Discurso no Senado Federal

PROTESTANDO CONTRA A RETOMADA DE TESTES NUCLEARES PELO GOVERNO FRANCES.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NUCLEAR.:
  • PROTESTANDO CONTRA A RETOMADA DE TESTES NUCLEARES PELO GOVERNO FRANCES.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DCN2 de 07/09/1995 - Página 15567
Assunto
Outros > POLITICA NUCLEAR.
Indexação
  • PROTESTO, DECISÃO, JACQUES CHIRAC, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, RETOMADA, TESTE, ENERGIA NUCLEAR, OCEANO PACIFICO.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo reverenciou, no último dia 6 de agosto, a memória dos 140 mil mortos vitimados pela bomba atômica que explodiu nos céus de Hiroshima. No último dia 9, lembramos os 74 mil cadáveres provocados pelo artefato nuclear que brilhou com luminosidade mais intensa do que a do Sol em Nagasaki, no sul do Japão. O terror nuclear mostrou sua face, há 50 anos, nos últimos momentos da guerra no Pacífico.

Naquele episódio, o homem descobriu, perplexo e aterrorizado, que havia descoberto um meio de se destruir como espécie. Acabara a guerra tradicional, do homem contra o homem. Começou uma nova era, em que uma pessoa, através do gesto simples de apertar um botão, poderia extinguir a vida no Planeta. Surgiu a nova modalidade e mais devastadora de conflito: o homem contra a humanidade.

Em Hiroshima e Nagasaki ocorreram, no ataque nuclear, situações idênticas: sombras de pessoas pulverizadas pelo calor de mais de três mil graus impressas nas paredes e nas pedras, pilhas de cadáveres calcinados, casas e prédios destruídos ou se consumindo em incêndios, e milhares de feridos vagando em busca de abrigo. Depois veio a chuva negra e chegaram os efeitos da radiação atômica. As duas bombas fizeram e continuam fazendo vítimas até hoje.

A II Guerra Mundial acabou assim, em fogo, desolação, perplexidade e destruição. Por essa razão, as duas bombas atômicas lançadas contra o Japão contêm, para além da pavorosa agressão, lições preciosas e verdadeiras para a humanidade. Terminou naquele dia 6 de agosto a era da inocência. Começou a do terror nucelar e a do equilíbrio pela chantagem recíproca, segundo a capacidade de destruição de cada país.

As lições parecem não ter sido bem entendidas, porque russos, chineses, franceses, ingleses e indianos explodiram, posteriormente, suas bombas atômicas. Os russos e os norte-americanos chegaram, mais tarde, ao requinte: criaram a bomba de hidrogênio, a arma mais poderosa jamais produzida pelo homem. Ela reduz a cinzas tudo o que estiver num círculo de 32 quilômetros em torno do epicentro. Se a bomba atômica que explodiu em Hiroshima produziu luminosidade mais intensa que a do Sol, a bomba de hidrogênio - bomba H - é o Sol em miniatura.

As lições do ataque nuclear contra Hiroshima foram entendidas, em primeiro lugar, pelos cientistas que participaram do projeto Manhattan. Robert Oppenheimer, o pai da bomba, transformou-se num militante pacifista. Ele, ao descobrir a eficácia e a abrangência de seu invento, fez sua autocrítica numa frase terrível: "eu me transformei na morte". Diversos outros cientistas admitiram não ter idéia da capacidade destruidora da nova arma.

O mundo mergulhou, em seguida, na difícil provação da guerra fria. Estados Unidos e União Soviética expandiram ao máximo seus arsenais nucleares sob o argumento de que um não iniciaria a guerra por saber que o outro tinha a capacidade de destruir o mundo várias vezes. O confronto leste-oeste constituiu o argumento básico que permitiu o desenvolvimento das armas e a realização de testes atômicos. Ainda assim, desde os anos 50, os dois lados começaram conversas sobre limitação dos arsenais atômicos.

Sr. Presidente, estão rindo. É bom acionar a campainha e advertir.

O SR. PRESIDENTE (José Eduardo Dutra) - (Fazendo soar a campainha) - A Mesa adverte que existe um orador na tribuna que deve merecer o respeito de todos os presentes.

Senador Júlio Campos, V. Exª continua com a palavra.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Em 1979, os governos dos Estados Unidos e da extinta União Soviética concordaram em limitar a potência dos testes subterrâneos com armas nucleares. A partir do final dos anos 80, o fim da guerra fria empurrou os governos na direção de limitar ainda mais o número de testes e os arsenais nucleares. Recentemente, a Rússia, a Inglaterra e os Estados Unidos declararam moratória aos testes nucleares, exemplo que não foi seguido pela China, que continuou detonando bombas. A mais recente explosão, determinada pelo governo de Pequim, ocorreu no último dia 16 de agosto. Antes, havia ocorrido outra explosão de bomba atômica chinesa no dia 15 de maio.

