Discurso no Senado Federal

ANIVERSARIO DA VITORIA ALIADA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.

Autor
Romeu Tuma (PL - Partido Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • ANIVERSARIO DA VITORIA ALIADA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.
Aparteantes
Bernardo Cabral, José Roberto Arruda.
Publicação
Publicação no DCN2 de 09/05/1995 - Página 7830
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • DEFESA, LIBERDADE, BIOGRAFIA, VIDA PUBLICA, ADOLF HITLER, EX-CHEFE, PAIS ESTRANGEIRO, ALEMANHA, HISTORIA, PARTICIPAÇÃO, FORÇA EXPEDICIONARIA BRASILEIRA (FEB), SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, VITORIA, FORÇAS ALIADAS.
  • SOLICITAÇÃO, INCORPORAÇÃO, DISCURSO, ORADOR, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, RUBENS RESTEL, OFICIAL GENERAL, ASSUNTO, PARTICIPAÇÃO, FORÇA EXPEDICIONARIA BRASILEIRA (FEB), SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.

O SR. ROMEU TUMA (PL-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Ministros de Estado, demais Ministros que aqui comparecem, Srs. Oficiais Generais, Srs. Oficiais que participaram da Guerra, Srs. Suboficiais, Sargentos e Praças, minhas Senhoras e meus Senhores, a liberdade é o multiplicador natural dos valores humanos e mede o grau de evolução social, política e econômica dos povos. Mesmo a opressão mais cruel, aquela baseada no extermínio em massa, consegue ocultá-la apenas momentaneamente.

As sementes da liberdade, imperecíveis, ficam preservadas entre as próprias hostes inimigas e no íntimo de quem as comanda. Tentar eliminá-la implica, portanto, no absurdo de aceitar a autodestruição como ato final ratificador de vitória, ou seja, o suicídio.

As possibilidades de suprimir a liberdade são diretamente proporcionais às chances de se extinguir, não uma raça, um povo, uma nação, mas sim toda a espécie humana. É esta a grande mensagem histórica deste século às gerações futuras.

Como a água que bebemos e o ar que respiramos, liberdade é vida. Não há como conter esse sentimento, pois renasce em cada ser humano, ressurge sempre na herança genética. Negá-la, como qualidade intrínseca de nossa existência, constitui uma demonstração de suprema insanidade. É ela um instinto e chega a sobrepor-se à autopreservação.

Individual ou coletivamente, esse instinto conduz aos conceitos de domicílio e de território. Leva-nos a escolher e a defender os lugares onde nos vemos livres para praticar nossos usos e costumes. Obriga-nos a delimitar o solo seguro no qual nos sentimos vivos em plenitude e não apenas sobrevivendo. Essa busca irrefreável embasa o senso de propriedade, desemboca nas divisões geopolíticas e acaba delimitando os países, onde se juntam as características comuns que identificam as nações. Nestas, a democracia - o governo do povo, pelo povo e para o povo num estado de direito - ainda é a única forma de organização capaz de satisfazer a ânsia libertária da humanidade, cujo progresso se nutre na busca de utopias.

Todas essas verdades foram ignoradas, usadas e negadas na maior monstruosidade deste século, por homens que tentaram destruir a liberdade de seus semelhantes e pagaram por isso com a própria vida. Homens que tentaram escravizar nações inteiras e dizimar inocentes aos milhões, mostrando-se insensíveis até diante do sangue derramado por seus concidadãos, ludibriados e fanatizados através da demagogia e da propaganda, para se engajarem numa aventura de terror suicida.

É o ato mais representativo da derrocada desse empreendimento infame e criminoso que comemoramos hoje, passados 50 anos da assinatura do reconhecimento da vitória dos Aliados sobre a máquina de guerra nazista. Pouco tempo mais, a 14 de agosto de 1945, depois da explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, a capitulação igualmente incondicional das forças japonesas assinalaria a destruição da última engrenagem do nazi-fascismo e o fim da II Guerra Mundial. Mas a alegria daquele 8 de maio - o dia da vitória - ficará perpetuada como a maior demonstração de júbilo já vista sobre a face da terra. Foi o regozijo dos homens livres diante da derrota imposta, mercê de Deus, aos mais celerados liberticidas da história, regozijo que repercute até hoje, fazendo com que nos reunamos nesta Câmara Alta, especialmente para comemorar o dia em que a liberdade e a paz voltaram à luz na maior parte do mundo.

