Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A 'DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS INDIGENAS'. ANALISE DE ALGUMAS POPULAÇÕES INDIGENAS NA REGIÃO NORTE DO BRASIL.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A 'DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS INDIGENAS'. ANALISE DE ALGUMAS POPULAÇÕES INDIGENAS NA REGIÃO NORTE DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 13/04/1995 - Página 5149
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, ASSUNTO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, SUIÇA, DEBATE, DOCUMENTO, DECLARAÇÃO, DIREITOS, INDIO, CLAUSULA, CESSÃO, SOBERANIA, PAIS, TERRAS INDIGENAS, DIVERGENCIA, GILBERTO SABOIA, EMBAIXADOR, BRASIL, NECESSIDADE, APOIO, COMUNIDADE, AMBITO INTERNACIONAL, OBJETIVO, DERRUBADA, PROPOSTA, TECNICO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • CRITICA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), MANIFESTAÇÃO, DIVERGENCIA, CONSTRUÇÃO, USINA HIDROELETRICA, REGIÃO AMAZONICA, EXCESSO, EXTENSÃO, TERRAS INDIGENAS, MOTIVO, AUSENCIA, TRANSFORMAÇÃO, RECURSOS MINERAIS, RECURSOS NATURAIS, BENEFICIO, ECONOMIA, EXPANSÃO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • PROPOSTA, ASSISTENCIA SOCIAL, COMUNIDADE INDIGENA, DESTINAÇÃO, PERCENTAGEM, EXPLORAÇÃO, RECURSOS MINERAIS, BENEFICIO, INDIO, GARIMPEIRO, OBRIGAÇÃO, RESTAURAÇÃO, MEIO AMBIENTE, AREA, GARIMPAGEM.

              O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs Srs. Senadoras, em conferência há pouco encerrada em Genebra, delegações de vários países, inclusive o Brasil, debateram a minuta de um texto que recebeu o título de Declaração Universos dos Direitos Indígenas. O produto dessa reunião internacional coloca-nos diante de uma tema de inusitada importância. Pois coloca-se em jogo a cessão de soberania, de outro. A cessão seria feita por um país como o Brasil, e os beneficiários seriam os grupamentos indígenas, que ocupam vastas extensões do território brasileiro. A gravidade do assunto é, portanto, autoexplicável.

              Há algum tempo, ocupei esta tribuna para analisar aspectos específicos da situação de algumas populações indígenas na Região Norte. Detive-me, então, no exame das vastas extensões oficialmente definidas como terras indígenas, em favor dos grupamentos ianomâmis, nas reservas a eles deferidas no Amazonas e em Roraima.

              A preocupação que dava sentido ao meu discurso anterior sobre o tema, Sr. Presidente, Senhores Senadores, tinha origem no fato singular de que a reserva dessa população indígena, no Estado de Roraima, se estendia sobre um território que atravessava a fronteira e se unia às terras ocupadas, na Venezuela, por índios da mesma tribo.

              Folgo em comprovar que a estranheza que manifestei representava um sentimento também comum a estudiosos da questão, em diferentes áreas d o poder público nacional. Na aludida conferência de Genebra, o embaixador Gilberto Saboia, ao externar o pensamento do Itamaraty, foi categórico e incisivo em suas declarações sobre o assunto. Proclamou ele sua firme oposição à fraseologia empregada por técnicos das Nações Unidas na elaboração do documento acima referido. A tal declaração dos Direitos Indígenas contém uma cláusula que concede aos índios o direito à autodeterminação.

              A delegação brasileira encontrou o apoio de representantes de outros países, inclusive a Índia e Bangladesh, no repúdio a direitos atribuídos por técnicos da ONU aos indígenas. Foi enfático o embaixador brasileiro ao declarar que o Brasil derrubará qualquer menção no texto a "povos indígenas" ou a "territórios indígenas".

              Os cinco especialistas da ONU, que elaboraram a mencionada Declaração, tentaram convencer as delegações de que estavam exprimindo aspirações de cerca de 250 milhões de índios do mundo inteiro. Esse texto começará a ser debatido no âmbito da ONU. Esse texto começará a ser debatido no âmbito da ONU pelos governos, através de suas delegações.

 

              Quando o assunto for colocado na agenda da Assembléia Geral, o Brasil espera contar com o apoio de vários países, para negar aprovação a princípios inseridos no documento, em especial o artigo que concede aos índios o direito à autodeterminação.

