Discurso no Senado Federal

A ALARMANTE AUSENCIA DE SANEAMENTO BASICO NO PAIS INTEIRO.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SANITARIA.:
  • A ALARMANTE AUSENCIA DE SANEAMENTO BASICO NO PAIS INTEIRO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Carlos Bezerra, Junia Marise, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DCN2 de 10/08/1995 - Página 13698
Assunto
Outros > POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, FALTA, SISTEMA, PROGRAMA, REALIZAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, PAIS, RESULTADO, PRECARIEDADE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, DESTINAÇÃO, EXECUÇÃO, SERVIÇO, SANEAMENTO, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, PROPOSIÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, POLITICA DE SANEAMENTO BASICO, PRIORIDADE, REALIZAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, ANTERIORIDADE, SERVIÇO, SAUDE PUBLICA, PREVENÇÃO, DOENÇA TRANSMISSIVEL, GARANTIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, a situação do saneamento básico no Brasil é muito ruim, quase catastrófica. As grandes cidades do País são cercadas por um cinturão de miséria, ora chamado de favelas, ora denominado de invasões, onde a preocupação com o atendimento das mínimas necessidades do cidadão é negligenciada. Nessas comunidades falta de tudo: não há água encanada, não existem esgotos. As doenças transmissíveis pela água encontram um caminho fértil para vicejar. Nas pequenas cidades do vasto interior brasileiro, a situação é idêntica. Só há uma diferença: é menos visível.

Dados publicados pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, relativos a 1992, demonstram que a cobertura de serviços de água e esgoto no País é insatisfatória. O índice chega a ser preocupante nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Em Rondônia, por exemplo, Estado que apresenta os menores índices de atendimento, apenas 26% da população possui serviços de água encanada e menos de 1% é atendida por redes de esgoto sanitário. Pernambuco era o Estado em melhor situação: apenas 65% da população é atendida por serviços de águas e 13,5% por esgotos. Esse era o melhor exemplo da região.

O Plano Nacional de Saneamento, o PLANASA, que gerenciava as ações governamentais nesse setor foi extinto em 1968. Em seu lugar, foram criadas várias iniciativas como o PROSANEAR ou o PRONURB, que não tiveram orçamento para dar continuidade ao que vinha sendo realizado. Isso significou que o nível de saneamento básico oferecido aos brasileiros piorou, e muito, nos últimos anos. Neste ano de 1995, o Brasil, na verdade, retorna à situação existente em 1967, antes da extinção do PLANASA. Está tudo por ser feito, novamente.

No Ministério da Saúde, órgão encarregado de executar as ações de saneamento básico, a Fundação Nacional de Saúde - FNS - dispõe, no orçamento de 1995, de escassos R$99 milhões, ou seja, apenas 0,7% dos recursos destinados àquele órgão, que somam pouco mais de R$13 bilhões. Ninguém precisa conhecer a matéria para perceber que, com esses recursos, a situação de saneamento básico do Brasil continuará como antes, ou seja, uma verdadeira tragédia.

Chama a atenção o fato de que o orçamento total da Fundação Nacional de Saúde para o corrente exercício é de apenas 12% do total das verbas do próprio Ministério da Saúde. O saneamento básico deixou de ser prioridade. Na outra ponta, contudo, o mesmo Ministério vai investir hoje cerca de R$9 bilhões em recuperação da saúde em hospitais privados, filantrópicos e públicos. O Governo deverá gastar 9.000% a mais em recuperação da saúde do que em prevenção. Esses números são incríveis para um país como o Brasil. Os especialistas sabem que basta oferecer água de boa qualidade e promover a destinação adequada dos dejetos para reduzir de maneira significativa a incidência de doenças transmitidas pelas águas. Somente no Nordeste as doenças de veiculação hídrica são responsáveis por 75% da mortalidade das crianças até a idade de seis anos.

Não é preciso ser especialista para saber que a prevenção será o melhor remédio. Caso o Governo consiga oferecer água de boa procedência aos seus cidadãos, estará contribuindo decisivamente para reduzir a possibilidade de crianças contraírem doenças. Estarão sendo reduzidas, por conseqüência, as internações hospitalares. No extremo dessa cadeia de ocorrências, o pai de família estará gastando menos com remédios e dedicando-se a seu trabalho sem angústias. O saneamento básico, condição primária para o desenvolvimento, deve anteceder as ações da saúde pública, de modo a prevenir a ocorrência de doenças que exigem a intervenção médica, ambulatorial e hospitalar.

Nesse setor, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o Brasil, sem dúvida, piorou - e muito nos últimos tempos. No decênio 1970-1980, não faltaram recursos para a execução de um extenso programa de recuperação e universalização dos serviços de saneamento. Naquele período, foram aplicados, a cada ano, US$625 milhões. Entre 1980 e 1984, os investimentos subiram para US$679 milhões. De 1985 a 1989, o nível das aplicações alcançou US$780 milhões.

