Discurso no Senado Federal

REPUDIO AO INCIDENTE OCORRIDO NA FAZENDA HELINA, NO MUNICIPIO DE CORUMBIARA-RO, COM VITIMAS FATAIS ENTRE POLICIAIS E 'SEM-TERRA'.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • REPUDIO AO INCIDENTE OCORRIDO NA FAZENDA HELINA, NO MUNICIPIO DE CORUMBIARA-RO, COM VITIMAS FATAIS ENTRE POLICIAIS E 'SEM-TERRA'.
Aparteantes
Ernandes Amorim, Pedro Simon, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DCN2 de 11/08/1995 - Página 13772
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • PROTESTO, OCORRENCIA, VIOLENCIA, HOMICIDIO, CONFLITO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, POLICIAL CIVIL, POSSE, TERRAS, MUNICIPIO, CORUMBIARA (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO).
  • INFORMAÇÃO, VISITA, COMISSÃO, LIDERANÇA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX-DEPUTADO, MUNICIPIO, CORUMBIARA (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO).

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de começar esta fala citando uma frase de um deputado estadual do PT pelo Rio Grande do Sul, Marcos Rolim, quando fez um discurso em homenagem à memória dos desaparecidos políticos: "Seria chover no molhado se o molhado não fosse sangue".

Com certeza, ao falar do massacre de Rondônia, da chacina cometida que ceifou 11 vidas, caberia esta frase. Falar de violência no campo, de assassinato de trabalhadores rurais, de conflito envolvendo polícia, estado e trabalhadores seria chover no molhado se o molhado não fosse sangue, e se o sangue derramado não fosse o de 11 pessoas, entre elas nove trabalhadores com duas crianças e dois policiais, sendo um soldado e um oficial.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, em meio a informações preliminares, recebemos a notícia de uma chacina ocorrida no Estado de Rondônia. Inicialmente, divulgou-se a morte de 15 pessoas. Posteriormente, 16. Tivemos notícia até de que seriam 40 pessoas. Os dados que obtive junto à Central Única dos Trabalhadores, juntamente com uma nota que recebi do Partido dos Trabalhadores, dão conta de que realmente foram mortas 11 pessoas: 9 trabalhadores com duas crianças e 2 policiais.

Esse conflito ocorreu num dos municípios de Rondônia, mais precisamente no município de Corumbiara, ao sul do Estado, envolvendo um conflito com trabalhadores sem-terra na Fazenda Santa Eliana. Esse conflito já vem, digamos assim, de um processo de negociação que se havia iniciado, onde um grupo de Parlamentares, juntamente com autoridades ligadas ao Governo, estava tentando negociar uma saída. No entanto, obtiveram uma liminar por parte do juiz, que deu uma ordem de despejo. Graças a ela, a polícia, ao ocupar aquela localidade, fez com que provocasse uma chacina dessa proporção.

Na madrugada do último dia 9 começaram primeiro a atirar bombas de gás lacrimogêneo e, em seguida, começou um tiroteio.

A notícia é de que teria havido uma provocação por parte do movimento. No entanto, o que se pode tirar como lição de uma chacina como essa é que os policiais precisam estar preparados para o enfrentamento de situações semelhantes.

Quero registrar aqui que fiz um levantamento junto ao Movimento dos Sem-Terra, a Central Única dos Trabalhadores, Comissão Pastoral da Terra e, segundo eles, esse movimento não estava organizado por um movimento dos sem-terra.

O Sr. Romero Jucá - V. Exª me permite um aparte?

A SRª MARINA SILVA - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Romero Jucá - Nobre Senadora, eu gostaria de registrar a importância do pronunciamento de V. Exª e somar minha voz à de V. Exª, que é uma Senadora da Região Norte, Região da qual sou oriundo também, para dizer que consideramos absurdo o que ocorreu em Rondônia. Sem dúvida alguma, se formos analisar o processo, ele começa com a arbitrariedade desde o momento em que foi dada a decisão para retirar, sem mais nem menos, aquela comunidade de trabalhadores que estava ocupando aquela terra. Sem dúvida, é importante que o Congresso Nacional se manifeste. Temos a notícia de que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara se dirigiu até aquela região, e é importante que também o Senado Federal se manifeste, porque não podemos aceitar de modo nenhum que se conduzam dessa forma os conflitos de terra no Brasil. Em Rondônia, no Acre, no Estado do Pará, do Senador Ademir Andrade, enfim, em todos os Estados onde há praticamente o processo de fronteira agrícola, temos visto trabalhadores da terra serem massacrados, e essa disputa fica por isso mesmo. Quero solidarizar-me com o pronunciamento de V. Exª, e pediria à Mesa que, logo após o seu pronunciamento, pudesse fazer uma breve comunicação sobre um assunto que trata da mesma questão que estamos encaminhando, porque consideramos que é fundamental que o País tome uma posição sobre isso.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Muito me conforta saber do desejo de V. Exª de que esta Casa se manifeste oficialmente da mesma forma como a Câmara dos Deputados já o fez, inclusive enviando para aquele estado a sua Comissão de Direitos Humanos através de seus representantes.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me concede um aparte, Senadora Marina Silva?