              Senhores Senadores, todos estamos habituados a examinar com prudência o noticiário internacional sobre atividades de organizações não-governamentais, que costumam lançar palavras de ordem induzidas por ambições utópicas. São inumeráveis as manifestações de organizações desse tipo contra, por exemplo, a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia. Entre seus pretextos figura o de que os reservatórios de tais usinas ocuparão espaços que poderiam ter melhor destino se oferecidos a populações indígenas. Sobre esses espaços, falarei adiante.

              O noticiário sobre a reunião de Genebra transmite-nos a informação de que atuou nessa conferência uma delegação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia, em nome da qual falava um senhor Manchinery.

              Até agora, Senhores Senadores, pensávamos que a Fundação Nacional do Índio, FUNAI, era a única entidade autorizada a interpretar as aspirações e desejos das populações indígenas brasileiras. É natural, pois, que fiquemos dominados por uma sensação de estranheza, ao verificamos que uma desconhecida Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia tem a audácia de comparecer a assembléias internacionais para veicular imaginárias aspirações de grupamentos indígenas do Brasil e de países vizinhos.

              Não pode passar sem a nossa enérgica repulsa a insólita atividade dessa organização. Não sabemos quem são os seus financiadores, nem podemos admitir que uma organização não-governamental desconhecida dos brasileiros coloque em discussão, em reunião internacional, teses que ferem o direito soberano que temos sobre assuntos internos, de nossa exclusiva competência.

              Rejeitamos, portanto, in limite, os argumentos que essa estranha entidade usa, no esforço que desenvolve para convencer audiências estrangeiras de que a autodeterminação corresponde a um direito legítimo dos índios.

              Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, a autodeterminação dos povos é expressão que permeia inúmeras declarações de cunho internacional, em particular quando versa sobre a conquista da independência por parte de povos coloniais. No caso de nações já independentes, suscita-se o termo quando essas nações repelem interferências externas, que possam causar dano a seus interesses fundamentais.

              A autodeterminação implica, portanto, o exercício de soberania, ou seja, do direito que estende salvaguarda à independência dos povos regidos por vontade própria. Imaginemos, pois, que os índios ianomâmis, que habitam terras venezuelanas, considerem que a Declaração Universal dos Direitos Indígenas lhes concede plena autodeterminação, e que esse direito terá reconhecimento internacional, em favor dos mesmos grupamentos que ocupam dois terços do território de Roraima. Estaria, assim, formada a Nação Ianomâmi, constituída por partes da Venezuela e do Brasil.

              A essa luz, cumpre-nos exaltar a posição clara do embaixador Gilberto Saboia, cujo senso de oportunidade permitiu ao Brasil assumir a liderança dos demais países, que também consideram perigosas expressões tais como: "território indígenas" e "povos indígenas".

              Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, no cenário da ONU atuam inúmeras organizações não-governamentais que tentam impingir aos delegados idéias tão absurdas como a proibição de usina hidrelétricas na Amazônia.

              Agora, essa tal Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia nos assombra com a sua extrema audácia, quando tenta envenenar a atmosfera internacional contra as nações que não queiram conhecer o suposto direito que atribui autodeterminação aos índios.

              As reservas de terras para ocupação pelos índios, oficialmente denominadas Terras Indígenas, totalizam, no Estado do Amazonas, 152 áreas, algumas das quais possuem superfície territorial de extensão impressionante. Nesse grupo, destacam-se 6 com superfície total da ordem de 30 milhões e 600 mil hectares por unidade. Totalizam essas 29 Terras Indígenas nada menos de 11 milhões de hectares. As demais 117 possuem, cada uma, menos de 100 mil hectares.

              No grupo das maiores, ganha relevo a Terra Indígena Ianomâmi, que tem 9 milhões e 600 mil hectares, onde vivem menos de 9 mil índios, conforme estimativa de duvidosa exatidão. Pois acredita-se que esse grupamento está bastante mais reduzido. Segue-se, em tamanho, a do Vale do Jari, com, 8 milhões e 400 mil hectares e em terceiro lugar a do Alto Rio Negro, com 7 milhões e 800 mil hectares.