Para nós, que temos a responsabilidade de legislar neste País continente, outras lições foram escritas com o sangue dos 27.261.400 mortos contados oficialmente em ambos os lados, apenas nos teatros de guerra. Delas não poderemos jamais esquecer, sob pena de permitir que ressurjam das próprias cinzas o totalitarismo e o opróbrio.

A primeira lição reza: máximo cuidado com os tratados e os pactos internacionais; máximo cuidado também com os partidos que se pretendem únicos na representatividade dos anseios da nação. Isto porque esses mecanismos políticos fundamentaram todos os horrores vividos pela humanidade nas duas grandes guerras, especialmente na segunda. São instrumentos que continuam a embasar a opressão, a desarmonia e a violência organizada a nível estatal, em diversas regiões do globo, seja na busca de uma odiosa hegemonia religiosa ou racial, seja simplesmente para usufruir benefícios do trabalho escravo. É a síndrome do poder absoluto, contrapondo-se ao instinto libertário do homem. Na verdade, essa contradição humana ainda é, infelizmente, inarredável, mas desaparecerá com o tempo, pois, embora com acontecimentos trágicos, ela mesma produz mais evolução, solidariedade e sabedoria.

Adolf Hitler e seus sequazes, através da unidade monolítica ao redor de uma ideologia e permitindo a existência legal de um só partido político, mostraram como se pode açular e explorar a vaidade em nível nacional e internacional, tirando vantagens da desinformação e da tibieza de dirigentes de outros países. O elenco de acordos internacionais que precederam seus atos de agressão foi produzido pelo gênio diabólico. Através desses instrumentos, percebemos como funcionou sua mente, durante os doze anos nos quais se dedicou à construção do Reich de Mil Anos, desde 1919, quando se infiltrou no Partido dos Trabalhadores da Alemanha para, um ano depois, dar-lhe o nome de Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães.

Eis alguns desses acordos:

Tratado de Não Agressão, por dez anos, com a Polônia, em 1934;

Pacto Anti-Comintern, com o Japão, em outubro de 1936;

Tratado de Munique, em setembro de 1938, pelo qual a Inglaterra, a França e a Itália permitiram à Alemanha a anexação dos Sudetos, importante fortaleza natural que integrava a então Tchecoslováquia e protegia seu território.

Pacto de Aço, com Mussolini, ligando militarmente a Alemanha nazista e a Itália fascista no chamado eixo Roma-Berlim, em maio de 1939;

Pacto de Não Agressão e Amizade, também conhecido como Pacto Ribbentrop-Molotov, pelo qual, em agosto de 1939, Hitler e Stalin aliaram-se e estabeleceram, em cláusulas secretas, a divisão da Polônia;

Tratado da Partilha, celebrado em setembro de 1939, para concretizar a divisão da Polônia entre a Alemanha e a extinta União Soviética.

São simplesmente os acordos da abjeção.

Com a mentira de que a Alemanha e Polônia não se agrediriam durante a década seguinte, o Tratado de 1934 serviu para amortecer a vigilância dos aliados e permitiu a Hitler reestruturar as forças armadas alemãs, à margem das proibições do Tratado de Versalhes, estabelecido ao final da I Guerra Mundial.

O Pacto Anti-Comintern, isto é, contra a expansão da União Soviética, juntou o Japão a Adolf Hitler, em 1936, num momento em que paradoxal e secretamente, as cúpulas nazista e stalinista já trocavam informações para reprimir dissidentes e insubordinados indesejáveis nas próprias fileiras. Ao mesmo tempo, militares alemães recebiam treinamento na URSS às ocultas.

Pelo "Tratado de Munique", a Inglaterra e a França juntaram-se ao coro nazi-fascista, em 1938, concordando com o início do expansionismo alemão na Europa, através da anexação dos sudetos. Seis meses depois da anexação, sem a sua proteção natural e bélica, a então Tchecoslováquia foi invadida, retalhada e dividida entre a Alemanha, a Polônia e a Hungria.

