Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O CASO DALLARI.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • REFLEXÕES SOBRE O CASO DALLARI.
Aparteantes
Jefferson Peres, José Eduardo Dutra, Pedro Simon, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DCN2 de 17/08/1995 - Página 13991
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, RELACIONAMENTO, BRASIL, INICIATIVA PRIVADA, RELAÇÃO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, ATUAÇÃO, MILTON DALLARI, SECRETARIO ESPECIAL, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), OBTENÇÃO, INFORMAÇÃO CONFIDENCIAL, NATUREZA ECONOMICA, FAVORECIMENTO, EMPRESA PRIVADA.
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, CRIAÇÃO, ENTIDADE INTERNACIONAL, APURAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, MUNDO, AVALIAÇÃO, POSIÇÃO, BRASIL, SUPERIORIDADE, EXECUÇÃO, IRREGULARIDADE.
  • DEFESA, EXTINÇÃO, INICIO, RELACIONAMENTO, ESTADO, INICIATIVA PRIVADA, MELHORIA, INTEGRIDADE, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo examinar com mais serenidade, depois de muitos comentários da imprensa e manifestações de Parlamentares, o episódio que envolveu o Secretário de Abastecimento e Preços, José Milton Dallari, não tanto para falar sobre o caso em si, mas para refletir um pouco sobre as relações promíscuas, até incestuosas às vezes, entre o Estado e a iniciativa privada.

Se tomarmos, pela melhor das hipóteses, que o Secretário é absolutamente inocente nessa matéria, que ele não forneceu, em momento algum, a empresas ou a empresários, ou a pessoas das suas relações, dados ou informações do Governo que privilegiassem aqueles que tomaram conhecimento ou que tiveram acesso a esses dados, ainda assim é hora de pensarmos, de maneira séria e profunda, serenamente, sobre as relações entre o Estado e a iniciativa privada.

Aliás, isso não é problema somente nosso. Problemas como esse ocorrem em diferentes países, embora o Estado brasileiro tenha uma relação já histórica, antiga, de muita promiscuidade com a iniciativa privada, mesmo levando-se em conta que temos leis que disciplinam essa matéria muito bem.

A própria Lei nº 8.112, que trata do Regime Jurídico Único dos funcionários públicos, ou o Código de Ética Profissional do servidor público civil do Poder Executivo Federal, decreto baixado pelo então Presidente Itamar Franco, diz, em sua Seção III, Das Vedações ao Servidor Público:

      "XV - É vedado ao servidor público:

      a) o uso do cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influências para obter qualquer favorecimento para si ou para outros.

E na alínea "m", também Das Vedações ao Servidor Público:

      "m - fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno do seu serviço em benefício próprio, de parentes, de amigos ou de terceiros."

Então, a legislação já trata essa matéria de maneira bastante clara.

Todavia, na verdade, existe aí uma zona de sombra, uma penumbra, uma fronteira mal definida entre o público e o privado.

O Jornal do Brasil de domingo, 13 de agosto, trazia uma relação extensa de personalidades que ocupam elevados cargos no Governo e que até há pouco tempo exerciam atividades na iniciativa privada, quer dizer, prestavam serviços profissionais a empresas e agora são altos executivos do Governo Federal.

De sorte que é extremamente difícil, no âmbito estritamente legal, isolar-se essa relação entre o público e o privado. Creio mesmo que esse é um dos grandes problemas com que se depara o Estado brasileiro.

O Governo americano tem algumas regras que disciplinam isso de maneira bem clara. O Presidente Clinton mal assumiu, no dia 20 de janeiro de 1993, e baixou ordem executiva de nº 12.834: medidas éticas para o escalão executivo. E aí não se preocupava apenas com as relações na vigência do exercício de uma função no governo, mas estabelecia algumas obrigações que se estendiam ao período posterior, quando o funcionário já tivesse deixado a administração pública, vedando a possibilidade de ele prestar serviços a empresas, a governos estrangeiros, a uma série de entidades, dependendo do escalão, do nível do cargo que ele exerceu no governo americano, pelo prazo de cinco anos.

