Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM O DESEMPREGO NO DISTRITO FEDERAL, EM CONTRAPOSIÇÃO AOS BENEFICIOS SOCIO-ECONOMICOS DO PLANO REAL.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM O DESEMPREGO NO DISTRITO FEDERAL, EM CONTRAPOSIÇÃO AOS BENEFICIOS SOCIO-ECONOMICOS DO PLANO REAL.
Aparteantes
Geraldo Melo, Gerson Camata, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DCN2 de 27/05/1995 - Página 8876
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, POLITICA, AUMENTO, TAXAS, JUROS, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, EFEITO, DIFICULDADE, OBTENÇÃO, FINANCIAMENTO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA OFICIAL, AMEAÇA, FALENCIA, EMPRESARIO, PEQUENA EMPRESA, MEDIA EMPRESA, REDUÇÃO, NIVEL, OFERTA, EMPREGO.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, após longos anos de convivência com a inflação, o povo brasileiro tem agora uma noção saudável do valor da moeda.

A adaptação a uma economia com moeda estável - neste curto período de vigência do Real - ainda não está livre de sobressaltos, como um certo descontrole no consumo e uma euforia até certo ponto justificada.

Não há dúvida, Sr. Presidente, de que os níveis civilizados da inflação nos dias de hoje constituem êxito inquestionável da política econômica do Governo Fernando Henrique Cardoso, capaz de viabilizar objetivos permanentes de crescimento e justiça social.

A estabilidade monetária é requisito indispensável para restaurar a confiança dos investidores brasileiros e estrangeiros, possibilitando investimentos que, com certeza, levarão o Brasil a deslanchar o seu processo de desenvolvimento auto-sustentado.

Paralelamente, também merece aplauso a determinação do Governo de dar prosseguimento efetivo ao programa de privatização em bases consistentes e definitivas, retirando-se de atividades que devem ser deixadas a cargo da iniciativa privada.

Com tais medidas, o Governo dá mostras de que pretende, verdadeiramente, exercer o seu papel de fomentador do crescimento econômico, orientando seus esforços para setores essenciais, bem como para o financiamento de projetos de ponta, para os quais o capital privado nacional não disponha de volume de recursos suficiente e nem se possa atrair capitais de fora.

Tudo isso, Sr. Presidente, naturalmente, é muito estimulante e constitui um lampejo de luz no fim do túnel, capaz de dar alento a uma população que há décadas vem sofrendo os efeitos de uma crise que se julgava interminável.

Mas, em que pese tudo isso, é impossível desconhecer que uma enorme parcela da população continua a sofrer níveis aviltantes de pobreza e miséria. Sintomaticamente, para citar uma realidade que salta aos nossos olhos, pesquisa recente da Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central - CODEPLAN, acaba de revelar um contingente de 118 mil desempregados no Distrito Federal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na verdade, o povo brasileiro não pode mais aguardar pelo efetivo resgate da dívida social e por uma melhor distribuição de renda neste País. Somente de brasileiros indigentes - assim considerados os indivíduos que no máximo conseguem satisfazer suas necessidades diárias básicas de alimentação - temos 32 milhões de pessoas. Essa é, sem dúvida, a mais contundente e a mais vergonhosa das estatísticas nacionais!

Frente a essa realidade, não é mais possível, Sr. Presidente, alimentar a sociedade apenas com esperanças e expectativas, vendendo-lhe ilusões irrealizáveis. É chegada a hora de passar-se da retórica para a ação concreta.

O que produz a fome, a miséria e a pobreza no Brasil é obviamente um certo modo de organização da nossa economia. Naturalmente, como bem sabem os Srs. Senadores, um modelo econômico, embora tenha seu cerne constituído de variáveis econômicas, sofre a influência de fatores políticos, sociais e culturais da sociedade.

Amiúde, tem-se mencionado as taxas de juros como responsáveis por uma crise que começa a ganhar corpo nos setores da indústria e principalmente do comércio em nosso país.

A taxa de juros elevada, sem dúvida, representa hoje um pesadelo para a classe empresarial brasileira, especialmente para os médios, pequenos e microempresários, que são responsáveis pela parcela mais expressiva do nosso mercado de trabalho, ou seja: são geradores majoritários de emprego e, nessa condição, parceiros indispensáveis no combate à pobreza e à miséria.