Pelo "Pacto de Aço", os nazistas e fascistas já se consideravam, em maio de 1939, donos da verdade e virtuais senhores do mundo. Três meses depois, a Alemanha hitlerista e a URSS stalinista formalizavam, no "Tratado de não agressão e Amizade", a aliança espúria e acertavam, adrede, a divisão da Polônia. A Alemanha apoderou-se imediatamente de metade do território polonês a Oeste, o que deu início à II Guerra Mundial. A URSS invadiu e satelizou, logo em seguida, a metade daquele país a Leste. No mês seguinte, as cláusulas que eram secretas no tratado anterior transformaram-se no documento público de partilha dos despojos poloneses.

Jogo de intrigas, mentiras, fraquezas, traições e vilanias, ora batizado de tratado, ora de pacto, no qual se assentou a destruição da Europa, e, em seguida, de países ao Sul do Pacífico. Destruição que acabou por ceifar em nossas águas as vidas de setecentos e quarenta e dois homens, mulheres e crianças, tripulantes e passageiros de navios mercantes brasileiros torpedeados, lançando o Brasil na guerra contra o Eixo.

Em apenas dois dias, 18 e 19 de agosto de 1942, os submarinos nazi-fascistas afundaram cinco navios nercantes brasileiros - Araraquara, Aníbal Benévolo, Baependi, Itagiba e Arara - à vista das praias de Sergipe e Alagoas.

Sete meses antes, o Brasil honrara seus compromissos, rompendo relações com os países do Eixo, em solidariedade aos Estados Unidos da América, alvos da agressão japonesa a Pearl Harbor no mês anterior, quando 2.330 soldados e oficiais morreram e 1.145 ficaram feridos.

De janeiro a agosto, sem declaração de guerra, 14 navios brasileiros indefesos foram postos a pique covardemente. Além dos já mencionados, eram eles o Bagé, Cabedelo, Buarque, Olinda, Arabuta, Cairu, Parnaíba, Comandante Lira, Gonçalves Dias, Alegrete, Pedrinhas, Tamandaré, Piave e Jacira. Ao clamor popular, seguiu-se a declaração de guerra, a 22 de agosto de 1942, e ao engajamento do Brasil nos esforços dos aliados. Outros países sul-americanos tiveram navios afundados e declararam guerra ao Eixo. Mas, dentre eles, somente o Brasil esteve presente no conflito com suas três armas e contribuiu, de fato, para a vitória final.

Nascido a 20 de abril de 1889, em Braunau, na Áustria, Adolf Hitler naturalizou-se alemão em 25 de fevereiro de 1932, cinco meses antes de seu Partido conquistar 37% dos votos, ou seja, 230 cadeiras no Reichstag, o parlamento alemão. Em parceria com o secretário Rudolf Hess, já havia resumido suas teses no livreto Mein Kampf, ou seja, Minha Luta, de discutível valor literário e inquestionável conteúdo perverso. Ambos haviam passado 9 meses no presídio de Landsenberg, pós uma tentativa de golpe na Baviera, em 1923, quando Hitler já havia galgado a Presidência do Partido Nacional Socialista.

Realmente, após a derrota na I Guerra Mundial, a Alemanha mergulhara no caos econômico e lançara o povo na miséria. Hitler, pintor de paredes, ex-cabo do exército condecorado com a Cruz de Ferro, soube explorar a situação e transformou o partido numa organização paramilitar, destinada à conquista do poder absoluto. Conseguiu esse poder 4 anos depois da primeira tentativa eleitoral, em 1928. Então, mesmo com as ações violentas de suas tropas SA e SS, o Partido Nazista conseguiu apenas 810 mil votos para o parlamento, contra 9 milhões de votos dados ao Partido Social Democrata, e 2.350.000 (Dois milhões, trezentos e cinqüenta mil) recebidos pelos comunistas. Duas eleições mais e, a 30 de janeiro de 1933, com 230 cadeiras no Parlamento, Hitler conseguia ser nomeado Chanceler pelo Presidente Hindenburg, que o derrotara na eleição presidencial anterior. Ao título de Chanceler, Goebels, seu encarregado de propaganda, acrescentou a palavra Führer para apresentá-lo como Chefe Supremo da Alemanha.

