Discurso no Senado Federal

CONTESTANDO O TRATAMENTO DESIGUAL DISPENSADO PELO GOVERNADO FEDERAL A REGIÃO AMAZONICA.

Autor
Bernardo Cabral (PP - Partido Progressista/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • CONTESTANDO O TRATAMENTO DESIGUAL DISPENSADO PELO GOVERNADO FEDERAL A REGIÃO AMAZONICA.
Aparteantes
Lauro Campos, Lúcio Alcântara, Ney Suassuna, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DCN2 de 17/08/1995 - Página 14018
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, TRATAMENTO, GOVERNO FEDERAL, DISCRIMINAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, IMPOSIÇÃO, LIMITAÇÃO, COTA, IMPORTAÇÃO, PREJUIZO, ZONA FRANCA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), AMPLIAÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, PAIS.

O SR. BERNARDO CABRAL (PP-AM. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao longo desta sessão, ouvi inúmeros comentários: de um lado, sobre a atitude do Governo; de outro, a defesa. Mas aconteceu um episódio que me faz vir à esta tribuna.

Há muitos anos, o grande Evaristo de Moraes, criminalista notável, pai do criminalista Evaristo de Moraes Filho, defendia um cliente seu, no Tribunal de Júri, na cidade do Rio de Janeiro.

O Promotor era conhecido como um vibrante acusador. E, à medida que pronunciava sua peça acusatória, Evaristo de Moraes, na tribuna da defesa, escrevia em folhas de papel almaço sem olhar para o Promotor Público. Durante o tempo da acusação, o criminalista escreveu páginas e mais páginas. Ao cabo da acusação, Evaristo de Moraes levantou-se, tomou aquela quantidade de papel e, em silêncio, começou a rasgar folha por folha.

Depois de tudo isso, à frente da tribuna da defesa, fez-se uma quantidade enorme de papel rasgado. E o silêncio no Tribunal. Ele pára, olha para o Presidente do Tribunal do Júri, faz a saudação, olha para os jurados, repete a saudação, espalma as mãos e aponta: "Eis aí ao que ficou reduzido o argumento da acusação".

Hoje o Senador Antonio Carlos Magalhães rasgou uma espécie de acusação do eminente Senador Pedro Simon, como se tudo tivesse sido reduzido a um monte de papel picado.

Sr. Presidente, começo a me indagar, realmente, o que se passa nesta Casa. Os oradores escasseiam, alguns brilhantes - e não é por estar o Senador Pedro Simon aqui. Eu o conheço desde a época de Governador de Estado, e, num dia, com Ulysses Guimarães, S. Exª nos presenteou com um belo discurso. Mas os oradores escasseiam. E, na medida em que escasseiam, aproveitam a temática que será notícia no dia seguinte.

O que penso, Sr. Presidente, desse episódio todo é que é profundamente lamentável que o Brasil se veja a braços com assuntos dessa natureza.

Quando a matéria é Zona Franca de Manaus, quando o povo daquela terra, sofrido, espoliado, vencido, humilhado, reclama porque lhe impõem uma contingência de cotas, a partir daí o Governador e a Bancada são obrigatoriamente postos numa reunião com o Ministro da Fazenda e do Planejamento e uma meia dúzia de tecnocratas, e se amplia o prazo para um, dois meses para sair uma portaria. O tratamento com o Norte continua a ser o mesmo, o de enteado da Nação.

E agora o que se vê? Resolve-se com uma penada, uma canetada uma matéria que dá um prejuízo de bilhões de reais à Nação, enquanto àquele Estado longínquo, em que da renda da capital 97% deve-se à Zona Franca de Manaus, dá-se um tratamento absolutamente desigual.

Não quero aqui acusar o Governo, nem defendê-lo. Na hora em que preside a sessão, Senador Jefferson Péres, V. Exª está impedido de apartear-me, mas identifico o seu pensamento solidário e falo pelos dois. Não é possível que se tenha de ficar de mãos atadas, agrilhoados a discutir quem tem mais prestígio, se São Paulo, ou se a Bahia, como se os demais Estados não compusessem este País chamado Brasil.

É uma pena que os homens públicos deste País continuem muito mais voltados para suas ambições pessoais do que para os interesses coletivos e distribuam à tripa forra esta ou aquela acusação, aquela ou aqueloutra defesa.