              Se nos limitarmos ao exame das 35 maiores, veremos que sua superfície territorial soma mais de 41 milhões de hectares, ou mil quilômetros quadrados. Trata-se de um território maior do que o Estado de São Paulo (247,9 mil Km²), do que o Rio Grande do Sul (267,5 mil KM²), do que o Paraná (199,5 mil Km²).

              Senhores Senadores, chega a ser ridículo o argumento das organizações que se intitulam de preservacionistas, defensoras indormidas do meio-ambiente, quando levantam a bandeira do movimento mundial contra a poluição para impedir a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia. Os reservatórios dessas unidades ocupam em geral uns poucos quilômetros quadrados. O que espanta, entretanto, é que nos citados 410 mil Km² habitam pouco mais de 20 mil índios, segundo informação não atualizada, que a FUNAI distribui. Admitindo-se que a cifra seja verdadeira, teremos uma média de mais de 2 mil hectares por pessoa indígena, o que configura um incomensurável desperdício de solo.

              A terra indígena corresponde ao espaço físico reconhecido oficialmente pela União como sendo de posse permanente de grupos tribais que a ocupam, segundo afirmação textual contida em documento do IBGE (Anuário Estatístico do Brasil). O objetivo, segundo esse estudo, consiste em preservar o habitat e garantir a sobrevivência físico-cultural dos grupos indígenas.

              Quando observamos o quadro real existente, à luz dos números, vemos que o discurso indigenista dificilmente se sustenta com fatos convincentes. Merece exame atento a ocupação da imensa Terra Indígena Waimiri-Atroari, no Estado do Amazonas, cuja extensão territorial é de 2 milhões e 600 mil hectares. Essa imensa área estaria ocupada por apenas 300 índios. A reserva da Caititu possui 308 mil hectares e abriga apenas 82 índios. A de Igarapé Capanã tem 127.650 hectares e sua população indígena é de apenas 200 pessoas. A de Ibixuna, com 179.000 hectares tem apenas 54 índios. A do rio Biá tem apenas 400 pessoas indígenas em um milhão 180 mil hectares.

              Na reserva do Vale do Javari, de 8 milhões e 400 mil hectares, a população indígena existente é estimada em tão somente três mil pessoas.

              No Amazonas, continuam inamovíveis os limites das Terras Indígenas, não obstante a redução progressiva do número de seus habitantes nativos. O mesmo fenômeno se observa em outras Unidades da Federação. Diante disso, cria um clima de moderado otimismo a crença de que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso está disposto a colocar em sua Agenda o problema dessas terras.

              O assunto merece divulgação ampla de todos os seus aspectos essenciais, inclusive o conhecimento exato da população nativa nas Terras Indígenas. Grosso modo, de acordo com dados oficiais, há no Amazonas, 2 mil hectares para cada índio, mas um esforço que tenha em vista atualizar as cifras de população demonstrará que os números conhecidos são exagerados. Confirmada tal hipótese, ficarão as organizações não-governamentais, como a de Mr. Manchinery, desprovidas do argumento de que as enormes extensões territoriais oferecidas aos índios amazonenses são indispensáveis a sua expansão populacional.

              Creio oportuno divulgar alguns dados sobre as terras teoricamente ocupadas pelos ianomâmis nos dois estados do Norte. No Amazonas, a extensão dessas terras abrange grande parte dos municípios doe Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, cuja superfície territorial, em conjunto, totaliza 183 mil km². Mais de metade dessa área está demarcada como Terra Indígena Ianomâmi. São 96 mil e 600 km² entregues a 9.910 índios dessa tribo.

              Em Roraima, uma área de igual extensão pertence ao mesmo grupamento indígena, ocupando mais de 66% do território conjunto dos municípios de alto Alegre, boa Vista, Caracaraí e Mucajaí.

              Nos três municípios amazonenses que acabo de citar, a população trabalhadora local está impedida de explorar atividades relacionadas com a caça, a pesca, o extrativismo e a agropecuária na imensa área ianomâmi. Em nome, portanto, da "perpetuidade da cultura tradicional" dos nativos, recursos diversos, inclusive os da mineração, não ganham sentido econômico, nem ajudam na sobrevivência dos índios. Pois no decênio de 60, a população indígena existente nos três citados municípios era estimada em cerca de 25 mil pessoas. No asfalto, a milhares de quilômetros de distância, propala-se a necessidade de "medidas especiais para assegurar o respeito ao patrimônio cultural e a livre escolha dos meios de vida e subsistência" desses grupamentos. Mas não se apresenta nenhuma idéia exequível que possa assegurar a sobrevivência e a expansão numérica dessa tribo.