A determinação doentia do Führer encontra explicação não só genética, pela gestação consangüínea, como na medicina, pois era ele portador de sífilis contraída em Viena, em 1910. A moléstia foi diagnosticada em 1918, um mês antes do armistício da I Guerra Mundial, no Hospital Militar de Pasewalk pelo Major-Médico Victor Kruckmann. Hitler fora ali internado em conseqüência de cegueira temporária. Atribuída, inicialmente, ao uso de alguma arma química, essa doença foi cercada de segredo pelos nazistas, por motivos óbvios, mas teve confirmação, após a derrocada do III Reich, através do médico particular de Himmler, o Dr. Félix Kersten. Aliás, a equipe médica de Hitler contava com um venereologista de renome, o Dr. Helmut Spietheff, e qualquer indiscrição sobre o assunto seria punida com a morte, conforme determinação pessoal de Himmler, o senhor da "SS".

Era esse, então, o homem que comandava, no nível máximo, todas as forças nazistas, isto é, a máquina de guerra que os brasileiros iriam enfrentar no Atlântico Sul e em terras localizadas a milhares de quilômetros do solo pátrio. Forças que não tinham escrúpulos em exterminar, em câmaras de gás, mulheres, crianças, velhos, jovens que constituíssem minorias étnicas ou "raças inferiores", como pregava seu "führer". Forças que contabilizaram, nos campos de extermínio e nos fuzilamentos em massa, seis milhões de mortos apenas entre os judeus. Forças impiedosas que dispunham da vida de populações inteiras, quando queriam vingar-se do heroísmo de algum grupo de resistentes.

A declaração de guerra deflagrou a mobilização nacional brasileira. De imediato, coube à Marinha escoltar comboios de navios nacionais e aliados; à Força Aérea, o patrulhamento de nosso litoral; e, ao Exército, além da vigilância territorial, a organização da Força Expedicionária Brasileira, nossa gloriosa FEB, estruturada em 1943 sob o comando do General-de-Divisão João Baptista Mascarenhas de Morais.

A FEB atingiu o efetivo total de 25.334 (vinte e cinco mil trezentos e trinta e quatro) homens. Seu transporte marítimo para a Europa, sob escolta de belonaves brasileiras, começou em 2 de julho de 1944. Com ela, seguiu o I (Primeiro) Grupo de Caças da FAB, integrado por 42 oficiais, 400 praças e dotados de 28 aviões "Thunderbolt" P-47.

Na Itália, o I escalão da FEB foi imediatamente incorporado ao V Exército americano, sob o comando do General Mark Clark. De Nápoles, os pracinhas seguiram para a região de Pisa, na Toscana, centro-oeste da Itália, e iniciaram as operações. Lutaram na Região dos Apeninos, entre os rios Arno e Pó. Mais tarde, combateram no Piemonte, já no norte daquele País.

As primeiras vitórias brasileiras - ocupação de Massarosa e Bozzano - acontecem a 16 de setembro daquele ano. Dois dias depois, comandadas pelo General-de-Brigada Zenóbio da Costa, nossas tropas ocupam Camaiore. Em 30 de outubro, conquistam La Rochette, Lama de Sotto, Lama Di Sopra, Prodoscello, Colle e o Monte San Quirico.

O Monte Belvedere cai a 21 de fevereiro de 1945 e, no mês seguinte, será a vez dos Montes Della Castellana e Castelnuovo, o que permitiu o controle pelos aliados do tráfego através da estrada Porreta Terme-Morano. No dia 21, conquistamos, ainda, Montese, Montello e Zocca.

Gostaria de incorporar ao meu discurso o artigo do General Rubens Restel, escrito hoje no Jornal O Estado de S. Paulo, em que ele destaca a luta na conquista de Montese.

Uma divisão alemã inteira - a 148ª (centésima quadragésima oitava) de infantaria - rende-se à FEB em 28 de abril e nossos pracinhas capturam 14.779 (quatorze mil, setecentos e setenta e nove) soldados nazistas. Também rendem-se à FEB o General Joseph Von Pimsel e o seu 75º (septuagésimo quinto) Corpo do Exército Alemão. Com isso, ultrapassa de 20 mil o número de prisioneiros. No final, contava-se quase um prisioneiro para cada combatente brasileiro.