Agora, o mundo, estarrecido, assiste ao início dos testes nucleares, como o ocorrido ontem no Atol de Mururoa, no Pacífico Sul. A explosão, equivalente a mil toneladas de TNT, foi a primeira de uma série de oito que o governo francês pretende realizar até maio de 1996. Os governos do mundo inteiro, sobretudo os situados no Pacífico, estão protestando contra a decisão de Paris. Os japoneses já iniciaram um boicote aos produtos franceses, atitude que começa a ser seguida pelos australianos. A França, o país da liberdade, da fraternidade e da igualdade, vira as suas costas para os apelos pacifistas e insiste em submeter o mundo, outra vez, ao flagelo nuclear.

Algo está errado, Sr. Presidente, Srªs. Srs. Senadores. A França das liberdades não é a França das bombas atômicas. O mundo deu passos decisivos em favor da paz nos últimos dez anos. As mudanças foram significativas. Caiu o muro de Berlim, a União Soviética se dissolveu em diversos países e a tendência mundial, inclusive no antigo leste europeu, é do retorno às liberdades democráticas e ao livre comércio. O contrário disto é o obscurantismo da guerra, a ditadura sanguinária e a hecatombe de Hiroshima e Nagasaki.

O Sr. Lúcio Alcântara - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço com atenção V. Exª, Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senador Júlio Campos, V. Exª aborda um tema que está ocupando as manchetes dos jornais no mundo todo, e começou evocando as origens das experiências científicas que terminaram desembocando na descoberta da fissão nuclear e, portanto, da energia nuclear. Mostrou, em seguida, como os países procederam aos primeiros testes; depois, as duas hecatombes, de Hiroshima e Nagasaki, e a corrida armamentista que se polarizou, sobretudo, entre a União Soviética e os Estados Unidos. É evidente que quando falamos de um tema como esse não podemos deixar de recordar também - até para ressaltar o contraste - o lado positivo da energia nuclear, o quanto ela tem colaborado para o desenvolvimento de diversos ramos do conhecimento humano. Na medicina, por exemplo, a aplicação da energia nuclear tem permitido avanços fantásticos, tanto na descoberta de doenças quanto no seu diagnóstico e tratamento. Também em outras áreas, como da pesquisa em biologia, em produção de alimentos, de novas espécies, marcação de produtos etc., tem-se um campo extremamente fértil e altamente positivo do uso pacífico da energia nuclear. Isso, para contrastar bem com esse outro lado, que é o lado realmente aterrorizador do uso inadequado, condenável, da energia nuclear. Por fim, é triste constatar - como V. Exª bem lembrou agora - que a grande França, a pátria das liberdades, da Revolução Francesa, com um patrimônio cultural fabuloso, sendo admirada por todos pelo humanismo da sua cultura nas artes, nas ciências, no desenvolvimento político, esteja agora na contramão da história, realizando esses testes nucleares que em nada a tornam merecedora da nossa admiração e do nosso respeito. Tanto assim que numerosos países reagiram a essas investidas, inclusive pedindo o retorno dos seus embaixadores. O Chile foi um desses países, aqui, na América do Sul; e outros mais, principalmente da Ásia, como V. Exª mencionou. Portanto, é preciso que chamemos o Presidente francês à razão, no sentido de adverti-lo de que o interesse da humanidade não está, de nenhuma maneira, ao lado dos que querem a realização desses testes, dessas experiências, que só fazem colocar em risco a humanidade. A energia nuclear é importante, mas a queremos para fins pacíficos: para a produção de energia, para o desenvolvimento das ciências e para a melhoria das condições de vida do homem. V. Exª é oportuno e este Senado deve, inclusive, fazer coro com o seu pronunciamento, para chamar à razão o governo francês.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado, Senador Lúcio Alcântara; incorporo, com muita honra, o seu aparte ao meu pronunciamento.

Reafirmo que a energia nuclear é importante para o mundo, mas ela deve ser utilizada para o bem da humanidade, na geração de energia, no desenvolvimento da tecnologia, na área da saúde, da agricultura, e não como está sendo feito pelo governo francês.

Meu sentimento de revolta é grande, até porque, como brasileiro, sempre admirei a França, a ponto de saber, além do nosso hino nacional, cantar em prosa e verso o hino francês:

      "Allons enfants de la patrie

      Le jour de gloire est arrivé"

Ficamos tristes de ver a França, país modelo para o mundo, ir na contramão da história nesse instante, contrariando a opinião pública mundial, reiniciando uma política de testes nucleares no Pacífico. E, queira ou não, irá nos atingir - a nós, brasileiros -, como atinge aos irmãos que vivem naquela região do Pacífico Sul.