Entre 1990 e 1992, os investimentos foram reduzidos drasticamente, despencaram para míseros US$159 milhões. Estamos diante de uma situação séria. É necessário que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso trabalhe no sentido de propor ao Congresso Nacional uma nova política de saneamento básico para o Brasil. Será necessário alocar recursos nos níveis anteriores e trabalhar para proteger a população das doenças transmissíveis pela água.

O Sr. Carlos Bezerra - Permite-me V. Exª um aparte nobre Senador?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço, com muita atenção, o aparte do nobre Senador Carlos Bezerra.

O Sr. Carlos Bezerra - O discurso de V. Exª é importantíssimo, porque chama a atenção para uma das questões mais graves que afligem nosso País. A situação do Brasil hoje, com relação ao saneamento, à qualidade de vida, é proporcionalmente muito pior do que a situação do Paraguai, da Bolívia e de países vizinhos, muito menores do que o Brasil. Posso dizer que é a pior situação da América Latina, proporcionalmente. Os investimentos em saneamento e em educação são cada vezes mais escassos. E é bom que se diga aqui, Senador Júlio Campos, as causas e os principais responsáveis por esta situação do País. Primeiro, a falta da planejamento. A última vez que ouvi falar em planejamento a longo prazo no Brasil foi através do economista Celso Furtado - planejamento sério. Depois de Celso Furtado, nunca mais se falou em planejamento sério neste País. Em segundo lugar, a política econômica adotada durante o regime militar, que foi uma política concentradora de riqueza e com investimentos em obras faraônicas, como a ponte Rio-Niterói, apenas como exemplo, captando recursos externos, endividando o País e deixando de investir em educação, deixando de investir em saneamento, e foi criando esse caos que está aí, que precisa ser modificado urgentemente. Parabenizo V. Exª por chamar a atenção do atual Governo para a necessidade de definir uma política para a área de saneamento. De nada vale investir na cura das doenças, em hospitais, em postos de saúde, em centros de saúde se não se investir na prevenção. E saneamento é saúde, água tratada é saúde, esgotamento sanitário é saúde pública. Sem investimentos nessas áreas o Brasil nunca conseguirá ter um serviço de saúde condizente com as nossas necessidades, adequado às nossas necessidades. Mais uma vez parabenizo V. Exª por chamar a atenção do País para esse problema grave e sério. Parabéns, Senador.

O SR. JÚLIO CAMPOS - O Brasil precisa acabar com essa terrível contradição. É um País que figura entre as dez maiores economias do mundo, mas convive com baixíssimos índices de atendimento a seu povo. Cerca de 10 milhões de pessoas habitam hoje barracos, favelas, choças e palafitas em meio a condições promíscuas e anti-higiênicas. Por essa razão, o Brasil moderno, que sonha com o primeiro mundo, aceita a humilhação da cólera, da dengue e de outras doenças que derivam da degradação ambiental e da falta de saneamento adequado.

Uma das precondições para medir o progresso de uma sociedade é o bem-estar de seu povo. Se o Brasil é essa sociedade emergente que suas lideranças proclamam, é chegado o momento de entregar melhores condições ao brasileiro. Saneamento básico é fundamental, urgente e necessário.

A Srª Júnia Marise - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Pois não, nobre Senadora.

A Srª Júnia Marise - Senador Júlio Campos, não querendo interromper o pronunciamento que V. Exª faz hoje na tribuna do Senado Federal, em que aborda uma das questões mais relevantes para o nosso País, gostaria de dizer que o que se percebe, na realidade, é que o Governo sempre faz ouvidos de mercador. V. Exª está tratando de um assunto da maior importância. E todas as pesquisas, todos os dados demonstrativos nos levam a constatar que o Brasil tem uma carência muito grande na área do saneamento básico. Aliás, o saneamento básico, no Brasil, nunca foi a grande prioridade ou a preocupação de nossos governantes. E exatamente essa carência de saneamento básico é que tem provocado um grande acúmulo de problemas de toda ordem em vários setores sociais: na área da educação, na área da saúde e, principalmente, na área da miséria e da fome em nosso País. Nós não temos conhecimento de nenhum projeto do Governo atual relacionado ao saneamento básico. Não existe um projeto. E sai governo, entra governo e nenhuma proposta responsável e conseqüente é apresentada, neste País, para atacar, de vez, o problema do saneamento básico das nossas cidades, dos nossos municípios, sejam eles grandes, médios ou pequenos. E é por isso, Senador, que eu não poderia deixar de apartear V. Exª para cumprimentá-lo pela forma como pede socorro ao Governo, mas, acima de tudo, como denuncia a carência que existe neste País na área de saneamento básico. É a nossa população mais sofrida que está hoje sendo atingida, de perto, com a ausência do saneamento básico; é exatamente a população da periferia, das vilas, das favelas, dos morros que está sofrendo a conseqüência da falta de um projeto de saneamento básico que possa resolver esse problema, que é, sem dúvida alguma, um grave problema social no nosso País.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado. Incorporo, com muita honra, o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento.

