Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE UM ANO DO PLANO REAL.

Autor
Esperidião Amin (PPR - Partido Progressista Reformador/SC)
Nome completo: Esperidião Amin Helou Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE UM ANO DO PLANO REAL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/06/1995 - Página 11383
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, COMPORTAMENTO, ECONOMIA, BRASIL, RESULTADO, IMPLANTAÇÃO, PLANO DE GOVERNO, ESTABILIDADE, MOEDA, REAL.
  • CRITICA, MANUTENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, TAXAS, JUROS, ESTABILIDADE, ECONOMIA, AMEAÇA, QUEBRA, COMERCIO, INDUSTRIA, EFEITO, FALTA, CONCESSÃO, CREDITOS, FINANCIAMENTO, ATIVIDADE COMERCIAL, DEFASAGEM, TAXA DE CAMBIO, PREJUIZO, SETOR, EXPORTAÇÃO.

           O SR. ESPERIDIÃO AMIN (PPR-SC. ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, às vésperas de coincidir o término dos primeiros seis meses de gestão do Governo FHC com o primeiro aniversário de nossa moeda corrente - o Real -, soa-me extremamente oportuno que o Senado Federal se disponha, hoje, a ensejar uma discussão cujo objeto central seja o balanço da política econômica que ora se instaura no País.

           Sem incorrer no vício das paixões e da cegueira partidária, para uma ocasião de balanço, deve-se preservar a moderação, o bom senso, a prudência e sobretudo a honestidade. Por isso, até onde se puder manter, o distanciamento de nossa incursão analítica deve ser reiteradamente recomendável.

           A tarefa não é fácil porque o Real de fato correspondeu a muito do que dele se esperava, tanto internamente quanto externamente. Internamente, a inflação se reduz em um ano a uma taxa que se aproxima dos trinta e cinco por cento, o que é formidável. Externamente, desde sua implantação, as nações do mundo nos olham com lentes revestidas de menos indícios de descrédito e enxovalhamento.

           Naturalmente, a recuperação de nossa economia deve-se em muito aos efeitos de segurança e planejamento gerados pela estabilidade de valor que nossa moeda adquiriu, junto a toda a cadeia de produção, consumo e investimento da economia, em comparação com outras moedas mais fortes, como o dólar, o marco e o ien.

           Graças ao Real, o itinerário da prosperidade brasileira foi redescoberto de maneira aparentemente irreversível. Com ele irrompe-se uma nova fase da história do País e por ele o Brasil despertou para a consciência da abertura de seu mercado.

           Mas isso não é tudo nem o País deve se contentar apenas com o que até agora se obteve. Seus desvios devem ser identificados e prontamente corrigidos. Para isso, o tom impresso neste discurso não deve ser de ufanismo, nem de pessimismo. Inversamente, o tom é de alerta.

           Sr. Presidente,

           Nessa lógica, é lugar-comum hoje enaltecer as vantagens que o Real trouxe à economia brasileira e aos brasileiros. Caem no vazio as críticas que apontem falhas ou erros embutidos no Plano que possam chegar a comprometer o sucesso da nova moeda.

           Contra todos aqueles que anteviam um devir sombrio e lúgubre para a Nação, o Real se mostrou e ainda se mostra robusto o suficiente para garantir um padrão de estabilidade de preços raramente presenciado em nossa história. Em vez das tradicionais e mal-fadadas promessas de perenidade dos planos anteriores, o Real rompe a fronteira da credibilidade temporária e deixa para trás as desconfianças infundadas.

           Sem receio, podemos considerar superada a fase de experimentação do Real. Longe de ser confundida como uma passageira lufada de vento, sua intervenção acertada em nossa tumultuada saúde econômica inaugurou em nosso solo um espírito pioneiro de desenvolvimento sustentado.

           Para além da demarcação político-eleitoral, a nova moeda parece ter acompanhado um movimento rítmico independente e muito maduro. Dotado de uma autoridade que foi sendo conquistada paulatinamente dentro e fora das esferas de poder, o Real se firma acima da filiação ideológica e abaixo da superfície partidária.

           Ao seguir com rigor um receituário teórico adequado aos ajustes de uma realidade tão atípica como a vivida pela economia brasileira, o plano Real se impôs pela neutralidade de interesses que não estivessem claramente em favor da resolução dos graves problemas sociais que grassam no País.