Quando vejo Estados que estão palmilhando o caminho da quase insolvência serem tratados como pobres e desesperados que não têm força quantitativa, mas que lhes sobra força qualitativa, numa bancada, para, a troco do voto, derrubar essa ou aquela medida, não poderia, caros e eminentes Senadores, deixar de registrar o meu protesto.

O Sr. Lauro Campos - V. Exª permite-me um aparte, nobre Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muita honra, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Dirijo o meu aparte a V. Exª, com o intuito de discordar, porque a sua presença na tribuna e a oração que está proferindo mostram que, ao contrário do afirmado durante o seu pronunciamento, existem, sim, oradores neste Congresso. A sua presença prova isso. Por outro lado, gostaria também de aproveitar para afirmar a solidariedade que tem o Distrito Federal, como um dos esquecidos na distribuição de recursos. O Distrito Federal, até mesmo por força de dispositivos constitucionais, deveria receber os recursos para educação, para saúde e para segurança, mas isso não ocorre. Somos excluídos dessa partilha sistematicamente. Parece-me que o comportamento afável, ameno, do Governador Cristovam Buarque e de alguns políticos do Distrito Federal não tem dado resultado. Parece que o Governo Federal escuta mais a voz dos fortes, a voz daqueles que vêm, mediante ameaças, mediante insinuações afrontosas, receber as benesses do Poder Central. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Lauro Campos, é evidente que a essa altura o aparte de V. Exª está incorporado ao meu discurso, não só pela solidariedade, mas pelo respeito que tenho por V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Concedo o aparte ao nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Também quero divergir de V. Exª quando fala em raros representantes e brilhantes oradores. Estava no meu gabinete quando ouvi V. Exª. Então vim até aqui pelo respeito e admiração que eu e toda a Casa temos pelo ilustre Senador. V. Exª é um homem que, ao longo de sua vida, percorreu uma trilha reta. É digno, correto. Presidiu a OAB numa de suas fases mais difíceis. Ilustre Parlamentar, foi cassado. Como bem diz, não foi anistiado, pois cumpriu até o último dia os dez anos de cassação, o que é um absurdo. Voltou ungido pelo voto popular. Participou de um governo que era a esperança de toda a Nação - não votei no Collor, votei no Lula, mas aquele início de Governo me empolgou - e se retirou quando viu que as coisas eram diferentes. Voltou com a mesma identificação de luta e garra. V. Exª diz bem: é muito importante debatermos sobre a Amazônia. Afinal de contas ela é o futuro deste País, lamentavelmente sempre futuro, porque já deveria ser o presente. A Amazônia merece o debate, a discussão, o aprofundamento em torno daquilo que a Nação deveria fazer em torno da Amazônia. E V. Exª tem toda a razão quando diz que o mundo inteiro olha para a Amazônia e nós não olhamos para ela. Penso que todo o debate, toda a discussão que se faz em torno da Amazônia tem absoluta urgência e absoluta necessidade. O objetivo principal do meu aparte é dizer do apreço, do carinho e do respeito que o Brasil, o Senado Federal e o Congresso Nacional têm pela figura ilustre, digna e correta de V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado, Senador Pedro Simon.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senador Bernardo Cabral, para não perder a oportunidade, peço um aparte a V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - Recordando aquela frase conhecida "assim como havia ainda juízes em Berlim, ainda existem oradores em Brasília". V. Exª, sem dúvida nenhuma, sem nenhum favor, é um deles. V. Exª e tantos outros que eu poderia enumerar aqui.

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado.

O Sr. Lúcio Alcântara - O que nos falta, muitas vezes, é a profundidade no tratamento de determinados temas. Infelizmente se privilegia, muitas vezes, a última denúncia do dia, ainda que não esteja nem confirmada, o último fuxico, a última fofoca, a última notícia escandalosa. Isso, de certa maneira, deslustra o Senado, porque, em favor desse tipo de enfoque, deixa-se de analisar com mais profundidade temas como esse, por exemplo, da questão regional, que é da maior importância e é inerente, é própria desta Casa. Este é o fórum para se tratar disso. Como disse o Senador Pedro Simon, a Amazônia não pode permanecer eternamente como o futuro de um país que tem futuro, e não chega o futuro do Brasil e muito menos o da Amazônia. Hoje a Amazônia é muito mais uma espécie de emblema da ecologia, da defesa da natureza, do que uma região que precisa desenvolver-se, que precisa progredir, que precisa de um desenvolvimento harmônico, equilibrado, em favor dos homens que lá estão, que lá vivem, que lá trabalham. Concluindo minha intervenção, quero dizer que discordo, como os Senadores Pedro Simon e Lauro Campos, do intróito do pronunciamento de V. Exª. Há oradores sim, e V. Exª é um exemplo deles, sem nenhum favor.

