Discurso no Senado Federal

ANALISE DAS REFORMAS NEOLIBERAIS, QUE O GOVERNO QUER REALIZAR ATRAVES DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL. PRIVATIZAÇÃO.:
  • ANALISE DAS REFORMAS NEOLIBERAIS, QUE O GOVERNO QUER REALIZAR ATRAVES DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 27/06/1995 - Página 11045
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • LEITURA, PREAMBULO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AUTORIA, ULYSSES GUIMARÃES, EX-DEPUTADO.
  • QUESTIONAMENTO, AUSENCIA, GOVERNO, VIABILIDADE, DEBATE, PUBLICO, GARANTIA, EXERCICIO, CIDADANIA, POVO, OFERECIMENTO, INFORMAÇÃO, OBJETIVO, REVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, RETIRADA, MONOPOLIO, EXCLUSÃO, ESTADO, CAPACIDADE, INSTITUIÇÃO EMPRESARIAL.
  • COMENTARIO, ATENÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA (PDT), PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, PAIS, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, FIXAÇÃO, LEI COMPLEMENTAR, REGULAMENTAÇÃO, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PROIBIÇÃO, CONTROLE ACIONARIO, EMPRESA ESTATAL, EXPLORAÇÃO, JAZIDAS, RECURSOS MINERAIS, MANUTENÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, EMPRESA NACIONAL, CAPITAL NACIONAL, GARANTIA, PREFERENCIA, EMBARCAÇÃO NACIONAL, TRANSPORTE, MERCADORIA, NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM, NAVEGAÇÃO INTERIOR, OFERECIMENTO, EMENDA, VINCULAÇÃO, DECISÃO, CONGRESSO NACIONAL, REFERENDO, POPULAÇÃO, HIPOTESE, ALTERAÇÃO, EMPRESA, QUEBRA, MONOPOLIO, TELECOMUNICAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, EFICIENCIA, SETOR PRIVADO, GARANTIA, SERVIÇOS PUBLICOS, POPULAÇÃO, AUSENCIA, ATENÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, PAIS.

A SRª. JÚNIA MARISE (PDT-MG. Como Líder. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srs. e Srªs Senadores, quando o Senado Federal se prepara para votar as reformas constitucionais, quero lembrar que foi com o espírito de servir como Constituição cidadã que a atual Constituição começou a vigorar no dia 5 de outubro de 1988. Nas palavras do Deputado Ulysses Guimarães, a Constituição seria um instrumento fundamental na luta contra os bolsões de miséria que envergonham nosso País.

Ela veio para servir ao homem brasileiro, não para beneficiar empresas ou grupos econômicos. Infelizmente, o Deputado Ulysses Guimarães não pode mais ocupar a tribuna para defender os princípios que foram sua ferramenta na condução do processo constituinte de sete anos atrás.

Por isso tomo a iniciativa de ler o pequeno texto que ele escreveu no preâmbulo da Constituição de 1988:

      "O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa; portanto, sem cidadania.

      A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o País.

      Diferentemente das sete constituições anteriores, começa com o homem.

      Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição cidadã.

      Cidadão é o que ganha, come, sabe, mora. Pode se curar.

      A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade.

      Por isso mobiliza, entre outras, novas forças para o exercício do governo e a administração dos impasses. O governo será praticado pelo Executivo e o Legislativo.

      Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competências para vencer dificuldades, contra a ingovernabilidade concentrada em um, possibilita a governabilidade de muitos.

      É a Constituição coragem.

      Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela lei.

      A constituição durará com a democracia e só com democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça."

As reformas neoliberais que o Governo quer imprimir e que vêm caminhando graças a um avassalador rolo compressor que anula os debates em nome da pressa transfiguram o cerne da Constituição que foi feita para servir ao cidadão. Por que o Governo não viabilizou o debate público sobre as reformas, mostrando a exata intenção de retirar da Constituição os monopólios visando excluir do Estado sua capacidade empresarial? Por que não garantiu o direito ao exercício da cidadania oferecendo informação ao povo?

As reformas que estão sendo votadas tiram da Constituição seu caráter de Constituição cidadã, voltada para o homem, para confiar-lhe a característica de Constituição empresária, onde a questão econômica passa a ser o centro de tudo. Tornou-se mais importante que o homem e que o Estado. Será o capital privado competente para garantir ao homem que habita as regiões mais longínquas do País mínimas condições de uma sobrevivência digna? Instalarão telefones onde o lucro é pequeno? Levarão gás canalizado para a periferia das grandes cidades? Preocupar-se-ão em gerar empregos onde há miséria e baixa capacidade de consumo? Certamente que não.

Atento à questão social, o PDT apresentou oito emendas ao conjunto de Propostas de Emendas à Constituição originárias do Governo, já aprovadas pela Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado Federal.