Mas, é na tomada do Monte Castelo - local inexpugnável aos olhos alemães - que se vê toda a coragem e bravura do soldado brasileiro.

Em 24 de novembro de 1944...

O Sr. José Roberto Arruda - V. Exª me permite um aparte.

O SR. ROMEU TUMA - Pois não, Senador.

O Sr. José Roberto Arruda - Vou em socorro da emoção de V. Exª, no instante em que conta, de forma lúcida e no momento certo, uma das páginas mais bonitas da História do nosso País. Gostaria de, por delegação do Senador Elcio Alvares, interrompê-lo para fazer dois registros: o primeiro deles para nos juntarmos à homenagem de V. Exª e nos posicionarmos de forma solidária ao preito desta Casa aos ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira. V. Exª, ao descrever com rara felicidade os momentos difíceis da História da humanidade deste século, lembra a todos nós que há cinqüenta anos a determinação e a coragem de vinte e cinco mil brasileiros deixaram gravadas, de forma indelével, na História do mundo moderno, a coragem do nosso País em se aliar aos povos que têm um pacto permanente com o sentimento de liberdade. O Brasil, mais do que participar da Segunda Grande Guerra, mais do que conquistar vitórias importantes nos campos da Europa, inscreveu o nome do nosso País, naquele momento, entre os povos que não admitem viver sem liberdade. O segundo registro, se me permite o Senador Romeu Tuma, é de que o Brasil se fez representar no último fim de semana, em Londres, nas Comemorações dos 50 Anos do fim da Segunda Grande Guerra. E de maneira marcante, não só porque o próprio Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, lá esteve; como também, ao levar os resultados de uma Nação que se transforma, que se consolida como Estado democrático e que se moderniza rapidamente aos olhos da economia internacional, Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, de forma altaneira, até para resgatar o espírito dos ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira, fez um alerta ao mundo de hoje, mostrando a presença do Brasil e de outras nações que, como o Brasil, se fizeram presentes nos combates encerrados em 1945, devem ter assento no Conselho de Segurança da ONU, para que, sob os olhos postos nas experiências do passado, não cometa a humanidade erros semelhantes. Neste momento, Senador Romeu Tuma, com esses dois registros, eu gostaria de parabenizá-lo pela feliz iniciativa e de incorporarmos a homenagem que V. Exª, merecidamente, lembra a esta Casa de prestar aos valentes brasileiros que escreveram, com sua coragem e determinação e, muitos deles, com a própria vida, o nome do nosso País na História da humanidade. E, mais do que isto, gostaríamos de, ao parabenizá-lo pela iniciativa, cumprimentar a todos os presentes, Ministros de Estado, Senadores da República, autoridades. Confesso que faço este aparte com emoção, porque estão aqui homens que dedicaram uma página importante de suas vidas para que o Brasil hoje fosse reconhecido no cenário internacional como um País que honra as causas da liberdade. Muito obrigado.

O SR. ROMEU TUMA - Agradeço o aparte de V.Exª e, com muito orgulho, incorporo-o ao meu discurso, pois só vem engrandecê-lo.

Em 24 de novembro de 1944, tenta-se o primeiro assalto. As tropas alemães, bem municiadas e abastecidas, estão na mais privilegiada posição e conseguem rechaçar nosso ataque. As duas investidas seguintes - uma cinco dias depois, outra no dia 12 do mês posterior - também fracassam. Tomar Monte Castelo transforma-se em ponto de honra.

O amanhecer do dia 21 de fevereiro de 1945 encontra o combate decisivo em plena marcha. A vitória nos sorri ao anoitecer, 12 horas depois, mas do primeiro ao último ataque, entre oficiais e praças, tirara a vida de mais de 400 jovens brasileiros.

Desde a chegada, a Força Aérea Brasileira bombardeava incessantemente, em vôos picados, os pontos sensíveis das vias de transporte e as posições de artilharia em poder das forças inimigas. Dava também apoio às operações terrestres da FEB; escoltava aviões aliados, protegendo-os dos caças inimigos; e cumpria missões de reconhecimento armado, enfrentando pesado fogo antiaéreo.