Continuando, Sr. Presidente:

Nós, no Brasil, estivemos longe do círculo de fogo do poder nuclear. No entanto, devemos levar a nossa solidariedade àqueles que protestem em todos os recantos do Planeta contra a retomada dos testes nucleares pelo governo da França. A humanidade percebeu, depois de Hiroshima e Nagasaki, que havia descoberto o meio de se destruir como espécie. Não há mais a guerra tradicional, não existe mais o soldado lutando em campo aberto. A guerra de agora, se ocorrer, será travada por sofisticados computadores, capazes de infligir o maior dano possível ao adversário e, por extensão, à vida humana.

A guerra atômica ameaça a vida no Planeta Terra. Nenhum país, em verdade, poderá utilizar essa arma. Se o fizer, será varrido do mapa. Caso os estrategistas franceses ainda raciocinem com os conceitos da guerra de infantaria e aviação na Europa Central, estarão lamentavelmente enganados. Não haverá tempo para que os aviões levantem vôo, nem para que os soldados se coloquem em marcha. Os mísseis com ogivas nucleares, saindo de bases terrestres ou de submarinos, são capazes de acabar com o mundo diversas vezes.

Não há mais sentido na realização de novos testes nucleares. O mundo inteiro deu prova de maturidade ao derrubar o muro de Berlim. Os governos europeus trabalharam com afinco no sentido de organizar e implantar a sua comunidade de países. Em verdade, a Europa caminha, a passos largos, para se transformar num único país. Lentamente, as fronteiras foram se abrindo, o comércio se expandindo, as diplomacias se entendendo e a paz começou a emergir como uma possibilidade concreta. Em sentido contrário, os nacionalismos, as ditaduras e os belicistas perderam terreno.

Hoje, a Europa está unida. A paz está prevalecendo no Velho Continente. Estados Unidos e Canadá se unem em outro bloco. Os países da Ásia procuram formar um grande mercado e nós, aqui na América, lutamos para criar o nosso MERCOSUL, que vem sendo uma realidade luminosa. Tudo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é o avesso da guerra. O mundo se tornou pequeno, ligado por satélites, unido por redes de computadores. O Planeta ficou ao alcance da mão.

O comércio está florescendo em todos os recantos. O desenvolvimento começa a se constituir numa evidência no Brasil e nos países vizinhos. Tudo, enfim, aponta no sentido de uma paz duradoura, profícua e extremamente benéfica para todos quantos dela participarem. E, nesse bom momento da humanidade, justamente o país da democracia, das liberdades, da preocupação com os direitos individuais, a França de tantos exemplos dignificantes para a história da humanidade, decide agredir não só o homem como a sua própria história.

Nós, que aprendemos desde a escola a importância da Revolução Francesa e de suas conseqüências para todo o mundo ocidental, não podemos deixar de reprovar, de público, a infeliz decisão do governo do Sr. Jacques Chirac de retomar os testes nucleares no Pacífico Sul. Esses testes não modificarão o atual status da grande Nação Francesa, não vão amedrontar eventuais vizinhos também detentores do poder atômico, mas servirão para colocar uma nódoa na história do país onde vicejou e se desenvolveu a semente do Estado moderno e da Democracia.

O Sr. Casildo Maldaner - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço o nobre Senado Casildo Maldaner.

O Sr. Casildo Maldaner - Senador Júlio Campos, não quis interromper o final de seu pronunciamento, pela importância do mesmo, mas ao seu término gostaria apenas de enaltecer aquilo a que, inclusive, o Senador Lúcio Alcântara fez referências e também à profundeza do discurso, que não se conforma com a França apelar para isso; ela não tem tradição nesse sentido. V. Exª até recitava, ainda há pouco, o próprio hino da pátria francesa. Entendo que não é esse o caminho. Nós não nos conformamos pelo que a França representa no mundo, pelo que foi, até no campo democrático, nas conquistas democráticas, no Estado de direito, na queda da Bastilha, naquelas lutas em 1789, a divisão harmônica dos poderes, a independência dos poderes, segundo Montesquieu, a qual nos legamos, seguimos no Brasil, nos nossos cursos de Direito. Por essas tradições todas é que também não posso me conformar quando ocorre isso. Portanto, gostaria de fazer alusões ao seu pronunciamento e dizer que V. Exª está de parabéns em lamentar o que vem ocorrendo. Não dá para nos conformarmos. O Brasil não pode se conformar. A França não tem essa tradição, e é por isso que V. Exª está de parabéns quando vem abordar um assunto tão sério e com tanta profundeza na tarde de hoje aqui no Senado.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Incorporo, com muita honra, o aparte do nobre Senador Casildo Maldaner ao meu pronunciamento. Tenho certeza absoluta que o Presidente da França, Jacques Chirac, há de fazer com que o seu coração, os seus olhos, a sua mente se voltem para o sentimento do mundo todo, que é de protesto por esse tipo de política de agressão ao meio ambiente e ao mundo racional, que é o reinício dos testes atômicos na região do Pacífico Sul.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 07/09/1995 - Página 15567