A SRª MARINA SILVA - Concedo o aparte ao ilustre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Entendo a importância e o significado do pronunciamento de V. Exª. É uma pena que episódios dessa natureza estejam acontecendo no Governo do nosso querido amigo Fernando Henrique Cardoso. Tanto V. Exª quanto eu sabemos que o Senhor Presidente da República deve estar lamentando o que está ocorrendo. É evidente que não há nenhuma responsabilidade do Presidente da República pelas questões que estão acontecendo em Rondônia, mas há a responsabilidade do Presidente no sentido de aproveitar esse lastimável, dramático episódio para o seu Governo se posicionar daqui por diante. Sei que essa situação é muito difícil. Fui governador e enfrentei casos dramáticos, em que, de um lado, o Poder Judiciário toma decisões sem conhecimento do assunto, e, de outro lado, a situação se apresenta da forma como disse V. Exª. Sofri muito como Governador, mas, graças a Deus, no meu Governo, a única morte foi a de um soldado da Brigada Militar. Conseguimos enfrentar a situação aos trancos e barrancos; comprei, com dinheiro vivo do Governo do Estado, 20.000ha para fazer a reforma agrária, para distribuir terras, com a promessa de que, posteriormente, o Governo Federal daria, o que, até hoje, não deu ao Rio Grande do Sul. Uma das plataformas do Presidente Fernando Henrique é a reforma agrária. Sua Excelência tem dito isso. Há poucos dias, o Presidente fez questão de fazer uma reunião pública do maior brilhantismo, para assinar as desapropriações de terras destinadas à reforma agrária. Essa é uma questão realmente importante. Pelo amor de Deus, num país como o Brasil, com 32 milhões de pessoas passando fome, a questão da terra é fundamental! Não resolver a questão da terra já é dramático, mas não podemos aceitar que "matem" o Estado de Rondônia, a pretexto de equacionar a questão da terra. Faço um apelo ao Presidente da República nesse sentido. Senadora Marina Silva, seguindo o exemplo do que foi feito por V. Exª e pelo nobre Senador de Roraima, deveremos verificar o que nós, do Senado Federal, iremos fazer. Penso que a Câmara dos Deputados agiu corretamente, mandando uma representação para verificar os fatos. Penso que talvez, quando a Comissão de Roraima voltar, deveríamos convidar, ou no gabinete do Presidente ou na comissão, para que esses deputados, junto conosco, peçam esclarecimentos para verificarmos o que podemos fazer em cima de fatos concretos. A minha opinião é que, na volta dos acontecimentos, uma comissão de senadores e deputados deveria ir ao Presidente da República e conversar, dizendo: "Presidente, o senhor não tem nenhuma culpa nisso, pelo amor de Deus. Sei que o senhor está mais sentido do que nós, mas o que nós, Presidente e Congresso Nacional, podemos fazer no sentido de que isso não se repita?" Que isso seja um marco doloroso, dramático, mas que signifique que não vai acontecer mais. Minha solidariedade e muito respeito pelo importante pronunciamento de V. Exª.

O Sr. Ernandes Amorim - Senadora Marina Silva, V. Exª me concede um aparte?

A SRª MARINA SILVA - Concedo o aparte ao ilustre Senador Ernandes Amorim.

O Sr. Ernandes Amorim - Sr. Presidente, Senadora Marina, hoje damos como lido um discurso onde falamos sobre esse problema de Rondônia. Fui Senador por Rondônia, tenho feito vários pronunciamentos nesta Casa, chamando a atenção para esses problemas fundiários, para essa falta de atuação do Governo no sentido de dar o acompanhamento, de dar as condições ao INCRA de organizar esse sistema fundiário de Rondônia. E agora nos deparamos com essa mortandade, com essa guerra entre parceleiros sem terra e a Polícia Militar. Evidentemente que se pode ver que houve erro de várias partes: do Governo federal, quando disse que está desapropriando para assentar os sem-terra, e na verdade isso não tem acontecido. Houve erro por parte do Governador, que deveria ter mais cautela e estudar a melhor maneira de resolver os problemas, ao permitir a ação brusca da polícia. Errou a Polícia Militar, ao enviar duzentos homens para retirar quinhentos parceleiros. Essa ação deveria ter sido precedida por um levantamento de informações que facilitasse o procedimento da Polícia. Bem sabe o Presidente, Senador Romeu Tuma, que uma guerrilha desse nível não pode ser combatida sem informações acerca do material bélico e da própria situação em que se encontra o movimento. Erraram os parceleiros ao invadirem uma área titulada, documentada. Assistimos a tudo isso sem ter condições de reagir. Trazemos todos esses fatos ao conhecimento dos senadores e nada acontece, providências não são tomadas. O mesmo ocorre com relação a outros problemas que temos na Amazônia. Estou sempre denunciando o problema relativo aos garimpeiros. Na semana passada, em Rondônia, houve um conflito entre garimpeiros e donos de mineração, quando oito pessoas foram parar no hospital em conseqüência de um tiroteio envolvendo as partes. O Estado de Rondônia, no momento, está sem a segurança devida e por isso merece que seja olhado com muito carinho pelo Presidente da República. A visita dos parlamentares à Rondônia é muito importante para que possam sentir de perto a vulnerabilidade em que se encontram as pessoas naquele Estado. Esperamos que, a partir desse episódio, não venham mais a ocorrer tantas mortes por causa de um pedaço de terra. Vejo as demarcações indígenas acontecendo sem limites, a bel-prazer. Demarcam milhões e milhões de hectares, como é o caso do meu município, em que dois milhões de hectares foram entregues a 100 índios, o que provocou um embate sangrento da população de Rondônia. Uns dizem que são 11 mortos, os jornais dizem que são 36. E está aí o prejuízo. Esperamos que isso seja contido e resolvido. Muito obrigado pelo aparte.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço a V. Exª.