           Obviamente, o papel desempenhado pelo ex-Ministro da Fazenda e hoje Presidente da República Fernando Henrique Cardoso se reveste de uma importância inestimável para o êxito de todo o processo de estabilização da economia brasileira. Sua determinação política, conjugada a uma visão de mundo lúcida e esclarecida, o credencia de antemão para o posto de grande estadista da história brasileira.

           Sr. Presidente,

           No entanto, para que este prenúncio de sucesso seja completamente confirmado, urgem alguns reparos na conduta do plano econômico. Como é de conhecimento de todos, a estabilização da moeda não consiste meramente num processo finito de medidas e ações políticas. Pelo contrário, a perenidade da estabilização depende de diversos fatores, seja de ordem estrutural, seja de ordem conjuntural, a cujos movimentos as autoridades econômicas não podem absolutamente furtar-se. 

           Não imaginem precipitadamente, Srs. Senadores, que estou a esbarrar numa contradição hipócrita, bem familiar ao discurso proselitista. Nada disso. O apoio de meu partido ao Real é manifesto e sincero. Por isso mesmo, não podemos omitir-nos diante de percalços que eventualmente surjam no curso de vida do Real.

           E esse é o caso atual. Estou convicto de que a situação da economia brasileira não está funcionando em sua plena potencialidade. Apesar de todos os benefícios advindos com o ingresso do Real, a impressão que se tem é a de que o plano econômico patina numa crise de proporções ainda não muito bem avaliadas.

           Pois, é certo que o País goza de necessária tranqüilidade política com o Real, mas isso não é condição suficiente para a conquista de nossos ideais de autodesenvolvimento. Mais ainda, parece ser unânime nos meios mais ou menos inteirados do quadro clínico da situação econômica do País que intervenções drásticas devem ser rapidamente acionadas.

           Apesar de toda a euforia que o Real instaurou, num primeiro momento, no ambiente das atividades econômicas e nos negócios em geral, um indesejado sentimento de inquietação começa a se alastrar no seio da sociedade brasileira. Isso se justifica, pelo menos em parte, pelo panorama de recessão que parece desenhar-se no horizonte produtivo.

           Sr. Presidente,

           De fato, a política monetária de juros altos, de cuja orientação a equipe econômica tem o orgulho de ser o sustentáculo, tem indiscriminadamente provocado estragos e danos em todo o setor produtivo brasileiro. Numa época em que o convite ao investimento na produção corresponde ao entrelaçamento inevitável numa dívida financeira de difícil resgate, o empresariado do País não vê outra perspectiva senão a retração dos negócios e o desemprego em cadeia.

           Ao lado do patamar estratosférico dos juros, o Governo não atenta para a catástrofe que igualmente se avizinha em direção ao setor exportador brasileiro. Ao operar com uma política cambial que privilegia a prolongada superestimação artificial de nossa moeda em relação ao dólar, o Brasil incide equivocadamente numa diretriz cuja premissa aponta o aniquilamento automático do setor exportador.

           No Estado de Santa Catarina - Sr. Presidente -, a reclamação já deixa de ser isolada para tomar forma de uma indignação pública e coletiva. A Associação Comercial e Industrial de Criciúma (ACIC) alerta para o perigo da quebradeira generalizada que começa a despontar na região. Com muita justiça, a direção da ACIC lembra que a indústria e o comércio atenderam com prontidão aos apelos de racionalização e qualidade que tanto se exigia para a modernização do País. Mas, e a contrapartida? Como ter acesso ao crédito sem ser ridicularizado pelos banqueiros?

           Em Itajaí, o quadro não é menos desalentador. A Câmara de Dirigentes Lojistas de lá expressa a mesma indignação quando descreve que quem paga a conta final de uma política tão ingrata são os médios e pequenos empresários, cuja precária estrutura de autofinanciamento lhes sujeita às mais execráveis situações de humilhação e miséria. Destituídos de crédito acessível, os lojistas da região são gravemente penalizados pelo recuo imediato do consumo. Como competir com os artigos importados que recebem indiretamente o incentivo do câmbio favorável?

           Sr. Presidente,

           Nessas circunstâncias, a combinação de juros escorchantes com câmbio defasado tem inadvertidamente redundado em prejuízo incalculável para a economia do País. Sem acesso ao crédito e simultaneamente sufocada pela iminência da inadimplência, a iniciativa privada apela ao Governo FHC maior sensibilidade na condução da política monetária, cambial e fiscal.

