Discurso no Senado Federal

PRISÃO DE MADEIREIROS EM SENA MADUREIRA, NO ACRE, POR CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. UTILIZAÇÃO DE CULTURAS PERENES COMO FORMA DE AUMENTAR A RENDA FAMILIAR NA REGIÃO AMAZONICA.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA SOCIAL.:
  • PRISÃO DE MADEIREIROS EM SENA MADUREIRA, NO ACRE, POR CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. UTILIZAÇÃO DE CULTURAS PERENES COMO FORMA DE AUMENTAR A RENDA FAMILIAR NA REGIÃO AMAZONICA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DCN2 de 25/02/1995 - Página 2369
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, ESTADO DO ACRE (AC), PRISÃO, EMPRESARIO, MADEIRA, MOTIVO, CRIME, MEIO AMBIENTE.
  • CRITICA, EMPRESARIO, EXPLORAÇÃO, MISERIA, REGIÃO AMAZONICA.
  • ELOGIO, EMPRESARIO, DEFINIÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA.
  • APOIO, JUSTIÇA ESTADUAL, ESTADO DO ACRE (AC).
  • DENUNCIA, BAIXA RENDA, SERINGUEIRO.
  • APOIO, PROPOSIÇÃO, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, GARANTIA, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO CARENTE, SOLUÇÃO, MISERIA.
  • DEFESA, OBSERVAÇÃO, EXPERIENCIA, POPULAÇÃO CARENTE, CRIAÇÃO, GOVERNO, MISERIA.
  • ELOGIO, EXPERIENCIA, COLONO, ESTADO DO ACRE (AC), APOIO, MOACIR GRECCHI, BISPO, CONSORCIO, CULTIVO, PERMANENCIA, PRESENÇA, FLORESTA AMAZONICA, MOTIVO, AUMENTO, QUALIDADE DE VIDA.
  • ELOGIO, EXPERIENCIA, PROJETO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO ACRE (AC), ASSENTAMENTO POPULACIONAL, SERINGUEIRO, PERIFERIA URBANA, APOIO TECNICO, ASSISTENCIA, SAUDE, EDUCAÇÃO.
  • MANIFESTAÇÃO, VONTADE, CONTINUAÇÃO, PROGRAMA NACIONAL, LEITE, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srª Senadora Profª Emília, Srs. Senadores, o que vou abordar, ao final do meu discurso, relaciona-se com o pronunciamento do Senador Eduardo Suplicy, que analisou de forma competente o Programa Comunidade Solidária.

Recebi notícias do meu Estado, segundo as quais o Promotor de Justiça do Município de Sena Madureira, Sr. Éric Cavalcanti, pediu a prisão, por crime contra o meio ambiente, de nove madeireiros sediados naquele município, inclusive o Sr. Osmar Alves, que é o dono da Madeireira Ferreira.

Essa madeireira é famosa por cometer crimes contra o meio ambiente no Pará e há alguns anos vem fazendo o mesmo no Estado do Acre. Esses madeireiros estão sendo acusados - e há provas cabais - de retirarem do Seringal Palmares dez mil metros cúbicos de mogno, sem a devida autorização dos órgãos competentes - no caso, o IBAMA e o IMAC. Essa madeireira já vem respondendo a processos há mais de um ano; sua madeira foi confiscada pelo IMAC, que se tornou seu fiel depositário, e, em função da morosidade dos processos, poderá vir a se deteriorar.

Faço questão de ressaltar esse caso desta tribuna porque a atividade de rapina dentro da Amazônia, o lucro fácil e a qualquer custo, a exploração da miséria em detrimento dos interesses do País e da região têm sido o modo de vida de todos aqueles maus empresários. Refiro-me aos maus empresários porque não me cabe generalizar; sei que existem homens de bem e que inclusive já estão repensando o desenvolvimento da Amazônia, levando em consideração as experiências que hoje vêm ocorrendo tendo em vista o desenvolvimento sustentável.

Fico feliz porque a Justiça do meu Estado está dando um basta nesse tipo de abuso e quero dizer, Sr. Presidente, Srª e Srs. Senadores, que esses acontecimentos não ocorrem por acaso. Não é mera vontade do infrator entrar em uma colocação de seringa ou em uma humilde colônia e comprar madeira de excelente qualidade, madeira nobre, como é o caso do mogno, a 15 reais. Segundo apuramos em estudo que fizemos há alguns meses, uma árvore de mogno é vendida a 15 reais e depois transformada em móvel, nos Estados Unidos ou na Europa, que será vendido por 3 mil dólares. O que o Acre ganha com isso? O que a Amazônia ou o Brasil, ganham com isso, a não ser vender ouro a preço de banana e depois comprá-lo, de novo, a preço de ouro?

Temos a clareza de que isso ocorre dadas as circunstâncias de sobrevivência daquelas pessoas, prejudicadas com a falência dos seringais nativos, onde faziam apenas o extrativismo da borracha e da castanha, que hoje se encontram em plena decadência. Na verdade, nunca se procederam a políticas de desenvolvimento, de investimento em tecnologia e alternativas para esses produtos, principalmente a borracha, que, numa determinada época, já representou 40% das exportações brasileiras e hoje está em plena decadência devido à falta de condições para enfrentar a concorrência da Malásia, principalmente.