Com relação à pequena e à microempresa, aliás, se queremos efetivamente diminuir as injustiças sociais, com melhor distribuição de renda e mais empregos para a população, o Governo precisa se conscientizar, urgentemente, de que cabe ao sistema financeiro a função básica de promover o financiamento das atividades do setor. Só assim seremos capazes de gerar um novo ciclo de crescimento econômico, ampliando a oferta de empregos e fortalecendo o mercado interno.

Entretanto, como pode o pequeno empresário sobreviver e obter financiamento com taxas de juros tão elevadas?

Segundo os economistas, inflação alta é o combustível que alimenta a ciranda financeira e impede o crescimento econômico sustentado, além de promover a elevação das taxas de juros. A inflação, como já disse, está parcialmente controlada e em níveis bastante civilizados.

No que se refere especificamente às taxas de juros, a opinião dos especialistas é muito mais cabalística do que propriamente científica: fica-se numa discussão estéril para se saber se é a inflação que causa juro alto ou se é o juro alto que causa a inflação. Não sendo economista, mas um curioso contumaz, entendo que inflação alta e juro alto se retroalimentam continuamente, num efeito, digamos assim, circular.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço V. Exª com muita atenção, nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - A pergunta que V. Exª estava fazendo seria importante há dez meses, porque tínhamos inflação alta e juro alto. Dizia-se que, com uma inflação daquelas, somente seria possível aquele juro. Mas estamos com uma inflação de 3% e um juro de 16%. Isso é que não se consegue entender. Essa pergunta, hoje, não cabe mais. A pergunta é outra: como é possível, numa inflação de 3%, ter-se um juro de 16%? Como podem os bancos cobrar juros de 16% quando pedimos dinheiro emprestado, se nos dão 3% de rendimento quando colocamos o dinheiro na poupança?

O SR. VALMIR CAMPELO - A pergunta que V. Exª faz é em sentido contrário e causa o mesmo efeito. Desejo louvar a sua interferência, que incorporo, com muita propriedade, ao meu pronunciamento.

Continuando, Sr. Presidente, à parte a cabala dos economistas, interessa mesmo é saber que as elevadas taxas de juros praticadas atualmente estão provocando o pânico entre os nossos empresários, notadamente nos de pequeno e médio portes.

A impossibilidade de arcar com taxas de juros elevadas está levando muitos empresários à falência Brasil afora.

O resultado dessa compreensão das atividades da indústria e do comércio, cuja única alternativa é reduzir a produção, demitir empregados ou fechar as portas definitivamente, não interessa ao Brasil.

Srªs e Srs. Senadores, não pretendo discutir se as elevadas taxas de juros têm por objetivo manter a inflação em níveis civilizados ou se visam conter o consumo, como já anunciaram alguns próceres da nossa economia.