No total, a FAB executou 2.546 saídas ofensivas. Em 5.415 horas de vôo, lançou 4.432 bombas, com mais de 1.010 toneladas de peso global, além de 800 foguetes, e disparou 1.180.200 (um milhão cento e oitenta mil e duzentos) tiros de metralhadora. Dos 48 oficiais enviados à Itália, cinco foram mortos pelo fogo antiaéreo, três pereceram em acidentes, oito feriram-se quando seus aviões foram abatidos e um caiu prisioneiro ao precisar saltar de pára-quedas em território inimigo.

De um relatório do 350º (tricentésimo qüinquagésimo) Regimento de Caça Aliado, arquivado em Washington, consta textualmente que "de 6 a 29 de abril de 1945, o Grupo de Caça Brasileiro voou cinco por cento das saídas executadas pelo 22º Comando Aéreo Tático. Os efeitos arrasadores desses diminutos 5%, ainda segundo o relatório, espelham bem o desempenho glorioso e admirável dos "Senta a Pua". Diz o documento, referindo-se ao balanço geral da destruição causada pelo 22º Comando Aero-Tático: "Dos resultados totais obtidos, foram creditados ao Grupo de Caça Brasileiro 15% dos veículos, 28% das pontes, 36% dos depósitos destruídos e 85% dos depósitos danificados".

E aí não está computado o trabalho da Esquadrilha de Ligação e Observação, que, voando baixo e sob o fogo antiaéreo, orientava a artilharia na precisão dos tiros.

No âmbito da atribuição de nossa Marinha, a primeira medida foi a criação de uma região estratégica de defesa, denominada "Subaérea do Atlântico Sul", onde lhe coube prover grupos de ataque para patrulhas anti-submarinas: escoltar navios, patrulhar as proximidades das costas e garantir a segurança dos portos brasileiros. Sozinha, escoltou 174 comboios em águas brasileiras e 21 em estrangeiras, num total de 195 missões. Além disso, em cooperação com belonaves norte-americanas, executou a escolta de mais 181 comboios em nossas águas e de 70 em estrangeiras, totalizando 251 missões. Ao final, 1.396 navios nacionais e 1.505 estrangeiros foram escoltados por nossa Armada, que também marcou sua história com coragem e competência. Isso lhe custou 500 mortos.

Finalmente, a 2 de maio de 1945, na presença do General Mark Clark, o General Von Senger Und Etterlin assina a capitulação incondicional das tropas alemãs na Itália. Encerrava-se, assim, nossa atuação na II Guerra Mundial, na qual 1.446 brasileiros encontraram a morte no mar e 443 nos campos de batalha italiano. Cinco dias depois, com a rendição dos nazistas, na Alemanha, terminava o conflito em toda a Europa. Nossos Expedicionários podiam voltar para a casa e receber as maiores homenagens da Nação em todas as cidades pelas quais iriam passar. As cinzas de nossos heróis mortos no conflito foram, em sua maioria, repatriadas depois, em 1960, para repousar no monumento aos mortos da II Guerra Mundial, no Rio de Janeiro.

Três anos antes de a FEB chegar à Itália, a participação dos Estados Unidos da América, já então a maior potência mundial, quebrara a invencibilidade alemã. Com o maciço fornecimento de armas, munições, veículos e até fardamentos a seus aliados, na maior mobilização industrial militar já vista, fizeram reverter a situação do norte da África à União Soviética, onde os episódios históricos se sucediam sem maior efeito sobre o poderio nazi-fascista. À tenacidade de quem estava a defender a própria vida e o próprio lar, seja engajado nas tropas regulares, seja combatendo como resistente, juntou-se à fartura logística proporcionada pelos Estados Unidos da América. E o curso da guerra foi mudado. Mas isso só viabilizou graças também a três fatos anteriores de especial expressão na derrocada do "Reich".