Estamos vendo que há realmente uma preocupação que não é só nossa, do Brasil, mas também de outros países, qual seja, a de estabelecer limites, fronteiras que caracterizem bem o papel de cada servidor; é preciso que haja limites de natureza ética e moral e que se estabeleçam regras e se discipline essa convivência entre o Estado e seus servidores e a iniciativa privada.

Vejam que temos, portanto, uma questão séria, grave com a qual devemos lidar. Entendo que isso poderia ter alguma solução ou pelo menos poderíamos encaminhar algum tipo de solução se, em primeiro lugar, procurássemos profissionalizar o servidor público; estabelecermos uma carreira na burocracia, na qual haja ingresso por concurso público, ascensão por mérito e chance de se ocuparem elevadas posições na Administração Pública.

É evidente que o cargo de Ministro ou de Secretário-Executivo de um ministério é um cargo de natureza política que deve conciliar a competência profissional com a vinculação ideológica, programática e até pessoal com o dirigente maior - no caso, o Presidente da República. Creio que será muito difícil que espanquemos da Administração Pública esse mal, esse vício, esse conúbio entre público e privado que é extremamente danoso à imagem da Administração, se não profissionalizarmos o servidor público.

O Sr. Jefferson Péres - Permita-me V. Exª um aparte, nobre Senador Lúcio Alcântara?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço o aparte do Senador Jefferson Péres, com todo o prazer.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Lúcio Alcântara, V. Exª tem inteira razão em tudo o que diz. Há um vácuo institucional, realmente, que é a falta de uma legislação adequada para disciplinar esse relacionamento promíscuo entre servidores de altos escalões e iniciativa privada. Mas qualquer que seja a legislação e por mais minudente que seja, é impossível prever todos os casos. Aí a vigilância cabe ao Poder Público, ao Governo. Acho que o Governo tem que ser inflexível em matéria de ética. Como já foi dito à exaustão, todo Governo tem que ser como a mulher de César: não basta ser correta, é preciso parecer que seja. Em primeiro lugar, ser, e em segundo é indispensável que seja, porque, afinal, o fundamento do poder é a autoridade moral. Não conheço o Sr. José Milton Dallari; é possível até que não seja culpado, mas sua posição era insustentável no Governo, ele já estava com sua autoridade inteiramente corroída. O Governo vacilou, adiou, e agora o Sr. Dallari está sendo exonerado ou pedindo exoneração; mas estava claro, há 10 ou 15 dias, que era insustentável sua posição. O Governo, por sua vez, se impôs um desgaste absolutamente desnecessário. Era o que eu tinha a dizer.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Jefferson Péres, pelos argumentos que V. Exª traz ao meu discurso.

Quero me referir a duas publicações do jornal O Estado de S. Paulo de ontem, 15 de agosto, e de hoje, 16 de agosto.

Executivos de agências financeiras internacionais, agências de desenvolvimento do tipo do Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e outros, preocupadas com o problema da corrupção no mundo, criaram uma organização não-governamental chamada Transparência Internacional, que está procurando apurar, medir e denunciar a corrupção nos diferentes países do mundo. Essa organização se utilizou de alguma forma de avaliação e publicou um ranking de países corruptos, onde, infelizmente, nossa posição é muito ruim. Tal como na questão da disparidade de renda e na questão da educação, estamos situados ali com uma espécie de troféu que não é exatamente o que enaltece o nosso País.

Foram examinados 41 países e, da escala de 1 a 10, obtiveram nota acima de 9 - quer dizer, países menos corruptos - Nova Zelândia, Dinamarca, Cingapura e Finlândia. Os americanos ficaram à frente dos franceses e dos japoneses com nota 7,79. Entre os mais corruptos - nota abaixo de três - encontramos Indonésia, China, Paquistão, Venezuela, Brasil, Filipinas, Índia, Tailândia e Itália.

Infelizmente, é um dado que não nos anima, a não ser no sentido de estimularmos a cruzada de alguns bons brasileiros, que têm investido de maneira muito obstinada contra a corrupção, que é um vírus que tem se propagado aqui com muito sucesso.

O Sr. Roberto Requião - Permite-me um aparte, Senador?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço o Senador Roberto Requião.

O Sr. Roberto Requião - Senador Lúcio Alcântara, não acredito que a criação de uma carreira estável de funcionários públicos reverta o problema. Não estaríamos, dessa forma, viabilizando funcionários "transgênicos", imunes à corrupção.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Isso é uma homenagem ao Senador Ney Suassuna.

