Discurso no Senado Federal

INEXISTENCIA DE UMA POLITICA DE CREDITO QUE BENEFICIE OS MICRO E PEQUENO AGRICULTORES.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • INEXISTENCIA DE UMA POLITICA DE CREDITO QUE BENEFICIE OS MICRO E PEQUENO AGRICULTORES.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/08/1995 - Página 14787
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, ADOÇÃO, GOVERNO FEDERAL, POLITICA AGRICOLA, OBJETIVO, FAVORECIMENTO, BENEFICIO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, PEQUENO AGRICULTOR, MEDIO PRODUTOR RURAL, CONCESSÃO, AMPLIAÇÃO, CREDITO AGRICOLA.

A SRª JÚNIA MARISE (PDT-MG. Como Líder, para uma comunicação. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, exatamente há um mês, milhares de agricultores ocuparam a Esplanada dos Ministérios para protestar contra a falta de política agrícola por parte do Governo Fernando Henrique Cardoso. A maioria deles eram médios, pequenos e microprodutores, que, com seu esforço, têm garantido comida barata e, por conseqüência, o sucesso do Plano Real.

No dia 18, véspera do protesto, o Presidente foi à televisão anunciar uma série de medidas que atentavam para a solução de todos os problemas enfrentados pelos agricultores brasileiros. Mas nada foi feito até agora.

Tenho em mãos um documento oficial do Banco do Brasil que me foi entregue pelo Sr. Antônio Paz, plantador de arroz e líder da marcha dos caminhoneiros. Esse documento revela que no dia 30 de junho deste ano, o total da dívida do setor agrícola com o crédito rural era de R$4,5 milhões, quase a mesma quantia que, segundo a imprensa, o Banco Central usou para tentar manter operando o Banco Econômico.

Dos 273.295 agricultores que recorreram ao crédito agrícola, 162.907 deles - portanto, mais da metade - contraíram empréstimos de até R$10 mil. Desses 16 mil pequenos e microagricultores, 9.517 devem R$31 milhões ao Banco do Brasil. Sabem quanto do total da dívida eles representam? Nada menos que 0,69%. Ou seja, não chega a 1%.

Uma outra parte desse documento do Banco do Brasil é aquela que se refere aos grandes produtores. Falo especificamente dos que contraíram empréstimos acima de R$500 mil e estão dando calote. Eles representam 5.554 produtores, dos quais 1.711 não pagaram o que deviam. A diferença entre eles e os pequenos é que os grandes normalmente vivem da monocultura, plantam para exportar e não para abastecer o mercado interno.

Sr. Presidente, está mais do que na hora de o Governo dar uma resposta a quem trabalhou para que sua política econômica tivesse sucesso. Se hoje o Governo pode ir à imprensa dizer que o Brasil está conseguindo consolidar seu Plano Econômico é porque a população está vendo nas feiras livres e nos mercados o preço da comida permanecer relativamente estável.

Na semana passada, o Presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Grãos, Sr. Sérgio Telles, entregou-me um documento do Banco do Brasil que revela dados surpreendentes. E, pior, mostra que o Governo está matando sua galinha dos ovos de ouro.

Nesse documento está escrito que os créditos colocados à disposição do setor agrícola até o dia 4 deste mês somam R$454,8 milhões. Uma quantia pífia. E por quê? Porque se dividirmos essa importância por 36 milhões de hectares, que é a área a ser plantada no Brasil para a safra 95/96, vamos descobrir que o Governo investiu apenas R$12,63 por hectare plantado, quando a média de custo, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Grãos, é de R$250,00 por hectare. Os créditos oferecidos pelo Governo correspondem a 5% da demanda. Repito, apenas 5%.

O caso do trigo é o exemplo mais flagrante do que pode significar redução de crédito combinado com menor área plantada. Tenho informações oficiais da Federação das Cooperativas de Trigo e Soja do Rio Grande do Sul as quais indicam que, pela primeira vez nos últimos dez anos, os gaúchos não vão conseguir produzir trigo suficiente para atender ao consumo do Estado.

A Coordenadoria de Assistência Técnica da Fecotrigo realizou um estudo que aponta que a área para o plantio de trigo este ano foi reduzida em 42,5%. Em todo o País serão produzidas este ano cerca de 1,6 milhão de toneladas de trigo, o que significa apenas 20% da nossa demanda. Para garantir o pão de cada dia aos brasileiros, o Governo terá, portanto, de importar nada menos que 6,5 milhões de toneladas ao custo de US$1,2 bilhão.

Agora, vejamos a incoerência do Governo. Em 1987, o Brasil era praticamente auto-suficiente em trigo. Ao optarem pela importação, inviabilizando a cultura de trigo nacional, os nossos tecnocratas geram desemprego e colaboram com a inflação. Por quê? Porque é prática comum nas regiões produtoras de trigo plantar esse cereal no inverno e usar a mesma terra para plantar soja no verão. A cultura de trigo no inverno protege o solo e faz com que o agricultor economize em fertilizantes e outros insumos. Sem o trigo, a terra fica exposta, o agricultor gasta mais para plantar soja e o resultado é um aumento no preço desse produto.