O Sr. Gerson Camata - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço, com atenção, V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Gerson Camata - Senador Valmir Campelo, acompanho o pronunciamento de V. Exª, que o iniciou observando que, se existe a crise dos juros elevados, que ameaça - e já começamos a perceber problemas sérios na indústria, no comércio, enfim, nas empresas brasileiras -, há também algum sinal, algum horizonte bom à frente; a inflação está mais ou menos domada, o programa de privatização continua, começando a se acelerar agora. Ou seja, apesar do quadro negro, V. Exª, logo no início do seu discurso, afirmou que no fundo do túnel vê-se uma luz. Torcemos para que não seja um outro trem vindo em direção contrária. Mas gostaria de dizer que a preocupação de V. Exª e do Senador Pedro Simon advém de um fato: no momento em que a inflação foi domada - e sempre ocorre isso no Brasil -, houve uma explosão de consumo. Tínhamos reservas monetárias razoáveis e começamos a suprir esse aumento violento do consumo por meio da eficiência dos outros: se o arroz no Brasil está caro, trazemos arroz da China, ou da Indonésia; se o automóvel do Brasil está caro, trazemos automóvel dos Estados Unidos, ou do Japão; e começamos a trazer água mineral, batata frita, produtos nem tão essenciais ao consumo nem às necessidades básicas do País. Num determinado momento, as reservas começaram a se esgotar, e não podíamos mais combater a inflação em cima da eficiência dos outros; temos que promover a nossa eficiência. E como fazemos isso? Ao invés de importar o automóvel, temos de produzi-lo em maior quantidade e mais barato - maior produtividade, preço mais baixo. Da mesma forma, na agricultura, na indústria do vestuário e em todos os setores da atividade produtiva nacional. Os juros subiram porque o Banco Central colocou um aspirador na economia. A cada R$1,00 que se coloca no depósito a vista, o Banco Central recolhe R$0,90; a cada R$1,00 aplicado em poupança, o Banco Central recolhe R$0,60; a cada empréstimo que um banco faz de R$1,00, o Banco Central suga mais R$0,60. Portanto, o Banco Central - o único lugar do Brasil onde existe hoje muito dinheiro - está sugando toda a economia com esse aspirador gigante, provocando a elevação dos juros. E o que existe atrás disso? O Governo tentando conter o consumo, porque não há um aparelho produtivo capaz de atender à demanda com a nossa eficiência brasileira. E o que o Governo está perseguindo agora? Penso que seja o programa acelerado das privatizações, para fazer recursos e repor, acertar e alongar o perfil da dívida interna, para poder ir abrindo os juros. As empresas brasileiras começam a produzir com mais eficiência, atendendo a essa demanda de consumo. Ou também pode incentivar as exportações, para que tenhamos divisas para comprar lá fora aquilo que a indústria brasileira não consegue atender, a um preço justo, aqui dentro. V. Exª tocou em um outro ponto importante, o programa da privatização. Estamos agora com a greve da PETROBRÁS. Há quatro ou cinco anos, havia as constantes greves da CSN, que é uma siderúrgica localizada no Estado do Rio de Janeiro, mas que abalava a República quando entrava em greve. Foi privatizada e nunca mais houve uma greve. Ela está pagando os tributos atrasados que anteriormente não pagava, quando estatal. Melhorou o nível salarial dos seus empregados. No Espírito Santo, temos a Companhia Siderúrgica de Tubarão. Eram greves selvagens: apedrejavam os ônibus, quebravam, paralisavam o trânsito no centro da cidade, quando ela era do "povo". Agora, não é mais do povo, é privatizada. Nunca mais houve uma greve, melhoraram os salários e os direitos sociais dos trabalhadores, como atendimento médico. A privatização, no mínimo, alivia as tensões sociais, nas duas pontas, e permite que o Governo dedique-se a promover o que deve: saúde, educação, segurança e os atendimentos das necessidades básicas dessa população que V. Exª cita, 40 milhões de brasileiros que estão fora do convívio da nossa comunidade. Nessa empresa estatal, a CST - Companhia Siderúrgica de Tubarão, o Governo teve US$2 bilhões de prejuízo. Imagine V. Exª se o Governo, ao invés de ter enterrado US$2 bilhões na siderúrgica deficitária do Espírito Santo, tivesse-os investido em programas de educação, de desenvolvimento, de infra-estrutura, para o povo do Espírito Santo; o nosso Estado seria hoje o primeiro mundo, seria um Estado europeu dentro do Brasil. No entanto, jogou-os fora, no lixo. E assim o Brasil joga dinheiro no lixo na TELEBRÁS, na PETROBRÁS. É preciso parar com esse sangramento que o Brasil sofre e levar o País a sério, como V. Exª prega no seu discurso. Muito obrigado.

O SR. VALMIR CAMPELO - Obrigado a V. Exª, nobre Senador Gerson Camata. Suas palavras complementam o meu pronunciamento e fico muito honrado pela sua experiência, pela sua vivência, principalmente no seu Estado.