O Sr. Roberto Requião - É uma homenagem ao Senador Ney Suassuna. Precisamos, certamente, de instrumentos de fiscalização. Tramita, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, um projeto do Senador Pedro Simon que torna obrigatória a quebra do sigilo bancário e uma revisão preventiva dos dois anos anteriores para todo detentor de mandato popular ou funcionário comissionado do Executivo no momento da sua nomeação. Determina-se que ele assine uma autorização - uma emenda do Senador Gerson Camata - para que seja feita uma revisão do seu imposto de renda nos dois anos antecedentes, que seja acompanhada de perto a evolução do seu patrimônio durante o exercício do cargo e que dois anos depois do exercício do cargo esse acompanhamento se mantenha. É uma proposição muito interessante. Eu, inclusive, pedi vista desse processo, porque queria emendá-lo, incluir o Judiciário, os membros de comissão de licitação, funcionários públicos de carreira, todos os funcionários que tivessem uma função no Município, no Estado ou na União vinculada à fiscalização, ao ordenamento de despesas. No entanto, dada a premência de uma solução, já devolvi o processo à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania sem emendas. Vamos começar pela nossa Casa, pelo Executivo, pelo Legislativo e pelos funcionários comissionados; vamos transformar depois a condição do Judiciário e dos demais funcionários de carreira. Só faço um reparo ao pronunciamento de V. Exª: não me parece que o funcionário público de carreira seja um ser "transgênico" e imune à corrupção. É tão imune ao processo da corrupção quanto o funcionário nomeado para um DAS ou para um cargo comissionado. Precisamos estabelecer estruturas e mecanismos transparentes de acompanhamento da evolução da renda, e essa iniciativa do Senador Pedro Simon é louvável. De resto, chamava-me a atenção o nobre Senador Jefferson Péres para o fato de que agora participamos de três campeonatos: o da má distribuição da renda, o da corrupção e o dos juros altos. Não tenho certeza absoluta sobre o comportamento do Secretário Milton Dallari, mas, se eu pudesse trocar o Dallari pelos juros altos, eu o faria com satisfação.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado a V. Exª, nobre Senador Roberto Requião.

Creio que a iniciativa do nobre Senador Roberto Requião é altamente válida; inclusive, no momento em que o projeto for submetido a votos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, estarei votando a seu favor.

Discordo, porém, de V. Exª quando minimiza o papel da profissionalização da carreira do funcionário público. É evidente que essa "vacina" anticorrupção que V. Exª deseja, quem a descobrir, se conseguir patentear na Organização Mundial do Comércio, ou vai ficar muito rico, ou será chacinado imediatamente, na hora em que descobrir.

Em se tratando de seres humanos, não podemos pensar em perfeição. Não conheço ainda o conteúdo da reforma do Estado, ainda não chegou para a nossa análise no Congresso. Mas tenho muitas dúvidas em relação a essa proposição que visa acabar com a estabilidade do servidor público. Por quê? Pergunto: qual é o servidor que, trabalhando em clima de instabilidade, de incerteza, tomando conhecimento, por exemplo, de um ato desonesto de seu superior - que às vezes nem é funcionário público, mas foi convocado para servir a Administração num cargo de confiança -, vai fazer essa denúncia, para ficar sujeito, amanhã, a uma demissão sob qualquer pretexto, ou de mau desempenho ou de excesso de servidores nessa área?

Não pretendo transformar a reforma do Estado em holocausto do funcionalismo público, porque existem ilhas de excelência no Serviço Público. O Banco do Brasil é uma delas, assim como o Itamaraty, a Receita Federal e outras instituições. Os funcionários dessas entidades foram recrutados por concurso público, foram treinados, têm ascensão funcional pelo seu mérito, pelo seu desempenho.

É evidente que a profissionalização do servidor público, por si só, não iria resolver o problema da corrupção, mas seria uma maneira de definirmos melhor as responsabilidades e deveres, e não apenas os direitos.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço o Sr. José Eduardo Dutra, com todo prazer.

