Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES A RESPEITO DE ARTIGO DO PROFESSOR MIGUEL REALE SOBRE A REFORMA DO PODER JUDICIARIO, PUBLICADO NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, DO DIA 2 DE AGOSTO.

Autor
Bernardo Cabral (PP - Partido Progressista/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • REFLEXÕES A RESPEITO DE ARTIGO DO PROFESSOR MIGUEL REALE SOBRE A REFORMA DO PODER JUDICIARIO, PUBLICADO NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, DO DIA 2 DE AGOSTO.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares.
Publicação
Publicação no DCN2 de 29/08/1995 - Página 14767
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, MIGUEL REALE, JURISTA, PROFESSOR, ANALISE, CRISE, JUSTIÇA, REFORMULAÇÃO, JUDICIARIO, SUGESTÃO, CRIAÇÃO, CONTROLE EXTERNO, IMPEDIMENTO, ABUSO, NEGLIGENCIA, MAGISTRADO.

O SR. BERNARDO CABRAL (PP-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando a atual Constituição foi promulgada, logo se verificou que o Poder Judiciário saía mais forte para o que se pretendia dar-lhe. Uma velha aspiração era a de que o Judiciário não gozava de autonomia administrativa e financeira.

Lembro-me, quando advogando no Rio de Janeiro, que um Secretário de Fazenda chegou a dizer a um Presidente do Tribunal, portanto, a um chefe de outro Poder, que ele mandasse as suas contas e o seu orçamento para serem examinados, desconhecendo que o Judiciário não era uma repartição subordinada ao Executivo.

A partir daí a OAB lutou muito por essa autonomia administrativa e financeira. Isso está consagrado, Sr. Presidente, no art. 99 da Constituição de 1988, assim como no art. 102 se dá competência ao Supremo Tribunal Federal para que ele seja a guarda da Constituição.

Vez por outra, aqui e acolá, ouve-se falar na reforma do Judiciário e na crise que se abate sobre o Supremo Tribunal Federal.

Há duas semanas, o excepcional jurista, filósofo, membro da ABI - portanto, Colega de V. Exª, Presidente José Sarney, ex-Reitor da Universidade de São Paulo -, o Professor Miguel Reale escreveu um artigo primoroso sobre a crise da Justiça, sem aquele tom emocional e sem o tom do elogio fácil.

O artigo foi publicado no jornal O Estado de S.Paulo, no sábado, 2 de agosto de 1995, sobre a reforma do Poder Judiciário.

      Notadamente, no que se refere à crise do Supremo Tribunal Federal, injustamente acusado de desídia, quando, na realidade, não sei como tem conseguido julgar mais de 2.500 recursos por mês. Uma cifra tão vultosa demonstra que, ao lado de decisões do maior alcance sobre casos novos, o maior tempo dos Ministros da Alta Corte tem sido tomado para verificação de inúmeros processos nos quais é desde logo aplicada a jurisprudência mansa e pacífica, firmada em reiterados julgados.

Ora, ele parte da premissa, Sr. Presidente, de que não é pelo caminho, ou da crítica, ou do elogio, que se vai reformar ou reformular o Poder Judiciário. Eu mesmo acompanhei aqui, outro dia, a angústia pela qual passava o Senador Antonio Carlos Valladares, com dois recursos, um interposto no Supremo Tribunal Federal e outro no Tribunal Superior Eleitoral, e a demora, o emperramento, para que a decisão fosse tomada.

Está aqui a análise perfeita, esse lado imenso que emperra o Judiciário. Ora, o que sugere Miguel Reale?

