Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO ALARMANTE DO SETOR DA PRODUÇÃO DE ALHO NO ESTADO DE SANTA CATARINA.

Autor
Esperidião Amin (PPR - Partido Progressista Reformador/SC)
Nome completo: Esperidião Amin Helou Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • SITUAÇÃO ALARMANTE DO SETOR DA PRODUÇÃO DE ALHO NO ESTADO DE SANTA CATARINA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 09/08/1995 - Página 13627
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, CRISE, SETOR, PRODUÇÃO, LAVOURA, ALHO, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), MOTIVO, EXCESSO, NIVEL, TAXAS, JUROS, AUSENCIA, CREDITO ESPECIAL, FINANCIAMENTO RURAL, CONCORRENCIA, PARCEIRO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • ANALISE, CRISE, AGRICULTURA, SETOR, LAVOURA, ALHO, AMEAÇA, REDUÇÃO, AREA, DESTINAÇÃO, CULTIVO, RESULTADO, AUMENTO, INDICE, DESEMPREGO, REGIÃO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, PRODUTOR RURAL, ADIAMENTO, PRAZO, VENCIMENTO, PAGAMENTO, EMPRESTIMO, OBJETIVO, CUSTEIO, PRODUÇÃO AGRICOLA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, IMPEDIMENTO, ENTRADA, PRODUTO IMPORTADO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, MOTIVO, CONCORRENCIA DESLEAL.

           O SR. ESPERIDIÃO AMIN (PPR-SC.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o ano de 1995 já dobrou sua metade e a crise do campo ainda permanece. Presa dos juros altos e da carência de uma política governamental de apoio, o produtor rural se vê estrangulado por uma truculenta armadilha econômica, para cuja saída não encontra perspectivas.

           Sem a assistência de um projeto político que lhe forneça cobertura financeira suficiente para plantar e colher, o homem do campo continuará a desconfiar de palavras e promessas que visam muito mais à confusão e à trapaça que à sinceridade de intenções.

           Isolado duplamente do contato com a urbe, o agricultor se sente, de um lado, confinado ao ciclo intempestivo da natureza e, de outro, abandonado pela pauta de prioridades do País rumo ao desenvolvimento. Desestimulado, vende por qualquer migalha seu pedaço de terra e parte para a desventura do sonho da cidade grande. Dessa história conhecemos bem o triste desfecho.

           Até pouco tempo atrás, parecia não haver mais dúvida de que a solução contra o inchaço das metrópoles brasileiras consistia principalmente numa política de fixação do trabalhador e do produtor rural no campo. E, para tanto, a alocação de recursos do Estado para o setor deveria ser priorizada. Num átimo, o consenso se mostrou aparente e sua solidez se diluiu como bolha de sabão.

           Senhor Presidente,

           No rol desse desastre agrícola, não podemos deixar de destacar o caso da produção de alho. Pois, além dos juros altos e da falta de linhas especiais de financiamento, o cultivo do alho tem enfrentado a concorrência direta dos parceiros do Mercosul, bem como do alho chinês.

           Apesar de salutar como mecanismo natural para o equilíbrio de preços, a abertura comercial no Brasil, sobretudo com a implementação dos tratados do Mercosul, tem provocado distúrbios incomensuráveis em nossa já frágil estrutura de produção de hortaliças.

           Convém salientar que o Brasil abriga aproximadamente dezesseis mil míni e pequenos produtores de alho em todo seu vasto território. Por extensão, o cultivo do alho chega a empregar no País cinqüenta mil trabalhadores rurais, cuja dedicação à atividade representa sua principal ocupação e receita.

           Além disso, a produção do alho nobre roxo do Sul coincide com a produção da Argentina e concorre em qualidade. O plantio é feito em junho e julho e a colheita em novembro e dezembro. Esse alho, que abastece os grandes centros distribuidores do País, é ofertado ao mercado consumidor desde o final de dezembro até meados de agosto

           Ora, o custo da caixa de dez quilos do alho nacional não sai hoje por menos de onze reais. Só de carga tributária, o Estado taxa trinta e cinco por cento do valor de produção. Enquanto isso, o alho chinês desembarca no porto de Santos a sete reais e cinqüenta centavos a caixa!

           As estatísticas do CONAB demonstram que a penetração do alho importado no mercado brasileiro se agiganta ano após ano. Entre 1990 a 1994, o volume importado mais do que duplicou em toneladas: de vinte mil passou-se para cinqüenta e quatro toneladas. Em 1995, somente de janeiro a abril, o volume importado já alcança o patamar de vinte e sete mil toneladas.