Se esses US$1,2 bilhão fossem aplicados na produção, o Brasil poderia plantar 4 milhões de hectares, se tornaria auto-suficiente em trigo e garantiria o emprego de pelo menos 50 mil pessoas. A política de importação de trigo fez elevar os preços internacionais do produto: de US$100.00 a tonelada, já estamos pagando perto de US$200.00.

O pior nisso tudo é que o Governo autorizou a importação de trigo argentino contaminado com um tipo de fungo jamais detectado em nossas lavouras.

A Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul realizou no dia 11 de julho uma reunião para debater a questão do trigo contaminado com fungo. O que li nos anais dessa reunião é no mínimo espantoso.

O Sr. Ministro da Agricultura alterou a vigência da Portaria nº 209, de 12 de abril deste ano, a qual passou a valer somente a partir do dia primeiro deste mês de agosto e permitiu que fosse descarregada no porto do Rio Grande uma carga de 6 mil toneladas de trigo contaminada com o fungo Tilletia Controversa.

Na reunião da Comissão de Agricultura da Assembléia gaúcha estavam presentes representantes do setor moageiro e técnicos do Governo. Um dos depoentes foi o funcionário da EMBRAPA Vilmar Córis da Cruz, que trabalha no Centro Nacional de Pesquisa de Trigo de Passo Fundo. Quero reproduzir aqui seu depoimento, já que se trata de pessoa com qualificação técnica e um estudioso do assunto:

      "Esse fungo causa a doença denominada carvão nanico, existente na América do Norte, na Europa, com exceção da Espanha e Inglaterra, na parte Norte da África, no Oeste da Ásia. Na América do Sul, é encontrado no Uruguai e Argentina, nossos vizinhos.

      O sintoma que causa na planta, inicialmente, é o nanismo e, na semente, todo endoesperma é substituído por grãos, por esporos. É disseminada pela semente e pelo solo, podendo lá permanecer por vários anos. Ataca também algumas gramíneas e alguns cereais de inverno, como cevada, centeio e aveia."

A irresponsabilidade do Ministério da Agricultura nesse episódio é preocupante. Tenho em mãos o documento da fiscalização sanitária argentina que acusa a presença do Tilletia controversa na carga de trigo que chegou ao porto do Rio Grande. Por que permitir, Sr. Presidente, que ela fosse descarregada?

O Ministério da Agricultura, ao liberar o trigo contaminado, buscou o argumento de que o fungo não oferece qualquer risco ao consumo humano. Infelizmente, essa afirmação não corresponde à verdade. E, para provar isso, cito o depoimento prestado pela Srª Maria da Graça Hofmeister, representante da Vigilância Sanitária da Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, durante a sessão da Comissão de Agricultura da Assembléia gaúcha. A Srª Maria da Graça afirmou que o Centro de Informações Toxicológicas da Secretaria de Saúde não tem registros bibliográficos sobre possíveis danos que a Tilletia controversa poderia causar ao ser humano. E não possui bibliografia por quê? Porque, como esse fungo nunca foi detectado nas lavouras brasileiras, não foram feitos estudos técnicos sobre o que aconteceria se ele fosse consumido pelas pessoas. Também não se sabe o que aconteceria se o farelo de trigo contaminado fosse oferecido como ração animal. A única certeza é que o trigo contaminado não poderia ser desembarcado no porto do Rio Grande e levado até os moinhos.

Certamente, a dona de casa do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e dos demais Estados do nosso País que foi ao supermercado não estava informada de que a farinha de trigo que usaria na cozinha teria sido moída a partir de um trigo contaminado com fungo. O macarrão que foi servido na merenda escolar, o pãozinho consumido pelos trabalhadores também podem ter sido produzidos com farinha moída a partir de grãos contaminados com um fungo que ninguém sabe dizer se faz mal ou não à saúde.

Faz pouco tempo, vivemos o episódio da importação da carne contaminada com radioatividade da usina nuclear de Chernobyl. Eram outros tempos. Houve uma grita geral, e a carne não foi colocada no mercado.

Enquanto o Governo impôs aos brasileiros o consumo de um produto vindo do exterior que ninguém é capaz de dizer se é saudável ou não, todos os recursos que a sociedade brasileira investiu na pesquisa de trigo e que permitiriam que a nossa agricultura atingisse um grau de eficiência semelhante aos mais qualificados produtores mundiais não estão servindo para melhorar nossa qualidade de vida. Os recursos que poderiam ser investidos no apoio aos agricultores foram desviados para a importação de US$1 bilhão em trigo.

Lamento, portanto, Sr. Presidente, que o Governo cometa equívocos como o que vem sendo cometido com a agricultura brasileira. E irresponsabilidades como a que levou o Ministério da Agricultura a liberar um alimento contaminado para o consumo interno. Lamento ainda mais que este País de perfil agrícola, que sempre se destacou como produtor de alimentos, condene à falência os trabalhadores que colhem a comida que vai para a nossa mesa e que, com o seu suor, garantiram a arrancada do Plano Real.

Portanto, Sr. Presidente, concluindo, temos aqui toda a documentação relativa a essa questão amplamente debatida pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. E o nosso apelo é no sentido de que, mais uma vez, possa o Governo estabelecer metas e estabelecer, o mais rapidamente possível, uma política agrícola definitiva para o nosso País.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/08/1995 - Página 14787