O Sr. José Eduardo Dutra - Nobre Senador Lúcio Alcântara, V. Exª, com a serenidade que lhe é característica, traz à sessão de hoje um assunto que considero importantíssimo e ao qual eu gostaria de, modestamente, dar uma contribuição. No meu entendimento, um dos aspectos causadores dessa situação encontraríamos na própria análise do caráter patrimonialista da classe dominante brasileira, tão bem descrito por Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder. Um segundo aspecto: é efetivamente possível - e já foi citado pelos Senadores Roberto Requião e Pedro Simon - introduzirmos instrumentos legislativos que possibilitem avançar na questão da separação entre o público e o privado. Mas, concretamente, o sentimento de impunidade que temos no Brasil, sem qualquer dúvida, contribui para isso. Se fizermos uma retrospectiva dos últimos três anos, vamos observar que houve diversas denúncias de vazamento de informações relacionadas a mudanças de câmbio, a importações, a preços, por exemplo. O que ocorre é que as denúncias mais recentes acabam retirando das manchetes as denúncias mais antigas, reproduzindo-se, assim, o que ocorre com as dívidas, em que as mais novas tornam-se velhas e estas serão pagas. Há outro dado que deve ser considerado: se tomarmos a lista do "corruptômetro" que V. Exª citou, com exceção da Itália, do ponto de vista dos mais corruptos, e do Chile, do ponto de vista dos menos corruptos, vamos ver que existe uma relação quase que direta entre alto índice de corrupção e alto índice de desigualdade social; alto índice de corrupção e baixo índice de fortalecimento das instituições democráticas. Então, a sociedade brasileira tem de começar a construir esse processo, e nós, enquanto Parlamentares, devemos ajudá-la nesse sentido. Por isso, parabenizo V. Exª por introduzir um tema tão importante na tarde de hoje.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço o nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Em primeiro lugar, felicito V. Exª pelo seu discurso e pelo aparte do ilustre Senador, seu companheiro de partido. Ambos foram muito oportunos. V. Exª é do PSDB, assim como o seu aparteante. Mas V. Exª, antes e acima de tudo, é um patriota, um representante do povo nesta Casa, e se identifica com os princípios do PSDB, que é um partido criado exatamente para ser um novo. Inclusive saiu do PMDB, porque havia nesse Partido equívocos que o PSDB não admitia. Eu estava inscrito para falar ontem, mas não o fiz, pois estávamos na expectativa de que o Senador Antonio Carlos Magalhães fosse pronunciar-se. Mas, se hoje não houvesse o discurso de V. Exª e a demissão do Sr. Milton Dallari, eu iria cobrar do Senador Antonio Carlos essa demissão. Se S. Exª teve competência para resolver o problema do Econômico, com muito menos esforço poderia demitir o Sr. Dallari. Vejo que o nosso grande companheiro de lutas é o Antonio Carlos Magalhães. Como seu amigo e admirador, estou aqui para lhe pedir que nos ajude nessas questões. S. Exª já dera uma declaração: apoiaria qualquer pessoa que aparecesse com um pedido de CPI para o Sr. Dallari. Bastou essa notícia sair ontem nos jornais para que o Sr. Dallari fosse demitido. Mas, se isso não tivesse acontecido, eu viria hoje à tribuna para falar sobre essa matéria - vejo, com alegria, que V. Exª o faz hoje. Que bom que o Sr. Dallari tenha sido demitido, como disse muito bem V. Exª. Um cidadão que tem uma empresa com seis funcionários, nenhum técnico, assessores de terceira linha, nenhum assessor de gabarito, nenhum PhD; uma empresa onde ele é praticamente o único a resolver os problemas, juntamente com sua mulher, e ganha R$100 mil por mês?! E faz assessoria a empresas que trabalham no mercado, como a Associação dos Supermercados do Brasil, exatamente o setor que o Sr. Dallari fiscalizava. Pelo amor de Deus! Não há lógica nisso! Tenho muito carinho pelo Ministro Pedro Malan, mas houve uma notícia de jornal informando que S. Exª estava revoltado com as acusações ao Dallari e que queria descobrir o responsável pelo vazamento de informações do Ministério da Fazenda. São informações que datam de um ano, fiscalização que durou um ano. Que bom para o nosso Presidente