O primeiro foi a retirada de Dunquerque, no início do conflito, quando a maior parte das forças aliadas conseguiu escapar do cerco alemão no litoral francês, viajando em embarcações de todos os tipos, até a remo, para recompor-se do outro lado da Mancha, na segurança do solo inglês. Com isso, Hitler perdeu a chance de encerrar sua "guerra relâmpago" - a blitzkrieg - com a capitulação aliada no momento em que as divisões Panzer estavam no auge do seu poderio. O heroísmo dos soldados franceses que se imolavam para conter o avanço dos tanques nazistas e dar tempo à retirada das tropas pelo mar jamais poderá ser esquecido. Hitler, depois, não conseguiu derrotar a Inglaterra, uma base perfeita para os ataques aéreos permanentes e para a ofensiva aliada.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - Desde logo, salto o capítulo das desculpas por estar interrompendo V. Exª. Mas tenho a impressão de que V. Exª está a se acercar do final do seu discurso. Não queria interrompê-lo para não tumultuar a linearidade dessa peça densa, bem montada, com traços históricos inconfundíveis. Se o faço, Senador Romeu Tuma, é porque o requerimento de V. Exª declara que o propósito é reverenciar a memória de milhões que tombaram naquele episódio de nossa história e, de maneira muito especial, os soldados brasileiros mortos em defesa do ideal da democracia e da liberdade. Só isto, por si só, a que todos nós aderimos, dá idéia do que se homenageia nesta tarde. A figura do chefe do Estado-Maior, General Benedito Leonel, do lado direito da Presidência do Senado, e o antigo chefe do Estado-Maior demonstram o apreço que o Senado, esta Casa Legislativa, tem pela palavra liberdade. Era ainda garoto de calças curtas, e lembro-me da época em que na minha rua transitavam aqueles soldados que iam embarcar no Porto de Manaus, eu os ouvia cantando "nós somos da Pátria amada fiéis soldados". Até hoje isso ecoa nos meus ouvidos, dando a idéia correta do que foram os pracinhas, quando se cunhou a frase: "A cobra está fumando". Nesta tarde, contamos com a presença de ministros. E eu destaco dois bem ao nosso lado: velho e querido amigo Ministro Eduardo Jorge e o Ministro Clóvis Carvalho. Talvez poucas pessoas possam ter sentado nestas cadeiras com tantos méritos. Poucas. Poucas lutaram tanto pela liberdade como esses pracinhas que envelheceram, mas não envileceram. Foram corajosos, porque a palavra vil ou vilania nunca os atingiu. E em lá chegando, Senador Romeu Tuma, despreparados em termos do frio que ali estava, souberam suportar todas as agruras da vida, para que um dia dissessem a nós, que aqui ficamos, que valeu a pena a luta, a resistência, os sofrimentos, os embates. Não fossem eles, nossos heróis, os pracinhas, e se não tivesse havido a queda da ditadura em 1945, quem sabe se o Legislativo de hoje seria o que é. Não foi apenas a guerra lá fora, mas a nossa também aqui dentro. Devemos muito a eles. Seria impossível imaginar a história do Brasil sem a ida dos nossos expedicionários. De modo que o Senado hoje tem a oportunidade não de resgatar uma dívida, porque esta jamais será resgatada, mas de dizer, cumprindo uma formalidade até litúrgica pelo seu gesto, a toda a Nação brasileira que o Legislativo continua sendo o mais autêntico dos Poderes, porque é nesta Casa que ecoam todos os reclames populares; é dela que saem todas as justiças, como a que V. Exª, Senador Romeu Tuma, está a fazer neste instante, no seu discurso.

O SR. ROMEU TUMA - Agradeço V. Exª, principalmente pela lembrança de que, se aqui estamos com a liberdade de manifestar as nossas vontades, com a liberdade de expressão, devemos a esses jovens, a quem, com muito orgulho, hoje cedemos os nossos lugares nesta Casa.

Incorporo o seu discurso ao meu, Senador Bernardo Cabral, e agradeço a V. Exª pela eloqüência e pelo sentimentalismo das suas palavras.

Às vezes nos perdemos, porque a emoção é algo que desfigura o próprio raciocínio e o coração bate tão forte que os ouvidos esquecem de ouvir os ditames da inteligência.