O SR. BERNARDO CABRAL - Agradeço a V. Exª. Bendita discordância. Afinal de contas, pelo menos ouço dos meus companheiros Senadores que algo ainda me resta.

O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres) - Ilustre Senador Bernardo Cabral, o seu tempo está-se esgotando.

O SR. BERNARDO CABRAL - O grande Rui Barbosa dizia que, lamentavelmente, os oradores são sempre esporeados pelo tempo.

O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres) - Em homenagem também ao Senador Ney Suassuna, serei generoso.

O SR. BERNARDO CABRAL - A generosidade de V. Exª está registrada.

O Sr. Ney Suassuna - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ney Suassuna - Solidarizo-me com V. Exª, dizendo que tudo que se faça pela Amazônia ainda é pouco, porque, como pulmão do mundo, a Amazônia deveria estar recebendo royalties de todos os países. Deveríamos até ameaçar, cada dia, devastar aquela região ainda mais, para que os outros caíssem em si. Desse modo, sem devastar, poderíamos receber, com toda certeza, os incentivos que deixaram de dar. Atualmente, na Europa, não há uma árvore original. Lá, uma moita é uma floresta. Nos Estados Unidos, acontece a mesma coisa. Falam em florestas, mas plantam árvores oriundas da Austrália, como se lá pudesse existir vida animal. Os animais que existiam no continente sequer comem esse vegetal. Lá não existe coala para comer eucalipto ou pinheiro.

Em nossa região, querem ditar regras e querem que, a cada dia mais, sejamos escravizados por temas que eles deveriam estar pagando para poder usufruí-los. Tudo o que se refere à Amazônia, e essa foi a última parte que ouvi do discurso de V. Exª, deve receber o maior zelo e ser mantido para o benefício de cada brasileiro, nem que sejam cobrando royalties pela limpeza do ar e por tudo o mais que esta região representa.

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna.

Para finalizar, Sr. Presidente, seria um crime não conceder o aparte a esse brilhante companheiro que é o Senador José Fogaça.

O Sr. José Fogaça - Gostaria apenas de dizer que a Amazônia é importante para o País e, na sua palavra, ganha destaque e merece a solidariedade deste Plenário e deste Senado. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL - Sr. Presidente, concluo e quero fazê-lo lembrando, como homem da Amazônia que desde pequeno foi acostumado a ver rios que desde a sua cabeceira vão cavando seu próprio leito, ensinando a nós, nortistas, que precisamos aprender a cavar o nosso próprio leito. Espécie de rio que avança e a um rio que avança não se opõem barreiras, dá-se-lhe curso, sob pena de ir derrubando tudo.

A partir de hoje, Sr. Presidente, a Bancada do Amazonas sobretudo, sei que a do Norte se incorporará a nós outros, em especial o nosso companheiro que, ao seu lado, acena com a cabeça, nosso grande médico. Vamos agora, Sr. Presidente, tratar dos assuntos que vêm para cá não mais com a indulgência que tínhamos, mas da mesma forma como estamos sentindo, vendo e comprovando que são premiados aqueles que dão pontapés e batem na canela. Chega de gentileza.

A hora, Sr. Presidente, é de dizer, pelo menos, o que dizia um jovem Deputado Federal em 1967: "Em termos de Amazônia, é melhor integrar para não ter que entregar". Isso acabou virando lema do Projeto Rondon. Entretanto, quando descobriram que era de um Deputado Federal que havia sido cassado, transformaram o lema "integrar para não entregar" em "integrar para desenvolver", o que não pegou.

A partir de hoje, tenho a certeza de que vamos pôr um ponto final no tipo de gentileza que estamos concedendo para partir para agressões merecidas.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 17/08/1995 - Página 14018