           Senhor Presidente,

           À primeira vista, os maiores beneficiados com a importação do alho seriam certamente os consumidores brasileiros. Ledo engano. Na verdade, segundo informações colhidas junto à ANAPA (Associação Nacional dos Produtores de Alho), os únicos beneficiados com a importação do alho tem sido, até agora, os atacadistas e importadores que têm auferido acumulativamente altos lucros.

           E não é só isso. A importação de alho da China fora da época da entressafra (agosto e setembro) tende a inviabilizar a produção nacional, na medida em que o governo chinês subsidia fortemente a produção e a comercialização do alho. Ora, como enfrentar uma competição comercial cujo comportamento do fluxo de preços segue uma dinâmica tão viciada e desonesta?

           A deslealdade imprime o tom de falsidade e injustiça ao comércio do alho. Desse modo, a concorrência não cumpre seu papel de equalizadora de preços no mercado. Na seqüência, a curva de equilíbrio seguramente não concretizará seu objetivo de manter o patamar de preços em níveis compatíveis com a realidade da demanda e da oferta do produto.

           Em suma, frente ao protecionismo chinês, o Governo brasileiro não tem feito nada, ou quase nada, para preservar a produção nacional. Isso tem contrastado com o que se espera de um País que almeja a toda prova seu desenvolvimento. Pois não há lugar no mundo em que a adoção de políticas econômicas liberalizantes não venha necessariamente acompanhada de medidas de proteção a certas mercadorias consideradas chaves na estrutura de emprego das sociedades.

           Mesmo entre países do Primeiro-Mundo, a implementação de políticas protecionistas no que concerne à produção e à comercialização do alho não tem sido rara nem excepcional. Os Estados Unidos, por exemplo, sobretaxaram o alho chinês em trezentos e setenta e três por cento. A Europa prefere restringir o acesso do alho chinês mediante controle de cotas mínimas de entrada do produto em seu mercado. Já na Argentina, onde a política é mais radical, proíbe-se simplesmente a entrada do alho chinês em seu território.

           Sr. Presidente,

           Pois bem, do que é que o Brasil tem medo então? A desregulamentação do mercado não implica desmantelamento absoluto de toda a estrutura econômica do País, sob pena de assim pôr por terra todo e qualquer esforço de produção. Não. Não podemos interpretar esta nova fase de abertura econômica como uma ruptura definitiva com realidades produtivas tão diversas.

           Não se trata aqui de reivindicar uma abordagem casuística para o problema do alho. Tampouco se trata de propor uma interrupção no processo de abertura comercial que o Presidente Fernando Henrique encetou com tanta ousadia e coragem. Pelo contrário, trata-se de imprimir uma racionalidade política adequada à realidade econômica brasileira. 

           No caso específico do meu Estado, a economia do alho consegue absorver nada menos que quinze mil camponeses em sua exploração. Mais enaltecedor ainda de sua importância em Santa Catarina é o fato de o alho reunir ao seu redor quase três mil pequenos e médios produtores cujas modestas propriedades se destinam na maioria das vezes unicamente ao seu cultivo.

           As projeções mais otimistas dos técnicos agrícolas de Santa Catarina indicam uma redução de no mínimo de cinqüenta por cento na área de plantio do alho. De quatro mil e seiscentos hectares, a área deve ser reduzida a cerca de dois mil e trezentos hectares. Nos Estados de Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, a perspectiva de cultivo do alho não distoa. 

           A julgar por esse quadro, não há como ignorar a situação de alarme que atravessa o setor em meu Estado. Contaminados por uma espécie de pânico que atualmente grassa toda a economia agrária do País, os produtores de alho catarinenses estão, com justiça, apavorados com a indiferença das autoridades federais para o problema do campo.

           Diante da relevância do assunto, não há tempo a perder. Produtores rurais de todo País se mobilizam desesperadamente em carreatas rumo ao Palácio do Planalto em busca de soluções mais factíveis para a questão do endividamento. Apesar de toda a postura de intransigência do Ministério da Agricultura, os agricultores clamam "sim" pelo direito à oportunidade de diálogo com o Governo.

           A quebradeira no campo não é ficção e nem pode ser traduzida como mera encenação burlesca, tão comum aos camponeses medievais em tempo de festa e de crise. Consciente de sua precária situação, o produtor rural anseia pela definição de uma política agrícola que aponte e encaminhe medidas de liberação de recursos para o custeio da plantação.