Não poderia deixar de citar esse fato, que foi a retirada de Dunquerque, porque trouxe na história da guerra não só a posição da Resistência Francesa, na palavra de ordem do General Charles de Gaulle, para obrigar os alemães a repetirem, na França, a imobilização corrosiva de grandes efetivos. O raciocínio de Charles de Gaulle era manter ocupadas as forças alemãs, pela persistência dos grupos franceses de resistência, para repetirem o que acontecia igualmente em outros países subjugados mas aguerridos, como a Iugoslávia, a Holanda, a Noruega, a Bélgica e a Polônia. Das Ilhas Britânicas, os veteranos de Dunquerque voltaram ao continente no dia "D", ao lado das forças norte-americanas e canadenses. Em 6 de junho de 1944, com o fenomenal desembarque nas praias da Normandia, os aliados começaram a despejar 326 mil homens, 54 mil veículos e 104 mil toneladas de provisões no rastro dos nazistas.

O segundo acontecimento quase passou despercebido, mas decidiu praticamente o curso da guerra na frente oriental, pois obrigou Hitler a repetir o erro de Napoleão. Ambos subestimaram a extensão do território russo e desprezaram o fato de que o frio do inverno não tem hora certa para chegar. Esse acontecimento foi uma revolta popular na Iugoslávia ocupada, que forçou Hitler a atrasar por um mês o início da "Operação Barbarossa", isto é, a invasão da União Soviética. Ao mesmo tempo, a natureza conspirava para que o inverno russo chegasse um pouco mais cedo e mais rigoroso. Em conseqüência, o frio, a neve e o gelo russos, catastróficos para quem não está preparado, atingiram em cheio as tropas de Hitler, que se encontravam a somente 20 quilômetros de Moscou.

Finalmente, ainda na blitz contra os soviéticos, o barbarismo nazista incumbiu-se de promover a união de todos - ucranianos, cossacos, russos brancos, outros povos e etnias - em obediência aos apelos de Stalin, seu opressor doméstico. Essas populações odiavam a tirania stalinista e, por isso, chegaram a receber os alemães como "libertadores", à entrada de aldeias e povoados, oferecendo-lhes pão e sal, sua mais tradicional manifestação de hospitalidade. Mas, os nazistas responderam com massacres de inocentes, como forma de vingança contra alguns punhados de guerrilheiros. As barbaridades despertaram o furor dessas populações e fê-las atender aos apelos de Stalin. Arrasaram as próprias casas, as aldeias, as cidades, as plantações e as criações, para que não dessem abrigo aos invasores nem os sustentassem. Estes, acostumados a nutrir-se dos bens que rapinavam, viram-se, de repente, como dependentes totais de extensas e impraticáveis linhas de abastecimento. Sua ofensiva esvaiu-se e, no confronto com a tenacidade heróica e imbatível das tropas e dos habitantes de Stalingrado, transformou-se no marco inicial do desmoronamento do III Reich.

A atitude defensiva soviética mudou para uma Blitzkrieg às avessas. Batidos em todas as frentes, os nazistas rendiam-se ou debandavam de volta à Alemanha. Enquanto isso, os aliados liberavam os países europeus ocupados a oeste e aceleravam a marcha sobre a retaguarda inimiga. A artilharia e os morteiros já demoliam o que restara de Berlim quando Hitler, na aberração suprema, decretou a Volkssturm, uma mobilização geral e final para transformar em combatentes desde os meninos de 14 anos até os velhos de 75 anos. Queria que, na derrota, a Alemanha e seu povo desaparecessem com ele.

No final, protegido da metralha e das bombas apenas pelo teto de seu Bunker subterrâneo na chancelaria, o Führer, derrotado, preferiu suicidar-se.

Encerrava-se, assim, mais um ciclo da autodestruição reservada aos liberticidas.

Cinco dias depois, em 7 de maio de 1945, em Reims, na região de Champagne, França, o General Jodl, Chefe do Estado- maior alemão, e o Almirante Doenitz, que comandara os submarinos nazistas, assinaram a capitulação incondicional da Alemanha.

No dia seguinte, em Berlim, a rendição era ratificada pelo Marechal Keitel, Chefe do Estado-Maior nazista, Comandante da Wehrmacht e que, como outros sequazes de Hitler, foi condenado à morte e executado em Nuremberg.

Senhor Presidente, Senhores Ministros, Senhores Pracinhas, Senhoras e Senhores Senadores, meus amigos, estamos no dia da vitória da luz sobre as trevas!

Honra e glória aos brasileiros imolados na defesa da Pátria e a todos os que deram a vida pela liberdade e pela paz entre os povos!

Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 09/05/1995 - Página 7830