O Sr. Sebastião Rocha - Concede-me V. Exª um aparte, Senador Júlio Campos?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Que seja bem breve, porque o nosso tempo está se esgotando.

O Sr. Sebastião Rocha - Senador Júlio Campos, na condição de médico e de homem preocupado com a saúde pública do País eu não poderia deixar de cumprimentá-lo pela precisão com que V. Exª aborda esse assunto, mostrando claramente o papel da medicina preventiva, das medidas preventivas na diminuição dos efeitos das doenças na nossa população. Mas, infelizmente, Senador Júlio Campos, e eu insisto nisso e vejo que vários jornalistas também defendem a mesma tese, o Governo Federal ainda não mostrou à Nação o seu plano para a área social, não há nada de concreto para essa área. O Governo tem as suas metas na área econômica: zerar a inflação, zerar o déficit público, aumentar a exportação, diminuir a importação. Mas na área social não existe nada. O Presidente da República, infelizmente, talvez por falta de uma assessoria mais consistente, ainda confunde, por exemplo, números da mortalidade infantil. Recentemente, em um programa de rádio, referiu-se aos números da mortalidade - 3 por mil - numa determinada cidade do interior do Nordeste, quando, na verdade, o número de óbitos era de 133 por mil habitantes. O Presidente precisa trazer à Nação o seu plano de metas para o social. O Programa Comunidade Solidária ainda é uma falácia hoje. Pretendo, inclusive, apresentar um requerimento convidando D. Ruth Cardoso, Presidente do Programa Comunidade Solidária, para vir a esta Casa expor as metas do programa social. O Senador Pedro Simon fez isso, mas depois retirou o requerimento e eu vou entrar em entendimento com S. Exª para ver se é possível trazer aqui a Presidente do Programa Comunidade Solidária. Muito obrigado, Senador.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Obrigado.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Com muita honra.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Júlio Campos, estou notando que V. Exª está sendo muito cumprimentado. Quero ir além dos cumprimentos. Quero dar-lhe a minha solidariedade. É claro que quem presta atenção ao discurso de V. Exª, denso, oportuno, vê que V. Exª não está a censurar o Governo. V. Exª está querendo dar, com a orientação, com a linha do seu discurso, uma contribuição a um Governo que, ao longo de seis meses, ainda não pôde resolver o problema do saneamento. E por que a minha solidariedade? Porque o problema nas grandes capitais é que, em virtude do êxodo do interior para as capitais, começam a se formar nas periferias bolsões de miséria, e a partir daí os que vêm do interior para a capital, tangidos por aquela idéia de que vão encontrar o Eldorado, acabam prostituindo as filhas e transformando os filhos em marginais. E aí vem a violência, e diz-se que a violência é fruto, é causa da falta de habitação, de emprego. E todos se esquecem de que as suas raízes estão incrustadas numa profunda injustiça social. O que é importante notar é que V. Exª quer dar ao contexto do seu discurso não apenas a solução do saneamento, mas a equação do problema da justiça social. Parabenizo V. Exª.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Obrigado, Senador Bernardo Cabral.

Continuo, Sr. Presidente. Sem que a saúde esteja garantida, não se poderá garantir emprego, trabalho e estabilidade. O brasileiro precisa menos de hospitais e mais de saneamento básico. É por essa via que o Governo garantirá um brasileiro forte, mais saudável, menos dependente da ação de remédios e do trabalho dos médicos.

Às vezes, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um político precisa dissertar sobre o óbvio. A tragédia do óbvio é não ser reconhecido. Estamos diante dessa situação. É claro, cristalino, óbvio, enfim, que o Governo Federal precisa voltar sua atenção para o saneamento básico. É melhor para o brasileiro que desfrute de serviços de água e esgotos, que previnem doenças. É mais barato para o cidadão, mais eficiente para o Estado. Estamos, portanto, diante de uma situação em que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso precisa propor ao Congresso Nacional uma nova política de saneamento básico.

O povo ficará mais protegido, o cidadão recorrerá menos aos hospitais, que custarão menos aos cofres da União e poderão ofertar serviços melhores. Essa cadeia de ocorrências é também óbvia, de uma luminosidade capaz de atingir até os olhos menos sensíveis. Não há, portanto, motivos para postergar decisões nesse setor. Chegou o momento de o Governo Federal, do Presidente Fernando Henrique propor uma nova e eficiente política para o setor de saneamento básico no Brasil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 10/08/1995 - Página 13698