pesquisadas ao longo desse período, o índice de 12,43% de salário real, registrado em dezembro último, ainda em relação aos valores de março de 1990.

    Não bastassem as políticas governamentais equivocadas, o empresariado contribui também para manter esse arrocho, especialmente agora, quando se cortam os gastos de pessoal para competir com as empresas estrangeiras que passaram a disputar nosso mercado. Ao contrário do que ocorre em outros países, o empresariado nacional ignora a qualidade e a disposição do empregado como fator de competitividade. A maior prova dessa ótica distorcida pode ser encontrada na participação dos salários na renda nacional, que é em média de 30% no Brasil e que nos países desenvolvidos situa-se em torno de 60%.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o desemprego e o arrocho salarial que degradam a qualidade de vida do brasileiro e, muitas vezes, lhe ceifam a própria vida, precisam ser combatidos urgentemente. Devem o poder público e a sociedade brasileira combater suas causas, debelando a inflação que desorganiza a nossa economia, reduzindo os altos juros, reorientando o capital para as atividades produtivas, repensando a ocupação territorial, elevando a qualificação dos trabalhadores e a qualidade dos bens, reduzindo os encargos que oneram as empresas que absorvem maior quantidade de mão-de-obra. Definitivamente, é preciso acabar com a tragédia provocada por esses males, que se traduz, no nosso cotidiano, pelas doenças, pelos menores abandonados, pelos suicídios dos desesperados, pelos sentimentos de humilhação e impotência, pelos elevados índices de mortalidade, pela exclusão da vida em sociedade. Só assim, com decisão e vontade política, com a compreensão e o empenho de todos, poderemos resgatar para uma vida digna esses milhões de brasileiros que hoje convivem com o sofrimento, a miséria e a desesperança.

    Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 12/05/1994 - Página 2251