Para que os senhores tenham uma idéia, um quilo de borracha custa, hoje, 0,60 centavos de reais, e o seringueiro que trabalha muito - mas muito mesmo, Sr. Presidente, Srs. Senadores, - tem condições de produzir 500 quilos de borracha por ano, o que lhe possibilita ganhar uma renda de 300 reais por ano. É possível viver com 300 reais por ano? Isso faz com que um homem digno, que ama sua floresta e sua colocação, seja obrigado a vender uma tora de mogno por apenas 15 reais, o que talvez não dê, naqueles seringais, para comprar sequer uma lata de leite ou um cartucho para abater uma caça a fim de garantir a sobrevivência da família.

Esses madeireiros, aproveitando-se dessa situação de miséria, entram nesses lugares e fazem um verdadeiro saque. Fico feliz porque a Justiça do meu Estado está pedindo a prisão desses senhores que, de acordo com a Lei nº 4.771/65, poderão ser condenados a até um ano de cadeia. E essa seria uma medida exemplar para que não haja reincidentes.

Este pronunciamento relaciona-se com o que disse o Senador Eduardo Suplicy. O Programa Comunidade Solidária, encaminhado pela Primeira-Dama do País, a Professora Ruth Cardoso, pode dar uma grande contribuição, desde que consiga compatibilizar duas questões que para mim são fundamentais: a primeira delas seria a adoção de medidas emergenciais, inclusive com os critérios mencionados pelo Líder do meu Partido, Senador Eduardo Suplicy.

A fome e a miséria não podem esperar por medidas estruturais. A criança desnutrida precisa imediatamente do leite e da alimentação. Nesse sentido, são fundamentais as medidas que possam combater esse mal, que é a causa principal da morte de milhares de crianças no meu País. Aquele faminto que está mendigando na rua precisa de algum tipo de auxílio, mas sabemos que isso não é o suficiente, que são apenas paliativos, como dar um remédio para a febre ao invés de atacarmos a infecção.

O programa, ao prever a questão de geração de emprego e de renda, tem que adentrar, de forma bastante intensa, nesse aspecto, porque é só a partir daí que poderá haver uma mudança gradativa em relação a essa situação de miséria.

No meu Estado, se não forem tomadas as medidas propostas pelo Senador Eduardo Suplicy com o Projeto Renda Mínima, em que seringueiros possam ter o mínimo para sobreviver enquanto o Governo investe em pesquisa e apresenta outras alternativas de sobrevivência, as pessoas que hoje estão em plena condição de miséria não terão como se reproduzir.

É doloroso saber que meninas de 12, 13 e 14 anos têm que correr para o mato porque não estão vestidas adequadamente, muitas estão apenas enroladas em um pedaço de pano.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, talvez eu esteja regionalizando o discurso, mas faço-o numa tentativa de trazer a matéria a debate nacional, a partir do que se está propondo hoje, a nível de política social por parte do Presidente da República. É fundamental que, ao tentarmos combater a miséria, levemos em conta as experiências que já estão sendo vivenciadas pela população. Se não levarmos em conta aquilo que está sendo feito pelo cotidiano dos que estão passando fome, qualquer tentativa de combate à miséria e à pobreza seria fadada ao fracasso. Posso citar alguns exemplos: os seringueiros de Xapuri começaram com apenas 36 pessoas, uma pequena cooperativa, e hoje contam com mais de 260 seringueiros associados. O Município em questão oferece 220 empregos é o maior arrecadador de ICM. Enfim, tratou-se de uma pequena experiência de boa vontade, sem o apoio do governo e de seringueiros. 

Cito também a experiência gestada nas Vilas Extrema e Califórnia, na fronteira entre Rondônia e Acre, em que colonos, abandonados à própria sorte, assentados em uma área de terra sem as mínimas condições de assistência técnica ou financiamento, com o apoio, quero registrar, do Bispo Dom Moacyr Grecchi - uma pessoa preocupada com os problemas da região amazônica -, estão dando um verdadeiro show de como se pode combater a fome e a miséria através da experiência do Projeto RECA. Um consórcio de várias culturas perenes, como é o caso do açaí, da pupunha, do cacau, dentro da própria floresta, sem causar devastação, mas aumentando significativamente a qualidade de vida daquelas pessoas que hoje têm uma renda familiar que lhes possibilita viver em condições dignas.

Cito também a experiência da prefeitura de Rio Branco, na qual o Prefeito Jorge Viana está fazendo um assentamento de seringueiros que vieram para a periferia, que hoje estão arrependidas e que gostariam de voltar para o trabalho no campo, desapropriando áreas próximas da cidade, dando apoio técnico e o mínimo de assistência de saúde e educação àquelas famílias. Hoje, temos pessoas vivendo com dignidade, sem que fiquem apenas empurrando um carrinho de picolé ou de pipoca, ou até mesmo mendigando.