Continuo o meu pronunciamento, Sr. Presidente, dizendo que vejo com muito bom grado a proposta que foi feita pelos Srs. Senadores que me apartearam e a idéia do Senador Pedro Simon de, ao chegarem os Parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, unirmo-nos àquela Comissão no sentido de mostrarmos ao Senhor Presidente da República mais essa mancha de sangue em território brasileiro, que não dá abrigo correto aos filhos desta Pátria.

A fazenda Santa Elina era de propriedade do Sr. Hélio Pereira de Morais, uma pessoa que tem poder muito grande na região e que, inclusive, segundo denúncias, procura a todo momento influenciar a ação da polícia. Tanto que os seus jagunços estavam andando em meio aos policiais devidamente armados. Eles dizem que houve um revide por parte dos trabalhadores, mas talvez tivesse havido uma provocação dos próprios jagunços da fazenda com a intenção de criar um conflito.

São fatos que precisam ser investigados pela Justiça. É certo que uma atitude irresponsável de um juiz de uma pequena cidade pode levar a esse tipo de acontecimento, ou seja, a concessão de uma liminar favorável, uma ordem de despejo, para tirar mais de 500 famílias acampadas. Num clima bastante acirrado entre os trabalhadores e os policiais, é claro que se poderia prever que isso viria acontecer.

Gostaria de chamar a atenção para as atitudes do Poder Judiciário em vários cantos deste País, que não se preocupa em praticar a justiça, muito pelo contrário, no afã de servir a determinados interesses, de ser mais real do que o rei, acaba, realmente, provocando injustiças irreparáveis, porque não teremos como recuperar a vida dos nove trabalhadores e dos dois policiais que morreram ou reparar essa perda aos seus familiares.

Quero concluir o meu pronunciamento dizendo que há uma comissão no local, para onde se está dirigindo o companheiro Luiz Inácio Lula da Silva. Desde ontem, estamos pensando em um meio de chegar até o município, que fica distante de Rondônia. Conforme informações recebidas, não haveria como usar um carro, apenas um avião. Estou tentando ir até o município de Rondônia.

No entanto, o que quero desta Casa é essa solidariedade manifestada pelos Srs. Senadores no sentido de que não se faça uma "ideologização" desse evento, que nada edifica.

Com certeza, o Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso tem uma responsabilidade muito grande no que se refere a uma política de redemocratização da terra, ao assentamento, que foi um compromisso da sua campanha eleitoral. E, em função das tímidas atitudes tomadas para cumprir este compromisso assumido, talvez estejam ocorrendo esse fatos, que só fazem entristecer a história do nosso País.

O Sr. Ademir Andrade - Permite V. Exªum aparte?

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. Fazendo soar as campainhas. ) - Perdoe-me, nobre Senadora, mas o tempo de V. Exª já está esgotado. Estamos respeitando o seu pronunciamento pela importância e pela maneira comovida com que V. Exª vem relatando os fatos. Mas o tempo de V. Exª já está ultrapassado, há outros inscritos e o período da sessão está quase se esgotando.

Gostaria que V. Exª não concedesse o aparte porque a nobre Senadora pediu a palavra para fazer uma comunicação importante e, pelo Regimento, neste caso, não cabe aparte.

Dessa maneira, solicito a V. Exª que conclua o seu pronunciamento, e o Senador poderá, como Líder, usar da palavra.

A SRA. MARINA SILVA - Peço desculpas ao Senador Ademir Andrade por não ser possível conceder-lhe o aparte. Agradeço a gentileza da Mesa ao permitir que concluísse meu pronunciamento.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 11/08/1995 - Página 13772