           Sem os recursos para o custeio, os produtores de alho projetam, com desalento, para a próxima safra a redução da área de plantio em mais de trinta por cento. Isso significará, lamentavelmente, prejuízos sociais e econômicos de proporção catastrófica para o Brasil. É oportuno lembrar que o alho arrecada diretamente com ICMS perto de três milhões de reais por ano.

           Senhor Presidente,

           Se o Governo do Presidente Fernando Henrique quiser, com efeito, honrar seu compromisso com o agricultor brasileiro, terá que inexoravelmente instruir seus ministros de uma agenda bem diversa daquela que hoje vem pautando a relação Estado-campo.

           Antes de tudo, é preciso que o Governo desista de vez da absurda idéia de enquadrar o agricultor na categoria de "caloteiros". Por sua vez, cabe ao homem do campo compreender de forma radical que o Estado - desculpem-me os mais puristas pelo uso de uma metáfora tão grosseira - não é sinônimo de vaca leiteira em cujas tetas deve o produtor infinitamente mamar.

           Aplacadas as "trocas de gentilezas", ambas as partes devem agilizar rodadas mais pragmáticas de negociação. Em primeiro lugar, o produtor rural não deve acomodar-se na ilusão de um eventual gesto protetor por parte do Governo. Pelo contrário, deve providenciar estratégias menos dependentes de financiamento.

           Para tanto, o Governo tem que cumprir seu papel de agenciador de políticas gerais para o setor. Deve empenhar todos os esforços no sentido de apoiar as associações de produtores nas ações políticas dentro do circuito do Mercosul. Nesse âmbito, as autoridades brasileiras não devem tergiversar quanto ao apoio nas questões de equalização tributária, de fiscalização da qualidade do produto importado na fronteira e de subsídios indiretos.

           Mais do que isso, compete ao Estado alocar recursos financeiros e humanos para as pesquisas de assistência técnica destinadas ao plantio de hortaliças e grãos. No caso do alho especificamente, o que se reivindica é o suporte às pesquisas em biotecnologia, em fitossanidade para controle de bacterioses e em assuntos cujo conhecimento exija viagens de estudo dos engenheiros agrônomos para o exterior.

           Senhor Presidente,

           A título de sugestão, parte desse investimento à pesquisa poderia ser perfeitamente financiado pelo montante de ICMS recolhido pelo Governo com o comércio do alho. Isso, sem dúvida, representaria uma significativa contribuição para o incentivo da produtividade sem que o ônus incida integralmente nas costas das associações de produtores.

           Em compensação, quando o assunto é crédito agrícola, os produtores de alho pedem maior flexibilidade no prazo de vencimento dos empréstimos relacionados ao custeio da safra. Em vez de março, solicita-se o prorrogamento para o mês de maio, quando a safra tenha sido supostamente toda colhida.

           Ao mesmo tempo, uma política moderada no processo de desregulamentação de nosso mercado deve observar certas nuanças. Entre elas, sobressai-se a necessidade de se evitar o ingresso do alho chinês e de outras procedências mundiais nos períodos fora da entressafra. Mesmo assim, em caso de importação na entressafra, o produto estrangeiro deve ser taxado em cento e cinqüenta por cento, conforme recomendação da ANAPA.

           Aliás, é a própria ANAPA quem sugere ainda que, quando da excepcionalidade da importação de alho fora da entressafra, o Governo deve sobretaxar a mercadoria em trezentos e setenta e três por cento, a exemplo do que prevê a política ditada pelos Estados Unidos na área.

           Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores,

           Em resumo, tudo o que se deseja é uma compatibilização mais racional de interesses entre governo, produtores e consumidores. O panorama de liberdade democrática no País enseja no momento atual perspectivas alvissareiras para a fertilização de um relacionamento menos tenso, desigual e autoritário entre o campo e o poder estabelecido.

           Com menos ares de prepotência e arrogância, o Estado deve olhar o problema com a seriedade que os agricultores brasileiros merecem e com a importância que o cultivo do alho representa no quadro produtivo rural do País.

           Por fim, que o apelo que ora lançamos não se esgote nas intenções de nossas palavras, mas se frutifique em ações excelsas, dignas dos homens que hoje possuem o privilégio de tocar o destino de nossa Nação.

           Era o que tinha a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 09/08/1995 - Página 13627