Discurso no Senado Federal

ANALISE DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • ANALISE DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 01/06/1995 - Página 9283
Assunto
Outros > SAUDE. REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CAPITAL ESTRANGEIRO, INVESTIMENTO, SETOR, SAUDE, BRASIL, MOTIVO, AUSENCIA, CAPACIDADE, ATENDIMENTO, HOSPITAL, INTERNAMENTO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, CLASSE MEDIA, PAIS.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reforma constitucional encontra-se em pleno andamento, com uma série de emendas tramitando celeremente. Algumas delas, inclusive, já obtiveram aprovação na Câmara dos Deputados, estando, agora, sob análise desta Casa.

           Como é de conhecimento geral, as alterações propostas no âmbito da ordem econômica _ as primeiras encaminhadas pelo Executivo à apreciação do Congresso Nacional _ visam, precipuamente, ao importantíssimo objetivo de dar maior abertura à economia nacional, livrá-la de freios e regulamentações estéreis, ultrapassados e inconvenientes. Com essa abertura e desregulamentação, objetiva-se dotar os agentes econômicos de melhores condições para competir no mercado internacional e, principalmente, para oferecer ao consumidor brasileiro uma gama mais diversificada de produtos e serviços de boa qualidade.

           Uma das emendas já aprovadas pela egrégia Câmara dos Deputados é aquela que elimina o conceito de "empresa brasileira de capital nacional", definida, no vigente texto constitucional, como aquela cujos controladores são domiciliados e residentes no País. Uma vez promulgada essa emenda, as prerrogativas de tratamento favorecido por parte do Governo, bem como de pesquisa e lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciais de energia elétrica _ hoje reservadas às empresas brasileiras de capital nacional _ passarão a ser destinadas às empresas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, desimportando o local de residência de seus controladores.

           A alteração proposta, ao eliminar a descabida discriminação ao capital estrangeiro, busca, evidentemente, atraí-lo ao País em maiores volumes, sob o fundamento irretorquível de que ele é necessário e até indispensável à dinamização e ao crescimento da economia nacional.

           O assunto que me traz hoje a esta tribuna, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, guarda relação direta com a emenda constitucional referida. Pretendo, nesta oportunidade, chamar a atenção do colendo plenário para outro dispositivo constitucional que, até por uma questão de coerência com a eliminação proposta do conceito de empresa de capital nacional, reclama urgente modificação. Refiro-me ao parágrafo terceiro do artigo 199, que veda "a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País".

           De fato, inexiste qualquer argumento racional a suportar a inclusão desse dispositivo no texto constitucional, só se podendo compreendê-la enquanto uma vitória do mais estreito nacionalismo. Afinal, em que medida a abertura de um hospital por uma empresa estrangeira pode representar ameaça a soberania nacional? Ou concorrência predatória ao sistema público de saúde? Não se consegue atinar em que essa participação do capital estrangeiro no setor de saúde possa contrariar os interesses nacionais.

           Uma das melhores e mais ricas tradições no campo do atendimento à saúde no Brasil é representada pelos hospitais fundados e mantidos pelas comunidades de imigrantes. À comunidade síria devemos o pioneirismo na construção do Hospital do Coração. Também as comunidades portuguesa, israelita e sírio-libanesa deram enorme contribuição, construindo pelo País afora hospitais gerais de porte que prestam inestimáveis serviços à população. Que diferença há em que essas comunidades criem casas de saúde ou que uma empresa estrangeira o faça? A implantação das inúmeras Beneficências Portuguesas em diversos Estados, do Hospital Albert Einstein ou do Hospital Sírio-Libanês feriram, em algum momento, a soberania nacional? O Sistema Único de Saúde _ SUS em algum instante correu risco de desaparecer em virtude da concorrência desses hospitais? É óbvio que não!

           A rigor, a exclusão do capital estrangeiro do setor de saúde só traz prejuízos ao conjunto da população brasileira, que vê reduzidas suas opções de acesso a hospitais privados no exato momento em que o sistema público de saúde atravessa grave crise. É incompreensível que a proibição à participação de empresas estrangeiras no setor seja mantida numa conjuntura em que as verbas públicas para a saúde declinam ano a ano, os hospitais estão completamente sucateados, transformados em depósitos de doentes e a situação do atendimento é caótica, beirando o colapso.