Fernando Henrique Cardoso que o Sr. Dallari tenha sido demitido! Creio que, com a evolução dos fatos na Bahia, o Governo entendeu ser propício afastar o Sr. Dallari. Que isso sirva de exemplo. Creio que uma pessoa da seriedade, do gabarito, da respeitabilidade do Presidente Fernando Henrique Cardoso não podia esperar que as coisas chegassem aonde chegaram; não precisava ter havido editoriais em todo os jornais, sugerindo uma interrogação ao Senhor Fernando Henrique Cardoso. O Presidente está acima de interrogações e acima de suspeitas, mas deve ser o que era quando ocupava a Pasta da Fazenda: mais firme, mais resoluto. Não pode um Ministro dizer: "vamos deixá-lo por mais tempo", e Sua Excelência aquiescer, mudando a decisão que já havia tomado. A informação que temos, a que a imprensa tem é que ele tinha determinado a demissão do Sr. Dallari já no início da semana passada. Mas o Sr. Malan teria telefonado para o Presidente solicitado que não fosse feita a demissão. Que bom que a demissão saiu hoje, mas saiu com um desgaste que o Senhor Fernando Henrique Cardoso não precisava ter sofrido; com um desgaste que não era necessário ao Senhor Fernando Henrique Cardoso. Com relação a outros nomes, acho importante que V. Exª dê conselhos - creio que dará - no sentido de que o Senhor Fernando Henrique veja caso a caso. O advogado do Sr. Dallari perguntou: "mas e o Pelé? Ele também tem as suas empresas". Resposta fantástica do Pelé - exatamente o que V. Exª falou sobre a ética: no mundo inteiro há cidadãos que têm empresas e são chamados a colaborar com o Governo. A questão é saber se, do lugar onde estão colaborando, estão levando vantagens e lucros para as empresas onde trabalham. Não me consta que o Sr. Pelé tenha tido qualquer tipo de vantagem para suas empresas, mesmo estando à frente do Ministério Extraordinário dos Esportes. O Sr. Dallari, se estivesse trabalhando no combate ao tóxico, por exemplo, se tivesse atuando em outro setor, tudo bem. Mas a sua atividade era exatamente tratar de empresas de varejo e o seu cargo era fiscalizar preços e varejos. Pelo amor de Deus! Segundo as notícias que estão saindo no jornal, o Senhor Fernando Henrique Cardoso não queria demitir o Dallari porque a imprensa publicaria outros nomes. É um apelo que faço ao Presidente, antes que publiquem outros nomes, antes que a Veja publique: que observe, caso a caso, qual a função que essas pessoas estão desempenhando. Se a função, a empresa, o trabalho está diretamente ligado ao cargo que está executando, que o tire da função.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Senador Pedro Simon, estou sendo advertido pela Mesa, porque meu tempo está esgotado. Dessa forma, peço que V. Exª releve a descortesia de interromper seu aparte, que, na verdade, honra e ilustra o meu despretensioso discurso. Pretendi trazer este debate para o Plenário, até para que não nos transformemos apenas em juízes despreparados ou ousados para decidir sobre o caráter, sobre a moral, sobre o comportamento de pessoas; estamos, nesta Casa, muito mais para discutir as relações entre o Estado e a iniciativa privada. E o Senador José Eduardo Dutra bem como V. Exª e os demais Senadores que me apartearam trouxeram contribuições extremamente interessantes para continuarmos este debate. O Presidente Fernando Henrique é, a meu juízo e também a de V. Exª, um grande patriota, um homem que está empenhado em fazer um governo sério, honesto, competente, razão pela qual precisa do nosso apoio, inclusive nos momentos em que apontarem dificuldades, problemas como os que o Governo vem enfrentando.

Para concluir, Sr. Presidente, e usando palavras do Senador José Eduardo Dutra, essas dificuldades de natureza ética do Governo, do Estado brasileiro, estão muito relacionadas com a incipiência da nossa democracia, da nossa participação e do controle social que a sociedade brasileira deve exercer sobre o Estado, sobre os organismos da administração, cobrando princípios dos quais não podemos abrir mão: transparência, seriedade, ética, moral, valores que inspiram o Estado democrático destinado a servir seus cidadãos.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 17/08/1995 - Página 13991