O Sr. Geraldo Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço V. Exª com muito prazer, nobre Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo - Senador Valmir Campelo, congratulo-me com V. Exª, que dá andamento às manifestações de preocupação ontem iniciadas nesta Casa pelo Senador Pedro Simon, que já aflorava com a sua autoridade, com a sua responsabilidade, a questão da política de juros no Brasil. Associando-me a essas preocupações, gostaria apenas de registrar o seguinte: na realidade, as autoridades econômicas elevam a taxa de juros como uma forma - já foi dito aqui - como forma de contenção da demanda. Por que isso é necessário; para baixar a inflação ou para mantê-la sob controle? Isso é necessário porque existe um desequilíbrio entre os dois fluxos, de oferta e de demanda, excesso de demanda elevando os preços. Se o analista quiser, pode colocar desta maneira ou dizer que há excesso de demanda ou deficiência de oferta. O nosso problema é que só sabemos atuar sob a demanda. O organismo econômico no Brasil está nitidamente com infecção e o seu sintoma é a febre, ou seja, a inflação. A inflação tem causas que precisamos combater com antibióticos, mas estamos combatendo com antitérmicos. Damos 30 gotas de Novalgina e a febre baixa, daqui a uma semana a febre volta e damos 60 gotas, uma semana depois a febre volta e passamos a dar um vidro de Novalgina. No momento, parece que estamos dando um litro de Novalgina de cada vez, até que matemos o doente. A grande questão seria, na minha maneira de ver, descobrir o limite. Porque, onde as pessoas têm juízo, a taxa de juros fica ao redor, com moeda estável, de 10% a 12% ao ano, que já é considerada muito elevada. A do Brasil está em 15% ao mês. Não sei como isso se chama, porque, elevada, é 12% ao ano. Ainda temos que criar um adjetivo. Nobre Senador Valmir Campelo, já que não há limite, poderíamos criar um. Se é mais importante dizer que não há demanda, poderíamos proibir qualquer pessoa de comprar. Retira-se totalmente o dinheiro de circulação, considera-se crime capitulado na Constituição alguém comprar uma caixa de fósforo ou um quilo de feijão. Provavelmente, teremos uma população morrendo, porém feliz por não haver inflação e pelos preços estarem todos baixos. Faço essa caricatura apenas para assinalar que o objetivo da atividade econômica não é apresentar, no fim do mês, bonitas taxas para os jornais publicarem. A humanidade criou a atividade econômica para que se produzam os bens e serviços de que as pessoas necessitam. Em outras palavras, é mais importante garantir que as pessoas disponham dos bens e serviços de que necessitam do que garantir que as taxas estejam bem "bonitinhas" para a satisfação dos cientistas em serviço. Portanto, com essa observação, como disse ontem, pretendo incluir-me entre aqueles que vão ocupar a tribuna - não com o brilho do Senador Pedro Simon e de V. Exª -, para discutir esta matéria - consciente de que estou perturbando o seu brilhante discurso. Gostaria também de deixar a minha palavra para completar o raciocínio de V. Exª.

O SR. VALMIR CAMPELO - Nobre Senador Geraldo Melo, a contribuição de V. Exª tem sido muito importante não só neste pronunciamento, mas em todas as sessões.

V. Exª tem-se destacado pela sua capacidade e pela sua inteligência, sobretudo pela amizade e respeito que lhe dedicamos.

Vai ser muito importante ouvi-lo sobre qualquer tema, pelas funções que já exerceu como Parlamentar, como Governador de seu Estado e brilhante Senador, que está se destacando aqui.

Fico muito feliz, porque, realmente, as observações feitas por V. Exª, nesta manhã, coincidem com as minhas.

É muito melhor o bem-estar da população, do povo, que os números baixos para satisfazer meia dúzia de economistas.

Parabéns a V. Exª.

Sr. Presidente, gostaria de finalizar dizendo que é impossível a sobrevivência do setor produtivo com juros tão elevados. Ninguém poderá investir ou captar financiamentos para produzir e gerar empregos com taxas de juros absurdas como as praticadas hoje.

A propósito, no dia 31, teremos um sinal inconteste da insatisfação do empresariado: o comércio de Brasília vai fechar as portas, em protesto contra as altas taxas de juros.

Urge, Srªs e Srs. Senadores, muito além da necessidade de debelar essa crise emergencial das elevadas taxas de juros, executarmos uma reforma profunda desse nefasto sócio das grandes mazelas econômicas nacionais, que é o sistema financeiro. Os bancos, que se capitalizaram extraordinariamente nos últimos tempos à custa do setor industrial e dos trabalhadores em geral, precisam compreender que no horizonte novo, sem inflação, eles terão que mudar, nem que seja por força da lei.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 27/05/1995 - Página 8876