Propusemos que a regulamentação dos dispositivos constitucionais que venham a ser alterados pelo chamado pacote de flexibilização econômica se processe através de lei complementar, e não por lei ordinária. Esse procedimento é de extrema importância para que as duas Casas do Congresso possam debater com maior profundidade e decidir com quorum qualificado sobre os aspectos relativos à participação do capital privado na exploração dos serviços que a Constituição atual reservou ao monopólio estatal.

Refiro-me especificamente às emendas do gás canalizado, da cabotagem e das telecomunicações, bem como ao modo como será concedido ou autorizada a exploração de nossos recursos minerais.

Outra emenda apresentada por nosso Partido à proposta de emenda constitucional que trata das empresas nacionais tem como objetivo resguardar a Companhia Vale do Rio Doce, mediante a proibição da transferência do controle acionário das empresas estatais que explorem jazidas e recursos minerais. Não desejamos que uma empresa como a Vale venha a ter como acionista controlador o capital estrangeiro, de modo a evitar que os cartéis da mineração venham a controlar nossas matérias-primas, seu fluxo e preços.

Ainda com relação à proposta de emenda constitucional que trata da empresa nacional, o PDT também apresentou emenda mantendo a distinção entre empresa brasileira e empresa de capital nacional. O objetivo é o de resguardar as empresas genuinamente brasileiras, que aqui cresceram, se desenvolveram e aqui aplicam seus lucros.

Também preocupados com a situação das empresas brasileiras do setor da navegação, propusemos emenda à Proposta de Emenda Constitucional nº 33, assegurando preferência às embarcações de bandeira brasileira no transporte de mercadorias na cabotagem e na navegação interior.

Especificamente para as propostas de emendas à Constituição que tratam da definição de empresa nacional e da quebra do monopólio das telecomunicações, oferecemos emendas submetendo qualquer decisão do Congresso ao referendo popular.

Se, para escolher o sistema de governo, o povo foi ouvido nas urnas, por que agora seria diferente? As propostas de emenda à Constituição Federal encaminhadas pelo Governo têm o condão de, caso aprovadas, causar profundas reformulações na vida dos brasileiros, sem que o indispensável aprofundamento do debate que subsidiaria a formação de convicções tivesse sido levado a bom termo.

Por isso o povo precisa ser ouvido, e as decisões do Congresso tomadas por maioria absoluta dos membros de cada uma de suas Casas.

Na edição do Correio Braziliense de domingo, dia 4 de junho, uma reportagem enviada de Roma serve como exemplo sobre como uma democracia plena deve funcionar. Aquela democracia que deve garantir ao povo dignidade e liberdade, como apregoou o Deputado Ulysses Guimarães no preâmbulo que escreveu para a Constituição de 1988.

Na Itália, debateu-se recentemente o destino das redes de televisão. E quem decidiu esse destino foi o povo, através de um plebiscito ali realizado nos dias 8 e 9. No Uruguai, o povo também foi às urnas dar a sua opinião sobre a quebra do monopólio das telecomunicações e disse "não". Num país onde a democracia funciona, assim deve ser. Por que aqui é diferente? Será o conceito de democracia brasileiro diferente do italiano ou do uruguaio? No afã de mudar tudo, o Governo esqueceu-se do parágrafo único do art. 1º da nossa Constituição: "Todo poder emana do povo".

O que se percebe quando o Presidente da República imprime muita pressa e pouca discussão às reformas da Constituição? Percebe-se que o Governo quer fazer ajustes patrimoniais na economia, tirando do Estado sua capacidade empresarial e transformando-o num simples prestador de serviços.

A História do nosso País é pródiga em exemplos sobre como age a iniciativa privada quando encarregada de garantir à população serviços essenciais que hoje se pretende tirar do Estado.

No início tudo era privado.

As ferrovias eram inglesas, a energia elétrica, patrimônio dos canadenses, o petróleo estava nas mãos das chamadas Sete Irmãs e os serviços de telefonia eram operados por empresas norte-americanas. E o que se verificou? Essas empresas estrangeiras não mostraram capacidade de atender à população brasileira em sua maioria, porque não investiram com seus recursos próprios apelando constantemente, e sob os mais diversos pretextos, para o financiamento com dinheiro público dos investimentos que deveriam ser privados. O dinheiro que deveria ser investido aqui era remetido para o exterior sob a forma de lucro.

Por ineficiência do setor privado, o Estado foi obrigado a ocupar espaço e criar a Rede Ferroviária, a Eletrobrás, a Petrobrás e a Telebrás para que o Brasil desse os primeiros passos rumo ao desenvolvimento. Todo esse patrimônio que aí está foi executado às custas do erário e do suor dos nossos trabalhadores, e o Brasil cresceu a taxas que chegaram a 10% ao ano. Todos os que estão nesse plenário são testemunhas disso.