Tenho visto, Sr. Presidente, que nessa questão da crise da Justiça - e trata-se de uma opinião pessoal minha - o palco é pequeno para tantos atores de qualidade e, sem dúvida, cada um vem desempenhando o seu papel com incansável competência. Mas devo registrar que o Professor Miguel Reale, em alguns tópicos, aborda o assunto no ponto fundamental. Ouçam, V. Exªs, as palavras textuais de Miguel Reale:

      "Observo incontinenti que, para que uma providência dessa natureza possa ter êxito real, não bastará a revisão constitucional; é também indispensável mudança essencial na mentalidade e atitude de nossos juízes, habituados a somente agir quando provocados no âmbito de uma lide."

Miguel Reale fere um ponto que deixou de ser tabu no Judiciário quando diz:

"Quando nos defrontamos com o desvio de verbas dos serviços Judiciários."

Aqui está o diagnóstico e logo vem a terapêutica, Sr. Presidente, porque não foge ao assunto, dizendo:

      "Para coibir tais abusos ou para o afastamento de magistrados negligentes ou corruptos, não vejo em que a majestade da Justiça possa ser atingida pela criação de um órgão de Controle Externo do Judiciário, desde que nele prevaleçam os votos de seus membros. Foi o que entendeu a Comissão Paulista de Revisão Constitucional, que tive a honra de presidir, ao propor a criação de um Conselho Superior da Magistratura dotado da ampla função fiscalizadora, mas sem interferência na atividade jurisdicional propriamente dita."

E continua Miguel Reale:

      "Dele fariam parte um advogado militante, indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil, e mais quatro juristas de notável saber e reputação ilibada, escolhidos pelo Conselho e nomeados por certo tempo, depois de aprovados pelo Senado Federal.

Veja, Sr. Presidente, o que a experiência de alguém, já nos seus oitenta anos de idade, que dedicou sua vida inteira - como Miguel Reale o fez - ao campo do Direito, ele que é o autor da Teoria da Tridimensionalidade, Professor de Filosofia do Direito de indiscutível talento, sugere que deva ser aprovado pelo Senado Federal.

Portanto, o Senado retoma aquele caminho que, no passado e em grandes países, lhe dá a respeitabilidade que merece. E conclui sua observação, Sr. Presidente, dizendo que "haveria, desse modo, possibilidade de maior transparência nos soberanos serviços judiciais".

O que me traz à tribuna, Sr. Presidente, com matéria que não é fácil de se abordar porque há alguns prosélitos dessa ou daquela corrente, é que está na hora de se dar ao povo brasileiro a possibilidade de buscar justiça. E que seja uma justiça barata, hoje transformada em sinônimo de que só se pode ir ao Judiciário quem é rico. E para que haja um incentivo nessa busca, uma vez que não conheço ditado tão terrível, tão inconveniente, tão desastroso quanto aquele que diz que é melhor uma péssima conciliação do que uma boa demanda, como se fosse possível alguém abrir mão do seu direito de ir ao Poder competente para vê-lo reconhecido e, conseqüentemente, nele integrado.

A abordagem, Sr. Presidente, portanto, leva àquilo que Miguel Reale diz:

      "Vamos discutir o problema da crise da Justiça; daquilo que invade o Supremo Tribunal Federal, sem recorrermos ao tom emotivo ou crítico, mas ao meio termo.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Concedo o aparte a V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Bernardo Cabral, ninguém melhor do que V. Exª, nesta Casa, dispõe dos meios necessários à discussão de tema tão importante quanto este da valorização do Poder Judiciário, o que motivou ao Dr. Miguel Reale esse artigo do jornal O Estado de S.Paulo. V. Exª, ao colocar o Judiciário em seu verdadeiro patamar, reescreve, nesta tarde, a história do seu passado, como advogado, Presidente da OAB, e Relator da Constituinte: V. Exª sempre foi um defensor do Direito e do fortalecimento do Poder Judiciário. Estamos em época de reformas: tributária, administrativa, política, eleitoral e do Estado; é preciso também que falemos na reforma do Judiciário, no sentido de munir esse Poder de melhores condições para efetivação de serviço tão importante, visando ao equilíbrio da nossa sociedade. A celeridade dos processos, muitas vezes, está ligada à concentração de processos que existem principalmente nos Tribunais Superiores, e é preciso que essa pauta seja desobstruída. Para tanto, determinadas causas que alcançam o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, deveriam ser resolvidas em instâncias inferiores e, assim, nossa Suprema Corte ficaria desobrigada de atuar de forma repetida em processos e causas que instâncias inferiores poderiam resolver a contento. V. Exª, como grande jurista que é, Parlamentar atualizado com a realidade nacional, poderia liderar, em conjunto com todos nós e com o Judiciário, o estudo de uma fórmula que permita a resolução desses processos ou o seu julgamento em instâncias inferiores. Tive oportunidade, outro dia, de visitar o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Dr. Sepúlveda Pertence, que me afirmou ser quase impossível colocar em pauta todos aqueles processos ali existentes, mais de 20 mil processos. No Ministério Público, esse número é excedido. É preciso que algo seja feito no intuito de dar-se maior credibilidade ao Poder Judiciário através da celeridade dos julgamentos. V. Exª citou dois casos que eram - ainda são - do interesse do Estado de Sergipe: um, perante o Supremo Tribunal Federal, onde o processo passou calculadamente três anos entre idas e vindas; um outro, que deveria ter maior rapidez, tendo em vista tratar-se de fraude eleitoral comprovada, passou quase um ano no Tribunal Superior Eleitoral. Graças, entretanto, à atuação do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, esses dois casos foram elucidados e resolvidos a contento, apesar de ser terrível o que aconteceu naquele Estado, ou seja, a interferência política no andamento de processos. Isso não acontece aqui nos Tribunais Superiores. Gostaria, inclusive, de aproveitar a oportunidade para enaltecer o trabalho que está sendo desenvolvido pelo atual Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Dr. Carlos Velloso, que está implantando um serviço de informatização do voto. Na próxima eleição municipal já poderemos sentir a modernização desses serviços, porque certamente teremos as capitais e algumas cidades com esse sistema implantado, a fim de que os votos sejam apurados o mais rápido possível, evitando assim as famosas fraudes que alteram resultados eleitorais nos boletins e favorecem candidatos que não foram eleitos pelo povo. Portanto, quero parabenizá-lo e somar-me ao seu pronunciamento, no sentido de que cada vez mais favoreçamos a Justiça, dando-lhe os meios necessários para sua eficácia e celeridade no andamento dos processos. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL - Nobre Senador Antonio Carlos Valadares, devo dizer que o aparte de V. Exª, que agradeço, é fruto, no primeiro instante, de seu coração e da nossa amizade. Na segunda parte, V. Exª completou o que eu pretendia dizer, não com o brilho com que V. Exª o fez, quanto ao Tribunal Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal.

A meu ver, a crise na Justiça e a reforma no Judiciário passam por esta Casa. Aliás, o Brasil, nessa temática, precisa saber encontrar um caminho: ou o do anestesista ou o do cirurgião, ou o cosmético ou uma cirurgia plástica. Não podemos é ficar aqui como meros contempladores de um instante em que o povo reclama, como dizia ainda há pouco, que se institua uma Justiça barata, acessível a todos, impossibilitados de encontrar uma solução prática, racional, lógica.

Portanto, o aparte de V. Exª, reitero, enriquece o meu pronunciamento. Espero que possamos voltar ao assunto que, cada vez mais, é momentoso, para que não se censure só o Legislativo, ou o Judiciário, ou para que não se atire pedras no Executivo. Há uma nova feição nessa reforma que vem para cá, colocando e situando cada um dos Poderes nos valores correspondentes na atuação que estamos vendo.

Concluindo, perfilo-me, sigo e filio-me à corrente que Miguel Reale sugere, qual seja a de que passa pela aprovação do Senado a forma pela qual se deve coibir os abusos de magistrados negligentes.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 29/08/1995 - Página 14767