           É importante ressaltar, outrossim, que a crise do sistema hospitalar atinge não apenas as camadas populares _ aqueles que batem às portas dos hospitais públicos ou conveniados. A classe média também não encontra, nas cidades grandes ou de médio porte, atendimento hospitalar ao nível de suas necessidades e de suas possibilidades econômicas. Mesmo a parcela mais rica da população, que pode pagar os preços cobrados pelos hospitais de melhor categoria, enfrenta muitas vezes dificuldades na procura por leitos vagos.

           Essa situação de carência generalizada, que pode ser testemunhada por qualquer brasileiro que já teve um parente necessitando de internação, demonstra que o País é um campo aberto em termos de boas oportunidades para investimento na área de saúde. O empresariado estrangeiro tem plenas condições de fazer seus cálculos de custo/benefício e avaliar em quais regiões do País vale mais a pena investir, bem como qual o gênero e o porte de estabelecimento mais interessante economicamente. Do ponto de vista do interesse nacional, o que se faz evidente é que a falta de leitos e a precariedade do atendimento tornam bem-vindos quaisquer investimentos no setor. Se existe a possibilidade de empresas estrangeiras construírem e administrarem hospitais de médio e grande porte, não há porque se opor à mudança da Carta Magna.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

           A vedação constitucional ora vigente tem um único grupo de beneficiados: os detentores dessa verdadeira reserva de mercado, que temem a concorrência por não se sentirem à altura para o confronto de técnicas gerenciais e de atendimento. Nos dias que correm, porém, as políticas públicas da Nação não são mais determinadas em função dos interesses particulares de pequenos grupos. No momento em que se elimina do texto constitucional o conceito de empresa brasileira de capital nacional, visando a estimular um maior fluxo de capitais estrangeiros para setores produtivos, não faz qualquer sentido excluir esse mesmo capital do setor de saúde. Afinal, seria de todo incoerente modificar o conceito de empresa nacional e não eliminar as restrições ao capital estrangeiro.

           O que ressalta da análise do mencionado parágrafo terceiro do artigo 199 da Constituição Federal é sua total ausência de fundamento lógico. É evidente, a partir de qualquer critério de bom senso, que a entrada de empresas de capital não-brasileiro no setor de saúde não acabará com o Sistema Único de Saúde _ SUS, pois esse é um serviço público imprescindível, que o Governo Federal sequer cogita de extinguir, por saber de sua importância para a população de baixa renda. Igualmente, não resiste à menor análise o argumento de que os hospitais públicos ou conveniados com o SUS deixariam de existir pela concorrência externa. Afinal, sua clientela é a população pobre, que a eles continuaria acorrendo. Da mesma maneira, não se pode afirmar com segurança que, eliminada a reserva e aberto o mercado, milhões de dólares serão investidos na construção de hospitais sofisticados voltados para o atendimento da minoria abastada dos brasileiros _ aliás, se isso ocorresse, também não representaria qualquer prejuízo para a Nação. Na verdade, nada permite dizer que o dinheiro estrangeiro a ser aplicado em hospitais destinar-se-á a estabelecimentos de grande porte e de tecnologia de ponta. É bem possível que estudos de viabilidade econômica recomendem a criação de hospitais de médio porte, com tecnologia adequada, em regiões hoje desprovidas de casas de saúde. Finalmente, no que se refere ao argumento de que a instalação de hospitais sofisticados levaria a população que se serve do serviço público a reclamar atendimento equivalente, o qual o Estado não pode dar por falta de verbas para comprar equipamentos sofisticados e também por não ter certeza de que essa tecnologia é adequada ao País, só podemos ressaltar seu caráter caricato, absurdo e de completo nonsense, quando confrontado com a realidade de um povo pobre que, muitas vezes, não obtém atendimento algum, morrendo nas filas de espera.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

           Eventuais pressões visando à manutenção do statu quo no sistema hospitalar militam, na prática, contra pobres, remediados e ricos. Suprimir o parágrafo terceiro do artigo 199 da Carta Magna é medida oportuna e necessária, conveniente para a melhoria do sistema de saúde nacional e coerente com as emendas constitucionais já em tramitação.

           Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 01/06/1995 - Página 9283