Agora que o País cresceu, adquiriu know-how e tecnologia de ponta, ficou interessante para a iniciativa privada ocupar o lugar do Estado. Nós vamos entregar a Petrobrás para empresas que não demonstraram capacidade de encontrar petróleo, quando o Presidente Ernesto Geisel resolveu assinar com elas contratos de risco; isso foi há 20 anos; as mesmas empresas que há 50 anos estavam por detrás dos relatórios geológicos que indicavam o Brasil como uma região pobre em petróleo.

O mesmo aconteceu na área de mineração. Há meio século começava a operar a Companhia Vale do Rio Doce, que agora o Governo quer vender sem medir as conseqüências do mercado internacional e no mercado nacional.

Por que a Vale do Rio Doce, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tornou-se a mais rentável estatal brasileira e a maior mineradora do planeta? Porque ocupou um espaço que a iniciativa privada não demonstrou nenhum interesse em ocupar. Hoje, a Vale do Rio Doce tornou-se a maior agência de desenvolvimento de nove Estados brasileiros, porque investe aqui seus lucros e gera empregos ao invés de alimentar com eles a ciranda financeira internacional. Terá a iniciativa privada a mesma preocupação social? Vai se preocupar em gerar empregos e desenvolver as regiões onde atua reinvestindo aqui seus lucros? Não é este o exemplo que observamos no resto do mundo, onde prevalece o extrativismo puro e simples, sem compromisso com o homem, sem compromisso com a cidadania.

Ao invés de estar impondo uma reforma nos aspectos econômicos sob o argumento de que está desobstruindo a Constituição, o Governo deveria ter a mesma pressa em enviar para o Congresso uma reforma tributária. Uma reforma que buscasse uma maior distribuição de renda e cujo objetivo final fosse a melhoria da qualidade de vida da nossa população. Revendo a questão dos tributos, o Governo poderia aumentar sua capacidade de investimento.

Mas essa não é uma prioridade do Governo.

Nós ainda não assistimos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente da República começar a governar de fato. O Brasil está esperando que o Governo arregace as mangas e comece a cumprir suas promessas de campanha. Promessas de dar emprego a quem está desempregado, de dar escola a 12 milhões de crianças que estão fora da escola e saúde aos que morrem nas filas dos hospitais.

Ao invés de estar trabalhando para poucos, porque só a uma minoria interessa os assuntos econômicos que estão puxando as reformas, o Governo deveria começar a governar para a maioria, apresentando ações concretas de combate à miséria, à fome e ao desemprego.

É preciso que o Presidente da República inclua na sua agenda de prioridades os 70 milhões de brasileiros que sobrevivem na mais absoluta pobreza e cumpra a sua promessa de retirar o Brasil do mapa da fome.

Enquanto se preocupa apenas em impor uma reforma constitucional de cima para baixo, o Governo completa seis meses sem que ação alguma tenha sido tomada na área da Saúde.

O Ministro Adib Jatene já dá sinais de insatisfação e ansiedade quando propõe criação de um imposto para financiar a Saúde, que ele chama de contribuição social. Ora, Sr. Presidente, contribuição social, traduzida ao pé da letra, não passa de esmola e a Saúde não pode sobreviver de esmolas. Saúde é um direito do cidadão e garanti-la deve ser prioridade de um Governo que foi escolhido pelo voto e que fez da melhoria da Saúde uma bandeira de campanha.

Por que o Presidente da República não tem trabalhado até esse momento para que o Congresso aprove o projeto que cria o imposto sobre as grandes fortunas? Afinal, é um projeto que ele próprio apresentou e defendeu como Senador. Ao invés de se criar mais impostos para os assalariados, o Governo deveria usar o imposto sobre grandes fortunas para financiar a Saúde.

Nesses seis meses de Governo, o povo vem assistindo a discussões calorosas sobre cabotagem, telecomunicações, conceito de empresa nacional e não viu uma vez sequer o Governo se preocupar em montar um programa de construção de casas populares. Não se tocou nesse assunto. Como se no Brasil não existisse déficit habitacional. E o temos. As estatísticas apontam hoje cerca de 12 milhões de brasileiros sem teto no País.

A grande verdade, Sr. Presidente, é que o Governo está cada vez mais distante do social e cada vez mais perto do capital. Vemos o Brasil enveredar pelo mesmo caminho que levou o México à ruína, e a Argentina a uma crise social.

O País não merece que lhe imponham destino semelhante. A Constituição que aí está foi a mais democrática já elaborada no Brasil, principalmente no que se refere ao capítulo da Ordem Econômica. Surgiu de uma intensa participação do povo. Mais de 150 emendas populares foram apresentadas e votadas, e muitas fazem parte do texto constitucional.

Por isso Ulysses Guimarães a chamou de Constituição cidadã e de Constituição coragem. Porque naquela época falou mais alto a democracia, o debate, a preocupação com os menos favorecidos e os interesses da maioria derrotaram os interesses da minoria. Os mesmos que na Constituinte defenderam a Constituição de hoje, voltam-se contra seus próprios fundamentos, atropelam a vontade do povo. Ganha a Economia e perde a cidadania.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 27/06/1995 - Página 11045