           Tal sensibilidade deve ser convertida numa política econômica menos ortodoxa e mais sensata. Os economistas de plantão do Governo devem acompanhar mais de perto o desempenho da diversidade produtiva que compõe nosso PIB. Por mais correta que seja a adoção de uma política tão draconiana do ponto de vista da teoria monetarista, não há argumentos que justifiquem imposições tão amargas à produção.

           Em absoluto a fidelidade ao Real deve comprometer a vocação produtiva do País. Os limites a que se submete o povo brasileiro em favor da estabilização da moeda não podem superar a expectativa de o Governo gerar riquezas e expandir empregos. Os custos para a manutenção do Real não podem comprometer nossa capacidade de crescimento e progresso.

           Ora, a elevação dos juros agride não só o produtor como também o consumidor, que não vê outra alternativa senão interromper suas compras diante de juros tão elevados para o crediário. A meu ver, a conseqüente retenção da demanda como única política viável para estacionar a elevação dos preços médios de nossa economia em patamares mínimos parece-me extremamente simplista e covarde. Fica a indagação: como reter o fluxo natural de consumo de uma sociedade tão carente de bens e mercadorias elementares, como é o caso da nossa?

           Sr. Presidente,

           A preocupação se torna ainda mais grave quando se constata que o Brasil embarca em definitivo para um modelo de economia de perfil liberal, cujo termômetro de saúde é indicado pelo mercado, pela concorrência, pelo preço e pela qualidade. Com a abertura de nossas fronteiras para o mercado externo, o Brasil não pode isoladamente propor uma política monetária e cambial tão extorsiva.

           Mesmo porque tal política não condiz de forma alguma com o espírito de reformas que ora se verifica nas instituições brasileiras. O sopro de mudanças que ventila atualmente nossa Carta Magna se direciona indiscutivelmente a um modelo de economia em redor de cujo eixo gravita um Estado de papel bem reduzido.

           As emendas constitucionais sobre as quais o Senado Federal ora se debruça sugerem, na sua essência, uma leitura que só tem a contribuir para o fortalecimento do Real. Nesse sentido, com a quebra generalizada do monopólio do Estado brasileiro sobre atividades econômicas reivindicadas como típicas de mercado, o equilíbrio de nossa moeda será, em grande medida, perseguido mediante a auto-regulamentação de preços pela lei da livre concorrência.

           Ao Estado caberá prioritariamente atuar como agente promotor do crescimento econômico do País. Para tanto, deve pautar suas políticas monetária, cambial e fiscal de acordo com uma filosofia que privilegie a produção e a expansão das riquezas. Concentrado na execução de políticas públicas relacionadas a saúde, habitação, transportes, segurança e educação, o Estado enxuto cumprirá com mais pertinência suas funções administrativas.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

           O Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso possui a credibilidade e a competência necessárias para tomar as decisões que reponham sua política econômica nos devidos trilhos da prosperidade. De nada adiantará insistir nos juros altos se o preço a se pagar é a falência de nosso parque industrial e de nossos estabelecimentos comerciais.

           Nessa condição, a intransigência com que o Governo tem presidido o comando da política econômica deve ser compatível com a análise dos resultados a que se tem chegado após um ano de estrada do plano Real. E os resultados são bem nítidos. Nenhum país que pretenda resgatar sua economia do caos em que está atolada consegue ter sucesso a longo prazo aplicando internamente taxas de juros tão abusivas.

           Antes que seja muito tarde, é preciso que a equipe econômica reveja suas posições monetárias e pondere com seriedade a perspectiva nada longínqua de ter de se trabalhar com uma taxa de juros fixa de doze por cento ao ano. Enquanto não for apresentada, enfim, nenhum alternativa que combata de frente o problema de juros, teremos que lutar pelos doze por cento.

           Longe de ser uma determinação insana de nossa Constituição, nos dias de hoje ela nos parece a mais acertada de todas as decisões tomadas naqueles turvados anos oitenta. Assim, não há o que discutir, o Real só sobreviverá se e somente se o Governo revir sua política monetária.

           Era o que tinha a dizer.

           Muito Obrigado. 


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/06/1995 - Página 11383