              Sr. Presidente, Senhores Senadores, é absolutamente vazia, desprovida de senso da realidade, a afirmação de indigenistas no sentido de que é necessário preservar o patrimônio cultural dos índios. Os dados da Superintendência de Assuntos Fundiários, da Funai, exibem um quadro de perda constante de população indígena, o que significa que tal patrimônio na verdade desaparece com a extinção dos grupamentos de índios.

              O aspecto da questão que me parece de incontestável importância política consiste no fato de que a Terra Indígena Ianomâmi de Roraima estabelece unidade territorial com a reserva venezuelana, oferecida aos mesmo índios, cuja extensão é de 8,2 milhões de hectares. Talvez o pano de fundo da Declaração de início comentada seja a idéia de se criar um mundo especial para o que resta das populações indígenas situadas na margem norte do Amazonas.

              Ao invés da hipotética república ianomâmi, abrangendo parte dos territórios de Roraima e da Venezuela, proponho medidas objetivas para evitar o desaparecimento das comunidades indígenas do extremo Norte. Volto a sugerir as providências que encaminhei em meu discurso anterior sobre o tema. Vejamos o teor de algumas das medidas que tiver a oportunidade de sugerir:

              1) Mediante convênio com os governos de Roraima e Amazonas, o governo Federal fiscalizará a exploração de recursos naturais na área ainomâmi concedida a esse grupamento indígena.

              2) Por meio de autorização ou concessão, será permitida a extração madeireira e mineral na superfície ou no subsolo, em lotes delimitados, segundo as potencialidades de cada área.

              3) Do produto da arrecadação tributária sobre a produção de madeiras ou minérios, metade se destinará à manutenção dos ianomâmis numa área de cerca de quinhentos mil hectares.

              4) Amaparada em decreto presidencial, a Funai ficará autorizada a criar um departamento especial para dar plena assistência aos ianomâmis.

              5) Para atingir o objetivo essencial de assegurar a preservação dessa tribo, a Funai manterá ambulatórios e hospitais, escolas e centros desportivos, assim como oficinas para treinamento dos índios em diferentes profissões, que lhes garantam a sobrevivência futura. Fará parte desse objetivo imunizar que penetram na área da reserva ianomâmi.

              6) A Funai poderá recorrer a instituições internacionais, como a Unesco, tendo em vista o recrutamento de médicos e cientistas, que se disponham a sair de seus países para prestar assistência aos ianomâmis.

              7) O Governo Federal poderá receber doações de governos estrangeiros e de organizações internacionais, que queiram contribuir para a manutenção e expansão demográfica dos índios em processo de extinção.

              8) A experiência assistencial acumulada na região ianomâmi poderá ser reproduzida em outras terras indígenas do Norte e de outras partes do País.

              Sr. Presidente, Senhores Senadores, as medidas que tiver então o ensejo de propor não são irrealistas. Inspiram-se, em parte, na experiência de esforço assistencial desenvolvido pelas autoridades venezuelanas, do outro lado da fronteira. Ali são oferecidas aos índios habitações higiênicas, escolas e postos de saúde. Numa área do território vizinho, de apenas cem quilômetros quadrados, desenvolvem-se atividades mineradoras nas proximidades da reserva indígena. Uma parte dos frutos da exploração de ouro e diamantes se destina a manter o bem-estar dos índios, como fundamento da expansão demográfica indígena.

              Essa experiência nos informa que é possível explorar o solo e o subsolo sem causar prejuízo irremediável a natureza. Pois os responsáveis pelos garimpos venezuelanos se comprometem a recuperar os terrenos trabalhados, tapando buracos e plantando árvores no local.

              A Funai e grupos preservacionistas acreditam que o melhor para as comunidades ianomâmis será a conservação de seu estilo de vida nômade, quando o nomadismo está na raiz de seu extermínio. Não basta dar a esses índios milhões de hectares de terras para que eles tenham garantida a sobrevivência. Nas diretrizes que indiquei acima reside a linha básica de uma políticas que tenham em mira a salvação desse e de outros grupamentos indígenas dispersos pelo território brasileiro.

              Agradeço a atenção.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 13/04/1995 - Página 5149