São experiências que vamos aprendendo com a própria sociedade e, a partir delas, podemos ter, com certeza, um programa de combate à miséria.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me um aparte?

A SRª MARINA SILVA - Com prazer, nobre Senador.

O SR. Eduardo Suplicy - Senadora Marina Silva, quando estávamos presenciando a posse da Srª Professora Ruth Cardoso no Programa Comunidade Solidária, ambos estávamos refletindo sobre o ambiente do Palácio do Planalto, o ambiente de Brasília, tão diferente do cotidiano das comunidades mencionadas por V. Exª. Tive a oportunidade, no ano passado, juntamente com o Lula, com V. Exª e com o Prefeito Jorge Viana, de visitar as comunidades de Xapuri e Califórnia - Projeto RECA -, além do Município de Rio Branco e outras regiões do Acre. Considero extremamente importante que cada membro do Congresso Nacional esteja sempre preocupado em trazer a debate matérias como esta para o ambiente de Brasília, por vezes tão distante e diferente das comunidades aqui descritas, a fim de que o Senado Federal possa ouvir a relevância das experiências vivenciadas. O nosso trabalho no Senado ou no Congresso Nacional só poderá ter o diagnóstico adequado de como superar os problemas da sociedade brasileira se fizermos constantemente este vaivém de conhecimento no próprio local onde estão os problemas. Creio ser muito importante que os trabalhadores da borracha tenham condições de viver com dignidade e direito à cidadania para superarem os problemas de baixíssima remuneração; de um lado, em função do que ocorre com o preço da borracha e, de outro, em função das estruturas produtivas que fazem com que haja uma exploração brutal dos seres humanos que trabalham nesse segmento de atividade. De fato, se tivéssemos hoje, por exemplo, nas regiões dos seringais ou no Município de Teotônio Vilela, ou no Piauí, ou na periferia de São Paulo, ou nas favelas do Rio de Janeiro, a existência de um Programa de Garantia de Renda Mínima, cada pessoa teria direito à cidadania e não dependeria de favor clientelístico deste ou daquele político. Isso seria um direito que conferiria à pessoa um complemento de remuneração, senão uma renda básica, para que a mesma pudesse, inclusive no caso de um seringueiro, não se submeter exatamente a condições por vezes próximas da escravidão para exercer a sua atividade produtiva, porque teria sempre uma alternativa. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Senador Eduardo Suplicy, lembro que a oradora dispõe de cinco minutos, e V. Exª tem, na forma regimental, apenas dois minutos. Muito obrigado pela sua colaboração.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço ao Senador Eduardo Suplicy pelo aparte.

Concluo, reiterando minha disposição de lutar pela questão dos direitos da pessoa, pela cidadania, para que possamos diminuir no nosso País a chaga da miséria, que está à porta de milhares de famílias, se é que existem portas, pois muitos moram nas ruas.

Estive presente na solenidade mediante a qual a Professora Ruth Cardoso foi nomeada, pelo Presidente da República, responsável pela coordenação desse Programa, em relação ao qual manifesto a esperança que existe por parte de nós, mulheres, que normalmente somos responsáveis por providenciar o andamento e bom funcionamento das coisas. Somos nós que nos lembramos de pequenas detalhes, por exemplo, de chamar atenção de nossos maridos ou filhos para telefonarem para a mãe e vovó pela data do aniversário. Enfim, repito, somos nós que providenciamos para que tudo aconteça e funcione muito bem.

Espero que a sensibilidade da Primeira Dama possa ajudar para que tudo ande bem, para que os programas que já estão em funcionamento, como o Programa do Leite, que está salvando vidas em vários municípios, possa ter continuidade - a fome não pode esperar e não pode ser remanejada para um outro município que conta com simpatias políticas -, para que tudo ocorra da forma devida, e não da forma que muitas vezes tentamos direcionar.

Qualquer atitude no sentido de combater a fome deve ser um esforço de Governo e de sociedade; do Governo, que deve dar o melhor de si, uma vez que tem capacidade para fazê-lo; da sociedade, que pode apresentar alternativas e críticas. A partir dessas críticas é que podemos acertar.

No caso de uma campanha de trabalho e solidariedade para combater a fome e a miséria, acredito que cabe muito bem a bela frase do escritor Léo Buscaglia, que dizia: "Somos todos anjos com uma só asa e só conseguimos voar quando estamos abraçados".

Gostaria que o Brasil desse um abraço no desejo de combater a fome e a miséria, elaborando medidas estruturais, como é o caso de uma reforma agrária; gostaria que o Brasil desse um abraço no desejo de combater a miséria, tomando atitudes que possam resolver o problema imediato mas, acima de tudo, solucionar a situação definitivamente, como, por exemplo, promovendo a justa distribuição de renda neste País, onde meia dúzia concentra tanta riqueza e o resto concentra tanta miséria.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 25/02/1995 - Página 2369